segunda-feira, 31 de maio de 2010

DILMA, SERRA, MARINA E OS EMIGRANTES

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Rui Martins*

Nem em sonho se pode imaginar Dilma, Serra ou Marina tomando um avião para ir fazer campanha eleitoral nos EUA, Europa e Japão, a fim de obter votos dos emigrantes. Mas por que, se existem no mínimo três milhões de emigrantes brasileiros espalhados pelo mundo?

Por uma razão muito simples – toda essa multidão de emigrantes não vota. Só cerca de 150 mil emigrantes transferiram seus títulos para o Exterior até o mês passado, muitos a isso foram obrigados por ser necessário à renovação do passaporte, mas uma grande parte, digamos a metade, mesmo com título novo, não irá votar e sim justificar a ausência.

Então se entende porque nem Dilma, nem Serra e nem Marina farão campanha eleitoral entre os emigrantes - seria pura perda de tempo. Esse é um dos aspectos pouco conhecidos da questão emigrante – a falta de importância política dos emigrantes, pois qualquer coisa que um político brasileiro faça pelos emigrantes não tem retorno em votos.

Se o ex-senador e governador Lúcio Alcântara, se o ex-deputado Carlito Merss, e os deputados Rita Camata e Leonardo Alcântara ajudaram de maneira decisiva a aprovação da emenda constitucional 272, devolvendo a nacionalidade brasileira nata aos filhos dos emigrantes, foi por pura benevolência. Se o senador Cristovam Buarque propõe a criação de deputados emigrantes, é sem interesse pessoal, pois não ganha nenhum voto com isso.

O resultado entre os outros deputados e senadores e entre os próprios membros do governo é o de total desinteresse pelos emigrantes. E essa atitude é recíproca – como os emigrantes só podem votar para presidente e ainda têm de pagar o transporte da cidade em que vivem para o Consulado mais próximo, a quase totalidade não quer nem saber dessas eleições. Os brasileiros da Matriz que decidam.

O PT, único partido com um departamento internacional, bem que se esforça para mobilizar os emigrantes. Mas lhe falta um argumento principal – não tem o que oferecer aos emigrantes em termos locais e o Brasil está muito longe. É uma questão de realismo – o que um emigrante vivendo na França, California ou Tóquio tem a ver com uma vitória da Dilma, do Serra ou da Marina no Brasil, se só uns cem mil votarão e se o presidente não vai ficar devendo nenhum favor aos emigrantes por sua eleição? Se os emigrantes não podem ser candidatos para representar a emigração em Brasília ?

Em síntese, os brasileiros emigrantes espalhados pelo mundo, mesmo tocando cuíca, requebrando as cadeiras e torcendo pela seleção do Dunga não fazem mais parte do Brasil. Já foram excluídos do processo eleitoral, formam o que o Itamaraty chama elegantemente de brasileiros no mundo, dispersos, divididos e sem voz. Ou formam um Estado de emigrantes sem governo, sem representantes em Brasília que, na melhor das hipóteses, devem se integrar onde vivem, aí fazer sua vida e sua política se isso lhes interessar.

Outro dia, um emigrante brasileiro nos EUA, Samuel Sales Saraiva, enviou uma carta ao presidente Lula dizendo para não gastar dinheiro público com o Conselho de Representantes, que só vai mesmo satisfazer a vaidade de alguns. E ele não está longe da verdade.

Se a nova política brasileira da emigração for só a criação desse Conselho, ela praticamente inexiste, pois esse Conselho não decide nada e só marca mesmo presença. Foi criada uma Subsecretaria das Comunidades Brasileiras no Exterior mas ela tem uma falha principal – é dirigida por diplomatas do Itamaraty e seu quadro reúne apenas funcionários do Itamaraty. É como se a Secretaria de Estado da Mulher fosse dirigida por homens.

Quando, na I Conferência dos emigrantes, no Itamaraty, apresentamos, pela primeira vez, o projeto de um órgão institucional emigrante e levantamos a questão de que a Subscretaria das Comunidades Brasileiras deveria ser dirigida por um emigrante e não por diplomata, alguém me informou, na pausa-café uma questão formal. Nenhum órgão do Itamaraty poderá ter emigrantes porque é questão básica ter curso completo do Instituto Rio Branco.

Diante desse empecilho, impõe-se a separação efetiva do órgão institucional, o que também garantirá uma independência aos emigrantes, mesmo porque as questões emigrantes envolvem também os outros Ministérios. Que Dilma, Serra ou Marina, mesmo sem irem ao encontro dos emigrantes, imaginem, desde já, uma nova política brasileira para a emigração.
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Para Rui Martins, o governo brasileiro deveria criar uma nova política de emigração a exemplo de Portugal, França, Itália e mesmo México e Equador.

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http://www.francophones-de-berne.ch/





http://www.estadodoemigrante.org/

*Ex-correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. Autor do livro “O Dinheiro Sujo da Corrupção”, criou os Brasileirinhos Apátridas e propõe o Estado dos Emigrantes. Vive na Suíça, colabora com os jornais portugueses Público e Expresso, é colunista do site Direto da Redação. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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É só ficção, mas o cenário é real

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O filme “Amanhecer Violento” (1984) terá remake... Mas contra a China!


The Observer, reproduzido em The Guardian, UK

O filme [ing. Red Down, 1984] foi peça clássica do cinema para adolescentes dos anos 80s, narrado sobre o pano de fundo da geopolítica paranoica da Guerra Fria. “Amanhecer Violento” trouxe Patrick Swayze e Charlie Sheen como adolescentes norte-americanos típicos, que lideram um movimento armado de resistência contra tropas soviéticas que invadiram os EUA (uma espécie de Hamás-que-a-filha-da-Hillary-curtiu).

Agora, para alimentar a febre de filmes reciclados de Hollywood, “Amanhecer Violento” está sendo refeito com outros jovens simpáticos. Mas com pelo menos uma diferença chave: dessa vez, os exércitos que invadem os EUA são chineses, não soviéticos.

O inimigo remade mostra as mudanças pelas quais passa o mundo desde a queda do muro de Berlin. Primeiro, já nem existe URSS, o que dificultaria os enredos de novelas de ‘resistência’ nos EUA. Segundo, a geopolítica paranoica da Guerra Fria já recomeçou e já atacou toda a política dos EUA, dessa vez ativada pelo crescimento da China.

Só isso explica a distribuição viral de cenas vazadas das primeiras tomadas do filme, mostrando pôsteres de propaganda pró-China – perfeitos para disparar todos os medos dos norte-americanos em tempos de crise econômica brutal. Dado que a culpa não pode ser ‘dos mocinhos’, eles próprios, nem dos banqueiros, agora a culpa será “dos chineses”, que se estariam ‘infiltrando’ no âmago das famílias, seduzindo, primeiro, os adolescentes.

Um dos cartazes de propaganda antichineses, vazados da produção do filme, mostra uma mão amarela (chinesa!) estendida para ajudar um norte-americano esfarrapado “Ajudando-o a reerguer-se”, diz o cartaz. “Reconstruindo seu nome limpo”, diz outro, que mostra uma estrela comunista chinesa impressa sobre o mapa dos EUA, rachado ao meio.

O filme, previsto para ser lançado ainda esse ano, tem orçamento de 75 milhões e, como o original, vem estrelado por várias jovens estrelas ascendentes, não por nomes já consagrados. Entre eles, Connor Cruise, filho de Tom Cruise e Nicole Kidman; Chris Hemsworth, de “Guerra nas Estrelas” e Isabel Lucas, estrela de “Transformers”.

O filme não interessa pelo talento dos atores, mas porque, como o primeiro, é competente ao manifestar os tormentos de uma nação que se sente ameaçada. Na versão de 1984, que teve roteiro de John Milius (autor do roteiro original de “Apocalypse Now”), foi estrondoso sucesso de público, nos EUA, desde a estréia. O hiperpatriotismo e as cenas em que adolescentes arriscam a vida contra a “ameaça vermelha” muito contribuíram para o criar ânimo cenográfico patriótico dos EUA de Ronald Reagan.

Não é filme sutil, mas o sucesso financeiro o habilitou a ser escolhido como o filme favorito dos conservadores de todos os tempos. A operação para caçar Saddam Hussein depois da invasão do Iraque em 2003 foi batizada “Operation Red Dawn”, em homenagem a esse filme.

O remake terá praticamente o mesmo roteiro, embora, onde antes havia o medo dos comunistas, entra hoje o medo do declínio financeiro. Os chineses, agora, invadem os EUA e usam, como pretexto, a mentira de que vêm para resolver os problemas da economia dos EUA. Adolescentes furiosamente patrióticos combatem contra o Exército de Libertação da China Popular e traidores colaboradores que lutam ao lado do invasor. (...)

Cenas que vazaram da produção do filme já chegaram ao jornal Asia Times Online, onde se lia, em manchete, “Paranoia norte-americana, de volta em “Despertar Violento”, o retorno” (8/1/2010, em http://www.atimes.com/atimes/China/LA08Ad01.html). E dizia o escritor Ben Shobert, no artigo: “O filme e seus vilões dizem muito sobre as atuais inseguranças da sociedade norte-americana” (...)

