quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Enfim, o Vaticano tira do index o preservativo. Mas não para os fiéis.

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Ainda no ano passado, o cardeal Ratzinger, transformado no mais reacionário dos Papas modernos, tinha afirmado, numa viagem aos Camarões e Angola, que « o preservativo agravava o problema da Aids ». E insistido para seus fiéis africanos praticarem a abstenção, enquanto seus concorrentes muçulmanos permitem aos fiéis terem até cinco esposas.

Como diria Galileu, « mas a Terra continua girando », e diante do óbvio, das críticas e da perda da credibilidade da Igreja, principalmente diante da juventude, Bento XVI sai do obscurantismo e justifica, numa entrevista, num livro com lançamento nesta semana, o uso do preservativo, dando mesmo como exemplo o caso da prostituição masculina.

É uma revolução no Vaticano. Mas não significa para os católicos devotos o fim do método contraceptivo Ogino Knaus, pois o Papa só fala em casos que reduzam o risco de contaminação. Casais fiéis, que comungam regularmente, imagina-se não viverem o risco de contaminação e os exegetas das santas decisões vaticanianas logo reafirmarão a proibição do uso da camisinha como anticoncepcional.

Para as prostitutas é a grande chance para exigir que seus clientes católicos usem camisinha, mesmo se alegarem não ser correto se chupar bala com o papel.

As organizações anti-Aids saúdam a decisão do Papa, pois a Igreja vinha sendo um sério empecinho para programas de distribuição das camisinhas em festas populares, que geralmente terminam em copulações mesmo discretas. Carnaval e Copa do Mundo com camisinhas serão torneios bem mais seguros, nas intimidades dos foliões, jogadores e seus torcedores.

Imagina-se que os próprios padres pedófilos passarão a usar preservativos nas suas atividades extra-religiosas e que diminuirá o número de afilhados de padres mais ardorosos nas regiões interioranas.

Enfim, pelo que se depreende dessa extraordinária renovação espiritual do Vaticano, o Papa Bento XVI aceitou permitir o uso da camisinha, pelo menos aos prostitutos, diante da evidência de que a castidade, assim como a virgindade, dão câncer.

Hans Kung, em Tuebingen, deve ter sorrido e comentado, « custou mas, enfim, Ratzinger aceitou modernizar a Igreja ». Estava na hora, porque havia associações de defesa dos direitos humanos querendo processar o Vaticano como cúmplice nos casos de infeções com Aids, evitáveis pelo uso do preservativo.
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*Ex-correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. Autor do livro “O Dinheiro Sujo da Corrupção”, criou os Brasileirinhos Apátridas e propõe o Estado dos Emigrantes. Vive na Suíça, colabora com os jornais portugueses Público e Expresso, é colunista do site Direto da Redação. Colabora com o Correio do Brasil e com esta nossa Agência Assaz Atroz.

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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domingo, 14 de novembro de 2010

O CAFOFO DA RUA DA INSTALAÇÃO

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Mulheres da alta sociedade amazonense – mães, esposas e filhas, inclusive menores de idade – posaram completamente nuas ou seminuas para o jovem ‘fotógrafo’ americano Walter Hunnewell, num estúdio improvisado situado em prédio antigo da Rua da Instalação, no centro da cidade de Manaus. Uma dessas sessões foi presenciada por seu colega, William James, garotão de porte atlético, de 23 anos, que confessou:

- “Aparentemente refinadas, de qualquer modo não libertinas, as mulheres consentiram que se tomassem com elas as maiores liberdades e duas delas, sem muito problema, foram induzidas a se despir e posar nuas”.

No momento em que terminava a sessão, o estúdio recebeu a visita de um conhecido deputado - não foi o Lupércio - que viu as roupas das meninas ainda espalhadas pelo chão. Também um engenheiro militar, o major João da Silva Coutinho, tomou conhecimento da existência de mais de 100 fotos com mulheres despidas de frente, de costa e de perfil, mas preferiu se calar. A Polícia registrou o fato, conforme ofício n˚ 787 expedido em 24 de outubro. O escândalo foi abafado. A imprensa não deu um pio.

