quarta-feira, 31 de março de 2010

MANIFESTO DE DESAGRAVO E APOIO AOS ÚLTIMOS DOS TUCANOS!

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Raul Longo

Não li a entrevista de uma dessas revistas semanais, mas fiquei chocado com o destaque da abertura, reproduzindo o trecho onde Tasso Jereissati simplesmente acusa a militância tucana de leviana.

Gente! Não tenho nada a ver com isso, mas fosse eu tucano virava papagaio e mandava o homem pra’quele lugar!

“O quê??? Eu sou eu e ouricuri é coco!” – afirmaria indignado com o cearense e iria procurar melhor partido para apoiar. Sei lá, qualquer um. Até o PRONA, em memória do Enéas, é melhor do que ser chamado de brocha, mija-pra-trás, covardão, mariquinhas e tudo o que está tácito na acusação do Tasso contra a militância de seu partido, afirmando terem desanimado por um mero atraso do Serra em anunciar a candidatura.

Oras! Isso de lentidão no Serra é assunto crasso. Vejam que só depois da dengue se reinstaurar epidemicamente no litoral de São Paulo neste verão, é que o governador correu atrás dos remédios para a moléstia (se é que já correu) esgotados nos postos de saúde daqueles municípios. A catástrofe de São Luís do Paraitinga já fora anunciada pela prefeita do município, do mesmo PSDB, uns dois anos antes, e só atraiu o interesse do Serra depois de tudo derruído. E agora, segundo informações, começou a pensar em que fazer para resolver os problemas de enchente na capital, para a próxima temporada de chuvas.

Como vai se licenciar para a campanha à presidência, melhor é cada um ir comprando seu barquinho e tirando brevê de arrais na mais próxima capitania de portos.

Já tem até quem explique os resultados da última pesquisa do DataFolha como uma manobra do Instituto(?) para eleger o Serra antecipadamente, na esperança de que se anime e deixe de ser apenas o governador da Ponte, numa referência à Água Espraiada, considerada a única maquete realizada em sua gestão, apesar de tantas outras maquetes inauguradas semanalmente.

Tudo bem, cada qual de acordo com seu biorritmo próprio, mas incriminar os 4% de eleitores nacionais que apóiam a candidatura que restou ao PSDB para a presidência, dizendo que a militância perdeu o pique só porque o Serra atrasou mais uma vez, é demais! É muita ofensa pra pouco tucano!

A gente sabe que na verdade nunca existiu uma real militância tucana. Se o bico da ave faz pensar em aberração da natureza, militância naquele partido é total incongruência, pois desde seu princípio tudo o que houve foi uma espécie de torcida. Uns torcendo para que caísse pro lado de cá, outros torcendo para que caísse do lado de lá do muro. Daí, primeiro morreu o Montoro, depois morreu o Covas. Fernando Henrique adonou-se e se juntou com o então PFL, ex-ARENA, ex-UDN e atual DEM. Quando se foi ver o bichinho não caiu nem pra lá nem pra cá, e só então é que se deu conta de que o partido não era propriamente o tucano em cima do muro, mas, sim, o próprio muro que emparedou o país por longos 8 anos.

Assim se chegou a conclusão de que o que se convencionou como militância tucana, nada mais era do que um grupo remanescente dos militantes do Collor, nos segundos turnos acrescido daqueles que votavam no Maluf ou Enéas, mas jamais votariam em operário cabeça chata.

Então o que temos desde então em termos de militância política no Brasil, são os lulistas e os antilulistas. Antes disso, a última militância que existiu foi a do Collor de Melo, embora nem bem do Collor propriamente, porque em realidade ninguém sabia quem era ou seria Collor. Segundo recentes declarações do próprio ex-presidente, o Roberto Marinho fez tudo tão rápido que nem ele próprio tinha noção de quem fosse. Do que se conclui que, em verdade, a militância era do Caçador de Marajás, criado pelo marketing da Globo.

Mas foi uma militância retada! Cheguei a ouvir um dizer que não deixariam Collor governar, pois a elite o acabaria matando.

Mataram mesmo! Mas não foi a elite e, sim, seus próprios militantes que depois de regurgitarem o produto Marinho estragado, tendo de mudar de prato, se viram na contingência de ir pra algum lado. Só não podiam de repente se destituir de tudo o que tinham condicionado contra o operário cabeça chata, e daí é que acabaram bater palmas pro primeiro tocador de bumbo, prato e corneta, se posando de sinfônica. No começo até que a barafunda instrumental agradou, apesar do desempenho pífio de contenção de inflação a custa de hiperdesvalorização da moeda. Mas já no segundo ato a maquilagem se derreteu ao calor dos holofotes e do Real se foi cair dolorosamente na real. Não houve sequer tempo para um pano rápido que escondesse a volta da inflação, por mais que a Regina Duarte tentasse entreter a plateia numa interpretação de Madona Medrosa em ataque de “paura fanoventa”, culpando Lula pelo desacerto do plano do FHC.

Acabou-se aquele encanto que paralisa os brasileiros quando não conseguem entender patavina do que dizem seus efêmeros ídolos, tão bem explorado por alguns poetas que fizeram moda à sua época e ironizado pelo Ariano Suassuna no “Romance da Pedra do Reino”. Assim mesmo, e ainda que não conseguindo entender sequer o turista argentino, a classe média brasileira se manteve firme na adoração aos que falam todos os idiomas que ela só consegue decifrar a meio, pela legenda na parte debaixo da tela. Embora nem mesmo a dublagem tenha impedido o naufrágio do Tucanic, essa classe média manteve-se firme e, como últimos a abandonar o navio, insistiam em que os sucessos dos novos caminhos empreendidos pelo recém assumido almirante, se devia às ancoras e amarras lançadas pelo anterior, ainda que por elas a embarcação tenha adernado e ido a pique, num repeteco de proporções continentais ao trailer da plataforma petrolífera.

Essa classe média, que compôs os mesmos colloristas, militaristas, malufistas, lacerdistas, janistas e ademaristas do passado, manteve-se como renhidos antilulistas, ainda que nunca tenham sido propriamente cardosistas. Não existiu um cardosismo. O que de mais próximo foi o “carlismo” do ACM na Bahia, mas depois de passada a ameaça do coronel em vida, não se conseguiu levar o neto sequer pro segundo turno à prefeitura da capital do estado. Depois do fracasso do Caçador de Marajás, tudo o que restou, repito, foram os antilulistas e os lulistas. Tanto que foi preciso a mídia inventar uma tal “era FHC”, para estimular aqueles que votaram em FHC por puro antilulismo.

Não deu muito certo, porque mesmo alguns antilulistas começaram a perceber que se a “era FHC” fora aquela em que o país triplicou a dívida externa, o desemprego, a estagnação, etc.; na “era pós-FHC” a história é inversa e muito mais interessante para o país. Talvez por essa razão, aqueles mesmos criadores da “era FHC”, passaram a acusar Lula de se querer como o inventor do Brasil. Mas quem inventou um Brasil antes do Lula foram eles mesmos. E muitos antilulistas notaram mais essa mancada.

Daí criaram o “mensalão”, com grande esforço de produção da mídia. Só que foi esforço demais e ainda que o grosso da militância antilulista reunisse forças em todos aqueles casuísmos e factoides, aderindo alguns discursos éticos à retórica vazia dos preconceitos sociais e regionais; houve uma parte considerável que começou a desconfiar da repetição do enredo da sempre mesma interminável novela a arrumar um Bancoop a cada nova campanha, desde a mansão do Morumbi – tão fantasmagórica que até hoje ninguém a encontrou –; até os bois voadores da fazenda que o Prata Cunha nunca pensou em vender, mas a fértil imaginação dos antilulistas insiste em transferir para o filho do Lula.

Acontece que sem um Garcia Marquês para dar alguma possibilidade de realismo a estas histórias, muitos se enjoaram de tanto fantástico. Acabaram trocando a ficção pelo naturalismo da rotina de aumento de poder de consumo, diminuição da pobreza, melhoria de condições de vida, mais oportunidades e outras “invenções” da era pós-FHC. Mas ainda resiste bravamente o antilulismo romântico. Garbosos e aguerridos que de capa e espada, montados nos Rocinantes da mídia, investem furiosamente contra os moinhos que esfarelam o saudoso medievalismo social de um passado ainda recente.

Mas os esplendores do onirismo romântico dos antilulistas ainda continua cheio de rompantes e xingamentos aos operários cabeça chata. Se o sujeito não pode consegue manter uma adega de raridades ou o médico lhe proibiu o álcool, é só chamar o Lula de bêbado. Se a dona se cansa de ter de bancar a madame, é só mandar o Lula fazer aquilo que gostaria, mas ninguém demonstra interesse. Se não há lipoaspiração que dê jeito, é só trabalhar uma foto da Dona Marisa no photoshop. Se não dá mais para ficar rico na vagabundagem, ao menos podem acusar a Lorian de vagabunda. E tudo isso com o respaldo sutil da mídia a inventar notícias que, enquanto não desmentidas, ao menos resgatam a combalida autoestima antilulista.

Combalida pelo reconhecimento ao estadista global, pela ascensão do Brasil à liderança internacional, pela conquista da confiabilidade de investidores, estrangeiros, pelos sucessivos recordes em exportação, pela superação da crise mundial e tantos outros fatores dos quais os remanescentes da militância antilulista não podem ser responsabilizados, pois fazem o que lhes é possível e não tem sentido o Tasso Jereissati, só porque é o presidente do PSDB, a essa altura do campeonato chamar todo mundo de cagão! De frouxo!

