sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Saudades do Apocalipse e Elysium, um plágio escancarado

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Saudades do Apocalipse e Elysium ─ um plágio escancarado

por Fernando Soares Campos(*)

Elysium, uma superprodução hollywoodiana, é um filme de ficção científica lançado em agosto de 2013,  escrito e dirigido por Neill Blomkamp (diretor sul-africano, tornou-se famoso após dirigir o filme "Distrito 9", indicado a 4 Oscares) e estrelado pelos atores: Matt Damon (Matthew "Matt" Paige Damonator, roteirista e produtor norte-americano, ganhou o Oscar de melhor roteiro original e o Globo de Ouro de melhor roteiro, com o filme Good Will Hunting; como Max da Costa, em Elysium), Jodie Foster (norte-americana, vencedora de dois Oscares  de melhor atriz; como Secretária Rhodes Delacourt), Sharlto Copley  (ator, diretor e produtor sul-africano; como Kruger), William Fichtner (conhecido por seus papéis nas séries de televisão Invasion e Prison Break; como John Carlyle, o CEO da Armadyne Corp, a companhia que construiu Elysium) e os brasileiros Wagner Moura (O capitão Nascimento, em "Tropa de Elite"; como Spider Ramos) e Alice Braga (como Frey Santiago). (Informações compostas por dados extraídos do verbete "Elysium", Wikipédia, e dos créditos do filme.)

A história futurista se passa em 2154, quando uma pequena parte da população humana vive em Elysium, uma enorme estação espacial, semelhante a um Cilindro de O'Neill, um habitat artificial disponível apenas para os mais ricos e onde qualquer doença ou ferimento são rapidamente curados em máquinas médicas chamadas de "Med-Bays". O resto da população mora na Terra superpopulosa e pós-apocalíptica.


Baseado nessa visão geral do enredo, o roteirista criou uma trama com pouca dramaticidade e muita ação, utilizando recursos de câmera e edição digital ─ cenas realizadas por computação gráfica.



Acontece que essa sinopse do filme serviria perfeitamente para descrever um conto de minha autoria intitulado "Saudades do Apocalipse", ficção científica, que escrevi por volta do ano 2000, publicado em livro de mesmo título pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores, em 2003 (8 contos e um esquete), fazendo apenas ligeiras alterações, basicamente nas datas em que a história se desenrola e na denominação da estação espacial.



Usando a sinopse de "Elysium" para descrever meu conto "Saudades do Apocalipse":


A história futurista se passa nos anos 2053/54, quando uma pequena parte da população humana vive em SiJOs ─ Sideral Joint Ownerships, estações espaciais, habitats artificiais disponíveis apenas para os mais ricos, muitos deles já ultrapassaram em muito os cem anos de idade (isso quer dizer que contam com as tais máquinas de cura, conforme relatado na sinopse de “Elysium”). O resto da população mora na Terra, superpopulosa e pós-apocalíptica.

O conto é narrado em primeira pessoa, o narrador-testemunha, vivendo no futuro, relata fatos e condições de vida registrados em seu diário a partir de 15 de outubro de 2053 até 5 de fevereiro de 2054. Ele compara os acontecimentos de sua época com a vida no século XX, do qual viveu as duas últimas décadas.



Na narrativa do conto não há propriamente uma trama, apenas testemunho das condições de vida do personagem em sua época, comparadas à sua própria vida nas duas últimas décadas do século XX, porém alguns dos seus relatos coincidem com algumas falas dos personagens de "Elysium".



Exemplos



Elysium:



Max e Frey, ainda crianças, conversam:


Frey: ─ Se você morar lá (em Elysium), você nunca fica doente nem velho (extraído do vídeo dublado em português, 0:03:09).


Saudades do Apocalipse:



Narrador-testemunha: ─ Sabe-se que os milionários que moram nos condomínios espaciais, os SiJO's - Sideral Joint Ownerships -, já ultrapassam em muito os 100 anos de idade. (...) As informações que nos chegam são precárias, porém dizem que três ex-presidentes dos EUA vivem hoje numa dessas estações. Dos brasileiros famosos que se tem notícia, fala-se de dois ex-empresários das comunicações, ambos já senis no início do século, mas atualmente desfrutando seus cento e muitos anos nas estações orbitais - verdadeiras cidades suspensas no espaço sideral (extraído do registro do dia 16 de dezembro de 2053).