Depois de todo esse tempo, o Diário do Amazonas rompe o silêncio aqui nessa coluna para não ser acusado de cumplicidade e omissão. É o primeiro jornal amazonense a tocar no assunto. Não gosto de fofoca não, mas - como diz o outro - não sou baú nem cofre para guardar segredo. Por isso, me sinto na obrigação de passar adiante essa história apimentada. Vi as fotos e me pergunto como é que senhoras de boa família aceitaram exibir suas intimidades para um desconhecido que nem sequer é fotógrafo?

Fotógrafo de araque

Walter Hunneweel não é fotógrafo nem aqui nem na China. Antes de vir ao Brasil, nunca havia tirado uma foto. Não passa de um playboyzinho, filho de um milionário, que por causa disso foi aceito como voluntário em uma expedição científica chefiada pelo seu professor na Universidade de Harvard, Louis Agassiz, um suíço naturalizado americano, especializado em ictiologia, cujo objetivo declarado era coletar, nos rios e igarapés de Manaus, pacu, bodó, piranha e outras espécies novas.

Mas quem caiu na rede foi outro tipo de peixe. Em vez de pescar, “o Sr. Agassiz passa metade do dia trabalhando com seu amigo Sr. Hunnewell, tirando fotografias de habitantes locais” – registra o diário da expedição. Professor e discípulo armaram seu cacuri num velho prédio da Rua da Instalação, onde antes funcionava uma repartição pública. “O salão fotográfico era um ambiente carregado de aura erótica e, de modo significativo, destituído de qualquer conteúdo científico” – diz o pesquisador John Monteiro, nascido em Minnesota e atualmente professor da UNICAMP.

Na viagem de barco a Manaus, a máquina fotográfica quebrou e foi consertada em Santarém por um lambe-lambe mocorongo. “Hunneweel possuía um conhecimento técnico deficiente e um equipamento precário” e, em consequência, “as imagens são de baixa qualidade e de gosto duvidoso” e se situam “numa região incomoda entre a fotografia científica e erótica”, conforme avaliação de John Monteiro e de sua colega da USP, Maria Helena Machado, que analisaram as fotos.

Que Deus perdoe minha maledicência - trata-se apenas de uma coincidência - mas o fotógrafo de araque nasceu em Boston, a pátria da padrofilia, cujo arcebispo, Bernard Law, foi afastado e responde a mais de 450 processos judiciais, sob a acusação de ter encoberto abusos sexuais cometidos por padres católicos contra crianças. Qual foi o papo que esse gringo de Boston engrenou pra convencer nossas mulheres, inclusive menores de idade, a ficarem peladas? A Ciência. Tudo em nome da ciência.

Papo cabeça

A expedição percorreu o Brasil durante os anos 1865 e 1866, com o objetivo maior de provar que a teoria da evolução de Darwin era furada. Agassiz defendia o criacionismo e condenava ferozmente a mestiçagem a quem atribuía a responsabilidade pela “degeneração da raça humana”. Queria produzir documentos visuais sobre as origens étnicas e as variedades dos tipos mestiços. Para isso, fotografou no Rio e em Manaus tipos étnicos nus com o objetivo – segundo ele – de fazer comparações somáticas.

Havia ingenuidade nas mulheres que posaram nuas? Elas ficaram impressionadas com o prestígio dos ‘pesquisadores’ que pertenciam à Universidade de Harvard? O estudante William James, que fez parte da expedição, dá interessante depoimento em seu diário íntimo:

“Eu fui, então, para o estabelecimento fotográfico e lá fui cautelosamente admitido por Hunneweel com suas mãos negras (manchadas no processo químico). Ao entrar na sala, encontrei o prof. (Agassiz) ocupado em persuadir 3 moças, às quais ele se referia como sendo índias puras, mas as quais eu percebi, como mais tarde se confirmou, terem sangue branco. Elas estavam muito bem vestidas em musselina branca, tinham joias e flores nos cabelos e exalavam um excelente perfume de priprioca”.

John Monteiro escreve que essa “operação estava sendo conduzida em segredo, o que destoava das afirmações do professor Agassiz a respeito da compilação de uma valiosa série de imagens científicas que serviriam de base para um estudo sério”. Foi no final da sessão que chegou o deputado Tavares Bastos, estudioso da região e autor do livro “O Vale do Amazonas”. Sujeito decente, o parlamentar se escandalizou com o que viu: “Ele me perguntou ironicamente se eu estava vinculado ao Bureau D’Anthropologie” – comenta William James.