Que é que é isso?Que culpa tem a militância se contrataram o instituto de pesquisa errado? Pesquisassem melhor antes de contratar qualquer um para fazer uma pesquisa que diz e se desdiz ao mesmo tempo. Pra acreditar nesse tipo de ficção, mais do que romântico há de ser surrealista. Assim não há antilulista que consiga articular argumentos para justificar tamanho absurdo! Se não se acertaram com o Garcia Marquês, agora que chamem o Franz Kafka, pois só ele pode entender como é que o candidato ganhou, se o presidente do partido acaba de dizer que os eleitores estão desanimados e não acreditam mais na candidatura?

Tenham lá suas veleidades literárias, mas realidade é realidade e ficção é ficção. É bom pararem de misturar as coisas.

Como é que é isso? Misturam tudo, se contradizem, se desmentem, e ainda põem a culpa na militância! Um partido não pode destituir e desprezar a sua militância, como faz o Tasso Jereissati. Ainda mais, sendo uma militância emprestada!

O que o senhor Tasso Jereissati precisa perceber, é que não está nada fácil ser um militante antilulista nesta era pós-FHC. Tá não, seu Tasso!

E não é apenas por ter de remar contra a maré de 76% do eleitorado que considera o governo Lula ótimo ou bom e os 20% que o consideram satisfatório. Pior do que essa situação aferida aí pela pesquisa mal pesquisada, é a de negar o inegável. O fazer de conta que não se enxerga a realidade de fatos que semanalmente repercutem por toda a vizinhança e no mundo, ainda que a mídia brasileira omita.Omite aqui, mas sai ali e acaba chegando por internet, TV a cabo, satélite, twiter, o escambau! Além da parafernália eletrônica, hoje só é desinformado quem quer se informar errado, porque além das ilações e invenções de Folhas e Estados de São Paulo, Globos e Vejas, tem Le Monde, Pravda, BBC. Tudo em português escorreito.

E, afora tudo isso, como é que se vai convencer o vizinho de que está tudo uma merda se o cara que esteve na merda durante todo o governo tucano, hoje compra casa, carro, viaja, come melhor, troca de móveis, o filho consegue entrar na universidade, se veste melhor e tudo o mais que está aí visível dentro do metrô, na rua, no dia a dia?

Com essa realidade batendo na cara de cada um a cada dia, como é que o tanso Jereissati vem dizer que a festa acabou porque os convidados cansaram de esperar a noiva?

Isso é desculpa que se arrume? Justo quando o DataFolha desenrola o tapete vermelho para a entrada triunfal da donzela! Tapete de papel crepom, é verdade, mas o senador que inventasse outra desculpa! Teria sido melhor e menos chocante dizer que a moça está grávida e arrebentou a bolsa, do que sair tascando bolo na cara dos convidados, antecipando o que ainda poderá vir a ser uma tragédia para o país, em comédia pastelão. Mau gosto e falta de respeito. Só faltam “cantar parabéns a você” em velório!

Ou seja, além de contratarem a pesquisa errada, não combinam direito o enredo e, quando tudo sai do script, culpam os convidados pela falência de um casamento que sequer aconteceu!

Chegou quando aí, Senador?

Não... Eu pergunto porque embora não tenha nada a ver com isso e nem faço parte da família, como militante posso imaginar o vexame, a vergonha desses colegas do time contrário. Isso dói!

A torcida ali, fiel ainda que reduzida, alimentando nova esperança de virar o jogo no segundo tempo. Os coitados de olho na boca do vestiário para ver os jogadores entrando com nova garra, novo ânimo e o que aparece é o capitão do time pra vaiar aqueles últimos torcedores, xingando todo mundo de vendido e vira-casaca!

Brochante!

Repito: se tucano fosse, depois dessa iria votar no Ciro, na Marina, no Cacareco, em qualquer um, mas jamais num tucano. Nem para suplente de vereador! Se alguém mantêm alguma condição dos tucanos concorrerem à qualquer coisa nesse país, são os antilulistas! O dia em que não houver antilulista, o PSDB pode fechar as portas. Aí vêm o dono da casa e como se fosse o último dos tucanos, apaga a luz e diz que tudo deu errado por falta de paciência do eleitorado! Mas que eleitorado é esse? Aumentou 9 pontos de quê? Eleitor que desanima não aumenta coisa alguma, só diminui. De que jeito pode aumentar o índice de pesquisa de quem depende de data lançamento de candidatura, para manter o eleitorado? Dá pra imaginar um lulista pressionando a Dilma: “- Ou anuncia a candidatura até março, ou escolho outro presidente!”? É mole?Tem alguma coisa furada aí. Ou a desculpa do presidente do PSDB ou o papo da pesquisa do DataFolha.

Ou não dá pra ninguém se fiar no Instituto, ou o antilulista não tem como confiar a presidência do Brasil ao candidato de um partido presidido por quem não tem noção do que sai falando em revista de circulação nacional.
E se alguém tem de ser punido por tanta contradição, que seja o Instituto, o presidente do partido ou o candidato. Não a militância!

Claro que o Tasso não deveria nem poderia ter dito que o esvaziamento da militância antilulista, se deve ao fracasso de seu partido enquanto ocupou a executivo federal ou dos estados e municípios que governam. Claro que não deveria nem poderia ter reconhecido nos sucessos do atual governo, a principal razão da permanente ascensão de Dilma Roussef nas pesquisas verdadeiras e bem realizadas. Mas, como presidente do partido dos tucanos, o que Jereissati jamais deveria ter feito é acusar a militância de fraca, débil, fútil.

Convoco aqui a militância lulista a se solidarizar com os rivais antilulistas, unindo-se a eles para ensinar os dirigentes do PSDB a respeitar e aprender a dar valor aos seus militantes.

Lulistas ou antilulistas somos todos militantes e não podemos deixar que destratem dessa forma os companheiros do outro lado, só porque estão do outro lado.

Abaixo o muro! Se ainda não der pra derrubar, como o de Berlim, já que o tucano voou faz tempo vamos todos mijar juntos no Tasso Jereissati e sua turminha de caras de parede, pernósticos e mal agradecidos. É o mínimo do que merecem de todos nós, lulistas ou antilulistas!



*Raul Longo é jornalista, escritor e poeta, colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz
www.sambaqui.com.br/pousodapoesia
Ponta do Sambaqui, 2886
Floripa/SC

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terça-feira, 30 de março de 2010

PESQUISAS, PARA QUE SERVEM?


Laerte Braga

IBOPE e DATA FOLHA cumprem um papel dentro do processo eleitoral. O de distorcer e criar realidades inexistentes, que pareçam reais, na tentativa de fazer com que os interesses que representam sejam alcançados.

Pesquisas são importantes, ninguém tem dúvidas disso, falo de pesquisas eleitorais. Mas têm servido a propósitos bem diversos daqueles que em tese se propõem. Medir a intenção de votos do eleitorado.

Não faz tempo um hacker foi preso nos Estados Unidos depois de muitos anos de busca e rastreamento. Não tirava milhões de contas bancárias. Tirava centavos, no máximo dez ou vinte dólares de milhões de contas. A soma do produto era o mesmo. O jeito de fazer não.

Partidos políticos representam, como a própria expressão partido indica, a representação organizada de parte da sociedade dentro do processo democrático, ou supostamente democrático.

Têm programas. Um conjunto de idéias nas quais aparentemente se estruturam e idéias que pretendem transformar em realidade quando alcançam o poder, qualquer que seja o seu nível, municipal, estadual ou federal.

O PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira – surgiu de uma dissidência no PMDB e o argumento de seus fundadores, Mário Covas à frente, era o de que o PMDB havia perdido sua essência, seu sentido, transformara-se num partido movido a clientelismo e fisiologia política. Um amontoado de interesses de caciques desse ou daquele estado.

O PSDB, na verdade, era muito mais uma dissidência paulista que chegou a Minas Gerais no momento em que Orestes Quércia e Newton Cardoso foram eleitos, 1986, respectivamente governadores dos dois estados mais importantes da Federação.

Começou a amadurecer em 1985, quando FHC perdeu as eleições para a prefeitura de São Paulo para o tresloucado Jânio Quadros.

Os principais líderes do partido estavam à esquerda do PMDB, resgatavam (era o que diziam) posições históricas do antigo MDB (o partido de combate a ditadura) e em 1989, logo após a definição dos dois nomes que iriam para a disputa presidencial – Collor e Lula -, seu principal líder Mário Covas arrastou o partido a apoiar Lula. Para isso enfrentou a oposição de FHC e Serra que defendiam o apoio a Collor.

De lá para cá o PSDB, ou tucanos como são conhecidos, foi se transformando, se descaracterizando e virou aliado da extrema-direita no Brasil, a antiga ARENA, que virou PFL e agora é DEMocrata – partido de Arruda, aquele do “vote num careca e eleja dois -.

Em São Paulo o antigo desafeto de FHC e José Collor Arruda Serra, Orestes Quércia é hoje o principal aliado do governador tucano. Quércia continua no PMDB e deve ser eleito senador com o apoio de Serra.

Quando se viu em palpos de aranhas, enrolado com a corrupção em seu governo, Collor de Mello tentou de todas as formas um acordo com o PSDB, através de FHC e não fosse a atitude de Mário Covas, um simples não, FHC iria tentar salvar o insalvável governo. Não há diferenças entre Collor e FHC, nem de Serra. Representam os mesmos interesses, são funcionários de potência estrangeira.

FHC não conseguiu salvar Collor, enrolou Itamar e virou presidente em 1994. Deu um golpe branco em 1998 comprando uma reeleição e vendeu o País. Lula assumiu um Brasil quebrado, em vias de ir para o espaço.

Querem voltar e vender o resto. Arruda Serra é o nome indicado.

Uma das características do PSDB – não é mais um partido, mas um departamento da Fundação Ford – é a de escorar-se num programa, sinalizar à esquerda e virar à direita. Não se trata de um programa de governo o que é oferecido aos brasileiros, mas um engodo que para eles é um grande negócio.

A polícia britânica, Scotland Yard prendeu na semana passada diretores da empresa ALSTOM. A acusação é simples. Suborno de políticos latino-americanos para conseguir obras. Uma delas? O metrô de São Paulo. Subornou Geraldo Alkmin e suborna José Collor Arruda Serra.