Elysium:



John Carlyle, o CEO da Armadyne Corp, a empresa que construiu Elysium e fabrica robôs e naves espaciais, é cidadão de Elysium, mas vive na Terra e eventualmente visita a estação espacial.


Carlyle está conversando, em videoconferência, com autoridades residentes na estação espacial:

Um dos habitantes de Elysium afirma: ─ Se não tivermos um projeto claro de progressão, nossos investidores vão começar a perder a confiança.

Carlyle responde: ─ E o que acha que eu tenho feito aqui na Terra? Acha que gosto de respirar este ar? (extraído do vídeo dublado em português, 0:11:13).


Saudades do Apocalipse:



Narrador-testemunha: ─ Na verdade, quem nasceu e criou-se no espaço, nos SiJO's, ou mesmo quem vive por lá há muito tempo, não tem biorresistência para suportar a atmosfera insalubre aqui da Crosta (extraído do registro do dia 13 de janeiro de 2054).



Elysium:



Max sofre um acidente de trabalho e é exposto a uma grande quantidade radiação. Sabendo que só sobreviverá se entrar em uma Med-Bay, pede ajuda a seu amigo Julio (Diego Luna), que o leva a Spider (Wagner Moura), um "coiote" responsável pelas naves clandestinas que levam imigrantes ilegais a Elysium. Max descobre que carrega consigo informações capazes de tornar todos os terráqueos cidadãos legítimos de Elysium. Só muito raramente um habitante da Terra poderia obter a condição de cidadão de Elysium (extraído da sinopse do filme na Wikipédia e acrescido de informações baseadas na exibição do filme).



Saudades do Apocalipse:



...o Paraíso e o Inferno correspondem hoje à vida no Espaço e na Crosta, respectivamente. Assim, insistem em afirmar que os processos seletivos de condenações e absolvições, conforme as terrificantes revelações proféticas do livro Apocalipse, estejam explícitos nesta separação entre nós, os "excluídos" (habitantes da Crosta), e os "escolhidos" (habitantes dos SiJO's). Mas garantem que ainda resta uma chance para os que aqui ficaram: salvarem-se através do processo de arrependimento e expiações e, finalmente, se submeterem a uma prova de incontestável fidelidade ao SUED - Sistema Universal de Educação e Disciplina, ou - como no original - Discipline&Education Universal System - DEUS (extraído do registro do dia 17 de janeiro de 2054)



Elysium:



Em algumas cenas do filme, pode-se observar que a comunicação da administração pública com a população é feita através de alto-falantes.



Saudades do Apocalipse:



Agora, sem rádio, televisão, jornal, revista ou Internet (só nos resta o Boletim Oficial, lido diariamente através dos alto-falantes), não sabemos mais a quanto andam as outras partes do mundo (extraído do registro do dia 25 de dezembro de 2053)



Elysium:



Devido a um desentendimento que teve com policiais-robô na rua, Max, que se encontra em liberdade condicional, é intimado a comparecer ao Departamento de Justiça, onde tem uma entrevista com um oficial-robô, agente de condicional, que arbitrou determinada punição sem lhe conceder direito à defesa.



Saudades do Apocalipse:



O SUJAZ - Sistema Unificado de Justiça Arbitrária das Zcosgtas - atualmente prefere a aplicação do degredo interplanetário ao confinamento em prisões subaquáticas, ou à pena capital, por acreditar que tal castigo é mais exemplar que a própria morte (extraído do registro do dia 13 de janeiro de 2054).  