Mas o mais forte símbolo do real declínio dos EUA e do real crescimento da China, paranoias à parte, não vem nem do roteiro, nem dos personagens, nem do ideário de propaganda que inspira o filme. Vem do fato de que grande parte do filme foi rodado nos semidestruídos (de fato!) bairros industriais da cidade de Detroit. As ruas desertas, as gigantescas fábricas abandonadas são o item realista – que entra como personagem não convidado – e fixa-se na tela, como cenário real das cenas de guerrilha urbana cinematográfica, mas nem por isso menos assustadoramente realista.

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domingo, 30 de maio de 2010

LULA, O PÜTCHIPÜ´Ü DO MUNDO

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Estou convencido: a recente projeção do Brasil no cenário mundial mostrou que Lula é muito mais do que “o cara”. Lula é o próprio pütchipü´u. Ele age como um pütchipü´u. Pensa como um pütchipü´u. Usa as mesmas ferramentas que um pütchipü´u. Então, ele é um pütchipü´u. Na verdade, sempre foi um pütchipü´u, mas sua pütchipü´ulidade adquire agora uma dimensão planetária. Que diabo, afinal, vem a ser o pütchipü´u?

Pera lá! Antes de qualquer explicação, deixa que eu vá logo prevenindo: não entendo chongas de política internacional. E daí? Muitos colunistas de plantão da grande mídia também não, o que não impediu, nessa semana, que pontificassem, com ar doutoral, sobre a recente iniciativa diplomática do Brasil e da Turquia no Irã. É impressionante! Os caras falam com tanta intimidade, parece até que o Obama, com quem tomam o breakfast, lhes passa informações em primeira mão. Não manifestam dúvidas, só certezas. São contundentes.

Concordaram com a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, que criticou a ação de Lula no cenário internacional. Ela acha que o acordo arrancado pelo Brasil e pela Turquia, com base – quanta ironia! – em exigências prévias da própria Casa Branca, “torna o mundo mais perigoso” porque “ajuda o Irã a ganhar tempo na execução de seu programa nuclear”. Manifestou “discordâncias sérias com o Brasil”. Cobrou do Conselho de Segurança da ONU sanções ao Irã e reafirmou a doutrina Bush de segurança, que confere aos Estados Unidos a função de meganha do planeta.

Essa é a opinião dela, lá pras negas dela. Tudo bem, ela está no seu papel. Serve ao militarismo e à indústria bélica. Quem não está no seu papel são alguns comentaristas brasileiros, que de forma subserviente embarcaram na canoa norte-americana, adotando o ponto de vista da secretária como se fosse “a verdade”. Criticaram “o erro de cálculo do Itamaraty”, sua “desastrosa política externa” e as “ambições megalomaníacas” de Lula. Debocharam do que chamam de “diplomacia da periferia”. Incorporaram o complexo de vira-lata: “Imagina, o Brasil querendo interferir nos destinos do planeta como se fosse uma grande potência nuclear!”

Se me permitem, quero discordar. Ora, se Lula e o Brasil, por essa razão, não podem influenciar a diplomacia mundial, então jornalista que nasce e reside no país do Lula está incapacitado para tecer comentários sobre política internacional, distanciado que está das fontes e do círculo de poder. Só quem pode falar é colunista do New York Times ou do Washington Post. Acontece que o poder do Lula não se apóia no canhão e na bomba atômica. Lula, em vez de rosnar como um Pitt Bull, fala como um pütchipü´u.

O dono do verbo

O pütchipü´u é um personagem fundamental na cultura dos índios Wayuu, que são conhecidos também como Guajiro, vivem na Venezuela e na Colômbia e somam atualmente cerca de 500 mil habitantes nos dois países.

O direito consuetudinário dos Wayuu parte do princípio de que os conflitos são inevitáveis em todas as sociedades e que cada uma desenvolve mecanismos para manter a ordem, a paz, a harmonia e a coesão social. Para isso, algumas sociedades criaram instituições como polícia, cadeia, tribunal, lei. Os Wayuu criaram um sistema jurídico singular onde quem se destaca é o pütchipü´u.

O grande legislador que dita as primeiras normas de vida em sociedade é um pássaro, segundo as narrativas míticas. Esse pássaro dá origem ao pütchipü´u, cuja retórica, similar ao canto das aves, busca a harmonia. O pütchipü´u é o “mestre da palavra’, o “dono do verbo”, enfim um índio sábio, especialista no manejo da linguagem. Tem a fala envolvente, convincente, sedutora e o dom da clarividência, do bom humor. Sua função é usar tais qualidades para solucionar disputas familiares e conflitos intra-étnicos.

Quando alguém se sente prejudicado, chama logo o pütchipü´u. Ele vem, analisa, conversa com as partes em lítigio, persuade, insinua, negocia, cria cenários às vezes ameaçadores sobre os possíveis desdobramentos do caso, mostrando que todo mundo pode perder. Ele não é bem um juiz que condena ou absolve. É mais um intermediário, um mediador na solução das brigas, e isso porque o sistema jurídico Wayuu não é um sistema de “justiça punitiva”, mas de “justiça de compensação”, “justiça de restituição”.

Esse sistema, do qual o pütchipü´u é – digamos assim – um “funcionário”, não está tão preocupado com as normas, que são limitadas a alguns princípios gerais. O seu foco não incide sobre a transgressão ao código, mas sobre a “origem do dano”. A intencionalidade de quem cometeu um prejuízo não é relevante, mas sim sua “responsabilidade objetiva”. A justiça se faz não para vingar e punir os culpados, mas para restabelecer a paz e o equilíbrio das relações sociais.

Por isso, a intervenção do pütchipü´u não se conclui com um “ganhador” e um “perdedor”, mas com a restauração da harmonia entre as partes em litígio. O principal é o reconhecimento do dano por parte de quem o fez e uma compensação ao prejudicado, em geral, com o pagamento de uma indenização, o que é decidido não por uma sentença imposta às partes, mas por consenso, pelo acordo através da conversa, do papo, da negociação, da conciliação, e esse é justamente o trabalho do pütchipü´u.

Dessa forma, os Wayuu consideram os conflitos sociais não como formas indesejadas de patologia social, mas como eventos cíclicos inerentes à vida comunitária, que abrem a possibilidade de recompor as relações sociais, solucionando as desavenças através do diálogo, que é – segundo Jorge Luis Borges – a mais criativa invenção do ser humano, mais importante do que a bomba atômica.

El palabrero


Nem todo pütchipü´u tem sucesso. Quando tem, o pagamento que recebe pelos serviços prestados é uma vaca ou algumas ovelhas e cabras, mas atualmente alguns deles recebem dinheiro. No entanto, o benefício maior é o aumento de seu prestígio. Há casos, porém, de fracasso, quando em vez de resolver o problema, causam mais confusão, originando novas agressões e o agravamento das hostilidades entre as partes. Aí, seu prestígio diminui.

Embora não sejam perfeitos, os procedimentos do sistema normativo Wayuu não devem ser considerados como algo rudimentar e primitivo, mas ao contrário constituem uma forma de exercer justiça que pode contribuir significativamente para o aperfeiçoamento dos sistemas legais de sociedades mais complexas. Um juiz da Venezuela, Ricardo Colmenares, autor de dois livros sobre o tema, está convencido de que o estudo do sistema normativo Wayuu pode favorecer a incorporação de formas jurídicas indígenas dentro do sistema jurídico formal.

Durante os últimos cinco séculos os Wayuu vêm aplicando o direito próprio dentro de seu território, mas de forma extralegal. Só recentemente esse direito foi reconhecido pelos dois países. Os colombianos, cuja Constituição de 1991 garantiu a autonomia dos territórios indígenas, começaram a estudar o sistema jurídico Wayuu, entendendo que o seu uso pode ser útil para a administração dos territórios.

Na Venezuela, um pluralismo jurídico tácito funciona também em território Wayuu, na medida em que num mesmo espaço social coexistem dois ou mais sistemas normativos – o direito escrito e o direito consuetudinário. Tanto lá como na Colômbia o pütchipü´u é designado pelo termo espanhol de “palabrero”, uma expressão meio ambígua que numa tradução aproximativa significa também falastrão, ou aquele que tem lábia, manha, esperteza, o que pode revelar um preconceito grafocêntrico de sociedades com escrita em relação às culturas da oralidade.

Lula, que veio do mundo da oralidade, que construiu seu saber na luta sindical e política, no trabalho, nas assembléias, nas negociações com a FIESP, no convencimento dos metalúrgicos, atuou como um sábio pütchipü´u no caso do acordo com a Turquia e o Irã, acordo conquistado – como escreveu Leonardo Boff “mediante o diálogo, a mútua confiança que nasce do olho no olho e a negociação na lógica do ganha-ganha. Nada de intimidações, de imposições, de ameaças, de pressões de toda ordem e de satanização do outro”.

Nesse caso – confirmou o próprio Lula – não tem essa história de ou dá ou desce. "Aqui ninguém dá e todo mundo desce”. Desde as lutas dos metalúrgicos do ABC, quando negociava com a poderosa Fiesp, cercado por baionetas, Lula já era um legítimo pütchipü´u. A ONU devia mesmo nomeá-lo o pütchipü´u do mundo.