Outra característica do PSDB é ter a chamada grande mídia como aliado. A mídia brasileira, a eletrônica principalmente, desde o governo FHC conta com participação do capital estrangeiro às claras (antes contava às escuras, tinha que disfarçar). Redes de Tevê como GLOBO e BANDEIRANTES, todo o sistema de rádios dessas empresas, jornais, outros grupos como o que edita VEJA, FOLHA DE SÃO PAULO, ESTADO DE MINAS, são como que jornais marrons, ou seja venais, a serviço desses interesses, desse capital estrangeiro.

O Brasil é um país chave para os projetos das grandes empresas. E se o Brasil é estratégico para essa gente, os brasileiros não são. Que se danem.

A pesquisa do Instituto Data Folha, no dia seguinte ao término do show Nardoni e pouco antes da final do bordel BBB, foi estratégica. Num momento em que a candidatura José Collor Arruda Serra afunda, tentam resgatar do fundo do poço o governador de São Paulo. À boca pequena os seus principais aliados já admitem a derrota diante não só das indecisões de Serra, como por conta do seu mau caratismo (passou a perna em vários companheiros, inclusive Aécio, que está liberando prefeitos para apoiar Dilma e vai repetir o que fez em 2006 – de público é Serra, para valer quer que Serra se estrepe).

Roger-Gérard Schwartzenberg, cientista político e autor de “O ESTADO ESPETÁCULO” (DIFEL, São Paulo, 1978), ao tratar de pesquisas de opinião pública diz o seguinte entre outras coisas.

“Desejando fazer como todo mundo o eleitor abandona sua escolha inicial. Volta-se para o candidato sustentado pela maioria”. E cita o exemplo da eleição do presidente francês Giscard D’Estaing, derrotando Jacques Chaban Delmas.

E conclui – “a sondagem passaria então a constituir um instrumento de manipulação e pressão. Criando um sentimento de unanimidade ou, pelo menos, de preponderância a favor de um candidato. Normalizando os comportamentos eleitorais para ajustá-los ao modelo dominante”.

A pesquisa do DATA FOLHA, quando a realidade mostra o contrário, é exatamente essa tentativa de normalizar o comportamento eleitoral.

O que é o eleitor? Ninguém, ou seja, se alguém o é, é para ser a manipulado, ludibriado, enganado.

“Vendam seus candidatos como o mundo dos negócios vende seus produtos”. Declaração de Leonard Hall, presidente do Partido Republicano, na campanha eleitoral de 1956, quando a chapa Eisenhower e Nixon derrotou a democrata. O candidato rival a presidente era Adlai Stevenson.

“Agora o candidato-produto deve conquistar um eleitorado-mercado e provocar votos-compra”. É o que diz o presidente do Young and Rublicam France e mais – “o produto passa a ser o candidato. Sua embalagem é seu aspecto físico, sua maneira de falar, de sorrir, de se mexer. Sua definição , seu posicionamento, é seu programa”.

Serra é isso. Um produto vendido aos brasileiros pela grande mídia, venal e corrupta em função de interesses de grandes grupos econômicos estrangeiros, dos EUA e em cumplicidade com as fétidas elites brasileiras. O esquema FIESP/DASLU.

Dois exemplos de como se compra ou um jornalista, ou a mídia.

O jornalista Gilberto Dimenstein escreve no JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO, tem uma escrita de bom moço, preocupado com a educação, voltado para o interesse público, etc, etc. Aí montou uma arapuca, ONG, fechou um contrato com o governo de São Paulo e recebeu desde 2006, quando da eleição de Arruda Serra, a “modesta quantia de três milhões setecentos e vinte e cinco mil duzentos e vinte e dois reais e setenta e quatro centavos. A arapuca se chama ASSOCIAÇÃO CIDADE ESCOLA APRENDIZ.



O fato pode ser constatado no próprio DIÁRIO OFICIAL do governo paulista e foi levantado pelo blog NAMARIA NEWS. O jornalista que tinha um acentuado espírito crítico, foi linha de frente no combate à corrupção no governo Collor, mudou de lado, passou a receber para falar bem.

O governo de São Paulo fechou contrato com a Editora Abril, que entre outras publicações edita a mentirosa e venal VEJA. Milionário, o contrato, revistas são distribuídas às escolas, não houve concorrência e a “ideologia tucana”, o “lucro acima de tudo nem que seja necessário vender a mãe”, imposta às escolas. Professores apanham da Polícia e recebem salário de fome.

Quanto a GLOBO não é necessário falar. Nasceu corrupta, filha de um golpe de estado corrupto, corrupta permanece. É o principal instrumento de transformação do brasileiro em bocó, pronto a aceitar qualquer arreio, qualquer sela, desde que seja do interesse de quem paga, ou dos que pagam essa mídia.

E são as elites que pagam.

Paulo Henrique Amorim, em seu blog, jornalista independente, mostra que a senadora Kátia Abreu, corrupta e sem nenhum princípio ético, recebeu vinte e cinco vezes mais do que o MST recebeu para financiar seus pequenos assentamentos e sustentar a agricultura familiar (sem os transgênicos de Kátia Abreu, que acrescentam a propina ao que a senadora recebe para “financiar” projetos que acabam sendo campanhas eleitorais).

Está correndo o Brasil colhendo “recursos” para a campanha de José Collor Arruda Serra junto às quadrilhas DEMO e tucana e latifundiários. E vendendo a idéia que tem algum respeito pelo Brasil e pelos brasileiros.

A pesquisa do DATAFOLHA cumpriu esse papel. De tentar “normalizar”, vale dizer enquadrar, o eleitor. Só não mostrou que na espontânea, ou seja, naquela que o eleitor responde sem ver nomes, Dilma está à frente.

São bandidos travestidos de políticos e a Polícia Federal tem já em mãos dados da corrupção ARRUDA SERRA/VEJA.

É como concluiu o presidente do Partido Republicano em 1956, Leonard Hall. “o candidato agora é sabão, tratem de vender sabão aos eleitores”.


Laerte Braga é jornalista e colabora com esta nossa Agê3ncia Assaz Atroz

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segunda-feira, 29 de março de 2010

Fé de Tomé

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Uma idiota contente


— É despedida, apesar de ser nascimento. Agora que 2010 está na boca eu vou partir para as promessas!

Prometo zerar o meu QI, portanto não me incomodarei se a Preta Gil virar deputada, afinal o pai foi ministro, como também comprarei o CD “Garotinho & Rosinha” caso gravem, afinal políticos podem virar cantores, aliás, o Fábio Júnior deveria escrever um livro: Abelhas Gélidas e lançar na Bienal. Todo mundo lança com ou sem perfume. Quem sabe depois não se candidata a presidente do Brasil e de brinde ainda ocupa a cadeira da ABL na vaga do Sarney quando este falecer? Coisa ruim é que nem o ditado da esperança. A última, mas morre. Morre sim! Senão desmente a esperança.

Prefiro abelhas geladas aos Marimbondos de Fogo, e por falar em bichinhos, ligar-me-ei à salvação dos pombos. Buscarei os antigos e abandonados Centros Educacionais (CIEP) e pedirei ao meu governador Cabral, filho do intelectual Sérgio Cabral que me ajude a abrir a ONG Marquesa de Pombal, já que o local não virou escola de jeito algum, sonho maior do Darcy Ribeiro amigo do Cabral pai, que agora é do movimento Tribalista junto com o nosso presidente. “Eu sou de todo mundo e todo mundo me quer bem”.

Salvar pombos e quem sabe pardais. Viva o pardal que veio com o Pedro Álvares Cabral. Será que o Cabral atual é parente do descobridor? Nepotismo desde 1500?

Pelejarei para que o Romário venha a ser Ministro da Cultura, ele joga muito, quase tanto quanto o Rei Pelé que foi Ministro dos Esportes.

Também penso em sugerir a Milene, ex do Ronaldinho, para a embaixada do Brasil em Bogotá. Ela é ótima em embaixadinha.

Igualmente considero a possibilidade do Chapolin tentar um clima de conciliação com o Obama, afinal ele sempre foi o melhor amigo do Chaves clone do Chávez. Sílvio Santos poderia ser o intermediário da parada.

Dedicar-me-ei a estudar mais a nossa língua e, se não fi-lo até agora, errei pra cacete. Ai! Baixei o nível, falta de hábito, no lugar do cacete leia descabidamente. Usarei palavras difíceis, de sentido vago, garimpadas no Aurélio, porém bonitas como as sobrancelhas da Malu Mader. Serei uma escriba res_peitada. Agora todo mundo que escreve lindo usa esse tracinho na escrita. Peitada separada de res, significa respeito acompanhado de silicone.

Torcerei pelo sucesso das Olimpíadas no Brasil, mas lutarei para dar um basta em treinador estrangeiro na nossa ginástica. Carlinhos de Jesus, por exemplo, pode ser treinador. Ninguém entende mais do que ele de twist-carpado, tango-incorpado...

Vestirei um branco de plebéia para ouvir o RC de azul e chorar rios como o Javari, Purus, Madeira, Tapajós, Xingu (afluentes da esquerda), pelas perdas, ainda que eu saiba que também tive bons ganhos. Essas datas foram feitas para debulhar-se em lágrimas comendo nozes e criar um climão de despedida e saudade.

Não soltarei mais minhas sonoras gargalhadas, serei enigmática e problemática, como manda a cultura atual. Inculto é quem ri com a boca cheia de rabanada.

Mas uma intelectual escreve essas merdas que escrevi agora? Desisto de tentar fazer uma crônica ajuizada de final de ano.