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A quem se interessar por esta questão e quiser dirimir dúvida quanto ao filme Elysium ser (ou não) plágio do meu conto Saudades do Apocalipse, recomendo assistir ao filme "Elysium" e ler o conto, publicado em alguns sítios da internet. A primeira publicação foi no diário espanhol La insígnia, 2005. Também publicado na revista digital NovaE, 2007. O livro foi impresso em pequena tiragem, em 2003, e hoje pode ser encontrado em algumas bibliotecas escolares e na Biblioteca Municipal de minha cidade natal, Santana do Ipanema-AL.



Também em 2006 criei um blog denominado "O Quinto Cavaleiro do Apocalipse" e publiquei este meu conto  O blog ficou abandonado, sem atualização, mas ainda pode ser acessado: Saudades do Apocalipse. Nesta postagem pode-se ler alguns comentários dos leitores.



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"Saudades do Apocalipse" (completo)



Por Fernando Soares Campos



243ª ZCOSGTA. 15 de outubro de 2053.



Como cheguei aos 74 anos de idade, não sei. Sei apenas que aqui cheguei. Nasci a 16 de dezembro de 1978, logo completarei 75. Na virada do milênio, eu concluía o curso de Engenharia Florestal, uma teimosia vocacional, ou uma esperança infundada. Infundada sim, pois tudo indicava que, num futuro bem próximo, tal profissão seria declarada obsoleta. Sabia-se que muito em breve as nossas florestas seriam transformadas nos imensos desertos em que realmente as transformaram. E ninguém precisava de bola de cristal para prever tal desfecho.



Antes da desertificação, o Brasil foi loteado em áreas semelhantes às capitanias hereditárias do início da primeira colonização, e os lotes serviram para liquidação das dívidas contraídas junto aos organismos financeiros internacionais.



No final do segundo milênio, nova ordem econômico-financeira do mundo globalizado levou os chamados países do Terceiro Mundo à bancarrota e, na segunda década do século XXI, transformou-os em simples possessões: domínios à moda antiga, agora sob a denominação de ZCOSGTA's - Zona sob Controle da Organização Supranacional para Gerenciamento dos Territórios Alinhados -, ou seja: as zonas sob controle são os territórios alinhados gerenciados pela OSGTA, a superorganização que os administra.

Esta 243ª ZCOSGTA corresponde ao antigo Estado do Rio de Janeiro. São Paulo foi dividido em duas zonas: a 238ª (norte) e a 239ª (sul). Todo o Brasil (exceto a Região Amazônica, pois esta área já havia sido ocupada por um consórcio internacional anos antes) foi dividido em 45 ZCOSGTA's.


No início, aquilo era apenas o que chamavam de imperialismo suave, o soft imperialism, que encontrava defensores mesmo entre nós. Defensores?! Não, mais tarde (tarde demais) os reconhecemos pelo que realmente são: entreguistas. Depois veio essa degradante condição de tutela imperialista nos moldes antigos. Tão ou mais violenta que as ocupações nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (raros são os registros que restam sobre essa fase da História). Fomos uma das primeiras nações a se submeterem ao controle da OSGTA, que à época ainda atuava sob os disfarces de FMI, Bird e de outras instituições financeiras internacionais.



22 de novembro de 2053



De onde vem essa chuva oleosa que cai incessantemente? Quais as causas disso? Ainda não estão claramente definidos os motivos que a provocam. Há cerca de cinco décadas, no final do século XX, a cinematografia hollywoodiana, baseando-se nas experiências vividas em Hiroxima e Nagasaki, explorou esse cenário em produções futuristas. Atribuíam-na às consequências de um cataclismo atômico. No entanto, apesar de não se haver efetivado o terceiro grande conflito mundial, a hecatombe nuclear definitiva, aqui estamos debaixo desse gosmento chorume, antes só visto nos aterros sanitários. Nas ruas, as pessoas atingidas pelas primeiras precipitações desse viscoso líquido escuro acreditavam que estavam sendo alvo de uma estúpida brincadeira, achavam que alguém lhes atirava óleo queimado do alto dos edifícios. Tal equívoco provocou muitas discussões, brigas e até agressões seguidas de assassinato. Mas logo fomos informados sobre esse obscuro fenômeno.



