sábado, 8 de outubro de 2011

Entrando no Chile

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(Excerto do livro "Viagem ao Umbigo do Mundo", publicado em 2006)

Urda Alice Klueger

Era a primeira vez na minha vida que eu ia ao Chile – e entrar no Chile foi muito engraçado, pois não havia Aduana. Andaríamos 164 km até chegar a ela, o que me fez pensar de novo nas brigas entre os dois países por causa do Canal de Beagle.

A comida, o sol quente e o bom vento fresco em cima da moto acordaram-me de vez, e agora eu tinha forte consciência de que estava, já, no Deserto do Atacama. É muito interessante e muito lindo, tal deserto. É um verdadeiro espetáculo para quem nunca o viu ou o imaginou – eu, pelo menos, tinha na imaginação as imagens do Deserto do Saara, todo de dunas de areia branca, e fui como que indo de surpresa em surpresa Atacama afora. O Deserto do Atacama às vezes é plano, semeado de distantes vulcões; às vezes é feito de suaves ondulações ou colinas; às vezes é todo de altíssimas subidas e descidas de montanhas – e todo ele é um mar de minério, que o deixa com as mais variadas cores, dependendo do que é feito seu solo. Dependendo da região, uma colina é azulada, outra é creme, outra é lilás, outra é roxa – coisa de louco, beleza como que espargida às mão-cheias, e há que se pensar que a última vez que choveu, lá, foi no século XVI – portanto, há quase 500 anos. Algumas partes do Deserto do Atacama estão fora da biosfera, isto é, são tão secas que não permitem nenhuma forma de vida. Não cheguei a ver, mas soube que nessas partes que estão fora da biosfera, os grandes laboratórios [1] internacionais têm seus centros de pesquisa mais perigosos, por uma questão de segurança. Funciona assim: se um laboratório daqueles acabar produzindo um vírus, uma bactéria, ou qualquer forma de vida que possa ser prejudicial à Humanidade, e se, devido a algum acidente, tal forma de vida escapar de controle e fugir do laboratório, não haverá perigo – ela não atingirá a Humanidade, pois morrerá antes de sair daquelas regiões totalmente secas.

Naquele dia, porém, atravessávamos parte ainda não tão seca do deserto, planícies pontilhadas com distantes vulcões de grande altitude, onde se formavam as neves eternas, e, por causa delas, havia períodos de degelo que formavam algumas lagoas ou outros pontos de umidade, e qualquer umidade é sinônimo de vida, e onde há aquele mínimo de água nasce a vegetação característica do deserto, que no caso podiam ser pequeninos arbustos, ou capins, ou musgos – e lá estavam as alpacas, as vicunhas, as lhamas, os zorros[2], e sabe-se lá quantos outros bichinhos que existiam na cadeia alimentar daquele lugar onde a vida parecia quase impossível! E não se via, nem mesmo casinhas de adobe, mas fico pensando que aquelas lhamas e suas primas não estariam ali de graça – em algum momento do ano seu dono haveria de aparecer, nem que fosse para tosquiá-las dos seus pêlos tão quentes!

Uma coisa ótima que acontecera desde que entráramos no Chile: voltaram as boas estradas asfaltadas, bem sinalizadas com uma forma diferente de sinalização, em placas amarelas. A paisagem soberba me entretinha completamente, e quase não dei pelos 164 km que andamos – o que não deve ter demorado mais que hora e meia – quando paramos com grande estardalhaço, enfim, na Aduana chilena! Havia um rigoroso controle para que não passasse por ali nenhuma contaminação da febre aftosa – e já tive que saltar da moto sobre uma imensa esponja cheia de desinfetante, enquanto patrulheiros vinham aspergir desinfetante em todas as rodas da nossa comitiva.

