sexta-feira, 30 de abril de 2010

Mortos acima de qualquer suspeita

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O "ministério da segurança pública" de Serra e a concorrência com o PCC


Fernando Soares Campos

Geraldo e Cláudio são amigos inseparáveis. Aposentados, podem ser vistos a partir das duas da tarde, todos os dias, na mesa exclusiva da dupla, no Bar do Cardoso, numa ex-paradisíaca praia da Baixada Santista, onde residem desde que se tornaram, de acordo com a interpretação de FHC sobre aposentadoria, vagabundos na forma da lei.

Nos últimos 20 anos, só falharam um dia. Foi no domingo passado, pois naquele dia o bar fechou devido ao recrudescimento da violência que transformou a região em território sob o domínio da polícia, que tem se esforçado para monopolizar o mercado de segurança pública eliminando a concorrência do PCC.

Geraldo abre o jornal e lê para o companheiro:

- Vê essa, meu! O número de suspeitos abatidos pela polícia nas últimas vinte e quatro horas aqui na Baixada já soma, precisamente, pra lá de não se sabe quantos mortos.
- Suspeitos de quê?! - perguntou Cláudio
- Aqui só falam de suspeitos.
- Mas quem são esses suspeitos?
- Ora! eu já li isso pra você, são os mortos, meu!
- Sei. Mas quem são os mortos?
- Putz! meu, você não saca uma! Quer que eu desenhe? Os mortos são os suspeitos, meu!
- Mas eu quero saber quem são os mortos suspeitos.
- Fácil! São os caras que a polícia matou.
- E esses caras têm nome?
- Tinham.
- Como "tinham"?!
- Agora são somente números.
- São suspeitos de quê?
- Suspeita-se que alguns desses suspeitos participaram de um movimento suspeito, supostamente ligado ao suspeito crime organizado.
- Mas, se depois de investigados os casos, descobrirem que alguns dos suspeitos são inocentes?
- E daí?!
- O que acontece com esses que já morreram?
- O que acontece?! Ora, meu, não acontece mais nada, os caras já morreram.
- E a polícia está procurando novos suspeitos?
- Claro.
- Mas, pelo que estou entendendo, qualquer pessoa que estava na Baixada Santista nas últimas vinte e quatro horas é suspeito.
- Claro que não!
- Por que não?
- Antes de atirar, a polícia não pergunta onde o cara esteve nas últimas vinte e quatro horas, portanto não é esse o fator que determina se o sujeito é suspeito ou não.
- E se ficar provado que o morto suspeito não esteve na região nas últimas décadas?
- Aí o morto-suspeito passa a ser apenas morto.
- Hein?!!
- Torna-se um morto acima de qualquer suspeita.

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quinta-feira, 29 de abril de 2010

Para os emigrantes, um Conselho Sugestivo

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Rui Martins*

Esta coluna é o desabafo diante de uma falsa política da emigração tramada no Ministério das Relações Exteriores (MRE) e oferecida ao presidente Lula como correta. É a incrível história da criação pelo Itamaraty de um Conselho de emigrantes, que, no fundo, não serve para nada só para dar sugestões.

Existem no mundo cerca de 3,5 milhões de emigrantes brasileiros, a crise fez diminuir um pouco esse número. Para manutenção de suas famílias no Brasil, para colocar as economias na poupança, os emigrantes mandam cerca de 7 bilhões de dólares para o Brasil. E o que o Brasil oferece em troca a esses emigrantes que na maioria eram excluídos da sociedade brasileira?

Vocês vão rir, mas se forem emigrantes vão se revoltar e se controlar para não lascar um palavrão. O Ministério das Relações Exteriores e o Itamaraty que assumiram a adoção indevida dos emigrantes oferecem um Conselho de emigrantes de 16 membros com a finalidade de fazer sugestões ao governo em reuniões anuais, nada mais nada menos que um Conselho Sugestivo.

E vocês vão ficar ainda mais revoltados – já existem candidatos a esse Conselho Sugestivo que estão até fazendo campanha eleitoral. Para refrescar a memória – o Itamaraty organizou em 2008 a I Conferência de emigrantes e, nessa conferência, o movimento de cidadania Estado do Emigrante conseguiu um abaixo-assinado majoritário para a criação de um Conselho de Transição com o objetivo de criar um órgão institucional emigrante com parlamentares emigrantes e um conselho de emigrantes independente do MRE.

Porém, é preciso contar que os emigrantes formam hoje um enorme mercado, lucrativo, que incentiva a criação de associações, empreendimentos, mini e médias empresas, escritórios de advocacia e despachantes, empresas de remessas de dinheiro e outras de importação de produtos brasileiros mais agências de viagens e mesmo financeiras para empréstimos. Para não só falar de quem trata de questões materiais, há também os preocupados com o lado espiritual dos emigrantes e a salvação de suas almas, são as denominações religiosas católicas, evangélicas e espíritas.

Uma grande parte desses grupos não quer que o governo brasileiro assuma sua responsabilidade em favor de seus cidadãos no Exterior para continuar dependendo deles as ações juntos aos emigrantes. Então, o Conselho de Transição acabou virando conselho provisório e agora pode virar Conselho Sugestivo. Como os brasileiros gostam de festa, programa-se também todo ano uma grande festa, a Conferência Brasileiros no Mundo, na qual os representantes de alguns ministérios contam como vão as coisas com os emigrantes e, a seguir, os emigrantes podem fazer suas sugestões e tudo acaba em pizza.

Alguns querem ressuscitar o Conselho de Cidadãos, criado por FHC, e que se reunia na embaixada para se tomar um uísque e trocar vantagens com os diretores da Varig, que na época tinham prestígio, do Banco do Brasil, da Vale do Rio Doce, e mais gente fina, os VIPs, os cidadãos, bem vestidos, nada a ver com o povão. Agora, como a moda mudou, os cidadãos seriam representantes do povão, mas em número limitado e sob a batuta do Cônsul local, porque, se não, sabe-se lá o que vão propor.

Mas a abertura termina aí. Embora Portugal e outros países tenham criado até um Ministério da Emigração, tenham parlamentares emigrantes para poderem levar ao Parlamento as reivindicações dessa população no exterior, o Brasil acha que o MRE, pelo fato de cuidar das Relações Exteriores é quem deve cuidar dos emigrantes.

Ora, a embaixada, que é um órgão de representação do Brasil no Exterior tira logo o corpo. Os embaixadores têm outras frequentações. Os emigrantes que procurem os Consulados. Mas do que cuidam os Consulados? Dos documentos dos emigrantes, ou seja, no fundo o Consulado é um tabelionato localizado no estrangeiro. Nada mais que isso. Não pode decidir políticas.

Na verdade, embora os emigrantes vivam no Exterior fazem parte da população brasileira, são um segmento, e devem participar dos mesmos direitos e ter as mesmas responsabilidades dos que vivem na Matriz. Dado o seu grande número, o capital enviado ao Brasil e por representarem a manutenção e divulgação de nosso idioma e cultura no Exterior, esses emigrantes devem ser tratados como habitantes de um Estado localizado no exterior do Brasil.

Não precisamos ir ao exagero de organizar os emigrantes num Estado real, mas não há dúvida, eles já compõem um Estado virtual e como seus problemas e necessidades envolvem questões relacionadas com todos os Ministérios, podem ter também o status de um mini-Ministério ou Secretaria de Estado da Emigração ou fazer parte de um grande-Ministério das Migrações envolvendo a migração, a imigração e a emigração.

Esse órgão institucional, formado por emigrantes deverá decidir em Brasília as leis relacionadas com os emigrantes, apoiados em parlamentares emigrantes, eleitos pelos emigrantes.

O governo Lula, que tem acertado em diversos setores, está capenga em matéria de emigração e nossa sugestão é a de que, antes de encerrar suas atividades, dê atenção aos emigrantes, mas sem deixar que o ministro Celso Amorim fixe as regras. Amorim tem sido excelente no trato do Brasil com os outros países, mas emigração é outra coisa, envolve os outros ministros, o do Trabalho, da Educação, da Previdência, e eles deveriam também ter sua palavra.

Não se pode também esquecer que existem muitos emigrantes empresários no Exterior e que a emigração, além do seu lado social, laboral, educacional, tem o seu lado empresarial. Tudo isso reforça a necessidade de se dar autonomia e independência à política da emigração.

O governo brasileiro tem também que tomar cuidado para não deixar a emigração ficar na mão de outros. Nem religiosos nem igualmente de entidades de promoções privadas. A promoção comercial Focus Brasil, que se realiza todos os anos na Flórida, não pode substituir o Itamaraty e nem o Itamaraty pode dar a essa promoção feições de oficialidade que não tem e nem pode ter. Ou será que Focus Brasil é a continuação, em terras norteamericanas, da outra festa, na casa de Rio Branco, a Conferência Brasileiros no Mundo com seu próximo Conselho Sugestivo?

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Para Rui Martins, o governo brasileiro deveria criar uma nova política de emigração a exemplo de Portugal, França, Itália e mesmo México e Equador.