Chove sem parar. Se é que podemos chamar esse corrimento atmosférico de chuva. É como se o céu se encarregasse de permanentemente nos lembrar as agressões ambientais que cometemos nos últimos cem anos: imprudentes desmatamentos, excessiva poluição atmosférica, irresponsáveis represamentos e desvios de cursos fluviais, agressivos testes com ogivas nucleares e as mais criminosas agressões ambientais.



Não, não cessa nunca! Ocorrem apenas mudanças no índice pluviométrico e na temperatura do "lodo austral" - denominação que alguns cientistas dão a esse óleo pluvial, por acreditarem que o fenômeno tenha origem no espaço aéreo perpendicular ao imaginário eixo polar sul, onde, supostamente, o globo terrestre processaria a poluição geral do Planeta, centrifugando os poluentes e redistribuindo-os sob a forma de gases concentrados, os quais se condensam e se precipitam dessa maneira chorumenta -. É uma das muitas teorias sobre essa chuva mefítica (o mau cheiro lembra a catinga que se exalava dos canais que margeavam a extinta Ilha do Fundão), a de menor aceitação nos meios acadêmicos, porém a mais difundida entre a população, que hoje é extremamente mal informada (todas as notícias e informações gerais nos chegam via agência oficial da OSGTA, sob o crivo do Departamento de Censura).



O que se conhecia como estações climáticas agora são períodos marcados pela intensidade das precipitações de chorume e sua temperatura. E não mais ocorrem em fases definidas. Outono, inverno, primavera e verão agora são condições temporais momentâneas, com início e duração até previsíveis pelos observatórios meteorológicos; todavia, sem a verificação das fases estabelecidas pelos solstícios e equinócios como antigamente. Portanto, depois de um breve outono de duas semanas, poderemos retornar a um rigoroso verão, com temperaturas elevadíssimas e chorume abundante, durante toda a semana ou mesmo todo o mês seguinte. Sei que teremos um Natal hibernal, apesar de estarmos passando por um período de verão com a temperatura atingindo os 47 graus, porque ontem tomei conhecimento das previsões do infalível Departamento de Meteorologia: "Nas três próximas quinzenas a temperatura do chorume tende a ficar em torno dos 15 graus negativos" - se essa coisa congelasse, teríamos neve negra no Natal.



16 de dezembro de 2053



Aniversario hoje. Completei os 75. Não haverá comemoração. Há muito tempo não se festejam aniversários. Não há motivos que justifiquem comemorações. Poucos, entre os que vivem (sobrevivem) aqui na Crosta, chegam a esta idade. Sabe-se que os milionários que moram nos condomínios espaciais, os SiJO's - Sideral Joint Ownerships -, já ultrapassam em muito os 100 anos de idade. O primeiro condomínio espacial, o SiJO-001, foi instalado nos anos 30 deste século XXI. As informações que nos chegam são precárias, porém dizem que três ex-presidentes dos EUA vivem hoje numa dessas estações. Dos brasileiros famosos que se tem notícia, fala-se de dois ex-empresários das comunicações, ambos já senis no início do século, mas atualmente desfrutando seus cento e muitos anos nas estações orbitais - verdadeiras cidades suspensas no espaço sideral.



25 de dezembro de 2053



É Natal. Por incrível que pareça, a música característica desta época ainda é Jingle Bells, o hino do Natal. Sempre que entramos no mês de dezembro, o alto-falante do abrigo toca-o dia e noite. Basicamente não há justificativa para confraternização de qualquer tipo. Contudo o Natal ainda é lembrado. Nas entradas dos abrigos subterrâneos, onde vive a maior parte dos litosféricos, são montados presépios. É uma iniciativa feminina, nos últimos tempos as mulheres sempre se encarregam de instalar as lapinhas (lembrei-me de minha infância, em minha terra chamavam presépio de lapinha). Existem atividades que só as mulheres exercem, montar presépio é uma delas.