Eram simpáticos, os chilenos! Enquanto preenchíamos nossas fichas de entrada no país e outras coisas, entre elas uma declaração de que nada levávamos de origem animal (por causa da febre aftosa), um deles deu-se conta de que meu estômago não estava lá muito bom, e foi buscar um limão, e cortou-o, e me falou das suas propriedades terapêuticas, e me ensinou a chupá-lo da forma certa para absorver o ácido necessário para melhorar, e era pura gentileza. Fiz as coisas que se fazem em tais ocasiões: contei-lhe da grande amiga chilena que tinha na minha cidade, a artista plástica Paloma, e ele acabou se despedindo de mim com um beijo no rosto. Deduzi que ele andara vendo muitas novelas brasileiras, para ter aprendido aquele tipo de despedida – tanto quanto sei, os chilenos e outros povos não se beijam assim como nós!

Só quando, enfim, fomos liberados pela Aduana, foi que me dei conta que estávamos.... nada mais nada menos que em SÃO PEDRO DE ATACAMA! Gente, isso aí estava muito além dos meus melhores sonhos!

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[1] O Deserto do Atacama é considerado um deserto costeiro, e vamos desdobrar tal informação em outras, mais adiante. É o mais seco do mundo. Eventualmente pode haver uma chuva que possa ser medida, em alguns pontos dele – algo como 1 mm ou mais – a cada 5 ou 20 anos (http://pt.wikipedia.org/wiki/Deserto – consultado em 15.06.2006), ou como saberíamos um pouco mais adiante, na cidade de Tocopilla.
[2] Zorro = raposa (Nota da autora)

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Urda Alice Glueger é escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR

Urda colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O Caldeirão que o diabo abominou

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Fernando Soares Campos

Há pouco mais de cem anos, bem no final do século XIX, ocorreu a Guerra de Canudos, quando, depois de algumas tentativas, finalmente tropas federais destruíram uma comunidade no interior da Bahia, matando seu líder, o beato Antônio Conselheiro, e milhares de resistentes, restando apenas alguns poucos idosos, mulheres e crianças. Cinco anos depois, Euclides da Cunha lança “Os Sertões - Campanha de Canudos”, e só a partir do lançamento dessa obra, provavelmente devido ao interesse de um editor que enxergou nela um grande filão, a história de Canudos chegou até os dias atuais. Certamente muitos pesquisadores se dedicaram ao esclarecimento dos fatos; mas, sem “Os Sertões”, talvez Canudos fosse apenas uma história de gente antiga, que não tem o que fazer e fica por aí assustando crianças que fazem xixi na cama.

Euclides da Cunha, na condição de correspondente de guerra do jornal O Estado de São Paulo, foi o “Repórter Esso” de Canudos: testemunha ocular da História. Enquanto os jornais das grandes cidades incitavam o novo governo republicano contra a resistência dos “monarquistas” de Canudos, Euclides da Cunha registrava a carnificina cometida contra um povo relegado ao abandono e à miséria, que se perpetuam através dos tempos, monárquicos ou republicanos.

Sobre Canudos, quase todo brasileiro conhece alguma coisa que seja, mesmo superficialmente, visto que, além da obra de Euclides da Cunha e tantas outras nela inspiradas, mais recentemente o filme Guerra de Canudos foi um grande sucesso de público e palpites da crítica, além de ter sido premiado em importantes festivais. Também muitos são os vídeodocumentários sobre a Guerra de Canudos; e a maioria dos professores de História recomenda a obra euclidiana aos seus alunos.

Porém, se o episódio de Canudos é conhecido mundo afora, principalmente através de “Os Sertões”, o mesmo não ocorre com acontecimentos idênticos que também tiveram como palco os sertões nordestinos, como, por exemplo, a destruição da comunidade Caldeirão da Santa Cruz do Desterro, no Sertão do Cariri (CE).

Em meados dos anos 20, José Lourenço (foto ao lado), um beato que foi preso por pregar em praça pública, acabou sob a proteção do Padre Cícero do Juazeiro, que lhe concedeu o direito de habitar uma propriedade abandonada, num pé da serra. Não demorou muito, o beato atraiu cerca de 500 famílias para o local, onde fundaram um vilarejo, a comunidade Caldeirão, no Sertão do Cariri. O vilarejo prosperou, com suas casinhas simples, igrejinha, escola, trabalho, atividades culturais, religiosas e de lazer, tudo sob sistema de mutirão, sem qualquer ajuda externa. A comunidade era formada por retirantes de diversos estados nordestinos.