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http://www.francophones-de-berne.ch/





http://www.estadodoemigrante.org/

*Ex-correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. Autor do livro “O Dinheiro Sujo da Corrupção”, criou os Brasileirinhos Apátridas e propõe o Estado dos Emigrantes. Vive na Suíça, colabora com os jornais portugueses Público e Expresso, é colunista do site Direto da Redação. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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quarta-feira, 28 de abril de 2010

AIPC - Política e afinidades

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terça-feira, 27 de abril de 2010

O Brasil e a grande recusa argentina

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Seremos efetivamente um país democrático quando aprendermos a lição argentina. Essa luta não é apenas de grupos de direitos humanos e membros do governo, como o ministro Paulo Vannucchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Promover a revisão da Lei da Anistia é ampliar a democracia.

Gilson Caroni Filho

A condenação de cinco ex-comandantes e do último ditador argentino, general Reinaldo Bignone( 1982-1983) por detenção ilegal e tortura de presos políticos, mostra a dimensão poética do regime democrático. Se toda poesia é um ato de assombro, a plenitude dos direitos humanos só existe em sociedades que se reinventam em suas grandes recusas. O espanto diante da beleza da vida só é possível quando conjugado a um inequívoco terror diante do sofrimento humano. Não há liberdade sem negações assertivas, sem um não inaugural. Quando a tensão dialética dá lugar a pactos políticos íntraelites, as transições para a democracia costumam não passar de perigosos pastiches.

Os julgamentos dos acusados de crimes durante a ditadura militar foram retomados em 2005, depois da revogação das “leis do perdão"- Ponto Final e Obediência devida - aprovadas na década de 1980. Ao revogá-las, o ex-presidente Néstor Kirchner reafirmou que, em sociedades autenticamente democráticas, não existem Constituições que contemplem tutelas fardadas sobre o Estado e os poderes da República. Se permanecerem frágeis as mediações entre política e sociedade, a possibilidade de recuo para formas nitidamente autoritárias conserva-se como espectro a rondar conquistas recentes. Quando se definiu como “filho" das mães e avós da Praça de Maio, Kirchner voltou no tempo para resgatar o futuro.

Em 1983, a sociedade civil argentina reagiu de forma claramente adversa à lei de anistia que o regime militar acabara de proclamar. Várias organizações de Direitos Humanos mantiveram milhares de pessoas nas ruas pedindo a aparição com vida dos desaparecidos e a punição dos responsáveis por tudo. Eram estes os dois objetivos que o projeto dos militares pretendia frustrar: sem a grande recusa não se poderia investigar o destino das vítimas da ditadura, e punir os agentes do Estado envolvidos com o desaparecimento de mais de 30 mil pessoas, das quais aproximadamente 400 eram crianças. A “lei da anistia" beneficiava, fundamentalmente, os autores de "todos os fatos de natureza penal realizados na ocasião ou por motivos de ações dirigidas a prevenir, conjurar, ou acabar com as atividades terroristas, qualquer que seja o bem jurídico lesado", compreendendo "os delitos comuns conexos e os delitos militares conexos", determinava ainda que ninguém poderia ser " interrogado, investigado, convocado a depor ou inquirido" sobre aqueles fatos. Não fosse a firme resistência da sociedade argentina, este dispositivo legal impossibilitaria às famílias dos desaparecidos lutar por sua recuperação, saber por que foram presos ou mortos e, neste último caso, recuperar seus restos.

Há 27 anos, a resistência democrática preservou a justiça reclamada e sustentou seus princípios. Rejeitou um diploma que consagrava, perigosamente, o princípio da impunidade para uma repressão ilegal que, pela sua natureza e magnitude, agravou a consciência ética da humanidade. Era o primeiro passo para a reconstrução do tecido social, para a consolidação de uma cultura democrática que faria dos Direitos Humanos uma política de Estado. O general Bignone talvez não saiba, mas foi aquele o momento em que seu julgamento começou. O dele e o de vários oficiais da ditadura que foram condenados à prisão perpétua.

Seremos efetivamente um país democrático quando aprendermos a lição argentina. Essa luta não é apenas de grupos de direitos humanos e membros do governo, como o ministro Paulo Vannucchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Reabrir os casos e promover a revisão da Lei da Anistia é ampliar a democracia. Como afirmou Guillermo O'Donnel, cientista político argentino, "todas as transições se fizeram pela coligação de alguns contra outros. No Brasil, a transição parece ser tarefa de todos com todos no qual tudo se admite, com exceção do conflito e da competição" Precisamos decidir o que queremos: ou transformamos nossas “Escolas Mecânicas da Marinha" em Museus da Memória ou deixamos que a consciência da impunidade permaneça como um cadáver que nos sorri. Os “dossiês especiais da Rede Globo” continuam sancionando o consulado militar e sua versão da história. Quando virá nossa recusa?

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Gilson Caroni Filho, sociólogo, mestre em ciências políticas, professor titular de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), é colunista da Carta Maior, colabora com o Jornal do Brasil e com esta nossa Agência Assaz Atroz.

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segunda-feira, 26 de abril de 2010

Cabral e o Ovo de Colombo

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Fernando Soares Campos

A metafórica expressão "Ovo de Colombo" refere-se a soluções que encontramos para certos problemas agindo de uma maneira que nos parece simples, comum, até natural, mas que na verdade houve época em que ninguém havia pensado naquilo, até que alguém planejou e resolveu agir daquela forma. Daí em diante, aquele método se tornou corriqueiro, solução óbvia; mas que nem sempre teria sido assim.

Depois do descobrimento da América, Cristóvão Colombo passou a desfrutar uma fama de dar inveja a Galileu, Gagarin ou aos Beatles. Os institutos castelhanos de pesquisa registravam homéricos índices de popularidade colombina, percentuais que, desde então, só são menores que os da popularidade de Lula, coisa nunca antes alcançada na história.

Certo dia, Colombo foi convidado para mais um banquete em que lhe prestariam honrosa homenagem. Um dos convidados, enciumado com a badalação em torno do nome de Colombo, lhe fez a seguinte pergunta:

– Você descobriu o Novo Mundo, certamente merece reconhecimento, mas, por acaso, acredita que não existem outros homens na Espanha que poderiam ter realizado esse mesmo empreendimento?

Colombo, mantendo a fleugma, não respondeu diretamente à pergunta, mas propôs um desafio aos presentes. Pegou um ovo de galinha e desafiou todos os que ali se encontravam a colocar o tal ovo em pé, apoiando-o sobre uma de suas extremidades.

Muitos foram os que decidiram tentar vencer o desafio. Debalde (palavra que, à época, estava em voga, assim como “em voga” era naquele momento uma expressão em voga).

Todos fracassaram.

Depois de muitas tentativas, os desafiados voltaram-se para Colombo e declararam a impossiblidade de realizar aquela façanha.

Colombo pegou uma pitada de sal, colocou-a num canto da mesa e assentou o ovo sobre os cristalinos grãos (há quem diga que ele bateu cuidadosamente o ovo contra a mesa até que a casca se quebrasse levemente na parte mais arredondada), e com isso foi simples colocá-lo em pé.

O homem que o havia provocado inicialmente protestou:

– Assim qualquer um pode fazê-lo!

Colombo respondeu:

– Sim, qualquer um! Mas “qualquer um” que tivesse tido a idéia de fazê-lo. – E concluiu: Uma vez que eu mostrei o caminho do Novo Mundo, “qualquer um” poderá segui-lo. Mas “alguém” teve antes que ter a idéia. E “alguém” teve, depois, que decidir-se a colocá-la em prática.

Dizem ainda que entre os convidados para o banquete estava o navegador português Pedro Álvares Cabral, que, diante da lição dada por Colombo, acreditou ter aprendido a realizar grandes navegações. Cabral estava convicto de que poderia até fazer um pouco mais, chegar um tanto mais longe que seu colega espanhol. E foi assim pensando que o comandante português se lançou ao mar.

Dias depois de iniciar a aventura que o levaria a terras tupiniquins, Cabral aportou nas Ilhas Canárias e postou uma carta a Colombo, através da qual fazia a seguinte observação:

“Você nos ensinou a colocar o ovo em pé, fator considerado imprescindível para realizar grandes navegações, mas, já nestas primeiras milhas navegadas, posso lhe garantir que mantê-lo nessa posição com o mar agitado é praticamente impossível.”

Moral: Para fazer mais que os outros, às vezes precisamos quebrar um pouco mais a casca do ovo ou aumentar a quantidade de sal em que este será apoiado.

P.S.1: Há quem acredite que Lula não deveria ter feito certos acordos em nome da governabilidade; saiba, porém, que, nesse caso, fazer mais que ele exige firmar aliança até mesmo com Judas. E ainda mais estreita que com Sarney.

P.S.2: Fazer mais não significa fazer melhor.
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Ilustração: AIPC - Atrocious Intenational Piracy of Cartoons

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domingo, 25 de abril de 2010

AVISA QUE ESTÃO MATANDO O MINDU

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Quinta feira, 22 de abril. Oito horas da manhã. Toca o telefone. Atendo. Ligação interurbana. É de Manaus. Uma voz de alguém que não conheço geme, angustiada, do outro lado da linha, pedindo socorro:

- Estou agorinha presenciando um assassinato daqui da janela da minha casa, no Parque Dez!! Eu, minha mulher e minha netinha!!!