Essa droga ficará como esboço guardado, como tantos cérebros ajuizados já me avisaram:

— Guarda o que escreve, não publica o que lhe vem na cabeça. Isto virou um bloqueio de uns meses pra cá, perdi a espontaneidade de escrever minhas abobrinhas, diante desse mundo tão sério, tão correto, onde são feitas leis para proibir o trema, soltar traficante e assim por diante.

Quero a Orca para presidente. Olê Olê Olê Olá! Orca, Orca!

— A senhora tomou só a cachaça, o caldinho não estava bom?
— Nem provei, ficou esquecido junto com as promessas que acabei de escrever. Sou uma besta que escreve um monte de asneiras, que acabam virando rascunhos. Mas a vida não é um eterno debuxo que só se completa com a morte?
— Está de porre?
— Não, apenas me dispersei pensando no Ferreira Gullar. “Deixe-me com meus erros e minhas loucuras. Não quero ter razão, eu quero é ser feliz”.

Fecha a conta, pois ainda preciso comprar um vestido vermelho "bem cheguei" e cometer bastantes desacertos. Pra começar, publico essa droga.

Lá vem o Gullar palpitar novamente: "O homem, invenção de si mesmo”. Reinvento-me, como sempre fui, em 2010. Uma idiota contente.


Rosa Pena (Rio de Janeiro-RJ). Professora e administradora de empresas. Especialista em recursos audiovisuais e artes cênicas. Trabalhou na Divisão de Multimeios da Educação na Secretaria de Educação e Cultura do Rio de Janeiro, com projetos ligados a cinema, teatro, música e literatura. Compulsiva para ler e escrever, considera a Internet a grande biblioteca contemporânea. Tem livros virtuais publicados e quatro livros editados no papel: Com licença da palavra, antologia do grupo Pax Poesis Encantada (2003), PreTextos, seu primeiro livro solo, onde reúne crônicas e contos de sua autoria (2004), na sequência UI! (2007) e Tarja Branca (2010). Mais em seu site: http://www.rosapena.com/

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domingo, 28 de março de 2010

FAZEI ISSO EM MEMÓRIA DELAS

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São mulheres de diferentes cidades do Brasil. Algumas amamentavam. Outras, grávidas, pariram na prisão ou, com a violência sofrida, abortaram. Não mereciam o inferno pelo qual passaram, ainda que fossem bandidas e pistoleiras. Não eram. Eram estudantes, professoras, jornalistas, médicas, assistentes sociais, bancárias, donas de casa. Quase todas militantes, inconformadas com a ditadura militar que em 1964 derrubou o presidente eleito. Foram presas, torturadas, violentadas. Muitas morreram ou desapareceram lutando para que hoje nós vivêssemos numa democracia.

As histórias de 45 dessas mulheres mortas ou desaparecidas estão contadas no livro “Luta, Substantivo Feminino”, lançado quinta-feira passada na PUC de São Paulo, na presença de mais de 500 pessoas. O livro contém ainda o testemunho de 27 sobreviventes e muitas fotos. Se um poste ouvir os depoimentos dilacerantes delas, o poste vai chorar diante da covardia dos seus algozes. Dá vergonha viver num mundo que não foi capaz de impedir crimes hediondos contra mulheres indefesas, cometidos por agentes do Estado pagos com o dinheiro do contribuinte.

Rose Nogueira - jornalista, presa em 1969, em São Paulo, onde vive hoje. “Sobe depressa, Miss Brasil’, dizia o torturador enquanto me empurrava e beliscava minhas nádegas escada acima no Dops. Eu sangrava e não tinha absorvente. Eram os ‘40 dias’ do parto. Riram mais ainda quando ele veio para cima de mim e abriu meu vestido. Segurei os seios, o leite escorreu. Eu sabia que estava com um cheiro de suor, de sangue, de leite azedo. Ele (delegado Fleury) ria, zombava do cheiro horrível e mexia em seu sexo por cima da calça com um olhar de louco. O torturador zombava: ‘Esse leitinho o nenê não vai ter mais’”.

Izabel Fávero – professora, presa em 1970, em Nova Aurora (PR). Hoje, vive no Recife, onde é docente universitária: “Eu, meu companheiro e os pais dele fomos torturados a noite toda ali, um na frente do outro. Era muito choque elétrico. Fomos literalmente saqueados. Levaram tudo o que tínhamos: as economias do meu sogro, a roupa de cama e até o meu enxoval. No dia seguinte, eu e meu companheiro fomos torturados pelo capitão Júlio Cerdá Mendes e pelo tenente Mário Expedito Ostrovski. Foi pau de arara, choques elétricos, jogo de empurrar e ameaças de estupro. Eu estava grávida de dois meses, e eles estavam sabendo. No quinto dia, depois de muito choque, pau de arara, ameaça de estupro e insultos, eu abortei. Quando melhorei, voltaram a me torturar”.

Hecilda Fontelles Veiga - estudante de Ciências Sociais, presa em 1971, em Brasília. Hoje, vive em Belém, onde é professora da Universidade Federal do Pará. “Quando fui presa, minha barriga de cinco meses de gravidez já estava bem visível. Fui levada à delegacia da Polícia Federal, onde, diante da minha recusa em dar informações a respeito de meu marido, Paulo Fontelles, comecei a ouvir, sob socos e pontapés: ‘Filho dessa raça não deve nascer’. (...) me colocaram na cadeira do dragão, bateram em meu rosto, pescoço, pernas, e fui submetida à ‘tortura cientifica’. Da cadeira em que sentávamos saíam uns fios, que subiam pelas pernas e eram amarrados nos seios. As sensações que aquilo provocava eram indescritíveis: calor, frio, asfixia. Aí, levaram-me ao hospital da Guarnição de Brasília, onde fiquei até o nascimento do Paulo. Nesse dia, para apressar as coisas, o médico, irritadíssimo, induziu o parto e fez o corte sem anestesia”.

Yara Spadini - assistente social presa em 1971, em São Paulo. Hoje, vive na mesma cidade, onde é professora aposentada da PUC. “Era muita gente em volta de mim. Um deles me deu pontapés e disse: ‘Você, com essa cara de filha de Maria, é uma filha da puta’. E me dava chutes. Depois, me levaram para a sala de tortura. Aí, começaram a me dar choques direto da tomada no tornozelo. Eram choques seguidos no mesmo lugar”.

Inês Etienne Romeu – bancária, presa em São Paulo, em 1971. Hoje, vive em Belo Horizonte. “Fui conduzida para uma casa em Petrópolis. O dr. Roberto, um dos mais brutais torturadores, arrastou-me pelo chão, segurando-me pelos cabelos. Depois, tentou me estrangular e só me largou quando perdi os sentidos. Esbofetearam-me e deram-me pancadas na cabeça. Fui espancada várias vezes e levava choques elétricos na cabeça, nos pés, nas mãos e nos seios. O ‘Márcio’ invadia minha cela para ‘examinar’ meu ânus e verificar se o ‘Camarão’ havia praticado sodomia comigo. Esse mesmo ‘Márcio’ obrigou-me a segurar seu pênis, enquanto se contorcia obscenamente. Durante esse período fui estuprada duas vezes pelo‘Camarão’ e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidades, os mais grosseiros”.

Ignez Maria Raminger - estudante de Medicina Veterinária presa em 1970, em Porto Alegre, onde trabalha atualmente como técnica da Secretaria de Saúde. “Fui levada para o Dops, onde me submeteram a torturas como cadeira do dragão e pau de arara. Davam choques em várias partes do corpo, inclusive nos genitais. De violência sexual, só não houve cópula, mas metiam os dedos na minha vagina, enfiavam cassetete no ânus. Isso, além das obscenidades que falavam. Havia muita humilhação. E eu fui muito torturada, juntamente com o Gustavo [Buarque Schiller], porque descobriram que era meu companheiro”.

Dilea Frate - estudante de Jornalismo presa em 1975, em São Paulo. Hoje, vive no Rio de Janeiro, onde é jornalista e escritora. “Dois homens entraram em casa e me sequestraram, juntamente com meu marido, o jornalista Paulo Markun. No DOI-Codi de São Paulo, levei choques nas mãos, nos pés e nas orelhas, alguns tapas e socos. Num determinado momento, eles extrapolaram e, rindo, puseram fogo nos meus cabelos, que passavam da cintura”.

Cecília Coimbra - estudante de Psicologia presa em 1970, no Rio. Hoje, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais e professora de Psicologia da Universidade Federal Fluminense: “Os guardas que me levavam, frequentemente encapuzada, percebiam minha fragilidade e constantemente praticavam vários abusos sexuais contra mim. Os choques elétricos no meu corpo nu e molhado eram cada vez mais intensos. Me senti desintegrar: a bexiga e os esfíncteres sem nenhum controle. ‘Isso não pode estar acontecendo: é um pesadelo... Eu não estou aqui...’, pensei. Vi meus três irmãos no DOI-Codi/RJ. Sem nenhuma militância política, foram sequestrados em suas casas, presos e torturados”.

Maria Amélia de Almeida Teles - professora de educação artística presa em 1972, em São Paulo. Hoje é diretora da União de Mulheres de São Paulo. “Fomos levados diretamente para a Oban. Eu vi que quem comandava a operação do alto da escada era o coronel Ustra. Subi dois degraus e disse: ‘Isso que vocês estão fazendo é um absurdo’. Ele disse: ‘Foda-se, sua terrorista’, e bateu no meu rosto. Eu rolei no pátio. Aí, fui agarrada e arrastada para dentro. Me amarraram na cadeira do dragão, nua, e me deram choque no ânus, na vagina, no umbigo, no seio, na boca, no ouvido. Fiquei nessa cadeira, nua, e os caras se esfregavam em mim, se masturbavam em cima de mim. Mas com certeza a pior tortura foi ver meus filhos entrando na sala quando eu estava na cadeira do dragão. Eu estava nua, toda urinada por conta dos choques”.