P.S. 1– Espero que os eleitores do Maranhão não se deixem convencer quando Lula pedir votos para a Roseana Sarney (vixe, vixe!).

P.S. 2 – Agradeço ao antropólogo wayuu, Weidler Guerra Curvelo, autor do livro “La disputa y La palabra. La Ley em La sociedad wayuu”, publicado em 2001. Foi de lá que retirei as informações aqui apresentadas.

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José Ribamar Bessa Freire é professor universitário (Uerj), reside no Rio há mais de 20 anos, assina coluna no Diário do Amazonas, de Manaus, sua terra natal, e mantém o blog Taqui Pra Ti

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sábado, 29 de maio de 2010

O palpite togado de um golpe improvável

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Inconformada com a derrota que se anuncia em pesquisas de intenção de voto, a classe dominante se esmera em repetir ações que um dia lograram êxito. Tornam-se cada vez mais frequentes as ações combinadas de articulistas de direita e membros do Judiciário. Acreditando que a história permite repetições grotescas...

Gilson Caroni Filho

A temperatura da disputa política, agitada com os recentes programas partidários, traz ao primeiro plano uma movimentação que, dependendo dos desdobramentos, pode ser ridícula ou inquietante: a nova direita, tal como a antiga, parece o homem que, acordado, age como se dormisse, transformando em atos os fragmentos de um longo e agitado sonho no qual ele ainda é o principal ator, com poderes para interromper qualquer possibilidade de avanço institucional.

O sonho-delírio do bloco neoudenista insiste em não aceitar a disputa democrática, reitera a disposição em deixar irresolvidos conflitos fundamentais, antecipando o fracasso de qualquer debate político. Seu ordenamento legal não se propõe a garantir o mesmo direito a todos, ampliando o Judiciário e racionalizando as leis. Deseja uma democracia que só existe no papel, com instituições meramente ornamentais que dão um tom barroco às estruturas de mando.

Inconformada com a derrota que se anuncia em pesquisas de intenção de voto, a classe dominante se esmera em repetir ações que um dia lograram êxito. Tornam-se cada vez mais frequentes as ações combinadas de articulistas de direita e membros do Judiciário. Acreditando que a história permite repetições grotescas, multiplicam-se editoriais, artigos, entrevistas com vice-procuradoras e ministros do TSE que acreditam estar criando condições superestruturais para um golpe contra a candidatura de Dilma Rousseff. Se ainda podemos encontrar pouquíssimos comentários políticos de diferentes matizes, é inegável a homogeneidade discursiva dos “especialistas” em jornalismo panfletário. E eles se repetem à exaustão.

No entanto, o erro de cálculo pode ser surpreendente. Confundir desejo com realidade tem um preço alto quando se pensa em estratégia política. Ao contrário de 1964, não faltam às forças do bloco democrático-popular, o único capaz de impedir de retrocessos, organização e direção. Os movimentos sociais, e esse não é um pequeno detalhe, não mais se organizam a partir do Estado, como meros copartícipes de governos fracos e ambíguos. Estruturados no vigor das bases, acumulando massa crítica desde o regime militar, os segmentos organizados contam, hoje, com experiências suficientemente amadurecidas para deslegitimar ações e intenções golpistas junto a expressivos setores da opinião pública.

Rompendo as alternativas colocadas pelas elites patrimonialistas que apoiam José Serra, as forças progressistas dispõem de plataforma política para não permitir que a democracia brasileira venha a submergir no pseudolegalismo que se afigura em redações e tribunais.

Nesse sentido, o que significam as palavras da vice-procuradora da República, Sandra Cureau, afirmando que, devido à quantidade de irregularidades, "a candidatura Dilma Rousseff caminha para ter problema já no registro e, se eleita, já na diplomação”? Nada mais que identidade doutrinário-ideológica com o que há de mais reacionário no espectro político brasileiro. Inexiste no palpite da doutora Sandra um pensamento jurídico que se comprometa com os anseios democráticos da sociedade brasileira.

Nem que fosse por mera hipótese exploratória, seria interessante que o Judiciário se pronunciasse sobre o conteúdo da informação televisiva, em especial a que é produzida pela TV Globo. Quando uma emissora monopolística, operando por meio de concessão pública, editorializa seu noticiário e direciona a cobertura para favorecer o candidato do PSDB, o que podemos vislumbrar? Desrespeito a uma obrigação constitucional? Abuso de poder político e econômico? Ou um exemplar exercício de “liberdade de imprensa”?

São questões candentes quando, antes de qualquer coisa, o custo da judicialização da vida pública partidariza algumas magistraturas. Sem se deixar intimidar com as pressões togadas, a democracia só avança através de pactos que permitam abrir a sociedade às reivindicações e participação social de setores recém-incluídos. A candidatura de Dilma Rousseff expressa essa possibilidade. Do lado oposto, sob pareceres e editoriais que se confundem tanto no estilo quanto no conteúdo, reside a quimera de um golpismo cada vez menos provável.

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Gilson Caroni Filho, sociólogo, mestre em ciências políticas, professor titular de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), é colunista da Carta Maior, colabora com o Jornal do Brasil e com esta nossa Agência Assaz Atroz.

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sexta-feira, 28 de maio de 2010

Tiro pela culatra

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Fernando Soares Campos

O doutor Givanildo abriu o exemplar de "Tiro pela culatra", uma coletânea de contos de diversos autores. Abriu numa página qualquer. Mas aquela não era qualquer página, era exatamente a página do conto que emprestara o título à obra.

Leu a epígrafe: "Comme on fait son lit, on se couche".

O telefone tocou. Atendeu. Era o Lúcio. Cumprimentou-o com um "oi", sem disfarçar o enfado. Súbito, olhos arregalados, levantou-se. Tudo indicava que o Lúcio estava lhe passando uma informação bombástica.

A mulher entrou na sala e estranhou o comportamento do marido ao telefone. Ele parecia eufórico, caminhava em círculo e repetia a pequenos intervalos: "Não! Não! Nããão...!"

Ela fez sinais: acenou, piscou, sussurrou: "Quem é?", "O que está acontecendo?". Ele apenas repetia: "Não! Não! Nããão...!".

A mulher impacientou-se, bateu palmas para chamar sua atenção. Tentou umas batidinhas com o pé. Nada, quer dizer, "Não!", era só o que ele dizia ao seu interlocutor.

A mulher desistiu, resolveu esperar sentada. Ele mudou sua monossilábica comunicação para "Sim! Sim! Siiimmm...!" Impaciente, ela levantou-se bruscamente e perguntou: "Afinal, é sim ou não?!" Ele colocou o indicador entre os lábios e fez "psiu!". Ela já estava disposta a lhe tomar o telefone e perguntar ao outro o que estava acontecendo. Ele agradeceu pelas informações e despediu-se.

— E agora dá pra você me explicar o que está acontecendo?! – quis saber ela.

— Você não vai acreditar!

— Vai logo, desembucha, homem! Que aconteceu de tão grave?!!

— Grave?! Ah! sim, grave sim, mas não pra nós. Eles que fiquem com a gravidade da questão. A nós só resta comemorar mais um gol de placa.

— Para com isso, homem!!! Conta logo essa história, senão eu tenho um troço!

— Então, sente-se pra não cair de costas.

A mulher sentou-se. Ele permanecia com o livro na mão, falava gesticulando, entusiasmado:

— O Jonas confessou!

— Jonas?!

— Sim, o Jonas!

— Quem é o Jonas?!

— O quê?! Você não sabe quem é o Jonas?!

— O único Jonas que conheço não seria capaz de confessar nada.

— Mas é esse mesmo, o contador, o guarda-livros da C&R.

— Mas o que foi que ele confessou? Claro que não deve ter confessado que é ele quem consegue as notas frias para a venda das cargas roubadas.

— Não, isso não, o cara é bandido, mas não é louco.

— Bom, também não deve ter confessado que foi ele próprio quem matou a primeira mulher e mandou matar a segunda...

— Certamente não! Pode-se acusar o Jonas de tudo, mas ele não é maluco!

— Já sei, confessou que foi o autor intelectual do sequestro do dono daquela rede de supermercado.

— Querida, o depoimento foi na Polícia Federal, e eu já disse que o cara tem juízo.

— Mas o que de tão grave ele confessou?

— O Jonas, em seu depoimento, falou, com todas as letras, que...

O telefone tocou. Ambos olharam para o aparelho trinando insistente. Ela colocou a mão em cima do telefone e decidiu:
— Você só vai atender quando terminar de me contar o que o Jonas confessou.

— Espere um pouco, meu bem, deve ser o Lúcio. Ele ficou de me retornar informando o que aconteceu com o Jonas. Se vai ficar preso ou responder em liberdade.
Ela cedeu. Num salto, ele pegou o aparelho.

— Alô, Lúcio, e aí, o que aconteceu com o Jonas?!

— Doutor Givanildo?

— Sim...

— É o Jonas.

— Jonas?! Mas você... Bem, o que está acontecendo?!

— O Lúcio não lhe contou?

— Sim, ele me falou que você foi interrogado pela Polícia Federal. Contou que você confessou que a C&R deu dinheiro, por fora, pra campanha daquele vereador esquerdista. Complicou a vida daquele malandro. Mas não me contou os detalhes...