John Monteiro acha – e nós concordamos – que é difícil acreditar que o fato não tenha causado algum tipo de mal-estar na sociedade manauara. Ele cita um ofício da Polícia de 24/10/1865, dando conta da chegada da expedição em Manaus. Um escândalo, logo abafado, pode ter brotado, o que talvez tenha contribuído para o desligamento de W. James da expedição. Escreve John Monteiro:

- “A imprensa local manteve o silêncio em torno das atividades do ‘sábio Agassiz’, enquanto os outros participantes da expedição - inclusive o major João Martins da Silva Coutinho - não deixaram nada escrito sobre o estúdio fotográfico”.

Dessa forma, foram apagadas as aventuras fotográficas desse desacreditado cientista, defensor de teorias racistas e pioneiro do apartheid. As fotos, conservadas em chapas de vidro, ficaram um século e meio perdidas num armário sem uso no sótão do Museu Peabody de Arqueologia e Etnologia da Universidade de Harvard. Muitas delas continuam inéditas. Outras foram publicadas agora em 2010, durante a 29ª. Bienal de São Paulo, num livro organizado por Maria Helena Machado e Sasha Huber, uma suíça de origem haitiana engajada na luta antiracista. Trata-se, agora, de uma luta pela memória.

Lugar de memória

Desacreditado como cientista por causa de suas equivocadas teorias, nem por isso Agassiz deixou de ser cultuado. Monumentos, montanhas, ruas, avenidas e praças em várias cidades do mundo levam hoje o seu nome. No Alpes suíços tem um pico chamado Agassiz; no Rio de Janeiro, na Floresta da Tijuca, tem a Pedra de Agassiz e as Furnas de Agassiz, além de uma praça Agassiz e uma rua Agassiz no subúrbio carioca. Em Belo Horizonte, no bairro Floresta, existe uma rua com esse nome. E por ai vai.

O historiador suíço Hans Fassler, autor de um livro sobre o envolvimento do seu país com a escravidão, achou intolerável a homenagem e criou a campanha “Desconstruindo Agassiz”, que briga para renomear o pico Agassiz com o nome de uma de suas vítimas, um escravo afroamericano chamado Renty. Hans e Sasha conheceram Helena Machado e John Monteiro num seminário internacional organizado na UNIRIO em agosto de 2009. Daí nasceu a idéia do livro que além dos quatro autores recebeu a contribuição dos pesquisadores Flávio Gomes, Suzana Milevska e Petri Saarikko.

Maria Helena percorreu os arquivos e museus da universidade, localizou e analisou o conjunto da documentação relativa à expedição de Agassiz que permite discutir uma série de questões estratégicas para a compreensão do Brasil na segunda metade do século XIX, tais como os interesses norte-americanos na Amazônia, a livre navegação pelo rio Amazonas, os projetos dos Estados Unidos de enviar a população afro-americana para povoar a região, a proibição do tráfico internacional de escravos e o debate sobre raça e ciência.

P.S. – Quem quiser saber mais, leia o livro de Maria Helena Machado e Sasha Huber (orgs) “Rastros e raças de Louis Agassiz: fotografia, corpo e ciência, ontem e hoje” São Paulo. Capacete. 2010. (Edição bilingue da 29ª. Bienal de São Paulo).
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José Ribamar Bessa Freire é professor universitário (Uerj), reside no Rio há mais de 20 anos, assina coluna no Diário do Amazonas, de Manaus, sua terra natal, e mantém o blog Taqui Pra Ti

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domingo, 7 de novembro de 2010

Em memória de Ivam de Barros Bella

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Rui Martins

Rua Major Quedinho, esquina com a Martins Fontes, de frente para a Avenida São Luís – ali ficava a redação do Estadão, onde comecei no jornalismo e passei por um curso intensivo de politização. O jornal era e ainda é de direita, mas meus amigos, na maioria, eram de esquerda e vivíamos o começo da ditadura militar.]

A redação era uma imensa sala que ocupava quase todo o andar, mesas de ferro com cobertura de borracha verde escuro e sobre elas as enormes máquinas de escrever. Uns dez metros, logo depois da entrada, a mesa do redator-chefe. Quando fiz o estágio de um mês que mudaria minha vida, era Cláudio Abramo, ao assumir como repórter tinha havido uma mudança, era Nilo Scalzo.