São muitos os depoimentos, que nos deixam envergonhados, indignados, estarrecidos, duvidando da natureza humana, especialmente porque sabemos que não foi uma aberração, um desvio de conduta de alguns indivíduos criminosos, mas uma política de Estado, que estimulou a tortura, a ponto de garantir a não punição a seus autores, com a concordância e a conivência de muita gente boa “em nome da conciliação nacional”.

No lançamento do livro na PUC, a enfermeira Áurea Moretti, torturada em 1969, pediu a palavra para dizer que a anistia foi inócua, porque ela cumpriu pena de mais de quatro anos de cadeia, mas seus torturadores nem sequer foram processados pelos crimes que cometeram: “Uma vez eu vi um deles na rua, estava de óculos escuros e olhava o mundo por cima. Eu estava com minha filha e tremi”.

Os fantasmas que ainda assombram nossa história recente precisam ser exorcizados, como uma garantia de que nunca mais possam ser ressuscitados – escreve a ministra Nilcea Freire, ex-reitora da UERJ, na apresentação do livro, que para ela significa o “reconhecimento do papel feminino fundamental nas lutas de resistência à ditadura”.

Este é o terceiro livro da série ‘Direito à Memória e à Verdade’, editado pela Secretaria de Direitos Humanos (SEDH) em parceria com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. O primeiro tratou de 40 afrodescendentes que morreram na luta contra o regime militar. O segundo contou a “História dos meninos e meninas marcados pela ditadura”. Eles podem ser baixados no site da SEDH.

O golpe militar de 1964 que envelhece, mas não morre, completa 46 anos nos próximos dias. Essa é uma ocasião oportuna para lançar o livro em todas as capitais brasileiras. No Amazonas, as duas reitoras – Marilene Correa da UEA e Márcia Perales da UFAM - podiam muito bem organizar o evento em Manaus e convidar a sua colega Nilcea Freire para abri-lo. Afinal, preservar a memória é um dos deveres da universidade. As novas gerações precisam saber o que aconteceu.

A lembrança de crimes tão monstruosos contra a maternidade, contra a mulher, contra a dignidade feminina, contra a vida, é dolorosa também para quem escreve e para quem lê. É como o sacrifício da missa para quem nele crê. A gente tem de lembrar diariamente para não ser condenado a repeti-lo: fazei isso em memória delas.

José Ribamar Bessa Freire é professor universitário (Uerj), reside no Rio há mais de 20 anos e assina coluna no Diário do Amazonas, de Manaus, sua terra natal, e mantém o blog Taqui Pra Ti http://www.taquiprati.com.br/home/index.php . Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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sábado, 27 de março de 2010

DUAS PIZZAS PARA SEIS FOMES - Tragédia em dor maior

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Fernando Soares Campos

O menino achou um celular. Esfregou o aparelho no calção removendo as incrustações mais densas. Apareceram alguns nomes e números desbotados e uma pequena rachadura num cantinho. Ficou feliz, acenou com o seu troféu para a mãe. Ela também encontrara alguma coisa de certa importância que guardara no bolso do vestido. Os trastes de menor valor foram jogados no saco surrado. Mais adiante, a menina parecia ter menos sorte. Entre seus achados contabilizava apenas algumas latinhas de alumínio e alguns pedaços de arame retorcido. “Se pelo menos fosse cobre!”

Os caminhões da limpeza urbana chegavam a todo momento carregados de esperança. Em marcha a ré, aproximavam-se do barranco e despejavam a matéria-prima daquela indústria dos catadores. Os operários do lixão reviravam tudo, e em tudo sempre havia algumas coisas que poderiam significar um dia menos magro.

No lixão de Gramacho, na Baixada Fluminense, ao meio-dia, quando a temperatura aproxima-se dos quarenta graus, um mau cheiro nauseante impregna a atmosfera. Urubus e seres humanos disputam a sobrevivência. Nada é exatamente o que parece ser nas telas de tevê. Ao vivo, a realidade é outra.

Leonardo, o menino do celular, já viveu doze escaldantes verões. Sua irmã, Verônica, a menina que gostaria de achar cobre em vez de arame, já passou dez sofridas primaveras. Eles têm ainda três irmãos menores. Tuca, sete anos, fica em casa tomando conta dos outros dois. A mãe, Cimara... quer dizer, Mara do Lixão, como todos a conhecem, não teve apenas os cinco rebentos que lhe fazem companhia no barraco misto de madeira e alvenaria. Foram sete. Dois deles morreram antes de passar pelas quatro primeiras estações. Uma mãe, cinco pais e sete partos. Dois dos seus maridos morreram, ambos assassinados: um, por causa de dívida com o tráfico de drogas, o outro, numa briga com um vizinho — doze facadas. Dos outros três, sabe-se apenas do que está na cadeia. Flagrado pela vigilância, roubando comida de um mercadinho do bairro, pegou seis anos. Supostamente, Leonardo é filho do primeiro marido, e Verônica, do segundo.

Naquele dia os três conseguiram transformar a coleta conjunta em pouco mais de cinco reais. Há dias em que obtêm melhores rendimentos, entretanto também ocorrem resultados ainda mais minguados. Estão acostumados àqueles parcos apurados. Sabem até quais os melhores dias no lixão. Baseados no tipo de material despejado, reconhecem a origem da coleta: lixo “de primeira”, “de bacana”, “coisa fina”, “filé”, é como definem os bons despejos. Não gostam de perder tempo com “favelão”, “lixo do lixo”, como designam as descargas oriundas de áreas pobres.

No barraco onde moram, quase tudo foi encontrado no lixo, inclusive a maior parte das roupas que vestem. Calçados, bijuterias, bolsas, talheres, pratos, canecas, quadros, enfeites, jarros, brinquedos, panelas, frigideiras, cinzeiros, bibelôs, tudo veio do lixão. Vez ou outra, dinheiro vivo, quase sempre moedas de pequeno valor. Mas também, não muito raro, acham cédulas, geralmente de um real. Leonardo já ouviu um catador antigo dizer que um companheiro encontrara um pacote com muitos dólares. Aprendeu que se trata de dinheiro estrangeiro, de valor impressionante. Pelo visto, um dinheiro bastante cobiçado. Mesmo assim, Leonardo prefere encontrar uma grande quantia do bom e conhecido real, notas graúdas, umas cem notas de cem — para ele, esse é o referencial de uma verdadeira fortuna. Acredita ser o bastante para comprar uma casa fora da favela. Sonha em tirar sua mãe e irmãos daquele ambiente.

O barraco é um único cômodo de uns trinta metros quadrados. Ali todos se acomodam para comer, conversar e dormir. Nos fundos há um pequeno espaço improvisado para o banho sobre uma tábua escorregadia. Tem um vaso sanitário encardido no qual um tubo de material plástico acoplado serve de escoadouro até a vala que passa no meio da favela.

Todos pareciam satisfeitos após tomarem o sopão de legumes que a mãe preparara. Verônica penteava Babi, a sua boneca de um só braço. Leonardo, sentado a um canto, observava o celular. Tuca e os dois menores pareciam interessados no aparelho, enquanto o menino apertava as suas teclas, encostava-o no ouvido, aguardava, mexia, aplicava-lhe leves pancadas e novamente tentava escutar.

— Tá ouvindo o quê, Leo? — perguntou Tuca, a menininha de fala arrastada.

Leonardo fingiu que falava com alguém:

— Sim, pode mandar.
— Mandar o quê, Leo? — quis saber sua irmã.
— Das grande, duas das grande — completou ele e logo fingiu que desligou o aparelho.

Os dois mais novos apenas observavam. Tuca não acreditou que o irmão houvesse falado com alguém.

— Esse celular tá quebrado — disse ela.
— Quebrado?! Quebrado, é?! Quebrado, nada! Tá falando sim, tá falando. Pedi duas pizza. Das grande.
— Então deixa eu falar.
— Eu também quero falar — disse Caco, de quatro anos, com sua fala embolada devido à chupeta que não tirava da boca.
— Falar com quem? Vocês não conhecem ninguém!
— Eu conheço sim, conheço muita gente — protestou Tuca.
— Mas não sabe o número de nenhum telefone — afirmou Leonardo.

A menina ficou pensativa. Verônica entrou na discussão:

— Tuca não sabe, mas eu sei.
— De quem? Tu sabe o número do telefone de quem? — quis saber Leonardo.
— Do pai do Caco.

Caco ficou eufórico:

— Eu quero falar com meu pai!
— Ah! que mentira! O pai do Caco até já morreu — afirmou Leonardo.
— Mas, quando ele tava vivo, a mãe telefonava de vez em quando pro trabalho dele, e eu me lembro do número do telefone.

Caco insistia:

— Quero falar com meu pai!
— Tá vendo o que você fez?! Agora o moleque tá pensando que o pai tá vivo.
— Deixa pra lá, Caquinho — disse Verônica. — Esse celular num presta mesmo.
— Meu celular tá na moral. Melhor que tua boneca aleijada.

Dizendo isso, Leonardo foi para a cama que dividia com os dois irmãos menores. As meninas dormiam na outra com a mãe.

Cimara retornou do barraco da vizinha com quem costumava trocar idéias quase todas as noites. Botou os filhos para dormir e também se acomodou na cama com as duas meninas.

Umas frestas no telhado do barraco permitiam a penetração de luz externa, mantendo uma certa claridade, mesmo com a lâmpada apagada.

Cimara, a julgar pelo barulho do seu ronco, dormia um sono profundo quando Tuca sussurrou no ouvido de Verônica:

— Vamo telefoná?
— O quê?! Vai dormir, vai! Tá de bobeira, é?! Se a mãe acordar num vai gostar — advertiu Verônica.
— Ah! mais eu queria...
— Num tem mais nem menos, cala essa boca e vai dormir, vai!

Já passava da meia-noite, todos dormiam... Todos, não, pois Tuca se mantinha acordada. E não era por causa dos tiros de fuzil que de vez em quando espocava na área próxima, porque isso era praticamente rotineiro, e a maioria dos moradores da favela já estava acostumada a eles. Sabe até distingui-los do pipocar dos fogos que anunciam a chegada da polícia.