Nem antropólogos, nem sociólogos, nem psicólogos, ninguém consegue explicar as razões, mas o fato é que a mulher ocidental orientalizou-se (para usar este termo que foi um neologismo muito em moda nos anos 2020), abandonou a postura feminista incrementada nos anos 1970, desistiu dos propósitos de emancipação profissional, de prover a subsistência em concorrência com os homens, e reassumiu a condição de aparente submissão ao domínio masculino. Pela via contrária, ocorreu a ocidentalização das orientais. Pelo menos foi isso que vimos enquanto tínhamos acesso à Internet.



Até o final da época das televisões via cabo e satélite, assistimos a muita manifestação feminista (no Oriente) e feminina (no Ocidente). Agora, sem rádio, televisão, jornal, revista ou Internet (só nos resta o Boletim Oficial, lido diariamente através dos alto-falantes), não sabemos mais a quanto andam as outras partes do mundo. Acredito que, hoje em dia, nenhum movimento de protesto ou reivindicação faz sentido em qualquer parte, pelo simples fato de não se ter a quem protestar ou reivindicar.



As ZCOSGTA's não passam de mero conceito geográfico, não têm governo próprio. Muita gente não sabe nem mesmo o que vem a ser governo. Há muito tempo não se usa o termo governar; mas, sim, gerenciar.



Os núcleos humanos são essas aglomerações sem identidade própria. Não se sabe ao certo o que são. Há muitos anos o termo comunidade caiu em desuso. A administração da OSGTA está restrita a pouquíssimas áreas. É o que chamam de gerenciamento mínimo, neoliberalismo (aqui está ele de volta, neomaquiado). Suas atuações mais marcantes estão restritas às áreas de Comunicação, por motivos óbvios, e Transporte - neste caso, especificamente porque temem migrações em massa. Migrar para onde?! - estamos sempre a nos perguntar uns aos outros. Desconfiamos que ainda possam existir na Crosta algumas áreas livres do chorume pluvial. Mas isso é apenas especulação.



13 de janeiro de 2054



Ontem à noite ouvi uma conversa entre uns companheiros aqui do abrigo. São pessoas na faixa dos 40/45 anos, como a maioria dos habitantes dos abrigos subterrâneos. Esses companheiros sabem de muita coisa referente à época pré-chorume.



Fgno, que parece ser o mais velho dos três, perguntou: "O que se imaginava que viesse depois do Armagedom?"



Pxton respondeu: "O Livro Sagrado falava de condenação e salvação: inferno pra uns, paraíso pra outros".



Aí Rtno acrescentou: "As pessoas especulavam sobre como se daria o Armagedom. Muitos imaginavam o Dia do Juízo como um momento em que se desencadeariam aterrorizantes fenômenos, mas esperava-se um evento com dia e hora marcada pelo Criador".



Estou registrando esse diálogo porque me lembrei de uma série de artigos escritos em 2019 por um sociólogo alemão que defendia a tese de que o século XX corresponde ao período apocalíptico profetizado nos livros sagrados das diversas correntes religiosas. Para ele, o narcotráfico, que se disseminou pelo mundo até meados da terceira década do século XXI, seria a representação de um dos Cavaleiros do Apocalipse. Sua tese, até o presente aceita pela maior parte da população, é, a meu ver, uma lucubração fantasiosa, sem nenhum respaldo científico.



A bem da verdade, é preciso reconhecer que, tirante o nazi-fascismo dos anos 1930 e dos 40, os demais fatos históricos do século passado se transformam em romanescos acontecimentos, quando comparados a esta catastrófica situação dos dias atuais. Mesmo o narcotráfico, que chegou a dominar praticamente todo o mundo e ameaçou transformar a população terrestre numa ignava massa de dependentes químicos, está, na categorização mundial da malignidade, em posição inferior às organizações político-financeiras que controlam o mundo atual, lá dos palácios flutuantes, no Olimpódromo (nome dado à via espacial transitada pelas estações orbitais em que vivem as elites dominantes). As viagens à Crosta, para aqueles maquiavélicos manipuladores da Economia, são aventuras radicais: só desembarcam aqui e circulam entre nós fantasiados de astronauta. Na verdade, quem nasceu e criou-se no espaço, nos SiJO's, ou mesmo quem vive por lá há muito tempo, não tem biorresistência para suportar a atmosfera insalubre aqui da Crosta.