À direita do redator-chefe, o noticiário local com o magérrimo Cleonte de Oliveira, dedos amarelados de tanto fumar, bigode bem tratado, com quem aprendi o bê-a-bá da profissão. Um pouco adiante de Nilo, à esquerda, o editor-político Flávio Galvão; à direita Eduardo Martins, voz alta e sonora que ainda me chega aos ouvidos, apesar da metralhadora das teclas compondo nas laudas as notícias que seriam o jornal do dia seguinte. Rubem Biáfora, Sábato Magaldi, críticos de cinema e de teatro; o franzino Vladimir Herzog, com seu sorriso irônico. Lá no fundo, o editor das notícias internacionais, Lenildo Tabosa com seus jovens pupilos, que cometiam erros e tinham fama de extrema-direita.

Ao meu lado, sentava às 19h00, o plantonista da Câmara, rosto fino e magro, que parece estar aqui agora comigo, mas cujo nome não me vem. Num canto à esquerda, um tanto solitário e secreto, Delacir Mazzini. Grandes papos, quando matérias feitas e copidescadas esperávamos o fechamento do jornal. Sua distração era a de memorizar vocabulário de inglês, que ia escrevendo e traduzindo.

De vez em quando, se abria a porta do aquário e surgia o Mesquitão, o Filho, figura imponente, no velho estilo de paulistanos de uma época já extinta. Tinha acabado de fixar a linha política do jornal, cuja redação ficava a cargo do português Miguel Urbano Rodrigues, famoso por ter participado de um dos primeiros sequestros, senão o primeiro no mundo, o do navio Santa Maria. Exilado português, comunista, erudito, que eu transformaria no meu professor e guru.

Comunistas e esquerdistas católicos não faltavam naquela redação. Entre eles, um outro amigo, Ivam de Barros Bella. Redator encarregado de resumir o noticiário nacional das agências e correspondentes. Ficamos logo amigos e, numa visita que lhe fizemos, eu e minha primeira esposa, descobri Georges Brassens num elepê que reencontraria logo no começo de meu exílio em Paris.

Mas naquela época, ninguém pensava que a ditadura de Castelo Branco fosse nos atingir. Ivam tinha o olhar matreiro, quase maldoso, conjugado com um sorriso quase risada e um rosto que enrubescia. Iríamos viver juntos uma bela aventura.

O governo do ditador Castelo Branco decidira criar a censura para a imprensa, da qual o próprio Estadão logo depois seria vítima. Seria possível se fazer alguma coisa? Aparentemente não, mas em vez de cruzarmos os braços, combinamos o seguinte – haveria uma assembléia-geral do Sindicato dos Jornalistas, presidido naquela época por Adriano Campagnole. Poderíamos reagir, telefonando para alguns colegas de outros jornais comparecerem e assim termos maioria para um protesto contra a censura.

Dito e feito, Campagnole não conseguiu dominar a assembléia e criamos ali a Comissão pela Liberdade da Imprensa, com Ivam como presidente e requisitamos a sede do Sindicato seus telefones e mimeógrafo para a convocação de uma mobilização da população pela liberdade de imprensa. Seria o Encontro com a Liberdade, realizado em janeiro de 67, no Teatro Paramount abarrotado, na avenida Brigadeiro Luiz Antonio. A última manifestação pública permitida pela ditadura, da qual participaram os líderes da oposição à ditadura ainda não presos e não exilados, desde comunistas aos católicos da AP do Brasil Urgente.

Entusiasmados com essa mobilização, nos reunimos Ivam, Narciso Khalili, David de Moraes, Audálio Dantas e outros na Chapa Verde para tomar a direção do Sindicato dos Jornalistas. Foi uma campanha ousada, em plena ditadura que ia começando a apertar. Perdemos feio, por 200 votos, e isso iria nos custar nossos empregos.

Com o exílio nunca mais revi Ivam de Barros Bella, mas sempre perguntava por ele aos companheiros que passavam pela França. Outro dia, publiquei alguma coisa e citei seu nome e, nesta semana recebi um e-mail de sua filha.