Tuca não desgrudava os olhos do aparelho celular que Leonardo segurava enquanto dormia. Ela ergueu a cabeça, olhou em volta e certificou-se de que sua mãe e seus irmãos ressonavam. Esgueirando-se, a menina saiu da cama e se aproximou do outro leito. Cuidadosamente apanhou o celular do irmão e levou-o ao ouvido. Certamente não escutou nada. Olhou para o aparelho, mexeu em algumas teclas e novamente tentou ouvir alguma coisa. Afastou-se dali, foi até o banheiro. Sentou-se no vaso encardido. Deu uns tapinhas naquela pequena sucata. Mexeu nas teclas, experimentou a escuta, esperou um instante e falou baixinho:

— Mande duas das grande. Duas das grande — sorriu.

Cimara acordou-se e, ainda sonolenta, passou a mão, como de costume, para verificar se as filhas estavam na cama. Sentiu a falta de uma. Virou-se e não viu a mais nova. Chamou-a:

— Tuca!

A menina no banheiro ouviu o chamado da mãe. Respondeu:

— Tô aqui, mãe.
— Que é que você tem? Tá passando mal?

Tuca, rapidamente, apareceu ao lado de Cimara. O celular estava escondido sob o vestido, preso pelo elástico da calcinha.

— Não, mãe, só fui no banheiro.
— E por que não me chamou? Tá com dor de barriga?
— Não, foi só vontade de fazer xixi.
— Então vai dormir.

Pela manhã, um domingo ensolarado, enquanto as crianças ainda dormiam, Cimara já estava na rua garimpando a alimentação da prole. Aos domingos e feriados, revirava a lixeira de um restaurante na Rodovia Rio-Petrópólis, onde costumava encontrar restos de frutas e legumes, além de pedaços de frango assado, geralmente acompanhados de farofa e batata frita, a preferência dos filhos. No entanto aquele não parecia ser um bom fim de semana. Até as duas da tarde, não pintou um latão farto. Cimara voltou para o barraco com alguns poucos pedaços de pão e uma sacola com uma mistura de macarrão e arroz engordurada por um molho de panela. Almoçaram.

Leonardo não se desgrudava do celular. A todo momento, fingia que atendia alguma chamada:

— Alô, sou eu... o Leo... — fazia pausas e poses —, o filho da Cimara...
— Nem tocou! Eu sei que tá quebrado — disse Verônica.
— Tá tocando baixinho, você não ouviu porque é surda.
— Eu também não ouvi não — confirmou Tuca.
— Eu vi, eu vi... — falou Caco. — Agora, Leo, deixa eu falar com meu pai, deixa, deixa...
— Tá bom, Caquinho, eu vou deixar tu falar com teu pai.

Leonardo apertou algumas teclas e encostou o aparelho no ouvido do irmão menor.

— Pronto, pode falar.

O pequenino ficou radiante, esboçou um sorriso. Com os olhos brilhando, parecia esperar ouvir a voz de alguém. Leonardo insistiu:

— Fala, moleque! — dizendo isso, encostou o celular no próprio ouvido e falou: — O Caco vai falar, seu Renato.

Novamente aproximou o celular do ouvido do irmão.

Caco gritou:

— Pai, manda duas das grande, duas bem grande... Bem grande!
— Pronto, já falou.

Leonardo recolheu a pequena sucata de telefone.

— Tudo mentira — afirmou Verônica.
— Mentira! Tu diz isso porque num tem um desse.




Quando Cimara chegou em casa, já passava das oito da noite. Saíra em busca do jantar. E desta vez tivera melhor sorte. Trazia uma sacola com alguma coisa de forma arredondada. Jogou-a sobre a tosca mesa de tábuas de caixote. As crianças olharam curiosas para a sacola.

— Mãe, eu falei com meu pai, eu falei com meu pai... — gritava Caco eufórico.
— Que história é essa, menino?! — perguntou Cimara.
— Foi o Leo que enganou ele, mãe — informou Verônica. — Botou ele pra falar no celular quebrado que ele achou no lixão. Só pra enganar o menino.
— Que é isso aí, mãe? — perguntou Tuca apontando para a mesa.

Cimara pegou a sacola, abriu-a e mostrou para os filhos.

— Pizza. Encontrei num latão lá no shopping.

Leonardo apressou-se em pegar a sacola da mão da mãe e conferir o seu conteúdo. De olhos arregalados, falou:

— Caraca! duas... das grande! Como eu pedi!

Todos se animaram.

— O celular do Leo num tá quebrado nada! — garantiu Tuca. — Duas pizza grande, como a gente pediu.
— Eu que pedi — corrigiu Leonardo.
— Eu também pedi — lembrou Caco.
— Tá todo mundo de bobeira. Essas pizza foi a mãe que achou — afirmou Verônica.

Cimara cortou a primeira pizza em quatro grandes pedaços. Leonardo, Verônica, Tuca e Caco receberam essa primeira divisão. Mimo, o mais novo, ainda não sabia falar; porém, vendo o banquete dos irmãos, esticou os braços com as mãos estendidas e gemeu exigindo sua parte. Cimara cortou um pedaço da segunda pizza e deu para o filho caçula, que o levou à boca vorazmente. Também pegou um para si.

— Se tivesse guaraná, era melhor — lembrou Tuca.
— Eu prefiro coca — disse Verônica.
— Eu também — concordou Caco.

Leonardo, com o celular colado ao ouvido, falou:

— Uma coca e um guaraná, dos grande, de dois litro.

Verônica duvidou:

— Se vinhé, eu dou minha cara a tapa!

Cimara repreendeu a filha:

— Que isso, menina?! Isso é lá coisa que se fale?!
— Eu só tava querendo dizer que é mentira do Leo, que esse celular tá quebrado.

Leonardo, ainda ao telefone:

— Amanhã nóis vamo dá uma festa, pode mandar uns vinte litro...

Tuca e Caco vibraram.

Sentada na cama, Cimara observava os filhos satisfeitos, comendo pizza e sonhando com refrigerantes. Ela, ainda mastigando, sentiu um certo azedume. Olhou para o seu pedaço e cheirou-o. Pela sua expressão, devia ter sentido um mau cheiro de comida estragada. “Tem nada não. A gente já comeu muita coisa assim, e nunca passou de umas dor de barriga”, pensou.

Às dez da manhã daquela segunda-feira, Odete, a vizinha, estranhou: o barraco da amiga estava em silêncio; não se ouvia o costumeiro barulho que Tuca e os irmãos menores faziam enquanto Mara e os dois mais velhos estavam no lixão. Até aí Odete apenas estranhou. Mas, ao meio-dia, não se conteve e bateu nas tábuas do barraco chamando pelas crianças. Silêncio. Em pouco tempo, outras pessoas da vizinhança insistiam, agora chamando por todos, pois Alípio, um velho catador, já havia retornado do lixão e garantia que Mara e seus filhos não tinham ido trabalhar naquele dia.

Quando os vizinhos, depois de forçarem a porta, entraram no barraco, não entenderam bem o que estava acontecendo. Aproximaram-se cautelosamente de Mara e seus filhos, que, estranhamente, pareciam dormir.

Odete foi a primeira a tentar acordar a amiga. Inicialmente chamando-a pelo nome e sacudindo o seu braço. Mesmo assim ela não dava sinais de despertar. Percebendo a gravidade do que estava ocorrendo, os demais amigos se aproximaram das crianças e chamaram por elas. Em vão. Não demorou muito para entenderem que todos ali dormiam um sono profundo, distante, sem retorno.

Angústia, um tremor nas mãos, um balbuciar desconexo, um grito, um gesto de inconformismo, troca de olhares perplexos, muitas perguntas, nenhuma resposta, uma lamentação blasfemante, olhos turvando-se de lágrimas, um choro revelando profundo pesar, e um providencial desmaio para fugir daquele pesadelo real. Todos estavam tomados de assombro diante do cenário. Ninguém conseguia entender o que havia acontecido. Afinal, Mara do Lixão, mesmo na miserável condição de vida que levava, sempre se apegara à esperança de ver seus filhos bem criados. Todos sabiam o quanto ela amava sua prole e do que seria capaz de fazer para defendê-la.

Desmaiada, Odete não percebeu que Jorginho, seu filho caçula, já no quinto ano de peraltice, havia se apoderado do bom pedaço de pizza mista que deixaram sobre a tosca mesa de tábuas de caixote. Correndo pelos becos da favela, o moleque devorava a iguaria italiana, borrifada de raticida.


Conto de Fernando Soares Campos, publicado no livro "A cidade e as formas de viver". Organizadores: Junia de Vilhena, Ricardo Vieiralves de Castro, Maria Helena Zamora. Museu da República, 2005.

Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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VOCÊ SABIA?

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Urda Alice Klueger

Que línguas falamos na América? A gente começa respondendo: português e espanhol. Mas aí se lembra que nos EUA se fala inglês, e que metade do Canadá fala francês. E que pelo Caribe e nas Guianas se falam línguas como o holandês e outras, como o papiamento, em Aruba e Curaçau, interessantíssima língua inventada pelos escravos daquelas ilhas, no passado. Parece um monte de línguas, não? Mas estamos nos esquecendo do quíchua e do aimará, primeiras línguas de parte dos povos andinos – como segunda língua, eles costumam aprender o espanhol, que é usado no dia a dia. Nem vamos falar de todas as outras inúmeras línguas de outros inúmeros grupos indígenas por esta América afora, como o Xokleng, quase aqui no quintal de casa. Vamos logo aonde quero chegar: ao Guarani.