Alarmado, aconselho que chamem a polícia. Justifico minha omissão:

- Moro no Rio de Janeiro. Não posso fazer nada.
- Pode sim! Pode escrever. Escreve. Avisa que estão matando o Mindu. Denuncia o crime. Dá o nome dos bandidos
– segredou a voz, num cochicho, como se temesse ser ouvida.

Depois, continuou descrevendo, lance por lance, o que via através da janela indiscreta. Narrativa tensa, cheia de suspense, como num filme de Hitchcock. Transcrevo o que ouvi, na esperança de que os criminosos sejam identificados e punidos. Duvido, no entanto, que a violência contra desconhecidos, hoje tão banalizada no Brasil, possa comover alguém.

Afinal, quem é que está preocupado em saber se um tal de Mindu está morrendo num bairro de Manaus? Azar o dele! Se a vítima fosse uma celebridade, vivesse na Islândia, se chamasse Eyjafjallajoekull e cuspisse fogo, vapor e fumaça preta, zoneando assim o tráfego aéreo, o mundo inteiro se agitaria. Mas Mindu, o inofensivo? Quem é Mindu no jogo do bicho? Ninguém sabe.

Parque Zero

Ninguém, vírgula! Os manauaras sabem. Conhecemos o Mindu, o maior igarapé da área urbana de Manaus. Ele nasce numa floresta próximo ao Jardim Botânico Municipal e atravessa toda a zona leste da cidade, num trajeto de mais de 20 quilômetros, correndo por um leito pedregoso. Vai se juntando a outros igarapés até desaguar no Rio Negro. Durante décadas, abrigou muitas espécies diferentes de pássaros, insetos, mamíferos, répteis, tartarugas e plantas e deu água fresca aos abundantes buritizais que, em troca, lhe proporcionavam sombra.

Sombra e água fresca: o Mindu era isso. Era quase um paraíso. Em uma de suas margens, terminava a cidade, em outra começava a floresta. De um lado, o bicho urbanóide. De outro, o bicho do mato. Foi ali, naquela região de fronteira, que suas águas foram canalizadas, em 1938, para formar uma piscina natural. O balneário, onde aos domingos as famílias faziam piquenique, foi batizado como ‘Parque Dez de Novembro’.

Hoje, poucos sabem as razões do nome. Era uma homenagem à data do golpe. Um ano antes, 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas fechou o Congresso Nacional, suprimiu as liberdades democráticas, instaurou censura férrea e prendeu e torturou os opositores. Dessa forma, o interventor no Amazonas, Álvaro Maia, puxava o saco do criador do Estado Novo.

Durante algum tempo, o Parque Dez e a boate Acapulco foram os últimos bastiões urbanos. Dali, saía uma estradinha de terra, carroçável, conhecida como V-8 (atual Efigênio Sales), acompanhando o sentido do igarapé, ao longo do qual se situavam pequenas chácaras transformadas em balneários ou ‘banhos’, como a gente chamava. Havia, entre tantos outros, o ‘Pecos Bill’, o ‘Tucunaré’ e ‘As Pedreiras’, da dona Dirce Ramos, viúva rica, que a repassou aos padres redentoristas.

Suas águas, onde meu irmão de dois anos morreu afogado, eram límpidas, cristalinas e potáveis. Mas depois do golpe militar de 1964, a censura impediu criticas ao modelo econômico dominante, que se lixava para o meio ambiente. Foi quando a Companhia Habitacional do Amazonas (COHABAM) construiu com recursos federais o conjunto residencial Castelo Branco – nome dado em homenagem ao marechal ditador. Manaus tinha, então, uns 300 mil habitantes. Aí começou a lenta agonia do Mindu.

Se o Mindu falasse

De lá para cá, a cidade cresceu. A mata foi devastada. Dezenas de novos bairros surgiram sem uma política ambiental e de saneamento básico. As residências passaram a despejar seus dejetos no leito do igarapé, transformando-o num fétido esgoto a céu aberto. A feira do bairro Amazonino Mendes joga nele todo seu lixo. A criação, em 1992, do Parque Municipal do Mindu, como área de interesse ecológico, foi uma tentativa de preservar o último refúgio verde do bairro. Mas o Mindu, “um rio que passou em minha vida”, já estava ferido de morte.

Para tentar salvá-lo, o então prefeito de Manaus Serafim Correa (PSB) aprovou, em 2007, o Projeto de Revitalização do Mindu, com a criação de estações de tratamento de esgoto e de um corredor ecológico. O objetivo era, de um lado, evitar que as suas nascentes fossem ocupadas, e de outro, transformar em área de lazer o espaço do parque. Pouco antes de sair da Prefeitura, garantiu, em 2008, um contrato de 128 milhões de reais, para realizar a obra pelo PAC- Plano de Aceleração do Crescimento.

No entanto, o atual prefeito de Manaus, Amazonino Mendes (PTB - vixe, vixe!) engavetou o corredor ecológico e decidiu substituí-lo pela construção de uma pista às margens do Mindu, seguindo o exemplo da Marginal do Tietê, em São Paulo. O Ministério Público Federal entrou com ação na Justiça, tentando recuperar o projeto original e, com ele, uma sobrevida para o Mindu. Até hoje, ninguém sabe o destino dos recursos, porque “desde que assumiu, Amazonino não divulga os gastos da Prefeitura”.

De qualquer forma, o crime que o leitor viu, de sua janela, ao lado da esposa e da netinha, quando se celebrava o Dia Mundial da Terra, dá a dimensão de que a estupidez humana não tem limites. Ele viu tratores, caminhões e caçambas trafegando pelas ciclovias, pelos gramados e pelo calçadão, que agora servem de lixeira para entulhos das obras, com muita sujeira, lama, poeira e lixo. Parece uma praça de guerra. Tudo em nome da especulação imobiliária e do lucro rápido.

Com 66 anos, aposentado, a testemunha do crime não se conforma com a agressão ao Parque, onde podia passear antes com a neta. Ele fotografou o processo criminoso: são mais de duzentas fotos nos últimos anos. O Mindu, hoje, como Itabira, é apenas um retrato na parede. Mas como dói! Nós e nossos filhos pagaremos caro por esse crime, se o poeta Thiago de Mello tiver razão, quando diz que não é só quem brinca com fogo que se queima. Quem polui a água, acaba se afogando no lodo, na cinza e na merda.

Mindu´u em língua guarani, significa mastigar, comer devagar, ruminar. O Mindu, em sua agonia, está ruminando. O quê? A reposta é dada pelo poema abaixo de Javier Heraud (1942-1963), o poeta-guerrilheiro peruano, que morreu aos vinte anos, baleado numa balsa no rio Madre de Dios, afluente do Beni, que deságua no nosso rio Madeira. Dois anos antes de morrer, aos 18 anos, publicou seu primeiro livro – El rio. Reproduzo aqui para os leitores um pequeno trecho do poema.

El río
1
Yo soy un río,
voy bajando por
las piedras anchas,
voy bajando por
las rocas duras,
por el sendero
dibujado por el viento.
Hay arboles a mi
alrededor sombreados
por la lluvia.
Yo soy un río,
bajo cada vez más
furiosamente,
mas violentamente
bajo
cada vez que un
puente me refleja
en sus arcos.
2
Yo soy un río
un río
un río
cristalino en la
mañana.
A veces soy
tierno y bondadoso. Me
deslizo suavemente
por los valles fértiles,
doy de beber miles de veces
al ganado, a la gente dócil.
Los niños se me acercan de
día,
y de noche trémulos amantes
apoyan sus ojos en los míos,
y hunden sus brazos
en la oscura claridad
de mis aguas fantasmales.
3
Yo soy el río.
Pero a veces soy
bravo
y
fuerte,
pero a veces
no respeto ni la
vida ni la
muerte.
Bajo por las
atropelladas cascadas,
bajo con furia y con
rencor,
golpeo contra las
piedras mas y mas,
las hago una
a una pedazos
interminables.
Los animales
huyen,
huyen huyendo
cuando me desbordo
por los campos,
cuando siembro de
piedras pequeñas las
laderas,
cuando
inundo
las casas y los pastos
cuando
inundo
las puertas y sus
corazones,
los cuerpos y
sus
corazones.

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José Ribamar Bessa Freire é professor universitário (Uerj), reside no Rio há mais de 20 anos, assina coluna no Diário do Amazonas, de Manaus, sua terra natal, e mantém o blog Taqui Pra Ti http://www.taquiprati.com.br/home/index.php

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sábado, 24 de abril de 2010

A libertação de Battisti nas mãos de Lula

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Rui Martins*

Foi em março de 2007 que publicamos o primeiro artigo contra a extradição para a Itália do antigo militante do PAC, zelador-escritor em Paris, Cesare Battisti.