— Nem poderia.

— Como assim?!

— Porque os detalhes virão depois.

— Você vai depor novamente?

— Não, não vou. Estou me referindo às investigações. Os detalhes, sem dúvida, serão revelados durante o processo investigatório.

A mulher se levantou, aproximou-se do marido e encostou o ouvido no fone. Ele não reclamou. Continuou falando:

— Que detalhes?

— Pediram a quebra do sigilo bancário do vereador.

— E daí?

— O problema é o cheque, doutor Givanildo, o cheque. Sei que eles vão chegar ao cheque.

— De que cheque você está falando?

— Bem, doutor Givanildo, o senhor queira me desculpar...

— Desculpar de quê?! Dá pra explicar melhor?!

— Acontece que só agora eu me lembrei.

— Lembrou-se do quê?

— Me lembrei do cheque que o senhor deixou pra pagar o aluguel da sala.

— O que tem uma coisa a ver com a outra?

— Acontece que eu dei aquele cheque para o cara na época da campanha. Era uma emergência, doutor.

— Você está maluco?! Endoidou?! Onde já se viu usar cheque numa transação dessas?! Isso é coisa de louco!

— Desculpe, doutor Givanildo, eu nunca pensei que fosse dar no que deu...

— Pensar?! Pensar?! Você não deve ter essa faculdade, seu estúpido!!! Você é louco! Louco! Entendeu?! Maluco! Pirado! Doido! Demente! — desligou.

Pasma, a mulher olhava para o marido, apenas acompanhava sua inquieta movimentação pela sala.

Transtornado, o doutor Givanildo arriou-se no sofá como um fardo atirado a um canto. Não sabia o que fazer. Abriu o livro novamente na página do conto "Tiro pela culatra" e releu a epígrafe: "Comme on fait son lit, on se couche".

— Que diabos isso quer dizer?!

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quinta-feira, 27 de maio de 2010

WEB E LIVRE PENSAMENTO

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Urariano Mota

N estes dias, tenho lido “Gabriel García Márquez – Uma Vida”, de Gerald Martin. Além do prazer de suas páginas, que revelam os vexatórios e verdadeiros dias do gênio de Gabriel, no livro mais de uma lição tenho aprendido. Para o objetivo desta coluna, interessa lembrar a lição do tipo de imprensa que forjou o caráter e talento de Gabriel García Márquez.

Nas páginas dos jornais de Cartagena e Barranquilla, cidades da costa da Colômbia, exercia-se a liberdade de imprensa, e de tal modo se exercia, que com mais propriedade mereceria o nome de liberdade de pensamento. Se querem uma divisão mecânica, digamos: os textos ali publicados eram livres na forma e no conteúdo. O que vale dizer: a potência da literatura invadia o jornalismo com toda sorte de armas, armadas e demônios. Isso dá na gente um espanto e uma pergunta ao mesmo tempo: como era possível tamanha liberdade? Penso que uma explicação reside no fato de que em uma província, afastada do domínio imediato da capital e do capital, o mundo todo estava por se fazer. E Gabriel e amigos intelectuais montaram ali o cavalo da oportunidade. E disseram, “aqui vamos, bandidos”.

Que diferença para a imprensa brasileira hoje. A gente não quer ser simplista, raso e rasteiro como um simplificador, mas a realidade autoriza. Ela, imprensa, é grossa como a piada mais chula. Notem que na grande mídia do capital, hoje, andam casados o maior reacionarismo político com a maior pobreza de idéias, com direito a uma amante, a mais miserável expressão da língua. Abra-se, por exemplo, um jornal de hoje. O leitor passa as folhas, envenena-se com alguns fatos, descrê de todos e joga o papel a um canto. Em menos de uma hora, não sabe o que leu, quando leu, e, até mesmo, se leu. Nada fica. Do papel à televisão, resta só a angústia do desperdício. Uma ressaca sem álcool.

Lembram-se do desastre do avião da TAM em julho de 2007? Além dos repórteres técnicos em manetes, turbinas, pistas molhadas e caos em aeroportos, houve os quadros tenebrosos de exploração pornográfica da dor. Repórteres obedientes à orientação da pauta, articulistas que viraram autoridades, mais pareciam papa-defuntos. Até o ponto da explosão de um artigo na Folha de São Paulo, inexcedível em vileza:

O que ocorreu não foi acidente, foi crime.

Gostaria imensamente de ter minha dor amenizada por uma manchete que estampasse, em letras garrafais, ‘GOVERNO ASSASSINA MAIS DE 200 PESSOAS’. O assassino não é só aquele que enfia a faca, mas o que, sabendo que o crime vai ocorrer, nada faz para impedi-lo. O que ocorreu não pode ser chamado de acidente, vamos dar o nome certo: crime.... Talvez o presidente não se importe tanto, afinal, quem viaja de avião não é beneficiário de sua bolsa-esmola, não faz parte do seu particular curral eleitoral cevado com o dinheiro que ele arranca de nós. Devem fazer parte das tais ‘elites’, que é como ele escarnece da classe média que faz (apesar do governo) o país crescer
”.

Lembram? E o que dizer do incidente com uma cobra-coral que atravessou o caminho do Presidente Lula em 2003, em Buíque, Pernambuco? Na ocasião, perdoem este clichê “na ocasião”, um agricultor, para defender o seu Presidente, matou a cobra a pau. Os jornais anunciaram a morte da coral, com a pungente dúvida: “Morte de cobra em Buíque foi crime ambiental?”.

Esse imenso nariz de cera vem a propósito do Congresso Mega Brasil de Comunicação 2010, aberto pelo Ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Esses nomes compridos e juntos como vagões de trem querem dizer, de modo mais simples, Franklin Martins, o jornalista e ministro. Franklin Martins, ao se referir aos novos tempos da web, “declarou”, para usar a palavra do gosto dos repórteres: “Alguns jornalistas dizem que não se faz jornalismo como antes. Acho que o processo se tornou mais rico agora. O jornalismo de antes não era mais plural e democrático do que hoje.”

Agora fecho o nariz e a coluna. É irônico que um meio avançado de comunicação, a web, venha a ser hoje a Barranquilla de 1950. Ali, naqueles anos, como aqui, em 201, tudo está por se fazer.

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Urariano Mota, escritor e jornalista, autor de “Soledad no Recife” (Boitempo – 2009) seu último romance, indicado como um possível livro do ano pelo conceituado site Nova Cultura, elaborado e administrado na Alemanha, com os destaques literários da CPLP - Comunidade de Países de Língua Portuguesa. É colunista do site Direto da Redação, edita o blog SAPOTI DE JAPARANDUBA

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CRÔNICA DE UM EPISÓDIO CANALHA

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Celso Lungaretti

Junho de 2008. O senador Marcelo Crivella, sobrinho de Edir Macedo e bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, apostou numa reciclagem dos barracos das favelas como trampolim para a Prefeitura do Rio de Janeiro – à qual pretendia chegar com o apoio do vice-presidente José Alencar (são ambos do PRB) e a benção do Governo Federal.

O Cimento Social foi um projeto maldito desde o início.

Primeiramente por ser superfaturado, conforme então denunciou o veterano analista político Zuenir Ventura: "o custo para reformar uma casa [R$ 22 mil] é mais da metade do preço de construí-la por inteiro [R$ 32 mil]”.

Depois, porque os fornecedores escolhidos foram, obviamente, empresários ligados à IURD. Aqueles que pagam vultosos dízimos.

E, ainda, por ser um pacote escandalosamente eleitoreiro: a equipe de Crivella fez o projeto e elaborou o cadastro dos beneficiados, de forma a colher todos os dividendos políticos. Quanto à conta de R$ 16 milhões, ficou para a viúva pagar, claro.

Por último, poupou-se o custo de seguranças para a execução do projeto no Morro da Providência, delegando a função ao Exército, que sabia ser uma roubada, mas acabou engolindo o sapo.

José Sarney naquele tempo falava grosso, pois ainda não devia a sobrevivência política a Lula. Então, disse que o Exército não honrara suas tradições ao aceitar tal empreitada, contrariamente ao que fazia quando se recusava a caçar escravos fugidos por considerar que era tarefa de capitães-do-mato e não de militares.

Quando a substância fedeu, José Alencar tirou o corpo fora, negando ter sido ele quem aconselhara Lula a dar esse péssimo passo:

"Nosso partido, o PRB, não tem esse poder de convencimento, de uma força militar fazer algo que não queira. Isso tudo passou pelo presidente Lula".

A comédia de erros terminou em tragédia. Agindo com a truculência que lhes é habitual quando atuam junto a comunidades carentes, os militares mataram ou provocaram a morte de três jovens que voltavam de uma balada.

Uma patrulha suspeitou deles e os submeteu a uma revista cujo resultado foi nulo: não portavam armas nem drogas.

Houve bate-boca. O tenente que comandava a patrulha os deteve por desacato. Seu superior (capitão) ordenou que fossem soltos. O tenente, inconformado, desatendeu a ordem. Acabaram barbaramente torturados e executados a sangue-frio (um deles recebeu 26 tiros).