Acabo de voltar do Paraguai, e lá, milagrosamente, a língua guarani sobreviveu em toda a sua glória, e é a língua do dia-a-dia das gentes daquele país. Quando voltei, meu amigo Viegas, um intelectual, me perguntou:

- E daí, e daí? Tu viste alguém falando mesmo guarani lá no Paraguai?

Respondi-lhe que lá todos falavam guarani como primeira língua e o tempo quase todo, excetuando-se, claro, os menonitas do Chaco, sobre os quais já falei na semana passada.

- Mas tu viste mesmo? Quantas pessoas? – o meu amigo Viegas não estava entendendo muito bem.

- Viegas, TODOS falam guarani. Lá na casa do Aldo (família de classe média-alta, onde me hospedara em Assunción – o Aldo é médico aqui em Blumenau), todos falam guarani o tempo todo. Passavam a falar espanhol quando eu chegava, por educação.

Tenho a leve impressão que Viegas achava que a coisa era mais a nível da gente pobre.

- Mas tu tens certeza? Há um país aqui na América falando guarani?

- Tem, Viegas. É coisa milagrosa, mas tem! De alguma forma, aquele povo tão forte (e sobre o qual vivemos fazendo gozações) salvou aquela antiga língua americana!

E contei-lhe mais, da menina que vira na rodoviária de Assunción entretidíssima a ler um livro infantil em guarani, sentada sobre uma mala. Devia ter uns 8 anos. Na ocasião, eu acabara de fazer amizade com 3 moças brasiguaias (brasileiros que estão devastando todo um estado paraguaio, ao norte, acabando com a floresta e a terra), e estava de papo com as brasiguaias (em português, é claro), e chamei a atenção delas para a menina lendo o livro em guarani. Elas se espantaram:

- Nós também sabemos ler em guarani. Nossa primeira língua foi o português, mas depois aprendemos o guarani na escola.

Meu amigo Viegas quedou-se um pouco incrédulo, tipo assim como se precisasse de umas horas para absorver uma coisa assim tão desconhecida e tão próxima de nós.

E então lhes digo que até aprendi duas palavras em guarani, e copiei algumas saudações. Uma das palavras é água, que se escreve “y”, mas quero ver alguém daqui conseguir aquela pronúncia musical com que se diz água. Estão rindo de mim, não é? A outra é Ipacaray, e os mais velhos haverão de se lembrar da música “Recuerdos de Ipacaray”, e Ipacaray é um lago, que vi um pouco ao longe, mas lindo e azul, e a palavra quer dizer: “água que tem fim”. Foi pouco para duas semanas por lá, não foi? Mas o que não aprendi eu copiei, e hoje deixo para vocês umas das lindas saudações copiadas:

“Roipota iporãba opamb’e nderegucrã!”

*Urda Alice Klueger é escritora e historiadora. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz.

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sexta-feira, 26 de março de 2010

Filme: "Criação" - HUMANIZANDO O MITO

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Filme tem como protagonista ninguém menos do que Charles Darwin, o criador da revolucionária teoria da evolução

André Lux*

Cinebiografias de personalidades reais sempre correm o sério risco de limitarem-se a elencar vários episódios importantes sobre a vida do biografado, falhando em aprofundar suas paixões, dores ou inspirações e alienando assim o espectador. Levando-se esses fatos em conta, “Criação” é uma boa surpresa. O filme tem como protagonista ninguém menos do que Charles Darwin, o criador da teoria da evolução, que revolucionou o modo como vemos a natureza e mesmo nosso lugar neste mundo.

Ao invés de tentar reproduzir nas telas toda a jornada de descobertas do cientista, o filme concentra-se na fase mais difícil de sua empreitada: justamente quando tem que completar seu livro “Sobre a Origem das Espécies”. Atormentado pela morte de sua filha mais velha, com a qual tinha grande empatia e continua conversando em momentos de delírio, e pelos conflitos entre sua fé cristã cada vez mais enfraquecida e suas descobertas científicas revolucionárias, Darwin reluta em finalizar sua obra. E quanto mais procrastina, mais estressado fica ao ponto de adoecer fisicamente.

Esses conflitos internos do protagonista são explorados de maneira sutil e madura, sem cair em melodramas ou reduções simplistas. O relacionamento entre Darwin e sua devota, porém muito religiosa esposa (a lindíssima Jeniffer Connely) também é bem enfocado, tornando-se parte importante do desenvolvimento psicológico do personagem. A interpretação de Paul Bettany como Darwin é convincente e o filme tem ainda uma excelente direção de fotografia e uma bonita trilha musical composta por Christopher Young.

Se não é nenhuma obra-prima, “Criação” ao menos tenta humanizar um personagem mítico da nossa história sem se preocupar em ser didático ou detalhista. E é exatamente assim que os bons dramas são feitos. Além disso, esse é o tipo de filme que, mesmo sendo respeitoso em relação à fé alheia, certamente vai provocar a fúria dos fanáticos religiosos - o que por si só já é um ponto positivo a mais para ele.

Cotação: * * *

*André Lux, jornalista, presta assessoria na área de Comunicação Social, crítico-spam, administra o blog “Tudo em Cima”. http://tudo-em-cima.blogspot.com/



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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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Sexo em "alto e bom som" leva mulher para a cadeia

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Caroline Cartwright já tinha sido advertida sobre barulhos excessivos.
Americana tentou mudar cama para sala de jantar antes da prisão.

Os vizinhos de Steve e Caroline Cartwright, em Newcastle, no Reino Unido, já tinham reclamado de suas barulhentas sessões de sexo. Em janeiro passado, ela foi notificada pela polícia de que poderia ser presa caso não mudasse seus hábitos. Não deu outra. A reincidência levou Caroline para a prisão.

A americana de Washington ficou apenas algumas horas atrás das grades, mas será mantida longe do marido até que a Justiça decida o que fazer com o casal. Ambos estão morando em albergues.

Na primeira vez que foi alertada sobre o incômodo que causava na vizinhança, Caroline Cartwright passou oito meses em um albergue, até que conseguiu na Justiça o direito de voltar a morar com o marido. À época, ela mudou sua cama do quarto para a sala de jantar, numa tentativa de abafar o barulho. No entanto, a ideia não deu certo e o casal foi vítima de novas reclamações.

"Não fomos tão barulhentos assim. Foram apenas dez minutos e não duas horas de sexo", argumentou ela ao jornal "Telegraph".

http://www.clicksergipe.com.br/blog.asp?pagina=1&postagem=8973#topo

Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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quinta-feira, 25 de março de 2010

Rosas na Palestina

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Todas as manhãs abrir os jornais e ver rostos de crianças sorrindo estampados na primeira página. Não me surpreender que elas estejam felizes, pois isso é tão natural. Depois preparar o café da manhã com suco de frutas frescas. Não me surpreender que elas estejam suculentas, pois há tanta terra no quintal de nosso planeta. Abrir as janelas da casa e deixar a face limpa, sem filtro algum, ruborizando-se com os raios solares. Não me surpreender com a delicadeza deles, pois sempre souberam sua distância, nunca quiseram ser ultra-roxos, apenas violetas. Ver as pessoas fechando as portas de suas casas sem receio, sabendo que voltarão em algumas horas. Não me surpreender que elas estejam tão confiantes no retorno, pois voltas do trabalho não são incógnitas no império do bem viver. Ouvir todo e qualquer menino gritar que está atrasado para a escola. Não me surpreender que ele não use cola para cheirar, mas sim para prender seus enfeites nos cadernos. Ver os carros ausentes de buzinas, pessoas sem gritos desesperados, esperando pacientes os pedestres com seus passos elegantes, acenando um muito obrigado aos motoristas. Assistir o antecipar de braços, para aqueles que já perderam a força nas pernas. Não me surpreender com a afabilidade, pois ela é coisa comum entre os humanos. Varrer a casa com zelo sem receio de perdê-la, pois todos possuem uma, não existem apenas alguns donos para muitos ocupantes passageiros. Ver canteiros de margaridas e não pessoas feridas embaixo das pontes. Fazer o feijão com capricho e deixar que o tempero se espalhe pelas ruas até receber o arroz da vizinha. Misturá-los em um só prato e comer juntas nas esquinas da existência, sem olhares de esguelhas de terceiros, mas sim olhares companheiros, vindos da certeza de que todos nós lemos o mesmo livro, onde a história era dividir a vida nas pequenas coisas, para fazê-la grande no todo. Rir de contentamento e não acordar de jeito nenhum desse sonho, uma Terra Santa sem dono, pois aquela foto no jornal foi erro de edição. Ela foi tirada num tempo de enganos. Não ficar desesperadamente surpreendida com a eterna ignorância do homem. Difícil acreditar que ainda hoje se use a mão para ferir, quando existe o toque que afaga e faz florir. Não bastaram as rosas que não desabrocharam em Hiroshima?

Quero muitas, vivas, de todas as raças e cores, na Palestina.


Rosa Pena (Rio de Janeiro-RJ). Professora e administradora de empresas. Especialista em recursos audiovisuais e artes cênicas. Trabalhou na Divisão de Multimeios da Educação na Secretaria de Educação e Cultura do Rio de Janeiro, com projetos ligados a cinema, teatro, música e literatura. Compulsiva para ler e escrever, considera a Internet a grande biblioteca contemporânea. Tem livros virtuais publicados e quatro livros editados no papel: Com licença da palavra, antologia do grupo Pax Poesis Encantada (2003), PreTextos, seu primeiro livro solo, onde reúne crônicas e contos de sua autoria (2004), na sequência UI! (2007) e Tarja Branca (2010). Mais em seu site: http://www.rosapena.com/

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TV BRASIL: Revolta da Chibata

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Domingo, 28 de março

Revolta da Chibata

O De Lá Pra Cá comemora o centenário de um dos mais importantes conflitos do Brasil Republicano: a Revolta da Chibata. O motim, que ocorreu entre 22 e 27 de novembro de 1910, foi uma reação aos tratamentos impostos pela Marinha a seus marujos. Na época, a grande parte do corpo de marinheiros era composta por negros e mulatos. E eles eram submetidos a castigos físicos semelhantes ao tempo da escravidão. Inspirados pela Revolta da Armada Imperial Russa, no Encouraçado Potemkin, um grupo de marinheiros se organizou, sob a liderança de João Cândido Felisberto, o “Almirante Negro”.