Coincidentemente, foi também o primeiro texto, no Brasil, em favor de Battisti que, felizmente, durante estes três anos de injusta e ilegal prisão mas caucionada pelo STF, conseguiu reunir um grande grupo de defensores.

Fazia apenas alguns dias da prisão de Battisti, no Rio de Janeiro, a pedido do então candidato à presidência da França, Nicolas Sarkozy, em cumprimento a uma sentença de prisão perpétua pronunciada, muitos anos antes, na Itália. Tinhamos acompanhado a trajetória do Battisti foragido pela imprensa e imaginávamos que, depois da decisão do presidente Mitterrand de lhe conceder asilo, Cesare Battisti poderia viver tranquilo em Paris. Enganei-me, Battisti tinha sido novamente alvo de um processo de extradição pelo presidente francês Jacques Chirac, mas conseguira fugir a tempo. Não pensava que Battisti escolhesse o Brasil para se refugiar clandestinamente, só fiquei sabendo ao ler sua prisão no Rio.

No começo, foi difícil convencer nossos próprios amigos de esquerda, pois a revista Carta Capital, considerada por muitos como de centro-esquerda, publicou uma reportagem caucionando a condenação italiana e argumentando em favor da extradição.

Essa pressão da revista foi se acentuando, com o passar do tempo, e quando o ministro da Justiça, Tarso Genro, hoje não mais no cargo e candidato ao governo do Rio Grande do Sul, decidiu dar o refúgio a Battisti, foi o próprio editor da revista, Mino Carta, quem assumiu a campanha pela extradição do italiano.

Tivemos, a seguir, o episódio de um STF interferindo numa decisão do ministro da Justiça e impedindo a libertação de Cesare Battisti, numa tentativa, que denunciamos, para provocar uma crise institucional.

Enfim, a tardia publicação do acórdão do STF em favor da extradição, mas reconhecendo caber ao presidente a decisão final, embora querendo sujeitar Lula a um acordo bilateral com a Itália, nos leva aos dias ou semanas que antecedem a libertação tão esperada de Battisti.

Sim, porque não podemos imaginar que o presidente Lula entregue Battisti ao atual governo fascisante italiano, do corrupto Berlusconi. Mas ficamos surpresos ao saber que o candidato à presidência José Serra é favorável à extradição de Battisti. Ou seja, fosse ele o presidente, teríamos um novo caso Olga Benário a macular nossa história.

Na campanha em favor de Battisti, que esperamos conhecer pessoalmente numa de nossas próximas viagens ao Brasil, tivemos a oportunidade de conhecer por e-mail e telefone a batalhadora escritora Fred Vargas e dois grandes defensores de Battisti – o ex-preso político no Brasil Celso Lungaretti e o representante da Anistia Internacional, Carlos Lungarzo.

Aprendemos muita coisa com eles, inclusive que Battisti não participou dos assassinatos que lhe atribuem, mas que a grande imprensa brasileira, irresponsável e cúmplice de Berlusconi, insiste em lhe atribuir. Uma exceção é o jornalista Carlos Brickmann, ex-Estadão, agora no Diário do Grande ABC, que adotou uma posição correta em relação a Battisti.

De minha parte, espero ser este meu último pedido em favor de Cesare Battisti, que sua libertação ocorra em breve, senão nos próximos dias. Seja bem-vindo, Battisti, como homem livre, nestas terras brasileiras.
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Para Rui Martins, o governo brasileiro deveria criar uma nova política de emigração a exemplo de Portugal, França, Itália e mesmo México e Equador.

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*Ex-correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. Autor do livro “O Dinheiro Sujo da Corrupção”, criou os Brasileirinhos Apátridas e propõe o Estado dos Emigrantes. Vive na Suíça, colabora com os jornais portugueses Público e Expresso, é colunista do site Direto da Redação. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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sexta-feira, 23 de abril de 2010

Cê qué sê que nem o Tass?

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PORQUE NÃO SOU MARCELO TASS

Raul Longo

Na falta de munição, a estoica resistência antilulista reduzida a 4% da população brasileira, tem lançado mão de velhas armas que já deram o tiro pela culatra da reeleição do Lula. Petistas e lulistas em geral, doidos para eleger a sucessora indicada pelo líder, agradecem.

Da minha parte, continuo acreditando que faz muita falta ao país uma oposição inteligente e consequente. Já escrevi sobre isso e quando se criou o PSOL até exortei petistas a considerar os benefícios de uma nova linha de esquerda que oferecesse ao eleitorado e à população em geral novos parâmetros, desenvolvesse novos paradigmas para futuras evoluções da tão retrógrada percepção política nacional, há 500 anos monitorada pela mesma elite ainda quase medieval. Eu disse quase?

Pra minha decepção, só o que mudou é que ao contrário de quando o Amazonas se desentendeu com o Prestes e criou-se o PCdoB, a Heloísa Helena foi sentar no colo do que há de mais reacionário na direita brasileira!

Não que eu fique com ciúme, pois esse negócio de mulher que diariamente usa blusa de rendinha branca, abotoada até o pescoço, sempre me cheirou a encrenca. Mas logo o Arthur Virgílio?! Mais à “esquerda” que isso, só a Eva Braun!

Por essa razão fiquei todo animado ao receber um desses reaproveitamentos bélicos dos demotucanos, assinado pelo Marcelo Tass. Nunca havia lido o Tass; mas, apesar de seu programa na Bandeirante me parecer uma versão dos Mamonas Assassinas com pretensões de jornalismo político, aprendi a admirá-lo quando Lucinha não perdia o Rá-Ti-Bum por nada. E adorava um professor não lembro das quantas, personagem interpretado pelo Tass.

Na versão desse ano, até que o programa do Tass na Bandeirante voltou um pouco melhor. Não digo isso porque nos que assisti puxaram o saco do Lula, o que seria de esperar: quem não vai querer aproveitar o vácuo dos 96% de popularidade do Presidente para avançar na corrida pela audiência? Até o Serra, se tiver chance.

Talvez por saudade da Lucinha, mesmo nas edições do CQC que assisti no ano passado, procurei manter a impressão de que futuramente Tass viria a ser aquilo o que Jô Soares deve ter sonhado na vida, mas não lhe alcançou o conteúdo.

Lamentavelmente, nesse texto percebo que o Marcelo Tass sofre do mesmo problema do Jô. Confesso que gostei muito do Jô em seu início, no que talvez tenha sido o programa que o lançou na telinha. Chamava-se Jô Show e ainda era em branco e preto. Isso deve ter sido lá pelos anos 60... Mas nas décadas seguintes o Jô Soares foi definhando, definhando, até virar esse gordo vazio e cheio de ventos da fatuidade que todos conhecem, mas ninguém mais tem saco pra assistir.

Além de oposição política consequente, outra coisa que faz muita falta nesse país é vida inteligente na mídia. Principalmente no humor. Melhorzinho e que nas raríssimas vezes em que me cai na mão, procuro na Folha de São Paulo, é o Macaco Simão. Despretensioso e bastante repetitivo, mas consegue me fazer rir.

De resto: tédio total! Pra se divertir um pouco só restam os William Waack, as Lúcia Hipólito e Mirian Leitão mesmo. Isso sem contar, é lógico, com a Eliane Catanhede que depois da massa cheirosa do PSDB fez por merecer o primeiro lugar do quadro Top Five do Tass. Mas tem de ser o Top Five do Ano, ainda que mal tenha começado este promissor ano eleitoral.

Pois foi por essas e outras que quando recebi o texto assinado pelo Marcelo Tass, com o título: “Porque não sou PT”, fui ler ansioso de encontrar alguma crítica apropriada com humor inteligente.

Quê decepção!

Por esse texto, fica difícil imaginar para o quê servirá o Tass, depois de ter entretido a infância de Lucinha. Já começa plagiando o que eu sempre acreditei como incomparável idiotia de outro. Pois nesse texto, o Tass chegou junto.

Nem isso! Chegar não chegou, pois não fez esforço nenhum. Simplesmente copiou!

Já não ia continuar a leitura, afinal pra que ler a estupidez de um assinada por outro? Mas, preocupado com Lucinha que está para voltar e a qualquer momento poderá encontrar esse texto circulando pela internet, fui em frente, percebendo que de um parágrafo a outro só não piora porque desde o início não tem mais pra onde cair. É tudo um vácuo tão fútil que fica difícil destacar algum trecho para exemplificar.

Pensando em justificar alguma coisa pra amenizar a decepção da Lucinha, além de dizer ser muito provável que hoje o Marcelo Tass imite o FHC e torça para que esqueçam que tenha escrito isso (mas – pasmem! – fez publicar), acabei detectando um complexo de rejeição muito típico aos homófobos num parágrafo em que reclama dos petistas por o olharem como homossexuais a dizer que um dia seria como eles.

Não riam, pois o caso é sério. Requer acompanhamento. De toda forma servirá para tentar comover Lucinha, na possibilidade de que considere a situação do rapaz, pois, como todo mundo, certamente ela também nunca conheceu um político ou torcedor de futebol que não a olhasse como uma potencial companheira de partido ou arquibancada. Não por ter se tornado a moça bonita que é, mas por ser do natural de qualquer partido, igreja ou galera, tentar seduzir até mesmo o integrante da torcida organizada do time adversário.