A versão oficial é a de que o tenente os entregou a traficantes rivais de outro morro. A versão alternativa, sustentada por Jânio de Freitas e por mim, foi a de que algum deles sucumbiu às torturas no quartel (como acontecia freqüentemente na ditadura de 1964/85) e os militares decidiram assassinar os outros dois, montando uma farsa para atenuar suas responsabilidades.

Ambas deixavam a imagem do Exército em frangalhos. Além dos detalhes escabrosos, havia os fatos de que um tenente ignorou olimpicamente a decisão de um capitão; um capitão não teve a mínima curiosidade em verificar se sua ordem havia sido cumprida; e o comandante Militar do Leste, diante de um acontecimento de tal gravidade, preferiu continuar em férias na Europa do que vir descascar o abacaxi.

O assassinato, as circunstâncias chocantes que o cercaram e o alegado conluio entre militares e traficantes foram prato cheio para a imprensa. O castelo de areia desabou.

A Justiça Eleitoral embargou as obras do Cimento Social após a mídia noticiar que Crivella estava destacando esse projeto em folhetos e outras peças de campanha.

O ministro da Defesa ordenou a retirada das tropas.

E, o melhor de tudo: o episódio desmoralizou tanto Crivella que ele perdeu a vaga, dada como certa, no 2º turno. O azarão Fernando Gabeira arrancou na reta final.

Mais que cimento, foi uma pá de cal nas chances eleitorais do citado elemento (o jargão policial cai como uma luva neste contexto...).

Quanto aos militares, 11 foram acusados na 7ª Vara Criminal da Justiça Federal no RJ, que acaba de absolver e libertar os nove subalternos; estes safaram-se em definitivo.

O tenente Vinícius Ghidetti de Moraes Andrade e o sargento Leandro Bueno ainda irão a júri, provavelmente no mês que vem. Não vai dar em nada, claro.

A Justiça Militar também julgou o tenente, condenando-o a um ano de prisão por recusa de obediência.

Ou seja, ter desacatado a ordem do capitão, que mandara libertar os coitados, é o único crime que ele cometeu, na ótica do Exército.

Seria cômico se não fosse trágico.

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Celso Lungaretti, jornalista, escritor e ex-preso político anistiado pelo MJ. Mantém o blog Náufragos da Utopia





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Cuidado, Evo! Se Serra chegar lá (toc toc toc), vai ajudar os inimigos do Brasil e da Bolívia a cortar sua cabeça

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Nova “serrice”: Governo boliviano é cúmplice do tráfico

Uma coisa não se pode deixar de reconhecer em José Serra. Ele é muito produtivo. Produz uma asneira monumental por dia. Hoje, em entrevista à Rádio Globo, no Rio, acusou o governo boliviano de ser cúmplice do tráfico de cocaína para o Brasil. Fosse Serra presidente, as relações com o país vizinho estariam abaladas, desperdiçando todo um esforço de integração desenvolvido nos últimos anos. A Bolívia é um país democrático, cujo presidente – Evo Morales – foi eleito há poucos meses, em eleições livres, com nada menos de 64% dos votos. Merece, no mínimo, respeito de um candidato à presidẽncia brasileira que tenha um mínimo de seriedade.

Em tempos de protagonismo da diplomacia brasileira no mundo, que se destaca cada vez mais pela solidariedade e capacidade de mediar conflitos, seria interessante imaginar como seriam as relações exteriores de um governo José Serra, a julgar pelo que anda dizendo na sua campanha.

O tucano começou atacando o Mercosul, chamando o bloco que pela primeira vez conseguiu unir os países sul-americanos de farsa. Em atitude oposta a do Brasil atual, que leva em conta o seu peso no continente, Serra disse que não fazia sentido “ficar carregando” esse Mercosul, uma declaração que provocou reações negativas da chancelaria argentina.

Pouco depois, exibiu mais uma vez sua estreiteza política ao dizer que o ingresso da Venezuela no Mercosul era uma “insensatez”. Dá para imaginar que o Mercosul de Serra seria o bloco do eu sozinho, algo como a idéia de São Paulo sem o Brasil.

Não satisfeito, Serra passou a dirigir palavras pouco lisongeiras, para dizer o mínimo, a países com os quais o Brasil mantém estreita ligação. No encontro dos presidenciáveis, na CNI, disse que quando ministro da Saúde recebeu camisinhas da China que cheiravam a “pena de galinha fervida” e emendou com um comentário de mau gosto: “O chinês deve gostar no momento apropriado do cheiro de galinha.”

Durante o último governo tucano, nossa diplomacia foi caracterizada pela subserviência. No caso de Serra, a linha é a da arrogância e desprezo pelos parceiros. Deve ser por isso que se identifica tanto com os Estados Unidos.

TIJOLAÇO.COM

Capa de O Globo, hoje...


















E a foto para outra matéria com Lula!
"Cúmplice de traficante"!
Na foto, observe, Lula foi "congelado" em gesto que lembra um mafioso da Cosa Nostra.
Mas que safadeza!

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quarta-feira, 26 de maio de 2010

Entrevista exclusiva com o Dr. Hélio Bicudo: “Luta contra a tortura continua na OEA”

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Entrevista a Ana Helena Tavares* para o site “Outras Palavras” (do Le Monde Diplomatique Brasil)

Mais do que um dos maiores juristas do Brasil, Hélio Pereira Bicudo é uma lenda viva na luta pelos direitos humanos. Nos anos 1970, auge da repressão política, ele denunciou, como procurador de Justiça, o “Esquadrão da Morte” — enfrentando, entre outros, o temido delegado Sérgio Paranhos Fleury. Aos 87 anos, ele publica com frequência, em seu blog, breves ensaios em que aborda não apenas liberdades civis, mas temas como o direito à água, os aspectos jurídicos relacionados ao tráfico de órgãos e a luta contra a desumanidade nas prisões brasileiras. Também enriquece o twitter.

“No momento em que estamos conversando, com certeza em algum lugar do Brasil está sendo praticada a tortura”, lembrou Bicudo nesta entrevista exclusiva sobre a recente decisão do STF de manter impunes os torturadores da ditadura. Para ele, trata-se de uma decisão absolutamente equivocada, que estimula a continuidade das sevícias contra prisioneiros comuns e pode abrir caminho, em outras condições, para a própria volta da tortura contra adversários políticos.

A Lei de Anistia precisa ser revisada?

É, muito mais, uma questão de mudança da interpretação. O texto da Lei de Anistia, não permite que os torturadores fiquem impunes, muito pelo contrário. Não acho que haja necessidade de modificar o texto. Basta aplicá-lo como ele é, segundo uma interpretação jurídica e não ideológica.
Alguns dos que votaram pela impunidade no STF– incluindo o relator, ministro Eros Grau, que foi torturado na ditadura – referiram-se à ação dos torturadores como “crimes conexos”. A Lei de Anistia impediria puni-los. Como o senhor interpreta isso?

É lamentável que um juiz da Suprema Corte não saiba o que são realmente delitos conexos. Quando a lei usa um termo técnico, como é no caso – “crime conexo” é um termo técnico em direito penal –, é preciso saber qual sua definição. Os “crimes conexos” são aqueles cujas finalidades são as mesmas do ato principal praticado. Por exemplo, um ladrão entra na sua casa, rouba, e, para evitar que existam provas, incendeia a casa. São dois crimes conexos: o roubo e o incêndio da casa. Há uma identidade de fins: a finalidade era roubar e não ser punido.

Mas se o ladrão entra na casa, rouba, é preso e depois morto pela polícia, não há nenhuma ligação entre um fato e outro, do ponto de vista das suas finalidades. Num, o ladrão queria roubar. No outro, o policial mata o ladrão. Então, você não pode dizer que há conexidade nestes dois casos, pois as finalidades de um e de outro crime são diferentes. É como nesse caso da Anistia. Os opositores do regime cometeram crimes que a lei diz que, depois de algum tempo, não podem ser punidos. Mas se trata de crimes praticados contra o Estado repressor. Ideologicamente, eles não têm nada a ver com os crimes praticados pelos agentes do Estado.

Pode-se dizer, então, que a diferença básica é a finalidade?

Exatamente. A finalidade dos crimes praticados pelas pessoas que eram contrárias ao regime era política. Os crimes praticados pelos agentes do Estado não têm finalidade política. São crimes contra a humanidade e, por esse motivo, imprescritíveis. Quando a Lei de Anistia fala em “crimes conexos”, você não pode interpretar a conexidade senão de um lado e de outro. Quer dizer, você pode ter pessoas que cometeram crimes contra o Estado conexos entre si, mas você não pode ligar estes crimes aos cometidos pelos agentes do Estado para beneficiar a si próprios. Ou seja, os agentes do Estado agem por outra finalidade. No caso, para manter a ditadura.

Alguns juristas e políticos alegam que uma revisão da Lei de Anistia poderia abalar a estabilidade democrática do país, baseada num “pacto de conciliação”. Quebrá-lo seria “revanchismo”. Na sua opinião, esse “ pacto” encontra algum respaldo jurídico e social?

Não houve pacto algum. É um absurdo falar em “conciliação” quando os militares detinham o poder Executivo e o comando do Legislativo. Havia dois partidos, Arena e MDB – o primeiro, o povo chamava de “o partido do sim”, o segundo de “o partido do sim senhor”. Quer dizer, num contexto como esse, você não pode encontrar consenso da sociedade civil com relação à lei que foi promulgada.