17 de janeiro de 2054



(Costumo intervalar de períodos bem mais longos estes registros memoriais, porém um novo argumento me fez voltar aqui mais breve que de costume.)



Ontem me caiu nas mãos um velho exemplar de "O Século XX e o Apocalipse", uma compilação de textos publicados entre 2015 e 2030, os quais teorizam sobre a hipótese de que o século passado corresponda ao período apocalíptico anunciado pelas profecias dos livros sagrados; conforme as conjecturas daquele sociólogo alemão, a quem me referi no registro de 13 de janeiro último.



Os autores dessa obra são unânimes na opinião de que o Paraíso e o Inferno correspondem hoje à vida no Espaço e na Crosta, respectivamente. Assim, insistem em afirmar que os processos seletivos de condenações e absolvições, conforme as terrificantes revelações proféticas do livro Apocalipse, estejam explícitos nesta separação entre nós: os "excluídos" (habitantes da Crosta), e os "escolhidos" (habitantes dos SiJO's). Mas garantem que ainda resta uma chance para os que aqui ficaram: salvarem-se através do processo de arrependimento e expiação e, finalmente, se submeterem a uma prova de incontestável fidelidade ao SUED - Sistema Universal de Educação e Disciplina -, ou - como no original - Discipline&Education Universal System - DEUS.



05 de fevereiro de 2054



Sei que até aqui estou dando a entender que discordo dessa suposta tese que faz do século XX a Era Apocalíptica, na qual teria ocorrido o catastrófico Armagedom, o grande conflito entre o Bem e o Mal. No entanto a minha opinião não é simplesmente discordante. Na verdade, quem vive (?) os dias de hoje e viveu, pelo menos, o último quarto do século XX sabe que, dentre todas as atividades criminosas, dentre todos os cânceres sociais conhecidos até o presente, dentre todas as formas de corrupção ou de qualquer outra degradação moral possível, enfim, dentre tudo aquilo que possa ser classificado como danoso ao ser humano, nada pode se comparar (menos ainda se equiparar) ao ganancioso domínio político do poder econômico, nem ao entreguismo dos vendilhões da Pátria, nem ao funesto poder bélico das arrogantes superpotências. Fatores que, interagindo, formam o maior complexo de geração das desgraças que hoje assolam o Planeta. Depois disso, só nos resta sentir Saudades do Apocalipse.



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Youtube 

(*) Fernando Soares Campos é escritor, autor de “Fronteiras da Realidade – contos para meditar e rir... ou chorar”, Chiado Editora, Portugal, 2018.

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segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Bolsonaro na ONU: o sonho dele é o pesadelo do Brasil

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Bolsonaro na ONU: o sonho dele é o pesadelo do Brasil

Férias sem viagem

Por Janio de Freitas, na Folha de São Paulo

O ambiente da ONU só pode ser o mais impróprio para Bolsonaro 

O ambiente da ONU só pode ser o mais impróprio para Bolsonaro. É natural que por lá não tenham esquecido sua afirmação de que, eleito, retiraria o Brasil da entidade, tratando-a como um amontoado de comunistas. E, mais recentes, seus ataques ao secretário-geral António Guterres e à dirigente do Alto Comissariado de Direitos Humanos, Michelle Bachelet, de muito prestígio na diplomacia e entre políticos de nível internacional. Amazônia condenada, indígenas perseguidos, liberação de armas, ataques a Noruega, Alemanha e França integram o cardápio da recepção a Bolsonaro. Sem surpresa, se ao som de vaias.