Se com o Tass nunca se passou isso, conforme diz aí em seu texto, deve mesmo ser portador de algum problema que repele tais naturais manifestações de cooptação, mas um especialista pode ajudá-lo a olhar a situação por um lado positivo, demonstrando que assim ao menos se livra dos casos de violência como quando, incapaz de converter pelo argumento, o religioso joga bomba no da outra seita, o fanático de futebol parte pra porrada, e gente como o Arthur Virgílio e o ACMezinho ameaçam de tapas ao Presidente do Brasil e Estadista Global.

Mas mesmo que Lucinha compreenda as frustrações existenciais de seu ídolo de infância, difícil será ela aceitar que tenha escrito e (pasmem!) feito publicar tal declaração de incapacidade de percepção de quais interesses defendam os do DEM ou do PSDB.

Será que, com o caso Arruda, já deu pro Tass ter alguma prévia do que se trata? Ou já terá esquecido o Arruda como no texto demonstra ter se esquecido das privatizações? Da promessa de venda da Petrobrás com a reserva do Pré Sal de brinde?

Esqueceu também, ou não conseguiu perceber, dos interesses de quais “trabalhadores” estiveram envolvidos no caso Alstom e os governadores de seu próprio estado? Tantos enroscados ali, ao seu lado, por qual razão divaga nos enroscos do presidente da França? O que é que esse rapaz andava usando na época em que escreveu esse texto?

A quais “trabalhadores” imagina que tenham defendido as porteiras fechadas dos contratos de construção do Metrô de sua cidade? Àqueles soterrados no buraco da estação Pinheiros?

Por essa absurda falta de percepção em alguém que se anuncia como um profissional de comunicação, jamais serei Marcelo Tass, por maior carinho que tenha à Lucinha.

Nem ela, claro, vai querer se lembrar de que algum dia, quando criança, quis ser como Marcelo Tass quando crescesse.

Cresceu, é linda e, felizmente, muito inteligente. Não tem nada de Marcelo Tass.

Quem haveria de se querer como alguém que se autoassume tão totalmente néscio que nem tenta entender como uma nação inteira, numa primeira eleição após quase 3 décadas impedida de exercer a democracia, leve para segundo turno o candidato de um partido que, na debilidade do Tass, é entendido como de gente que não faz nada na vida.

É verdade que o extinto e meteórico PRN do Collor de Melo nunca havia feito coisa alguma ou sequer existido, mas todo mundo sabia que o verdadeiro partido do Collor era o que só mais tarde Paulo Henrique Amorin reconheceu como PiG, o Partido da Imprensa Golpista. Roberto Marinho declarou isso: “Nós o colocamos na presidência”. Impossível que Marcelo nunca tenha sabido disso!

Se Lula, então, perdeu apenas para a associação de esforços das 4 famílias detentoras do estrito monopólio de comunicação e informação do país, vencendo os mais tradicionais movimentos políticos da história do Brasil, como o getulismo ali representado por ninguém menos que Leonel Brizola, o maior ícone depois da morte do próprio Getúlio; certamente não foi porque, como sugere Tass nesse infelicíssimo texto, um dia Lula tenha aparecido na porta da fábrica para combinar com seus “cumpanhero”:

“- Oi aqui, ô Florestan, você é o mais conceituado do país na sociologia; e você, Freire, já tá consagrado pelo mundo como dos maiores pedagogos da história; e você, ô Sérgio, além de ser o mais importante historiador do Brasil já tem um irmão famoso como dicionarista e um filho famoso como sambista... Então vamô juntá aqui cum os cumpanhero das oficinas e vamo fundá um partido político. É porque o Frei Beto, o Dom Paulo e o Boff disseram que vão dar uma força, já tá tudo acertado lá em Recife com o Dom Helder e vai ser uma boa porque daí a gente não precisa fazer mais nada na vida. Já chamei o Suplicy, o Mercadante, o Dirceu, o Genoíno, o pessoal todo. Ah! O Vicentinho também tá nessa. Ele e o Bittar. Tem mais uma turma aí: tem o Tarso lá de Porto Alegre, o Olívio. Tem o Palmeira lá do Rio, um tal de Chico Mendes do Acre. O Singer, o Apolônio, a Conceição Tavares, essa raça toda. E essa gente tá doidinha pra fazer um partido político pra não ter mais de trabalhar, nem o que fazer na vida.”

Claro que não dá para fazer aqui a relação inteira dos fundadores do PT, mas é difícil compreender como pode um pretenso jornalista ignorar o significado histórico desses a que chama de vagabundos!

Que o Cony, o Alexandre Garcia, o Boris Casoy e outros dessa geração se passem por estúpidos para defender os interesses de seus patrões, justificando melhores salários, vá lá! Estão mesmo perto da aposentadoria e o negócio é faturar o que puderem no fim de carreira. Mas alguém com tanto futuro pela frente como o Tass, se prestar a fazer papel de total beócio, incapaz para o exercício de qualquer atividade que exija desenvolvimento de raciocínio elementar, é muito triste!

Fico triste pela Lucinha, coitada! Está trazendo tantas experiências, com tanta vontade de se lançar na atividade aqui no Brasil... Quando se deparar com um exemplo desses, vai querer pegar o primeiro voo de volta.

O pior de tudo é que o tonto não só escreveu, como (pasmem!) fez editar. Como alguém que se queira jornalista pode publicar um texto de própria lavra onde demonstre não ter a menor noção do que tenha realizado um dos mais notáveis dirigentes sindicais de sua época, em todo o mundo? Eram apenas dois: o Lula e o Lech Wallesa.

Wallesa promoveu a greve do estaleiro de Gdansk, fez a central de trabalhadores Solidarsnosk, mobilizou os poloneses e com o apoio de seu patrício papa, o Karol Wojtyla (João Paulo II), tornou-se o primeiro Presidente da Polônia depois da ditadura comunista. Foi uma presidência fracassada e Wallesa hoje está esquecido.

Lula promoveu a maior greve da história do país; criou a CUT, talvez a maior central sindical do mundo; promoveu o maior movimento de massas da história do Brasil: o das Diretas Já; fundou o segundo partido trabalhista da história política do país (o primeiro foi o PTB de Getúlio Vargas); e como não teve o apoio de ninguém, muito pelo contrário, foi o terceiro presidente eleito democraticamente depois da ditadura nazista.

Hoje, além de indicado como Estadista Global pelo Conselho de Davos, possui tantos títulos de honra e mérito, concedidos por academias e instituições públicas e privadas internacionais, que seria fastidioso relacionar a metade. É verdade que essa bobagem que torna a circular, Tass escreveu lá por 2006, quando Lula ainda só recebera algumas dessas honrarias; mas se fosse minimamente inteligente, já que fez questão de se declarar tão anti PT, não devia deixar tamanha brecha para que aqui, eu, que nem sou petista, fale sobre Lula ser o Presidente mais reconhecido e homenageado internacionalmente que tivemos em toda nossa história.

É como dizia o Serra: tem de ter capacidade para fazer. Então, se vou malhar o Serra, não deixo brecha pra tucano botar azeitona na minha empada. E se deixar, é porque quero comer a azeitona na volta. Aí eu pergunto: quanto pagam por estes textos mais cheios de buraco do que queijo bola? No Brasil se pratica o maior desperdício de verba de marketing político do mundo! Vou propor à Dilma Roussef que me prepare um clipping de cada texto desses. É material suficiente para duas eleições garantidas. Nem precisa maiores informações sobre programa e propostas de governo, tá tudo fornecido nas besteiras que essa gente escreve e fala pelas rádios e emissoras de TV.

E o jovem jornalista que, por amor à Lucinha, um dia imaginei inteligente, descubro no que escreve que não passa de mais um informante desinformado! Mais um comunicador desconectado! Um formador de opinião que se revela sem opinião formada sobre as funções e utilidades dos sindicatos.

“Que será um sindicato?” – pergunta-se o Tass naquele estilo de adolescente sequelado, em que aqui se especializa – “Quem inventou? Os gregos? Os romanos? Os etruscos?”

Num lampejo ou arranco, deduz: - “Os soviéticos, é claro!” – mas, recaindo em dúvidas sobre a própria astúcia: “E se foi o Fidel Castro?”

E o mais incrível é que o cara não só escreve isso, como (pasmem!) faz publicar. Não foi em qualquer Veja, Folha ou Estado de São Paulo, não! Se apenas houvesse proferido tais besteiras pela TV, como faz o Arnaldo Jabor, tudo bem. Passava batido. Mas não! O mané fez questão de publicar no próprio blog!

Tô pra ver alguém dando caô maior em si mesmo! É coisa de fazer avestruz enfiar a cabeça na pedra! Vá ser assim despojado de inteligência lá adiante!

Fosse aqui, toda mão que saísse pra rua, alguém ia perguntar: - Tás tolo, Tass?