O estopim da rebelião foi a punição imposta ao marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes: 250 chibatadas, dez vezes mais do que o máximo permitido no regulamento. O fato ocorreu uma semana após da posse do presidente Hermes da Fonseca, que declarou que aceitaria as revindicações dos amotinados. No entanto, dias após a entrega das armas e das embarcações, a Marinha expulsou parte dos marinheiros. A anistia para João Cândido só veio em 2008.

Participam desta edição, o historiador Marco Morel, o cineasta Marcos Manhães que, em 2006 dirigiu o curta Memórias da Chibata; e o compositor João Bosco que, ao lado de Aldir Blanc, imortalizou a história de João Cândido Felisberto no samba-enredo Mestre-sala dos Mares. Também estarão no programa, o Almirante Bittencourt, oficial reformado pela Marinha Brasileira, e o jornalista Fernando Granato, autor do livro Negro da Chibata.

O De Lá pra Cá está em novo horário: domingo, às 18h. Reprise às segundas, 23h.

http://www.tvbrasil.org.br/delapraca/

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Revolta da Chibata - Depoimento de João Cândido ao jornalista Edmar Morel, primeiro livro a abordar este tema.

Trecho:

"Pensamos no dia 15 de novembro. Acontece que caiu forte temporal sobre a parada militar e o desfile naval. A marujada ficou cansada e muitos rapazes tiveram permissão para ir à terra. Ficou combinado, então, que a revolta seria entre 24 e 25. Mas o castigo de 250 chibatadas no Marcelino Rodrigues precipitou tudo. O Comitê Geral resolveu, por unanimidade, deflagrar o movimento no dia 22. O sinal seria a chamada da corneta das 22 horas. O "Minas Gerais", por ser muito grande, tinha todos os toques de comando repetidos na proa e popa. Naquela noite o clarim não pediria silêncio e sim combate. Cada um assumiu o seu posto e os oficiais de há muito já estavam presos em seus camarotes. Não houve afobação. Cada canhão ficou guarnecido por cinco marujos, com ordem de atirar para matar contra todo aquele que tentasse impedir o levante. Às 22h 50m, quando cessou a luta no convés, mandei disparar um tiro de canhão, sinal combinado para chamar à fala os navios comprometidos. Quem primeiro respondeu foi o "São Paulo", seguido do "Bahia". O "Deodoro", a princípio, ficou mudo. Ordenei que todos os holofotes iluminassem o Arsenal da Marinha, as praias e as fortalezas. Expedi um rádio para o Catete, informando que a Esquadra estava levantada para acabar com os castigos corporais".

A REVOLTA DA CHIBATA, do grande jornalista e pesquisador Edmar Morel (1912 — 1989), publicado em 1959. O Marco Morel aí envolvido [no programa da TV Brasil] deve ser filho ou neto do Edmar. Esse livro é execrado pelos MILICANALHAS da Marinha e foi colocado no "index" dos golpistas de 64. (Castor Filho, amigo do Edmar Morel nos áureos tempos do restaurante Lamas).


http://www.youtube.com/watch?v=vqSiCuRhVCg

Elis Regina
Composição: João Bosco/Aldir Blanc

Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o navegante negro
Tinha a dignidade de um mestre-sala
E ao acenar pelo mar na alegria das regatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas

Rubras cascatas
Jorravam das costas dos santos entre cantos e chibatas
Inundando o coração do pessoal do porão
Que, a exemplo do feiticeiro, gritava então

Glória aos piratas
Às mulatas, às sereias

Glória à farofa
à cachaça, às baleias

Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história não esquecemos jamais

Salve o navegante negro
Que tem por monumento as pedras pisadas do cais

Mas salve
Salve o navegante negro
Que tem por monumento as pedras pisadas do cais

Mas faz muito tempo

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quarta-feira, 24 de março de 2010

Intifada cresce em Jerusalém

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Khaled Amayreh (dos Territórios Palestinos Ocupados), Al-Ahram, ed. n. 990, Egito

Confrontos esporádicos, mas violentos, entre jovens palestinos armados de estilingues e pedras e soldados israelenses vestidos para combate continuam em todos os territórios ocupados pelo quarto dia consecutivo, depois da abertura de uma grande sinagoga próxima da mesquita do complexo chamado Nobre Santuário [Haram Al-Sharif], que abriga alguns dos sítios mais sagrados do Islã.

Fontes médicas palestinas dizem que houve mais de 100 palestinos feridos na terça e na quarta-feira, em confrontos descritos como os mais violentos em vários anos. Há cerca de 50 feridos por balas revestidas de borracha, sete dos quais com ferimentos de moderados a graves nos olhos. Um manifestante, Rami Othman Abu Gharbiya, segundo relatos de testemunhas, teria perdido um olho. Duas pessoas – um jornalista estrangeiro e um palestino – receberam ferimentos à bala.

Pelo meio dia da terça-feira, os conflitos espalhavam-se por vários quarteirões de Jerusalém Leste e arredores, incluindo Shufat, Wadi Al-Joz, Isawiya, Sur Baher, Abu Dis e Silwan, depois que Israel mobilizou mais de 4.000 policiais paramilitares para “impor a lei e a ordem” na cidade árabe ocupada.

Em várias cidades da Cisjordânia, como em Hebron e Ramallah, também houve confrontos entre jovens locais, armados com estilingues e pedras, e soldados israelenses que responderam com tiros com balas revestidas de borracha, com munição real e granadas de gás lacrimogêneo e outras bombas de efeito moral. Na Faixa de Gaza, milhares de manifestantes ocuparam as ruas em protesto contra as medidas tomadas por Israel em Jerusalém Leste.

Ismail Haniyeh, do Hamás, primeiro-ministro do governo palestino em Gaza, saudou os manifestantes, dizendo que os palestinos têm de mostrar que não se calarão ante “essas provocações de Israel”.

Há duas semanas, Haniyeh conclamou os palestinos a uma terceira Intifada – “levante” – em resposta à “guerra demográfica” que, nas palavras do primeiro-ministro, Israel declarou contra os palestinos em Jerusalém. Líderes do Fatah também conclamaram os palestinos a “dar uma resposta popular palestina” aos esforços de Israel para “expulsar os árabes e islâmicos de Jerusalém”. Hatem Abdel-Qader, ex-ministro do governo do Fatah e cidadão de Jerusalém Leste, acusou as autoridades de Ramallah de colaborar com Israel, ao proibir protestos anti-Israel.

Imediatamente depois, Abdel-Qader denunciou que teria recebido dura reprimenda da Autoridade Palestina, com ordens para que não continuasse a criticar a Autoridade Palestina e sua atuação nos recentes tumultos.

No momento do fechamento dessa edição de Al-Ahram Weekly, chegavam informações sobre confrontos em Hebron, Nablus e Ramallah, onde a tensão continua extremamente elevada, apesar dos esforços da Autoridade Palestina para restaurar a calma, preocupada com evitar “que as coisas escapem ao nosso controle”. Autoridades do governo da Autoridade Palestina acusaram o Hamás – que, para aquelas fontes, seria responsável pela agitação atual. Para a AP, uma intifada violenta, nesse momento, não serviria aos interesses do povo palestino.

Yasser Abed Rabbo disse que os vários grupos palestinos reunir-se-ão essa semana para decidir sobre como responder a “essa inadmissível insolência dos israelenses”. “Apoiamos integralmente protestos sem armas letais e bem organizados, mas temos de evitar que haja novo massacre de palestinos.”

A Autoridade Palestina aprofunda-se cada vez mais da difícil posição de ter de reprimir os protestos – compromisso que assumiu com Israel, de implementar regras rígidas de segurança nos territórios ocupados. E quanto mais reprime, mais a AP aparece aos olhos do governo e população de Ramallah como governo-tampão, a mando de Israel.

Pouco antes, a liderança do Hamás em Damasco orientou os palestinos a declarar “um dia de fúria” para protestar contra os esforços de Israel para judeicizar Jerusalém Leste e apagar da cidade sua identidade árabe-muçulmana. Khaled Meshaal acusou Israel de estar usando “um falso processo de paz” para acobertar “a política de judeicização de Jerusalém”. Meshaal e outros líderes islâmicos criticaram duramente o governo da Autoridade Palestina apoiado pelo Ocidente, por reprimir com violência os protestos dos palestinos. (...)

Já há vários meses, judeus fanáticos apoiados pelo governo de Israel tem pregado a demolição da Mesquita Al-Aqsa, em repetidas manifestações na esplanada do complexo Haram Al-Sharif, contando com, assim, “ganhar espaço” para “a prática de seus ritos religiosos”. As repetidas provocações praticamente todos os dias levam a confrontos entre a polícia israelense e manifestantes palestinos.

O próprio governo de Israel também tem provocado os palestinos com repetidas ameaças de novas demolições de milhares de casas de palestinos em Jerusalém Leste, que Israel ocupou em 1967, para ali construir novos conjuntos habitacionais exclusivos para judeus. Semana passada, o governo de Israel anunciou planos para construir 1.600 novas unidades exclusivas para judeus – o que criou uma (até agora) mini-crise com Washington que exigiu que Israel anunciasse o cancelamento daquele projeto. Parte significativa da comunidade internacional, inclusive a União Europeia e os EUA, tem exigido que Israel suspenda as construções nos territórios árabes ocupados, inclusive em Jerusalém Leste, até agora sem qualquer resultado. (...)

O artigo original, em inglês, pode ser lido em:

https://sites.google.com/site/weeklyahramorgegissue990/region/intifada-engulfs-jerusalem

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