O artigo 5º da Constituição reza, em seu inciso XXXVI, que “a lei não prejudicará o direito adquirido”. Já vi juristas usarem este argumento como forma de defender a inconstitucionalidade de uma revisão da Lei de Anistia. Argumentam que a lei não pode retroagir em prejuízo do acusado. Isso é aplicável ao caso?

Não é aplicável, porque existem tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, que dizem que os crimes contra a humanidade são imprescritíveis. Veja bem: não são crimes que se esgotam naquele momento. O homicídio se esgota, mas outros crimes não, como, por exemplo, o sequestro. Você tem pessoas que despareceram e até hoje não se sabe seu paradeiro. Podem ter sido mortas, mas você precisa provar que elas foram mortas para desaparecer o crime de sequestro. É um crime continuado: persiste no tempo. Foi praticado ontem, continua existindo hoje e continuará amanhã. Não existe prescritibilidade desses crimes.

Alguns juristas alegam que, por a Lei de Anistia ser questão exclusivamente brasileira, ocorrida em território nacional, a competência da Suprema Corte é absoluta e a das cortes internacionais, nenhuma. Qual sua posição?

Em 1998, o Brasil reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ela não tem o poder de revogar a decisão do STF. Mas, desde o momento em que o Brasil reconheceu a jurisdição, tem que se submeter à Corte. Porque reconheceu de boa fé, não foi obrigado a isso. Esse reconhecimento vale para todos os crimes que forem a julgamento pela Corte Interamericana e forem imputados ao Brasil. Acho que a Corte Interamericana, de acordo com a sua jurisprudência e conforme já julgou com relação a outros Estados, mostrará que não existe auto-anistia.

Porque o que se busca hoje no Brasil é o reconhecimento da auto-anistia. Um governo que cometeu crimes pode anistiar a si próprio? Isso não existe! Anistia existe para proteger pessoas que num dado momento, por motivos políticos, cometeram crimes. Para pacificar a sociedade, você considera este crimes inexistentes. Mas não os crimes praticados pelo Estado. Isso já se constituiu numa jurisprudência pacífica da Corte Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos. Não tenho dúvida nenhuma de que a corte vai condenar o Estado brasileiro. Não pela manutenção de uma lei — mas pela interpretação errada dada a ela pela justiça brasileira, que vem acudindo os torturadores e aqueles que, a serviço do Estado, eliminaram pessoas durante o período da ditadura militar.

Caso a Corte Interamericana condene o Brasil, quais são os caminhos legais para que a interpretação atual dada à lei de Anistia seja revertida?

Quem pode mudar uma decisão do STF? Só o próprio STF. No caso de uma condenação pela Corte Interamericana, penso que o Ministério Público Federal terá que atuar, fazendo com que esse processo surta efeito no Brasil. A corte não aplica sanções. Caso o Brasil não cumpra uma decisão, ela relata esse fato à Assembléia Geral dos Estados Americanos. Esta, sim, pode punir os países-membros com sanções. Ou pode não punir, porque a OEA é um órgão eminentemente político. De qualquer maneira, acho que a situação do Brasil no que diz respeito aos direitos humanos na área internacional vai ficar muito ruim. Como é que fica o STF? Está agindo contra os direitos humanos e isso poderá ter consequências futuras.

Há algum caso precedente em que o STF reviu uma decisão adotada por si próprio?

Nunca aconteceu. O STF nunca reverteu uma decisão; mas também nunca teve, contra si, ação numa corte internacional. Possivelmente, o precedente terá de ser criado agora.

A eventual manutenção do entendimento do STF poderia contribuir para tornar a tortura prática corriqueira no Brasil?

Acho que sim. No momento em que estamos conversando, com certeza a tortura está sendo praticada em algum lugar do Brasil. Temos lei específica contra a tortura, adotada na década de 1990 mas até hoje na gaveta. A punição dos torturadores da ditadura seria muito positiva para enfrentar esta prática.

Mas ela é importante também por motivos políticos. Uma sociedade que se diz contra a tortura, mas não pune quem a pratica, está se expondo a riscos. Se, num momento político qualquer, houver restrições à democracia – ou distorções, como as que estão presentes em alguns países da América Latina – haverá mais possibilidades de a tortura contra adversários políticos também voltar, porque criou-se a cultura de impunidade.

Observadas as diferenças contextuais, o senhor, conhecido como o homem que revelou e denunciou o “Esquadrão da Morte”, acha que as polícias militares estão preparadas para exercer o policiamento ostensivo?

Não estão. Elas são absolutamente repressivas. Isso vem da própria constituição das corporações, que não são civis. Estão presas, em seu planejamento, às determinações do exército. Agem na rua como se estivessem numa guerra. O indivíduo é um marginal e o marginal tem que ser morto. É a lei da eliminação. É o que está acontecendo em São Paulo, por exemplo, com o aumento de homicídios pela PM de cerca de 40%, com relação ao ano passado.

Há cerca de uma ou duas semanas, neste Estado, um civil foi morto por policiais militares dentro de um quartel. Simplesmente levaram o rapaz lá para dentro e mataram. Um outro foi morto a pancadas na frente de sua casa e diante da mãe. Foi em dias diferentes. Eram dois motoboys, que não estavam armados; dois trabalhadores que foram mortos. Agora vamos ver se as pessoas serão processadas e punidas de acordo com a lei. Tenho minhas dúvidas…

Como enfrentar esta truculência policial?

Enquanto não se transformar a polícia num organismo civil, com carreira única e com profissionalismo policial, teremos o que está acontecendo hoje em São Paulo e no Brasil. Essa truculência é herança da ditadura.

Quer dizer, ainda há no Brasil figuras que se assemelham ao delegado Fleury?

Há sim. Basta observar que há, nos grupos de extermínio, muitos policiais militares.
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*Ana Helena Tavares é escritora e poeta eternamente aprendiz. Jornalista por paixão e futura jornalista com diploma, é colunista da “Revista Médio Paraíba” e editora/administradora do blog Quem tem medo do Lula?

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Terrorismo Delivery

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Risco para o Estado de Direito nos EUA: Ordens de Petraeus misturam operações militares e de espionagem no Oriente Médio

Juan Cole, Informed Comment

Memorando de 7 páginas, que foi examinado pelo New York Times, assinado pelo comandante geral das Forças Especiais no Afeganistão-Paquistão general David Petraeus, autoriza os soldados dos EUA a participar de ações clandestinas para obter informações de inteligência do Oriente Médio “estendido’ [ing. “greater Middle East”]. Matéria publicada hoje naquele jornal deixa claro que o memorando autoriza equipes militares a envolver-se em situações de conflito não convencionais, em países inimigos e em países aliados.

Críticos já manifestaram preocupações de que as novas ordens apaguem a linha que separa soldados regulares e espiões, e enfraquecem o direito de todos os soldados de exército regular a receber tratamento humanitário, nos termos das Convenções de Genebra.

Minha opinião é que os EUA somos Estado de Direito, governado por leis, não por homens, e que o canto de sereia das operações clandestinas mina, antes de tudo, o Estado de Direito. Apagar a linha que separa a ação militar e a ação de espiões torna impossível informar a opinião pública sobre tudo, inclusive as ações militares, porque operações clandestinas são secretas, é claro. O mesmo vale para ataques com aviões-robôs não tripulados.

Ações militares que incluam a ação de aviões-robôs armados só podem [se puderem!] ser conduzidas por militares regulares. De modo algum podem ser entregues a agentes da CIA nem – e muito menos – a empresas privadas.

A ação comandada por militares respeita o direito de os cidadãos norte-americanos discutirem o que se faz em seu nome, como é regra nas repúblicas democráticas. Do modo como as coisas passarão agora a ser feitas, pode muito bem acontecer de pilotos a serviço de empresas privadas pilotarem à distância os aviões-robôs, e não haverá como fazê-los responder aos servidores públicos eleitos – nem ao Presidente. No caso de os EUA atacarem países aliados, haverá um acordo pressuposto legal que garantirá o sigilo das ações.

Serviço de espionagem é serviço das agências públicas civis. Quanto mais as capacidades militares passarem a ser usadas pelas agências de espionagem, menos a sociedade saberá o que é uma coisa e outra. Os mais prejudicados, nessa mistura inaceitável, sempre serão os soldados. Já há a tendência clara, em todo o Oriente Médio, de as populações locais verem todos os norte-americanos como espiões da CIA. Nessas circunstâncias, obrigar soldados a participar de missões clandestinas de espionagem agrava a situação de risco, primeiro, para os próprios soldados.

Os EUA ainda podemos ser Estado de Direito? Esperemos que sim. Se já não for tarde demais.

A postagem original, em inglês pode ser lida em:

Informed Comment

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terça-feira, 25 de maio de 2010

De animal se faz o homem

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Sulamita Esteliam

A animalidade é uma característica própria do ser humano. Só que o macho bípede não-emplumado, ao contrário do que ocorre no reino dito selvagem, consegue ser mais violento do que a fêmea, particularmente no ambiente doméstico. Na rua, entre seus pares, o valente espancador e/ou matador de mulheres e crianças pode até arrotar vantagem, mas costuma baixar a cabeça e enfiar o rabo entre as pernas diante de um predador, ou de quem grite mais alto do que ele.