LEIA MAIS (para assinantes): https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2019/09/ferias-sem-viagem.shtml


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PressAA
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sábado, 7 de setembro de 2019

A lanterna mágica

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A lanterna mágica

Urda Alice Klueger(*)

Era uma noite fria de 2004, um pouco antes de chegar o frio brabo, no planalto catarinense, lugar onde até neve cai, e era uma noite de grandes acontecimentos, onde 500 famílias ocupavam e tomavam posse da terra do maior latifúndio deste meu estado, que um dia fora uma fazenda dedicada ao reflorestamento, mas que agora, em tempos de neoliberalismo, não passava de terra arrasada. O lugar ficara tão abandonado depois que seus indefinidos proprietários internacionais o esqueceram, que a pequena cidade de São Cristóvão do Sul praticamente falira: as pessoas tinham ido embora, a escola tinha fechado, A IGREJA TINHA FECHADO, e era a primeira vez na minha vida que eu ouvia que uma igreja fechara, daí o meu espanto! Daí, também, a grande receptividade no escuro da madrugada , com as autoridades regionais de braços abertos, esperando aquela ocupação que vinha trazer gente para salvar aquele lugar do mundo que até o Capital esquecera – e eu tinha o privilégio de estar lá, apoiando aquela gente, e penso que nem em toda a vida irei lembrar do tanto que há para contar sobre aquela noite!


Pelas três, quatro da madrugada, deu-se a grande ocupação – era inverno, amanhecia tarde, faltava muito, ainda, para o dia chegar, e aquela gente que tinha como rumo único a solidariedade e o sonho de uma terra para plantar, acostumada que era a viver sem coisas como luz elétrica tratava de se organizar, e por todos os lados surgiam lanternas que começaram a iluminar o imenso campo devastado. Como os demais, eu vagava por ali, esperando a chegada do dia e vendo os vultos escuros. As lanternas que estavam com as pessoas tinham os mais diversos modelos e formatos: iam desde as mais sofisticadas, aquelas que se usam em luxuosas barracas de grandes famílias, no verão dos campings, alimentadas não-sei-a-que, até... bem, até aquela como nunca vira na minha vida, a não ser parecidas, existentes em desenhos ilustrativos de histórias infantis que se passavam antigamente em países cheios de neve. É melhor explicar logo: alguém pegara uma lata dessas de conserva de pepinos ou de pêssegos, cortara um quadradinho na parede da lata, fizera uma alça de arame, e lá dentro da lata acendera uma vela. Era um homem que a segurava – as paredes de lata impediam que a vela fosse apagada pelo vento, e aquele pequeno quadrado era uma janelinha de luz que liberava sua luminosidade quase que em forma de cone, ampliando-a – e o dono da lanterna sabia manejá-la muito bem, direcionando a luz para onde bem lhe aprouvesse.

Fazia um frio danado e a manhã tardava a chegar. Zanzando por ali tudo, acabei me aproximando do homem da rusticíssima lanterna, curiosa com o funcionamento dela. Na pouca luminosidade daquela madrugada, o homem me mostrou a praticidade dela, falou do baixo custo para mantê-la, essas coisas que costumam ser faladas por quem está acostumado a viver com quase nada.

A mulher do homem se juntara a nós, e eram ambos seres muito maltratados pela vida, envelhecidos – imaginei que tivessem já seus quarenta anos.

- Quer ver nossas crianças? – o homem perguntou, direcionando sua luz precária para um colchãozinho infantil que descansava na grama, escondido sob um cobertor de lã. Com muito cuidado, ele e a mulher levantaram parte da lã... e sob ela dormiam SEIS criancinhas, uma escadinha que ia de zero a sete anos.

- Perdemos uma... – o homem se emocionava, iluminando seus tesouros com aquela lanterna mágica que me atraíra.

- Que aconteceu?

- Ficou doente. A gente não tinha como tratar. Morreu – e tanto ele quanto a mulher ficaram ali, inclinados e tristes, chorando um no ombro do outro. Tinham seis anjinhos ali dormindo naquele colchãozinho, mas sentiam falta daquele outro que partira – já não eram completos; uma parte deles lhes fora tirada pela pobreza, ficara no meio do caminho, quebrara-se a sua cadeia da vida. Estavam tão tristes assim chorando naquela iluminação precária, que procurei desconversar.

- Vocês são de onde?