Ivam teve duas filhas, eu não sabia. E ela me contou de seu pai, do combatente que foi contra a ditadura, das dificuldades que passou por isso, dos empregos que perdeu. E me escaneou essa foto do Encontro com a Liberdade, na qual estou no meio da mesa, secretariando o encontro presidido por Mario Martins.

Foi assim meu reencontro com Ivam de Barros Bella e é com emoção que lhes escrevo. Mariana, sua filha, me contatou porque leu meu artigo e queria me contar que seu pai, o meu amigo da Major Quedinho, morrera há pouco. (Publicado também no Direto da Redação).

Rui Martins jornalista e escritor, correspondente em Genebra, líder emigrante. Autor de Dinheiro Sujo da Corrupção, Geração Editorial. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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segunda-feira, 1 de novembro de 2010

AS FRUTAS DA COLÔMBIA

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Urda Alice Klueger

Temos a mania, aqui no Brasil, de endeusar tu­do o que é europeu e estadunidense, e de considerar a América Latina como o supra-sumo do subdesenvolvimento. Ainda se tem al­gum respeito pelo México (leia-se: Cancun) e por algumas ilhas do Caribe, mas a América do Sul - Deus nos livre, a América do Sul é um lugar horrível, quem pensaria em conhecê-la de verdade, em gastar dinheiro fazendo turismo por ela, quando se pode ir com tanta facilidade à Disney?

Eu sou uma das raras pessoas do Brasil que gasta tempo e dinheiro para conhecer a América do Sul. Via de re­gra, nessas viagens, meus companheiros são europeus e israelen­ses, que vêm às centenas, aos milhares, viajar pelo continente que o brasileiro despreza. Eventualmente, muito eventualmente, se encontra um brasileiro pelas rotas do nosso continente, e quando há algum, é alguém que comunga das nossas idéias, e como é bom encontrar aquele raro brasileiro, então!

Mas comecei este texto querendo falar das fru­tas da Colômbia.

O brasileiro tem da Colômbia, como do resto do continente, uma péssima imagem. Sabe que lá há guerrilha e cocaí­na, e nada mais. Nem lhe passa pela cabeça imaginar a grande fer­tilidade da Colômbia, seu litoral paradisíaco, seu povo alegre e brincalhão. Eu viajei, faz pouco tempo, pela Colômbia, e fiquei pasma com a sua agricultura. Comecei uma longa viagem ao Sul, em lpiales, fronteira com o Equador, em direção a Bogotá, longa rota feita sobre os Andes, de excelentes estradas pavimentadas que en­vergonhariam o Brasil, sem falar dos ônibus, espetaculares ônibus modernos, de forma aerodinâmica, todos dotados de ar condicionado e televisão, veículos que nem as melhores empresas de turismo têm no Brasil. Essa longa viagem de 24 horas em direção a Bogotá deu-me uma visão fantástica sobre a agricultura na Colômbia: os Andes, tão áridos na Bolívia, são extremamente férteis naquela região, e têm todas as encostas das montanhas cobertas de incontáveis e incontáveis campos agrícolas. Grande produtora de grãos e de café, cada quilômetro da Colômbia tem uma tonalidade dife­rente de verde ou amarelo, dependendo do que se cultiva nele. A soberba visão daquelas montanhas quadriculadas pela agricultura tem uma doçura e uma grandeza que não dá para esquecer.

E depois, quando se desce os Andes, e o clima fica quente e propício ao cultivo de frutas tropicais, ah! é mais difícil de esquecer ainda! De Bogotá em direção ao Caribe, é es­tonteante o tamanho das plantações de frutas! Creio que, só para atravessar um bananal já próximo do mar, devemos ter andado de ônibus por quase uma hora. E são bananais cuidados, as bananeiras plantadas em filas certinhas, cada um dos milhares de cachos de banana preso dentro de um saco, decerto para impedir o ataque de insetos. Há que haver ali um povo extremamente laborioso, para produzir tais efeitos, mesmo sob as ordens de uma plantation.

O clima quente do litoral caribenho da Colômbia, aliado aos cuidados que se dão aos pomares, produzem as mais fantásticas frutas que se possa imaginar.