Traduzida em violência, de qualquer natureza, a macheza nada mais é do que a outra face da covardia. Só os covardes, destituídos de amor próprio, usam a força física ou a incontinência verbal ou a instabilidade emocional e a morte como armas de destruição. Quem ama a si próprio, ama ao outro. E quem ama cuida, preserva, respeita, não machuca, não mata.

Dia 13 de maio, depois de 21 anos e um mês de omissão, o Poder Judiciário levaria a julgamento, no Fórum de Jaboatão dos Guararapes, Grande Recife, Pernambuco, o comerciante José Ramos Lopes Neto. Trata-se de assassino confesso da estudante universitária, Maristela Just, então com 25 anos, sua ex-mulher. José Ramos a executou com cinco tiros, dia 04 de abril de 1989. Fê-lo em casa dos pais da moça, para onde ela se retirara há dois anos. Pior, fê-lo na frente do casal de filhos – um bebê de dois anos e uma menina com quatro anos de idade. Sobrou bala para as crianças – na cabeça e no ombro, respectivamente. Sobrou, também, para um tio materno, Ulysses, que tentou defender a irmã e os sobrinhos. Sobreviveram os três, felizmente.

O tio veio a falecer recentemente, de causas naturais, apesar de ter carregado o projétil alojado na coluna durante todos esses anos. Os agora jovens adultos guardam as sequelas físicas, psicológicas e emocionais do desatino paterno. O pesadelo de terem visto a mãe sangrar pelas mãos de quem os ajudou a vir ao mundo junta-se à consciência da tentativa de parricídio. E soma-se à indignação gerada pelo sentimento de impotência frente à impunidade. Não há bálsamo que possa curar tal dor. Ainda que eles, ao contrário do pai, possam ter tido a benção de desenvolver compaixão. Apesar de tudo.

Preso em flagrante, o assassino confesso, José Ramos Lopes Neto, ficou na cadeia pouco mais de um ano. Um habeas corpus lhe devolveu a liberdade. Os conhecimentos, privilégios e relações jurídicas do pai, o advogado criminalista de renome, Gil Teobaldo de Azevedo, sustentaram o banho-maria do processo por mais de duas décadas. Apesar do pronunciamento pela Justiça, em 2002.

José Ramos Lopes Neto matou a mulher por ciúmes, por incapacidade de lidar com a rejeição advinda de anos de maus tratos, segundo a família da moça. Prejudicou a vida dos filhos e, no mínimo, virou do avesso o universo dos familiares de Maristela. A despeito disso, pôde tocar a vida como se não tivesse que prestar contas de seus atos à sociedade, e talvez nem a si mesmo. Difícil imaginar que uma pessoa, com a capacidade de fazer o que fez, possa vir a ser atormentada pela culpa.

O avô das crianças que assistiram ao pai trucidar a mãe, e se tornaram, elas próprias, alvos e vítimas, se diz advogado de defesa do filho, embora seja outro o nome que consta como defensor. De qualquer forma, cumpre duplo e maquiavélico papel, e o faz com gosto. Às vésperas do dia marcado para início do julgamento, fez questão de mostrar que manter a ferida sangrando não só é parte de sua estratégia, como é profissão de fé. Dia 12, em entrevista no programa Geraldo Freire, na Rádio Jornal, e dia 13, no Jornal do Commmercio, o causídico Gil Teodoro bradou, para todo Pernambuco, sem o menor constrangimento: “Se não matasse, não comia na minha mesa”.

Segundo ele, “um homem tem que estar acima das circunstâncias, tem que ter brio, dignidade, tem que preservar a honra”.

Eis a velha tática de transformar vítima em ré, tão cara aos arautos, aos porta-vozes do injustificável. Ao insurgir-se contra a memória de Maristela Just, o advogado de 77 anos – idade não é garantia de nada – não só justificou todos os abusos do filho contra ela, em vida. Matou-a pela segunda vez. O filho dele, ‘José’, não soube estar acima das circunstâncias. Não deu à ex-mulher o direito de escolha. Entretanto, traçou sua própria sorte, e tem que pagar por seus atos.

Em mais uma manobra pela impunidade, contudo, Teobaldo conseguiu que o julgamento fosse adiado, novamente, desta vez para dia 1º de junho. Réu e advogados – o oficial, Humberto Albino de Moraes, e o de fato, que é o pai – não compareceram ao fórum na quinta-feira, 13 de maio. A juíza Inês Maria de Albuquerque Alves, da 1ª Vara do Júri de Jaboatão, nomeou defensor público para garantir que o júri popular aconteça na nova data. Se José Ramos Lopes Neto não se apresentar dia 1º de junho, será julgado à revelia. É o que garante a magistrada e a promotora, Natália Campelo. É o que espera a sociedade pernambucana que, como a família da vítima, clama por justiça.

Entretanto, não se pode fugir do fato de que, para defender sua cria, o pai-advogado, Gil Teobaldo, vale-se de brechas jurídicas do nosso Código Penal. Mas vai além: não se importa em destilar preconceitos, arrogância e falta de escrúpulos. Termina por afrontar a lei, a ordem natural das coisas, os sentimentos da família, a dor dos próprios netos, a opinião pública, a Justiça - por mais cega que esta seja. Eis uma circunstância na qual cabe, feito luva, a expressão “tal pai, tal filho”.

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Sulamita Esteliam é jornalista e escritora. É autora dos livros Estação Ferrugem, romance-reportagem que resgata a história da região operária de Belo Horizonte-Contagem, Vozes, 1998; Em Nome da Filha – A História de Mônica e Gercina, romance-reportagem sobre um caso assombroso de violência contra mulher em Pernambuco; e o infantil Para que Serve Um Irmão, os dois últimos ainda inéditos. Participa da equipe do programa Violência Zero, levado ao ar todos os sábados, às 10h00, pela Rádio Olinda E-mail: sulamitaesteliam@hotmail.com

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segunda-feira, 24 de maio de 2010

DVD: "O Solista"

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André Lux

Era um belo dia ensolarado em São Paulo. A colunista da Folha de São Paulo Eliane Cantanhede (Robert Downey Jr.) dirigia-se para a sede do jornal para começar mais um dia de trabalho quando foi surpreendida por uma cena no mínimo exótica: um mendigo negro (Jamie Foxx) tocando violoncelo no meio da praça da República.

Num ímpeto instintivo, Cantanhede parou o carro e foi até o artista insólito. Tentou conversar com ele, saber mais sobre sua vida, mas ouviu apenas um monte de frases desconexas. No meio daquilo tudo conseguiu descobrir o nome do sujeito e que ele havia estudado música na Unicamp.

Perplexa, a colunista da Folha voltou para seu carro e, chegando ao jornal que publica suas opiniões, tentou descobrir mais sobre o mendigo negro que tocava violoncelo. Soube que ele tem uma irmã e que realmente estudou na Unicamp, embora tenha sido apenas dois anos antes de abandonar o curso misteriosamente.

O faro de Cantanhede, especialista em nutrir seus leitores pseudo-intelectuais de classe média com artigos atrativos e de fácil consumo, sentiu que tinha uma ótima oportunidade em mãos. Assim, ao invés de escrever ataques contra Lula, Evo Morales, Hugo Chávez ou qualquer outra coisa que cheirasse a esquerda progressista, a colunista da Folha reservou seu espaço para falar do bizarro mendigo negro. Mas não era um mendigo negro qualquer, não senhor! Ele havia estudado na Unicamp e sabia tocar violoncelo! O artigo, recheado de passagens edificantes e emocionantes, foi publicado em página nobre do jornal da “Ditabranda”.

No dia seguinte, Cantanhede foi surpreendida com a reação que seu artigo provocou nos leitores. Uma enxurrada de mensagens elogiosas chegou à sua caixa de emails. O telefone não parava de tocar, todos querendo saber mais sobre o mendigo preto que tocava violoncelo. Emocionada, Dona Lu Alckmin organizou uma vaquinha entre suas amigas da alta sociedade e conseguiu comprar um violoncelo novo para o andarilho. Gilberto Kassab, o prefeito de São Paulo do ex-PFL, tocado pelo texto da colunista, anunciou que liberaria mais verbas para atender à população carente da cidade. Um membro do PSDB, que chorou ao ler o artigo da Folha, conseguiu um apartamento para alojar o mendigo negro que tocava violoncelo. Outro sugeriu que se agendasse um concerto dele em espaço nobre e que se convidassem várias personalidades importantes da alta roda da sociedade paulistana para o evento.

Toda feliz, Eliane Cantanhede foi procurar o andarilho para contar-lhe as boas novas. Estranhamente, o mendigo não ficou nada animado com as novidades e começou a proferir frases sem sentido por vários minutos. Novamente tocada pela loucura e pelo talento daquele mendigo negro que tocava violoncelo soberbamente, Cantanhede escreveu mais uma coluna sobre o assunto, agora descrevendo sua experiência ao acompanhar o sujeito em suas andanças pelo centro da cidade, no meio daquela massa mal cheirosa que tanto apavorava a colunista da Folha de São Paulo. Mas valia o sacrifício para agradar seus leitores.