Pobre Lucinha! Certamente não contava com tamanha estupidez no interprete de seu personagem preferido quando criança. Melhor se, ao invés do Ra-ti-bum, tivesse passado suas tardes infantis assistindo ao Chapolin Colorado.

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*Raul Longo é jornalista, escritor e poeta, colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz
www.sambaqui.com.br/pousodapoesia
Ponta do Sambaqui, 2886
Floripa/SC

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SAUDÁVEIS TRANSGRESSÕES NA ERA JK

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O POEMA "BRASÍLIA" FOI ENTREGUE AO PRESIDENTE

JUSCELINO NO INÍCIO DAS OBRAS


Lou Micaldas

Impossível esquecer o dia em que o então Presidente Juscelino Kubitschek visitou o Instituto de Educação, na III Semana da Normalista, no Rio de Janeiro. Os nossos passos, nossas caras, o desafio, o medo, a coragem, as lágrimas de emoção e alegria, tudo vem à tona. Até hoje, o nosso coração bate acelerado quando recordamos.

Foi uma transgressão saudável, muito bem planejada. Já era o indício de que estávamos dispostas a lutar pela liberdade de expressão, pelo direito de participar das decisões que nos diziam respeito. Eram esses os princípios, que idealizávamos transmitir aos nossos futuros alunos.

Minha mãe, Magdalena Léa, havia feito um poema sobre a construção de Brasília e a nossa colega Wanda Cardoso, declamadora e dona de uma belíssima voz, decorou a poesia e queria declamá-la no dia da festa. Mas foi vetada: "O programa está pronto e não será modificado", declarou a Diretora do Grêmio Cultural.

Diante da nossa natural insistência em querer mostrar o poema, a diretora sentenciou: "Não insistam! Retirem-se do nosso gabinete, por favor. Não temos tempo a perder!"

Saímos inconformadas. Choramos pela decepção. Nem sequer a diretora se interessou em ouvir o poema. Aquilo não poderia ficar assim.

Perguntei pra Wanda: - Se eu conseguir colocar você lá no palco, você tem coragem de declamar o poema?
- Claro! Se eu chegar lá em cima, o Juscelino e o Brasil inteiro vão ouvir o poema!
Decidimos: esta ordem não será obedecida!

Nas vésperas da visita presidencial, todas as alunas foram advertidas para o cumprimento rigoroso de todos os preceitos disciplinares. Um frio correu pela nossa espinha.

CHEGOU O DIA

Em cima do palco, as autoridades sentadas à mesa, o auditório lotado. Foi aberta a solenidade. Transcorridas as etapas iniciais de praxe, o locutor chamou a primeira autoridade para pronunciar um discurso. Mais outra.

Foi então que, com a maior cara-de-pau, chamei o locutor da Rádio Roquete Pinto, apresentador oficial da festa:

- Psiu, moço! O homem veio até a beirada dos bastidores e me escutou: - Aqui está a aluna Wanda Cardoso. Ela vai declamar uma poesia sobre Brasília. Será uma surpresa. Deixe que eu mesma a apresente.

Nem dei tempo do homem pensar. Pedi o microfone, ao mesmo tempo em que já fui pegando da mão dele, agradeci, com pose de gente grande e confiável, e entrei no palco. Era impossível que alguém pudesse me tirar dali. Seria um escândalo. Fiquei, ali, ao lado da grande mesa das autoridades,"em posição de sentido", morrendo de medo de ter dor de barriga.

Naquela época, eu já trabalhava no Jornal do Brasil. Comia na rua, na cantina do JB, dormia tarde, acordava cedo. Com essa vida desregrada, adquiri uma colite nervosa. Era a rainha da dor de barriga. Minhas colegas achavam graça, quando eu "fazia travessuras" e, depois, tinha que correr pra um banheiro mais próximo.

Mas, naquele momento, sei que todas estavam rezando pra minha barriga se comportar bem. Só a barriga, claro! Aquela transgressão tinha que dar certo! Não era hora de achar graça. Não podíamos perder a chance de vencer o autoritarismo e de prestar ao presidente tão bonita homenagem, por causa de uma diarréia. Foi uma tensão pra todas nós. Quanta adrenalina!

Dirigi-me a todos os componentes da mesa, obedecendo às formalidades da hierarquia. Minha voz estava firme, mas as pernas e as mãos tremiam. Ouvi o burburinho vindo da platéia. Senti o clima do risco que estávamos correndo. Valia a pena! Respirei fundo e apresentei a nossa colega Wanda. E ela, corajosa, com porte de vencedora, entrou e anunciou com sua voz de contralto o título do poema: "Brasília".

Ao terminar, o presidente Juscelino ficou de pé para aplaudir. Todos da mesa se levantaram acompanhando o gesto, inclusive a diretora do Grêmio. Nossas colegas ficaram de pé e, numa explosão de palmas e lágrimas, descarregaram as tensões.

A Wanda calmamente se dirigiu à mesa e entregou ao presidente Juscelino a poesia escrita em papel almaço, enroladinho, amarrado com fitinha verde e amarelo. O JK tascou-lhe dois beijos nas bochechas vermelhas de emoção.

O presidente falou de improviso e, pautado na "surpresa" daquele poema, que tão bem descrevia a "menina dos seus olhos"- que era a construção de Brasília- citou alguns versos pra fechar o seu discurso.

Foi comovente ouvir o Presidente da República se dirigir a nós pra agradecer a surpresa do poema. Choramos. Só que naquela tarde o choro foi de alegria.


BRASÍLIA

Autora: Magdalena Léa

Eu vi Brasília!
A cidade menina!
A cidade criança!
A cidade milagre!
A cidade esperança!
Eu vi Brasília!
Ritmo e aceleração
Retalham-se terras nuas
Em avenidas e ruas.
Lastra-se a obra em projeto,
Os gigantes de concreto
Pipocando no sertão,
E sangra a terra vermelha.
Rubra como centelha,
Evola-se fina poeira
Em torno da construção.
Eu vi Brasília!
De noite como de dia,
Sua bárbara melodia
Ecoando na amplidão.
Sinfonia do trabalho:
Cantam pedras, tinem ferros,
Martela sonoro o malho,
Nos longes atroam berros,
Geme esmagado o cascalho
Sob o rolo compressor,
Rangem máquinas, turbinas,
Metralha um britador,
Zunem e silvam usinas,
Trepidam rodas na estrada.
Por todo o imenso planalto,
Geme na voz de contralto,
A sereia agoniada.
Gritos, apitos, descargas,
Guindastes levantam cargas,
Estrepitam caminhões,
Despejando aos cem, aos mil,
Para intérminos serões,
Trabalhadores da noite
Enquanto dorme o Brasil.
Enquanto, na noite, dorme,
Tranqüilo o Brasil enorme,
Brasília está desperta.
Brasília não dorme não,
Pulsa, palpita, lateja
Como um grande coração.
Eu vi Brasília ao luar!
Naquela vasta amplidão
De horizontes sem montanha, avultam - visão estranha - Esqueletos de armação,
Assim imensos, distantes,
Como fantasmas gigantes.
E, no veludo da noite,
À luz da lua azulada
Qual rara jóia cintila
O Palácio da Alvorada.
Eu vi Brasília
A Cidade menina!
A cidade criança!
A cidade milagre!
A cidade esperança!

RESSALVA: Esquecemos de escrever, no final do poema, o nome da autora: Magdalena Léa.

O Presidente Juscelino Kubitschek levou aquele simples papel almaço, hoje, um documento histórico - para fazer parte do acervo da exposição do Palácio do Planalto, faltando o nome da minha mãe.

Há muitos anos, D.Sara, ao dar uma entrevista pra uma TV, disse que gostaria muito de descobrir quem era a autora daquele poema que tanto comoveu o presidente e citou de cor alguns versos mais marcantes.

Quando eu e minha mãe, Magdalena Léa, conhecemos Brasília, ainda em construção, por volta de 1958/59, o Lago Paranoá era, apenas, um enorme buraco.

Milhares de operários, conhecidos por candangos, e mais de uma centena de máquinas trabalhavam dia e noite, sem parar, sob as luzes de refletores. Um espetáculo!

Logo que chegamos ao Hotel Nacional, ainda no saguão, ela escreveu o poema: "BRASÍLIA".

Em 1960, poema foi publicado no livro "A Criança Recita"- 3ª Edição - Editora Minerva RJ - utilizado nas escolas de declamação. Antigamente, as meninas aprendiam a declamar.

*Lou Micaldas é professora, formada pelo Instituto de Educação, e jornalista, criada e formada no Jornal do Brasil; administra o site Velhos Amigos (http://www.velhosamigos.com.br/) e colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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quinta-feira, 22 de abril de 2010

A BRASÍLIA QUE EU VI



Urariano Mota

Nos 50 anos de Brasília, a capital do país sonhado em todo o mundo, prefiro falar de uma Brasília menor, que conheço. Nos limites desta coluna, lembrarei outra Brasília, de 65 hectares, teimosa em sobreviver desde o seu nascimento.