Caldeirão tornou-se uma comunidade auto-suficiente, até mesmo ferramentas de trabalho eram fabricadas no local, algumas foram desenvolvidas apropriadamente para o trabalho em condições peculiares. Sobre a agricultura, remanescentes daquela experiência relatam que tudo era tratado de forma ecologicamente correta, atentando-se para a preservação do solo, dos mananciais hídricos, da fauna e flora, cujas explorações atendiam às normas específicas da comunidade. Criações de bovinos e caprinos garantiam o fornecimento de carne e leite, que por sua vez geravam a produção de charque, queijo e manteiga, enquanto as peles se transformavam em calçados, cintos, bolsas e artesanatos. A produção atendia ao consumo interno, e o excedente era vendido nas cidades vizinhas, principalmente nas prósperas Juazeiro e Crato, gerando receita para a aquisição de produtos necessários à sobrevivência naqueles confins.

No Caldeirão, a terra e os meios de produção eram de propriedade coletiva... Epa! Acho que foi aí que o bicho pegou! O leitor também já deve ter percebido o que deve ter acontecido com uma comunidade com essas características, na primeira metade do século 20.

Massacre de Caldeirão

Os coronéis da região, ricos fazendeiros, eram detentores de grandes fortunas, ostentavam fabulosos patrimônios que incluíam: terras, casarões, gado, engenhos, trabalhadores em regime escravo e até alguns políticos amestrados. Delegados e juízes também podiam ser considerados propriedades de alguns desses senhores da vida e da morte. Nesse contexto, prosperava uma comunidade formada por pessoas que ali chegaram arrastando corpos desnutridos, expressando abatimento moral e desesperança, como em “Retirantes”, quadro de Cândido Portinari.

Em 1936, Caldeirão se distinguia como uma comunidade relativamente próspera. Foi aí que os coronéis da região começaram a sentir dificuldade de conseguir mão-de-obra barata, trabalhadores semi-escravos. Logo se iniciou uma campanha contra aquilo que as oligarquias regionais chamavam de “uma nova Canudos”. Não demorou muito e o beato José Lourenço e seus seguidores foram perseguidos sob a acusação de “prática de comunismo primitivo”.

Depois de intensa campanha, a ditadura getulista autorizou a invasão da comunidade Caldeirão pelas forças da Polícia militar do Ceará e do Ministério da Guerra. Seus crimes: haviam encontrado uma maneira de sobreviver à seca, à fome e ao coronelismo, apenas unindo forças e pacificamente trabalhando a terra. Porém, ao contrário do que se propagava, a comunidade não dispunha de armas ou planos para enfrentar os invasores. Caldeirão, ao contrário de Canudos, não ofereceu resistência, exceto alguns gestos isolados de defesa e proteção pessoal sob impulsos do instinto de sobrevivência. Quando da invasão, os armazéns da comunidade encontravam-se abarrotados de algodão, milho, feijão, arroz, rapadura e farinha. Havia máquinas e objetos importados. Tudo foi destruído, inclusive as novas plantações e muitos animais. As mulheres foram estupradas, e os objetos pessoais de valor foram levados como prêmios de guerra.

Sobreviventes da comunidade Caldeirão, entre eles o beato José Lourenço, reorganizaram-se na Chapada do Araripe (CE), fundando nova vila, com a mesma orientação comunitária do Caldeirão. Logo, esta também foi considerada um embrião do “comunismo ateu” que se instalara do outro lado do mundo e, na visão tosca dos fazendeiros, ameaçava migrar para aquelas bandas. Desta vez os membros da nova comunidade se prepararam, ainda que de forma rudimentar, para a luta de resistência armada. Na Serra do Araripe as forças de repressão usaram aviões para bombardear um grupo de resistentes armados de peixeiras, foices, facões e espingardas de caça. A Polícia Militar do Ceará e o Exército getulista destruíram a vila e enterraram mais de mil mortos em valas comuns.