Sempre achei que o Brasil era rico em frutas, mas perto das frutas colombianas, as nossas ficam pálidas e sem graça. Nunca poderei esquecer daquelas bananas, deliciosas, douradas, enormes (que o colombiano costuma comer junto com sopa de galinha), nem daqueles mamões de um tamanho descomunal, de uma doçura ímpar. Compra-se o mamão em fatias, fatias cuja carne tem a espessura de três dedos, e um pedaço daqueles equivale a uma refeição. Essas fatias de mamão vêm muito limpinhas, higienicamente acondicionadas em limpos sacos plásticos, nada tendo a ver com a sujeira que imaginamos dominar o terceiro mundo. E as goiabas, e os abacaxis, e as outras frutas que não conhecemos por aqui! É comum ver-se os vendedores de frutas nas ruas, com suas pirâmides de delícias coloridas, gentilíssimos, a nos querer conquistar com o que, parece, ser o grito de guerra do comércio colombiano:

- À la ordem! À la ordem!

É uma pena que a Colômbia esteja tão longe, e não seja possível ir-se lá de vez em quando. Valeria a pena fazê-lo por muitos motivos, e um deles, com certeza, seria aquela profusão fantástica e deliciosa de frutas.

Urda Alice Klueger é escritora, historiadora ecolabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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Dos porões do Dops para a Presidência

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Rui Martins

Dilma Rousseff foi resistente contra a ditadura militar e foi uma das jovens presas no Dops.

Extraordinária revanche que, ao mesmo tempo, reforça o conceito de ser preciso lutar, mesmo quando se é minoria e parece ser perdida a causa. Qual dos carrascos e dos militares do Golpe de 64 poderia imaginar, naqueles passados fim dos anos 60, que uma das jovens recolhidas a uma das celas do Dops seria eleita, mais de 40 anos depois, presidenta do Brasil ?

Diante de situações como essa, se fortalece a convição da necessidade de se lutar mesmo quando tudo parece ser contra nós e quando se é uma reduzida minoria. Graças ao meu amigo e colega Alípio Freire, imponente e carismática figura, visitei, durante minha viagem a São Paulo, dois lugares que me religaram à época da luta contra a ditadura militar – os arquivos onde estão guardados os documentos relacionados com os perseguidos, presos, torturados e mesmo assassinados no Dops, depois chamado de Deops, mas sempre um instrumento cruel da repressão. E a seguir, na praça General Osório, junto à antiga Estação da Luz, os lugares onde funcionavam parte dos mecanismos da repressão, hoje transformados no Memorial da Resistência.

Cubículos onde se acumulavam os jovens resistentes à ditadura, onde eram torturados, recebiam verdadeiras lavagens de porcos como refeições e apodreciam sem direito à luz solar, coisa permitida reduzidas vezes e apenas por restritos minutos. Coincidentemente, ali estavam no começo de outubro, data de minha visita, numerosos cinegrafistas dos diversos canais da televisão brasileira.

E por que ? Para mandarem ao ar, logo após confirmada a vitória de Dilma Rousseff, documentos filmados da cela onde esteve presa, quando militante contra a ditadura militar brasileira. A vitória não saiu, como se esperava, no primeiro turno, e tudo vai ser levado à televisão brasileira neste domingo do segundo turno.

Não faltarão, sem dúvida, as informações truncadas, pelas quais ouvi um jovem me dizer, ter sido Dilma assaltante de bancos, mas tinha recebido informação incompleta, pois não lhe tinham explicado ser essa a maneira, na época, de se atacar o sistema militar e obter fundos para manter a resistência aos ditadores.

Estranho país esse meu Brasil, onde por guerrinhas políticas se procura denegrir a imagem de seus heróis do passado. Os covardes de ontem, que compuseram, colaboraram ou se aproveitaram da ditadura tentam agora minimizar o valor de todos quantos expuseram suas vidas em luta pela liberdade e pela democracia dos dias de hoje.

Dilma Rousseff não é apenas a primeira mulher brasileira eleita presidenta (e isso já é estraordinário num país tido como de machistas), é mais que isso, é uma das lutadoras naqueles escuros anos de chumbo. Anos em que, militares teleguiados pelos EUA destruíram a cultura construída nas nossas universidades, a pretexto de evitar o marxismo, mas na verdade para manter a desigualdade social e a semi-escravidão de grande parte da população, da qual só agora vamos saindo.