Brasília Teimosa é um bairro do Recife que sempre lembrou paradoxos. Nascida na Zona Sul, em terras valorizadas, foi construída na praia por invasões de pescadores e sem teto. Tendo o nome de Brasília, adaptou a sua arquitetura pelo adjetivo, Teimosa, porque jamais seus casebres foram as linhas curvas de Niemeyer. Eram, antes, linhas de fuga, para que os moradores fugissem das prisões da polícia. Hoje, Brasília Teimosa está urbanizada, repleta de beleza e restaurantes. Os que moravam em palafitas foram transferidos para conjuntos habitacionais, deixando longe aquele ciclo de Josué de Castro: homem come caranguejo que vira fezes que são comidas por caranguejos. A maioria, que não morava em palafitas, hoje ocupa casas cujos terrenos são disputados por imobiliárias.

Mas nem sempre foi assim, é claro. Da minha experiência no bairro, onde vivi de 1972 a 1977, lembro que suas ruas não tinham calçamento, eram cobertas de areia da praia que sempre nos presenteava com traiçoeiros bichos-do-pé. Raras eram as casas de tijolos, quase todas eram de taipa ou de madeira. Saneamento nenhum, água era tirada de poços ou comprada em caminhões-pipa. A construção urbanística de Brasília Teimosa somente poderia ser melhor sentida vista de cima, de helicóptero. Como na época esse transporte não era (nem é) para o meu bico, podíamos sentir o projeto de convivência e racionalidade na Brasília recifense a caminhar na areia fofa: entrava-se em beco e se saía em beco. Mas às vezes saíamos em lugar nenhum.

Os números das casas eram uma graça, um produto do maravilhoso arbítrio humano. Avistava-se um 36, sei disso porque morei num certo 36, lembro bem, mas a casa vizinha era 60, e a outra, a seguir, número 11. Por isso os carteiros, muitas vezes, achavam as casas perguntando pelos destinatários aos moradores mais conhecidos. Ainda assim, havia deles que respondiam ao carteiro com a pergunta: “como é ele?”. As ruas, por sua vez, não sei se obedeciam a alguma pedagogia avançada de alfabetização. As ruas não tinham nomes, elas se chamavam por letras. Eu mesmo habitei durante mais de um ano na rua K. A rua era cheia de sol, agitada, barulhenta, de um azul de tinir. A rua era a negação radical dos enevoados relatos que eu lia então de Kafka.

E por falar em relatos que então eu lia, recordo algo mais sério. Eu morava em Brasília Teimosa, digamos assim, por expressão de uma política de resistência à ditadura. Que no meu caso queria dizer não só viver com o povo, participar com o povo, mas ser o próprio povo. Mas não estava escrito que o meu natural acompanhasse todas as manifestações e modos de ser de uma população sem acesso a bens universais da cultura. Isso está muito sociológico, porque eu quero simplesmente dizer: em Brasília Teimosa eu lia Proust, eu acompanhava a fuga de Albertine enquanto Roberto Carlos e Reginaldo Rossi estrondavam na vizinhança. Mas jamais fui louco de reclamar do som da disparada de Albertine.

A última vez em que voltei a Brasília Teimosa foi à procura do garçom de Jarbas Vasconcelos, vocês lembram bem. Não achei o restaurante nem o preguiçoso garçom que, segundo o imaginoso senador, teria deixado de trabalhar para viver de bolsa-família. Nessa volta, perguntei a duas senhoras idosas, uma delas moradora do bairro há mais de 40 anos:

- Boa tarde. Me diga por favor: esse restaurante aí é frequentado por Jarbas?

Urariano Mota, escritor e jornalista, autor de “Soledad no Recife” (Boitempo – 2009) seu último romance, indicado como um possível livro do ano pelo conceituado site Nova Cultura, elaborado e administrado na Alemanha, com os destaques literários da CPLP - Comunidade de Países de Língua Portuguesa. É colunista do site Direto da Redação, edita o blog SAPOTI DE JAPARANDUBA http://urarianoms.blog.uol.com.br/

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quarta-feira, 21 de abril de 2010

Por que a extradição será rejeitada?

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Carlos A. Lungarzo

Há muitas razões éticas e políticas para que o Presidente negue a extradição, mas também há razões jurídicas poderosíssimas contidas no próprio Tratado. A mais forte dela é que a justiça italiana NÃO PODE, de acordo com seu próprio processo penal, COMUTAR A PRISÃO PERPÉTUA QUANDO A SENTENÇA TRANSITOU EM JULGADO. O pedido de Brasil só poderia ser atendido, se Battisti ainda não tivesse sido julgado. Agora, mesmo que a Itália tivesse a melhor boa vontade, não poderia, porque suas próprias leis o proíbem. Quando soube que seria publicado o acórdão sobre o caso Battisti, me comuniquei com vários amigos. Apesar do clima “kafkiano”, todos nós temos certeza de que o Presidente da República rejeitará a extradição. Qual é a origem desta certeza? Neste artigo, estou elencando várias razões que, segundo acredito, devem ter passado pela mente do Presidente. É claro que ninguém lê os pensamentos alheios, mas este é um caso evidente.

Destes motivos, alguns têm mais importância que outros, porém, um ou dois deles seriam suficientes para decidir contra a extradição. Não digo que o Presidente usará estes argumentos em seu ato executivo. O Tratado Brasil-Itália oferece itens muito óbvios de rejeição e qualquer um deles serviria. Mas há um assunto capital, que explico em detalhe no ponto 9º deste artigo.

1. O Presidente sabe, como todos, que não existe prova nenhuma contra o réu.

Nenhum chefe de estado teria tempo de ler a parte do processo sobre Battisti liberado pela Itália (outra parte desse processo permanece sigilosa), pois consta de quase 1.500 páginas, mas há várias dúzias de pessoas qualificadas que se têm pronunciado sobre isso. O mais enfático foi o Senador Suplicy, um dos políticos mais prestigiosos e de mais ilibada história no Continente, que é respeitado até pelos próprios jornais italianos.

Todos eles coincidem em que não há nenhuma prova e não foi apresentada nenhuma testemunha real.

2. O STF está dividido.

A mídia diz que “O STF votou pela extradição” (sendo muito infrequente que diga “a maioria do STF votou pela extradição”) porque faz questão de mostrar seu desprezo contra a parte esclarecida do Tribunal. Mas quem votou a extradição é uma maioria, muito apertada: 5 contra 4.

Todo chefe de estado tem a obrigação de prestigiar os melhores membros dos outros poderes. Os juízes que votaram contra a extradição são conhecidos por sua conduta profissional séria e discreta, por suas decisões geralmente acertadas, e até por ter assumido o corajoso dever de denunciar a criação de uma ditadura do judiciário. Eles merecem o respeito do Presidente, que deve honrar seu parecer. Só para lembrar: um dos juízes que votou contra a extradição, Eros Grau, possui uma história de luta e doação, tendo sido vítima da barbárie militar durante a ditadura.

3. Uma decisão errada pode acabar com nossa ainda precária democracia.

Encorajar um parecer arbitrário e mal intencionado de uma instituição, seja qual for, reforça a capacidade dessa instituição para sentir-se impune e avançar na direção do golpe e da ditadura.

A usurpação da cúpula do STF ao anular um refúgio concedido pelo poder executivo é um ato nunca visto na história de Europa e das Américas, contrário ao bom senso, ao direito internacional, ao conhecimento da situação política que precisa quem concede ou nega refúgio, e à tradição (pelo menos teórica) de que o judiciário deve proteger o cidadão contra a exorbitância do estado. Depois que o caso Battisti esteja concluído, os defensores de Direitos Humanos devem trabalhar para que essa intromissão do judiciário no executivo seja declarada inexistente. Não sei como isso pode ser feito, mas acredito que um caminho seja promover uma ação nas cortes internacionais.

Se a extradição de Battisti fosse aceita, o poder executivo estaria estimulando um grupo de juízes, alguns dos quais são famosos por sua vocação golpista, pela apologia dos torturadores, pela negação do direito à sexualidade, pela intolerância religiosa, pelo envolvimento em numerosos escândalos, por ter sido alvo de uma tentativa de impeachment (a segunda na história do Brasil), e por muitos outros fatos irregulares. Alguns desses fatos foram denunciados, na frente das câmaras de TV, pelo juiz Joaquim Barbosa. Até uma revista atualmente célebre por sua subserviência à Itália tem publicado (numa época anterior a este conflito, é claro) a desaparição de uma menina dentro da fazenda da família de um dos juízes favoráveis a extradição.

Em síntese: o Presidente sabe que decidir contra Battisti é decidir em favor de juízes de uma índole jamais vista no Brasil recente. Enfim, seria abrir as portas à mais absoluta barbárie.

4. Uma decisão errada degradaria a imagem do país.

O Presidente se esforça em mostrar a imagem de um país moderno, tolerante e progressista. Teoricamente, esse é o objetivo do PNDH-3. Se Battisti fosse extraditado, passaria a imagem de um país cartorial e leguleio, que despreza o direito de asilo, que tem um governo temeroso da mídia, e dos politiqueiros corruptos. Aliás, um governo que procura reconhecimento internacional não pode implodir o sistema de relações internacionais.