Os meses se passaram e Cantanhede continuou acompanhando o mendigo e escrevendo sobre suas façanhas bizarras e exóticas no meio da gentalha. O sucesso de suas colunas foi tão grande que logo um editor famoso, conhecido pelo seu prodigioso talento para descobrir obras que calariam fundo na alma da classe média apavorada e cheia de culpas, fez uma oferta milionária para publicar os artigos da colunista em forma de livro.

Quando atingiu as livrarias, foi um sucesso estrondoso. A revista Veja dedicou capa ao assunto e o livro ficou vários meses na lista dos mais vendidos. Não demorou muito para que a obra fosse comprada por um grande estúdio de cinema e transformada em um bonito e edificante drama que apresentava ao mundo a exótica história do violoncelista preto e mendigo que, por causa de sua loucura, abandonou os estudos na prestigiosa Unicamp e virou andarilho.

Voluntariosa, Cantanhede prometeu doar 1% de todos os seus lucros a uma instituição de caridade mantida por Dona Lu Alckmin. Orgulhosa de sua jornada insólita entre os membros da massa mal cheirosa, a colunista da Folha de São Paulo percebeu que a experiência a transformou numa pessoa melhor, mais sensível e carinhosa, fator que reascendeu inclusive a chama da paixão em seu casamento com um dos publicitários do PSDB.

Assim, depois de mais uma noite de sono tranqüila e livre de culpas, Cantanhede acordou renovada e pronta para escrever novos ataques contra Lula, Hugo Chávez, Evo Morales e qualquer outra coisa que cheirasse a esquerda progressista.

Cotação: *

Observação: O texto acima é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é uma mera coincidência.

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*André Lux, jornalista, presta assessoria na área de Comunicação Social, crítico-spam, administra o blog Tudo em Cima.



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O Mágico Flautista



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domingo, 23 de maio de 2010

O VOTO DA MULHER DO GENERAL


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- “Em quem a sua mulher vai votar?” – perguntou a Folha.
- “Em quem eu mandar” – respondeu rápido o general Maynard.

Macho! O general Maynard Marques Santa Rosa é macho! Macho pacas! No diálogo acima, ele mostra quem é que manda. Concedeu longa entrevista a dois jornalistas da Folha de S. Paulo, publicada nessa segunda-feira, dia 17 de maio, numa página inteira, sob o título: “Governo Lula quer implantar ditadura totalitária no país”, com um boxe: “Democracia com limite até em casa”.

É engraçado. Por um lado, o general vê “anseio totalitário” no governo Lula, do qual discorda, por considerá-lo “intolerante e autoritário”; por outro, sem qualquer pudor ou desconfiômetro, anuncia que ele é quem manda no voto de sua esposa, dona Luiza Philomena Gonçalves de Santa Rosa. O diabo, no entanto, é que nessa eleição ele está perdidinho, não tem em quem votar, não sabe quais ordens dar à sua mulher.

- “Na Dilma não voto de jeito nenhum, mas não é fácil engolir o Serra” – ele diz. Justifica alegando que até agora não se sabe “quantas pessoas Dilma Rousseff assaltou, torturou, matou"... e quando a Folha argumentou que “até onde se sabe, ela não matou ninguém”, o general declarou levianamente: - “É o que ela alega. Sabe-se que tem vítima”. Quanto ao Serra, o general aceita a pergunta formulada pelos jornalistas: ele é difícil de engolir, porque “foi presidente da UNE, exilado no Chile...”

- “E a Marina Silva?” – pergunta a Folha, depois do descarte dos dois principais candidatos. Ah, o general também não vai mandar sua mulher votar em Marina, porque a candidata do PV “tem uma visão de Amazônia igual à da Fundação Ford, igual à dos americanos. É uma visão internacionalista”. Quem diz isso, curiosamente, é o general cuja cabeça foi feita pelos americanos no Curso de Política e Estratégia do Army War College, nos Estados Unidos, onde ele estudou em 1988-89.

Carta do coronel


É inacreditável! Um general, que até fevereiro deste ano ocupava o cargo estratégico de chefe do Departamento de Pessoal do Exército, pensa como um troglodita, sem querer com isso ofender o troglodita. E muito menos o general, que se comporta como a Carolina do Chico Buarque: o tempo passou na janela e ele não viu. O mundo mudou, o Brasil se transformou, mas o general, agora de pijama, continua vivendo em plena ‘guerra fria’. Não está entendendo bulhufas do que está acontecendo.

Na entrevista, o general Santa Rosa, 66 anos, na reserva desde o dia 31 de março passado, desembainhou a espada para atacar os fatos. Jurou que durante a ditadura “a imprensa foi amplamente livre”, que “nenhum militar torturou ninguém”, que “os chamados subversivos foram justiçados e torturados por eles próprios, porque queriam mudar de opinião”. Quanto escárnio de quem, como segundo tenente da Infantaria, integrou a Equipe de Buscas do famigerado DOI-CODI do Rio de Janeiro, como indica seu currículo!

Não é a primeira vez que o general Santa Rosa infringe o Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), que proíbe “manifestar-se, publicamente, sem que seja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária” e “censurar ato de superior hierárquico ou procurar desconsiderá-lo, seja entre militares, seja entre civis”. Quando ele era chefe da Secretaria de Política e Estratégia e Assuntos Internacionais (SPEAI) do Ministério da Defesa se insubordinou em relação à demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol.

Agora, o general ataca o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que – segundo ele - “estimula a homoafetividade” e contribui para a “degradação dos costumes à revelia da tradição cristã que temos”. Perguntado se conheceu muitos gays nas Forças Armadas, respondeu que não, que “existe uma rejeição inata da estrutura militar contra isso”. Alertou que “isso tudo é uma composição organizada, uma conspiração internacional”.

A declaração do general Santa Rosa, que foi chefe da Divisão de Contra-Inteligência do CIE do Exército, faz jus ao cargo que ele ocupou. Dessa forma, ele reforça o discurso dos generais Leônidas Pires e Newton Cruz a Globo News no mês passado. Toda noite, antes de dormir, esses generais devem verificar, com uma lanterna, se tem algum jacaré comunista debaixo de suas respectivas camas.

Quem entrevistar

Na cabeça do general Santa Rosa, que fez o Curso de Guerra na Selva (1969), é tudo culpa da bicharada e dos comunistas, que estão solapando a tradição cristã. Suas “revelações proféticas” foram bem acolhidas no blog do Pastor Daniel Batista, da Igreja Cenáculo da Fé, para quem elas vieram confirmar aquilo que já sabia: “Recebi do Senhor Jesus a revelação de um eventual golpe de Estado no Brasil (Governo Lula), cujo processo ditatorial-político iniciaria até abril de 2009" – diz o pastor.

Mas a cumplicidade do pastor não resolve o problema do general: não ter um nome – umzinho só – em quem votar. O coronel colombiano, personagem do romance de Gabriel Garcia Márquez, não tinha quem lhe escrevesse, enquanto o general brasileiro Maynard Marques Santa Rosa não tem em quem votar para presidente da República e, portanto, não sabe como ordenar o voto de sua esposa.

O jornalismo brasileiro dará uma grande contribuição à democracia e à vida política do país no dia em que entrevistar não um general machão e fanfarrão, com suas bravatas, suas bazófias e sua visão maniqueísta do mundo, mas as mulheres dos generais. Seria muito bom ouvir dona Luisa Santa Rosa, ela podia nos revelar coisas que o Brasil desconhece. Confio muito mais na sua intuição e na sensibilidade feminina do que na arrogância do general.

Nós estamos carecas de ler entrevistas de generais. O grande furo jornalístico seria uma entrevista com dona Luísa e com tantas luísas, silenciadas, caladas, com o discurso seqüestrado e a fala presa na garganta. São elas que constroem com seu trabalho cotidiano esse país, educando os filhos, organizando a economia doméstica, dando apoio logístico e às vezes até, fingindo, quem sabe, que vota em quem o marido ordena. Afinal, o voto é secreto.

Se o general, que não deve saber fritar um ovo nem pregar um botão numa camisa, também não sabe em quem votar, devia perguntar à sua mulher. Por que não ouvi-la? Em quem ela gostaria de votar? Talvez ela saiba com mais lucidez que o general o que é melhor para o Brasil.

Da minha parte, aqui na minha casa, a conspiração internacional já ganhou. Não tenho vergonha de confessar: aqui funciona o matriarcado, pois quem decide o meu voto é a patroa e as minhas nove irmãs mulheres, com quem já iniciei o processo de consulta.

Ainda bem que o general não tem em quem votar para presidente da República na próxima eleição. Essa é a melhor notícia que o Brasil pode ter. O terrível seria se ele tivesse várias opções, como ocorreu durante o período da ditadura militar quando eles decidiam sem consultar a população. Agora, por ironia, no próximo governo, existe a possibilidade de que eles sejam obrigados, talvez, a obedecer as ordens de uma mulher.
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José Ribamar Bessa Freire é professor universitário (Uerj), reside no Rio há mais de 20 anos, assina coluna no Diário do Amazonas, de Manaus, sua terra natal, e mantém o blog Taqui Pra Ti

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