Protegido pelos seus seguidores, novamente o beato José Lourenço escapa e se refugia em Pernambuco, seu Estado de origem.

Tentativa de resgate da história

“A Universidade Regional do Cariri (URCA) planeja percorrer os caminhos trilhados pelo Beato, na busca de locais para implantação de uma sociedade solidária. A URCA pensa, também, revisitar as trilhas utilizadas por José Lourenço, nas suas fugas das forças policiais. Por conta disso, já em outubro de 2005, uma equipe da URCA refez o itinerário de José Lourenço, na fuga do Caldeirão até sua nova morada: o Sítio União, localizado no município de Exu (PE). Com a permissão do atual dono da propriedade, a equipe percorreu o local, em busca de algum vestígio que lembrasse a passagem do Beato por aquele lugar. Infelizmente, somente o alicerce do engenho, o açude e um depoimento de Zé de Teresa, neto de uma testemunha da época, resistem ao processo de esquecimento da memória de José Lourenço.”(*)

A imprensa, sob a censura do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda, do Governo Vargas), quase nada publicou sobre os massacres, e mesmo as matérias obscuras que instigavam as autoridades contra as comunidades sumiram das redações, apagaram o pouco que haviam escrito sobre essa história, um importante capítulo das lutas populares no Brasil.

À comunidade do Caldeirão faltou um Euclides da Cunha para registrar a covardia, até mais brutal que em Canudos, pois o arraial baiano resistia às ofensivas: o fracasso da primeira expedição militar contra Canudos rendeu aos conselheiristas as armas do contingente que investiu contra a comunidade; o armamento adquirido no primeiro confronto serviu para vencer as tropas das duas expedições seguintes e para lutar bravamente contra a quarta expedição militar, aquela que finalmente destruiu o sonho de milhares de pessoas que insistiam em sobreviver com dignidade.

Esta é apenas uma introdução à história do Caldeirão que o diabo abominou.

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons



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domingo, 2 de outubro de 2011

GLOBO DERROTA LULA

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Raul Longo

Todo mundo sabe que a primeira vitória da Globo sobre Lula se deu em 1989, quando a emissora elegeu “O Caçador de Marajás”. Então a Globo ganhou, e o Brasil perdeu, tal qual se confirmou dois anos depois.

Dr. Roberto Marinho explicou a uma reportagem da BBC que ele elegeu Fernando Collor de Melo quando quis e o tirou quando quis. Qualquer semelhança com os grandes chefes da Máfia e outras entidades do crime organizado internacional, não é mera coincidência. Apenas questão de estilo.

E, mantendo seu estilo e padrão – o então consagrado Padrão Global –, em 1994 a Globo mais uma vez derrotou Lula, conquistando a Presidência da República através de outro Fernando. O Henrique Cardoso. Daquela vez o Brasil parou a inflação.

Inflação que a própria Globo criou em seus governos anteriores quando, através dos militares, construiu a maior hidroelétrica do mundo para as multinacionais não terem problemas de fornecimento de energia, paga pelo brasileiro através da escalada das tarifas da prestação do serviço. Depois de Itaipú, a Ponte Rio Niterói e a Transamazônica foram as mais portentosas obras das duas décadas de ditadura e uns quantos mortos, desaparecidos e mutilados pelas torturas.

Seria ingratidão não lembrar que teve também uns km de Metrô no Rio e em São Paulo que ainda é considerada como a mais desassistida por este serviço entre as grandes capitais do mundo. Pois, com essas e algumas outras, os governos da Globo durante e pós ditadura militar promoveram uma das maiores inflações do planeta.

Mas é como no dizer do Dr. Roberto: o que a Globo põe a Globo tira. Ou para. E parou a inflação para derrotar Lula pela segunda vez.

Parou a inflação e o país todo. Só não parou o índice de desemprego. Esse não parava de subir.

Mas as máquinas pararam, os salários pararam, a infraestrutura parou. Parou tudo!
Só que, então, o que importava é que a inflação parasse e assim a Globo pode derrotar Lula pela 3ª vez, novamente com o mesmo Fernando, o Henrique Cardoso.