Lembrem que, em fevereiro de 2009, quando Itália pediu repetidamente à União Européia um documento contra o refúgio de Battisti, os países membros (apesar do neofascismo que domina na maioria deles) deram uma gargalhada ante tamanha bufonada. Finalmente, para acalmar a histeria, autorizaram uma reunião do Parlamento Europeu, que conseguiu um quorum menor de 8%! Aliás, quase todos os que assistiram eram italianos de diversos grupos fascistas ou social-democratas. O Presidente tem muita clareza de que não podemos ser cúmplices de um governo que seus próprios cúmplices europeus desprezam.

5. O Presidente cuida da dignidade de seu povo.

A Itália humilhou o Brasil de todas as maneiras possíveis. Todos conhecem os famosos atos de provocação e insulto, proferidos pelas maiores autoridades políticas, judiciais e diplomáticas da Itália. O ex-terrorista ministro da defesa italiano chegou a dizer que gostaria de torturar Battisti. Tarso Genro, o melhor ministro que já teve o Brasil em sua história recente, foi qualificado de cretino e pateta, um jargão que nunca foi usado na história das relações internacionais, nem mesmo entre os emissários dos povos bárbaros dos séculos 6º e 7º. A correspondência de Hitler com seus inimigos (por exemplo, Churchill e Stalin) mostra muito mais decoro.

A política se baseia, lamentavelmente, em interesses e não em valores, mas isso também tem limites. Nenhum governo pode humilhar-se ao extremo de obedecer a uma máfia internacional, a um bando de hooligans descontrolados.

6. O Presidente sabe reconhecer o talento.

Não devemos confundir os arranjos políticos guiados pela conveniência, com os sentimentos íntimos que um dirigente pode nutrir. O Presidente valoriza o talento e, num caso como este, tem oportunidade de comparar os que o possuem e os que não.

a) Juristas. Todos os grandes juristas brasileiros, os pesquisadores do direito que são respeitados no mundo de fala hispano-portuguesa, defendem o asilo político para Battisti, e criticam a decisão da cúpula do tribunal (Vide). Também está nessa situação a maioria dos membros da OAB, os consultores jurídicos dos órgãos públicos, os verdadeiros defensores da justiça.

Há alguns “juristas” que estão contra Battisti, mas eles são figurinhas desgastadas: advogados de porta de cadeia que galgaram fama e dinheiro graças à política, a favores dos militares ou a sua mentalidade confessional. Outros se beneficiaram da influência de suas famílias ricas, ou de país juristas que também ganharam prestígio graças aos favores dos fascistas de outra geração.

b) Políticos. Os senadores e deputados que apóiam Cesare são aquelas figuras ilibadas, sobre cuja história não pesa nenhuma suspeita, nenhum ato confuso. Isto também vale para outros países: o mais saudável e prestigioso da política francesa se manifestou em favor de Cesare e encheu as ruas de Paris quando o governo conservador aceitou o pedido italiano de extradição. Aliás, o Presidente não pode esquecer que o partido ao qual pertence, o PT, que o levou ao poder, apoiou de maneira unânime a decisão de Tarso Genro de conceder asilo a Battisti.

Seus inimigos são: aqueles que propõem a censura na Internet, os chefes dos mais volumosos sistemas de corrupção, os que promovem os massacres contra o MST, os que gerenciam o trabalho escravo, os que chegaram até os cargos executivos mais altos para fazer crescer suas empresas. Há até o caso de um parlamentar acusado por um romancista de planejar a esterilização das mulheres nordestinas.

c) Mídia. A grande mídia, salvo a revista Isto É e alguma outra, ataca Battisti com a maior sanha. Essa mídia também fustiga o governo por qualquer afastamento da linha ortodoxa neoliberal, apesar de que esses desvios são pequenos.

d) Intelectuais. Battisti tem sido apoiado por prêmios Nobel como Gabriel Garcia Márquez, por presidentes de ONGs tão prestigiosas como a italiana Antígone e pela francesa Liga dos Direitos do Homem, por escritores mundialmente premiados como Fred Vargas e mais algumas dúzias de romancistas e ensaístas franceses, e por aristas célebres, como a mítica atriz Jeanne Moreau.

e) Instituições Diversas. Organizações progressistas estão todas contra a extradição. Esse é o caso das principais ONGs brasileiras de DH. Por sua vez, estão a favor da mesma as seitas que pregam a intolerância, os mercadores da fé, e os que têm assombrado o mundo com sua violência sexual.

6. O Presidente sabe que os inimigos de Battisti são também os inimigos do Brasil.

Com efeito. Entre os inimigos do Brasil estão os partidos políticos que leiloaram o patrimônio nacional e, pior ainda, gastaram os trocados recebidos no leilão. Estão os que usam a calúnia e a difamação de maneira sistemática, os racistas que se opõem à lei de igualdade racial, os que praticam o genocídio seletivo de favelados. Mesmo dentro da base de apóio do governo, os que se manifestaram pela extradição são os mais corruptos e repulsivos.

7. Aceitar a extradição violaria o Tratado Brasil-Itália que ele é obrigado a obedecer.

Com efeito. O tratado proíbe a extradição de pessoas que corram risco de perseguição, de abuso de seus direitos humanos, de violação de sua integridade física ou mental. Tudo isso aconteceria com Cesare se for devolvido a Itália, como provei num artigo recente.

8. O Presidente cuida, sem dúvida, a coerência de seus atos.

Deve reconhecer-se que o Presidente Lula possui um grande carisma entre os populares, mas ele não teria conseguido o poder sem milhares de militantes que lutassem por sua vitória, embora ele nunca faça referência a isso. E dentro desses militantes, há muitos “Battistis”. Porque Battisti defendeu os mesmos valores pelos quais a esquerda brasileira lutou, com ou sem senso estratégico, com ou sem sucesso, mas com grande coragem, sinceridade e humanismo.

Não teria nenhum sentido apoiar a candidatura de Dilma Rousseff, representante, como outros, desse humanismo, e ao mesmo tempo condenar a morrer numa masmorra italiana a alguém que fez a mesma coisa em seu país, na mesma época. A diferença entre os dois casos é esta:

No Brasil, apesar de que os crimes contra humanidade foram mais cruéis que na Itália, tentou-se re-estabelecer a paz com uma anistia. É verdade que, atualmente, os torturadores e genocidas perceberam que eles próprios não estão fora do risco de serem julgados e querem ser incluídos na Lei de Anistia. Na Itália, torturadores e algozes (cuja truculência foi, é verdade, menor que no Brasil) se ergueram em heróis, e não apenas se recusam a dar uma anistia, mais ainda exacerbam o sentimento de vendeta.

9. UMA RAZÃO PRÁTICA: IMPOSSÍVEL COMUTAR A PRISÃO PERPÉTUA.

Até onde eu sei, o jurista Dalmo de Abreu Dallari foi o único que indicou o maior obstáculo que o Tratado coloca contra a extradição: a prisão perpétua não poderia ser comutada pelos italianos, mesmo se eles quisessem. Sabemos que existe má vontade do governo, que Mastella prometeu que faria cumprir a pena até a morte, etc. Mas algumas pessoas podem dizer que isso não basta, que são puras intenções. Bom, há algo mais forte que intenções: o sistema jurídico italiano NÃO PERMITE QUE UMA CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO SEJA REVISTA. Não é um problema ético, social, psicológico... nada disso. É um problema jurídico superobjetivo.

O relator “pediu” que a prisão perpétua não seja aplicada, pois ela é proibida no Brasil. Não sabemos se o relator ignorava a tal ponto a legislação italiana. Mas, seja como for, esse pedido NÃO pode ser cumprido. Suponhamos que o Tribunal de Cassação Italiano tiver a maior boa vontade, e decidisse comutar a pena de Battisti. Para fazer isso, deveria violar a lei: a pena de ergástolo não pode ser revista quando passou por todas as instâncias do julgamento. Alguém pode pedir a um tribunal que viole a Lei?

Ora, é possível que, em décadas futuras, um novo presidente anistie a Cesare: isso ninguém sabe. Ou que ele seja assassinado na prisão (o mais provável). Mas tudo isso é divagação. O único verdadeiro é que não há ferramentas jurídicas que permitam mudar a sentença; o pedido do relator para que Battisti não deva cumprir o ergástulo é uma formalidade que não pode ser atendida, mesmo se Itália tivesse uma ótima boa vontade.

A AGU está procurando argumentos sólidos, segundo diz a imprensa, que não possam ser contestados no futuro. O Tratado oferece pelo menos 4. Mas o maior argumento, em minha modesta opinião de curioso não especialista, é a IMPOSSIBILIDADE DE COMUTAR O ERGÁSTULO.

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Carlos Alberto Lungarzo foi professor titular da UNICAMP até aposentadoria e milita em Anistia Internacional (AI) desde há muitos anos. Fez parte de AI do México, da Argentina e do Brasil, até que esta seção foi desativada. Atualmente é membro da seção dos Estados Unidos (AIUSA). Sua nova matrícula na Organização é de número 2152711.

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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