- Vim do interior de São Paulo, dona. A mulher eu roubei no Paraná, faz sete anos! Ela tinha 14 anos! – a alegria lhes voltara com aquelas lembranças quase que de capa-e- espada, provavelmente a única grande aventura das suas vidas. Agora riam seus risos desdentados e feios de quem só conhecera a dura pobreza extrema, e então fiz a conta, considerando a criança mais velha:

- Mas então tu tens 21 anos...

Sim, aquela mulher maltratada, envelhecida prematuramente, só tinha 21 anos, um marido decerto um pouquinho mais velho, e o colar incompleto de seis crianças que eram as suas pérolas. E juntos, os dois tinham aquele colchãozinho infantil, um cobertor, aquela lanterna – e um sentimento enorme que os unia.

Fiquei ali, parva, pensando como poderiam sobreviver aquelas oito criaturas se não tivessem se amparando uns aos outros dentro daquele movimento que clamava pela justiça do fim das capitanias hereditárias.

Nunca me esqueci daquela família com sua lanterna mágica, seu amor tão grande até por aquele anjinho que voara embora, aquele anjinho que fazia falta no colchãozinho onde dormiam outros seis.

Penso que se passaram uns três ou quatro anos até encontrar aquele homem de novo. Era de dia, mas o reconheci. Desta vez, como eu, ele estava de apoiador para um povo inteiro em risco de vida por conta de um fazendeiro pestilencialmente mau. Rimos um para o outro, e perguntei por sua mulher, pelas crianças. Todos estavam bem, e agora TINHAM A SUA TERRA! Ele me disse o nome do assentamento onde moravam, e eu sabia que aquele era um lugar bom, onde as pessoas estavam conseguindo viver felizes.

- Dona, lá dá de tudo! Tem feijão, tem milho, tem melancia... e as vacas, dona, eu estou criando vacas! É a coisa mais linda! Já tem leite para vender, e nunca mais que as crianças ficaram sem leite!

Foi a maior alegria encontrar de novo aquele homem que possuía uma lanterna mágica, agora seguro e bem alimentado! Decerto sua mulher rejuvenescera também, no novo regime de leite, manteiga e tantas melancias, “olha dona, precisava ver cada melancia!”.

De vez em quando eu fico lembrando do homem que tinha aquela lanterna única. E então penso também no punhado de bobões que acredita na imprensa que se curva diante do Capital e se posiciona ao lado dela, falando as maiores barbaridades contra quem procura seu direito à terra, sem ter nenhum conhecimento sobre o que seja verdade ou não. Daí eu sei que sempre vou poder contar com aquele homem e a sua família. Há uma lanterna mágica a nos unir para sempre.

(*)Urda Alice Klueger é escritora. Começou seus estudos na sua cidade natal, na Escola São José. Cursou o ginásio e o científico no Colégio Pedro II, também em Blumenau. Mais tarde, iniciou o curso de Economia (UNIPLAC), que não chegou a completar, na cidade de Lages. Finalmente, licenciou-se e especializou-se em História, pela FURB, em Blumenau.

Obras

- Verde Vale, romance-histórico, 1979 (em 10º Edição)
- As Brumas Dançam sobre o Espelho do Rio, romance-histórico, 1981
- No Tempo das Tangerinas, romance-histórico, 1983 (em 7º Edição)
- Vem, Vamos Remar, relato, 1986 (em 4º Edição)
- Te Levanta e Voa, romance, 1989
- Cruzeiros do Sul, romance-histórico, 1991
- Recordações de Amar em Cuba II, relato, 1995
- A Vitória de Vitória, romance infantil, 1998 (em 2º Edição)
- Entre Condores e Lhamas, relato, 1999
- Crônicas de Natal e Histórias da Minha Avó, memórias, 2001 (em 3º Edição)
- No Tempo da Bolacha Maria, crônica memorialista, 2002
- Amada América, crônicas de viagem, 2003
- O povo das Conchas, paradidático sobre sua pesquisa pré-histórica (Sambaquianos), 2004
- Histórias D´Além Mar, crônicas de viagem, 2004
- Sambaqui, 2008
- Meu Cachorro Atahualpa, 2010
- Nossa Família Aumentou, 2014

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Urda Alice Klueger colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

PressAA

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