No 1º Fernando com que a Globo ganhou do Lula, o Brasil perdeu. No 2ª Fernando com que a Globo ganhou do Lula, o Brasil parou. E no 3º Fernando com que a Globo ganhou do Lula, o Brasil parou e perdeu ao mesmo tempo.

A praga é dos Fernandos ou da Globo?

Mas é preciso retocar, porque parar, na verdade a partir de 98 o país não parou. Para parar, precisaria estar em movimento. Como já vinha quase parando em anteriores governos da Globo e estancou de vez no 2º Fernando, não é que parou. Apenas continuou parado.

Agora, perder perdeu muito! Nunca, em nenhum dos tantos governos da Globo, desde lá o início da ditadura militar, o Brasil perdeu tanto! E olha que nos governos da Globo, o Brasil foi das nações que mais perdeu pros especuladores internacionais em todo o planeta. Mas na fase FHC da governança da Globo, o país perdeu até as calças!

E não é força de expressão, não! Pra fazer ideia é só lembrar que o chanceler (o mais alto representante de uma nação junto às demais) Celso Lafer teve de se submeter à revista no aeroporto internacional de Nova Iorque e o mandaram tirar os sapatos. E tirou!

Meu! Quando um chanceler de um país tem de tirar os sapatos para pisar num aeroporto tão internacional quanto o de Nova Iorque, cidade sede da Organização das Nações Unidas; é porque o país está mais sem dono do que fiofó de bêbado! Depois dessa não tinha mais o que o Brasil perder.

Pra quem não tem mais o que perder, só resta ganhar, não é mesmo? Pois foi só então, em 2002, que Lula ganhou da Globo. E aí o Brasil ganhou o resgate da dignidade e da imagem internacional.

Começou a ganhar no dia em que o novo Chanceler, o Celso Amorim, bateu o pé e não tirou o sapato. Os americanos ficaram muito brabos e pra se vingar criaram mil empecilhos a todos os brasileiros que passavam por aquele país. Aí não teve dúvida, criou-se empecilho para os cidadãos norte-americanos em nossos aeroportos também. E desde então o Brasil começou a ganhar respeito no mundo.

A Globo não gostou nada disso! Reclamou, esbravejou, rugiu, runhiu e reuniu a cambada toda e se não vai por bem vai por mal. Tentou derrotar Lula a 4ª vez, com o impeachment pelo mensalão do Roberto Jefferson.

Lula peitou, foram pro braço de ferro. De um lado os Marinho e todas as demais famiglias reunidas num esforço de execução e extermínio (racial, segundo Jorge Bornhausen) de fazer inveja a qualquer Al Capone. Do outro, um pernambucano, ex-pau de arara, ex engraxate, ex torneiro mecânico, ex líder sindical e, enfim, Presidente do Brasil inteiro.

Pois não é que o cabeça chata ganhou? Ganhou gente! A Globo pôs general, pôs sócio em transmissão de imagens de TV, pôs playboy, pôs poliglota; e não conseguiu tirar o Lula, perdendo pela segunda vez!

Mas como essa foi uma derrota extra, não oficial, nem vamos contar. Faz de conta que não teve! Até porque o próprio Roberto Jefferson já confessou pro STF que aquela história de mensalão era tudo mentirinha. E já que o impeachment não deu certo, não tem mais sentido ficar discutindo mentira que o próprio mentiroso desmentiu. Vamos ser humanos, compreensivos e nada de tripudiar da Globo.

Inclusive porque até ali, à mentira do mensalão, o Brasil também já tinha ganho um monte com o pagamento da dívida externa. Aliás, só o Brasil não, também os netos de todos os brasileiros que, segundo diziam, já nasceriam devendo. Muita gente não queria nem ter filho para evitar ser avô de caloteiro internacional. Hoje, com a derrota da Globo pro Lula, desse risco já não se corre mais.