Dilma foi uma resistente, vinda das hostes de um outro herói, Leonel Brizola. Sua eleição é o coroamento do longo caminho das batalhas sociais em favor do povo e da liberdade, que são por uma melhor repartição do pão e por uma melhor remuneração do trabalho da maioria da população.

Depois de quase quinhentos anos de um Brasil governado sempre pelas mesmas famílias, pelas mesmas oligarquias, houve a ascenção de um filho do povo. A Casa Grande perdeu para os habitantes da Senzala e um Brasil mais justo vai surgindo, mesmo diante de numerosas tentativas para se devolver o poder aos seus antigos detentores. Oito anos, tantas vezes conturbados pelas dificuldades de se governar com um Parlamento viciado na corrupção, é um tempo curto demais para se contrapor aos quase 500 da elite branca e rica brasileira, disposta tantas vezes a vender e a ceder nossas riquezas em troca de vantagens pessoais.

Dilma Rousseff, a corajosa mulher dos anos 60, que viveu três anos nas escuras celas do Dops, por afrontar os militares – nisso sobrepujando tantos homens, dispostos por covardia a se submeter aos fardados – é hoje a garantia de um novo governo em favor do povo e não em favor dos ricos e suas oligarquias.

O Brasil é exemplo de democracia na América Latina, mostra um enorme avanço tecnológico ao ser capaz de apurar rapidamente as eleições que, nos EUA, demoram um mês em meio a trapaças de toda espécie.

A derrota de Serra sela o fim de um época. Por um bom tempo, poderemos ter a certeza da manutenção dos verdadeiros representantes do povo no poder, mesmo sob a pressão do cartel da imprensa da direita, que confunde liberdade de expressão com manipulação e engôdo do povo com seus telejornais supérfluos, suas telenovelas modificadoras da nossa cultura e com sua máquina de informação implantada por todo o país sem contrapartida, numa verdadeira ditadura latente e invisível mas eficaz.

Dilma, a resistente de ontem é a nossa presidenta de hoje, numa extraordinária revanche aos golpistas, torturadores e assassinos do passado, ainda saudosos dos anos em que enterraram aqueles anos ricos em cultura e manifestação popular. Os tempos mudaram, graças aos resistentes, o Brasil se transformou, graças aos anos Lula numa potência mundial, que Dilma, representante das mulheres brasileiras, tantas vezes oprimidas e obrigadas a ficar na cozinha, vai continuar.

PS. Graças aos arquivos do tempo da ditadura, pude também me reencontrar, naqueles idos de 1967-68, ao lado de Mario Martins, no Teatro Paramout, secretariando o Encontro com a Liberdade, ao lado dos resistentes da época. A história de um país não se faz num dia, ela é o resultado de anos de lutas e, no caso do Brasil, a satisfação dos dias de hoje é saber que a Casa Grande está sendo transformada em Casa do Povo.

PS-2. A partir de amanhã e até o dia 9, os emigrantes poderão eleger seus representantes num Conselho junto ao Itamaraty, apenas figurativo, mas que poderá ser um trampolim a uma Secretaria de Estado dos Emigrantes. Na América do Norte, são candidatos apoiados pelos Estado do Emigrante, Josivaldo Rodrigues e Veronique Ballot; na América do Sul, Fernanda Balli; na Ásia/África Alberto Ésper e, na Europa, Rui Martins. Para votar ir ao site www.brasileirosnomundo.mre.gov.br , onde estão todas as informações.
Rui Martins, correspondente em Genebra, líder emigrante, jornalista e escritor.
Para votar em Rui Martins na Europa, o link direto é
http://www.brasileirosnomundo.mre.gov.br/pt-br/eleicoes_crbe_-_vote_aqui!.xml
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Para Rui Martins, o governo brasileiro deveria criar uma nova política de emigração a exemplo de Portugal, França, Itália e mesmo México e Equador.

Leia mais em...


http://www.francophones-de-berne.ch/




http://www.estadodoemigrante.org/

*Ex-correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. Autor do livro “O Dinheiro Sujo da Corrupção”, criou os Brasileirinhos Apátridas e propõe o Estado dos Emigrantes. Vive na Suíça, colabora com os jornais portugueses Público e Expresso, é colunista do site Direto da Redação. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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