No entanto, nem por isso o padrão Global mudou e continuou no mesmo estilo, só que ainda assim em 2006 a Globo perdeu pro Lula outra vez.

E o Brasil ganhou aumento de salário, de oportunidades de emprego, vagas em universidades, abertura política, plena liberdade real de expressão, diminuição de injustiça e de miséria. Virou país importante de economia forte. Saiu dos índices das calamidades e descalabros sociais e entrou no meio das lideranças regionais, hemisféricas e até globais.

Se há aí algum exagero, não é meu, mas sim do Conselho de Davos, na Suíça, que é dos mais, se não o mais conceituado do mundo capitalista. Pois foram eles que deram ao Lula o título de Estadista Global.

Nunca houve disso nem nunca vi nada igual. Presidente do Brasil quando era chamado no exterior era pra prestar conta de dívidas. Todos os presidentes dos governos da Globo que viajaram para o exterior ou iam pra tomar empréstimo ou pra pedir prorrogação de pagamento. De repente o mundo se bota contra a Globo e chama o Lula pra Doutor Honoris disso, Estadista daquilo, Líder de não sei o quê.

Claro que isso foi irritando, dando nervoso, deixando o Merval Pereira, o Arnaldo Jabor, as Meninas do Jô, a Miriam Leitão, o Sardemberg, o hipotético Ali Kamel e muitos outros da Globo e demais famiglias numa situação de péssimo hálito. Principalmente depois da 4ª derrota para Lula, ou melhor: 3ª, se tirar a do mensalão desmentido pelo mentiroso, embora ainda mantido pela Globo e demais mentirosos que nem sendo desmentidos trocam de calças. Fiéis escoteiros, continuam preferindo as curtas.

Mesmo sempre alertas e com bolinha de papel e tudo, continuaram perdendo pro Lula em 2010 e o Brasil ganhou a Dilma Rousseff.

Ninguém mais consegue dormir sossegado e a expectativa é de que os Marinhos tomem alguma atitude.

Pois tomou. Quem assistiu o Jornal Nacional viu que hoje a Globo tomou uma atitude inequívoca! Enfrentou Lula e ganhou mais uma vez.

E bem no dia em que o Lula recebeu uma das mais importantes e raras honrarias do mundo. Pra ter ideia, essa honraria é concedida à mais de um século, mas só 15 personalidades internacionais a mereceram antes do Lula. Não é pouca coisa, e essa a Globo não poderia deixar passar.

Foi lá e deu uma nota rápida dizendo que Lula é o primeiro latino americano a receber o título de Doutor Honoris Causa da Sciences Po de Paris. E pronto! Matou o assunto.
Matou o assunto e já chamou pro grande prêmio que a Globo recebeu pela ocupação do Complexo do Alemão. A chamada criou a expectativa pro próximo bloco e o próximo bloco, inteiro, do noticiário da Globo, foi sobre qual notícia?

A Globo!

Sim! A Globo foi a grande notícia da Globo! Discorreu sobre todos seus prêmios como melhor TV do mundo das TVs, mas no centro da questão de tamanha relevância, a maior obra da Globo nos últimos tempos: a ocupação do Complexo do Alemão.

Quem até hoje pensava que aquela ocupação foi obra do governo do estado do Rio de Janeiro, ou de ação conjunta entre Exército e Polícia com apoio da população do Complexo, hoje viu que não é nada disso. Foi a Globo! A Globo quem ocupou o Complexo do Alemão para vingar a morte de seu primeiro combatente caído nessa guerra. Para vingar o Tim Lopes, a Globo foi lá e fez o que fez e isso de UPP não quer dizer nada, porque o certo mesmo é OG – Organizações Globo.

Agora, se você é um desses que não suporta ver a Globo sair vitoriosa e está mais preocupado com coisas supérfluas, premiozinhos de obá-obá pra promover jogadas de marketing, merchandising, show bussines, coisa e loisa; então deixo aí os agradecimentos do Presidente ao título de Doutro Honoris Causa da tal Sciences Po, mas assim mesmo derrotado no Jornal Nacional de hoje.

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

PressAA


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