quinta-feira, 18 de abril de 2024

EL CHE - Roteiro Cinematográfico Romanceado - (Parte 7)

  


 El Che 

 

Leia o filme, assista ao livro

 

EL CHE, roteiro romanceado para película cinematográfica, composto de ..X.. sequências, podendo desdobrar-se em tantas outras, o quanto for necessário, considerando que o protagonista exibe uma biografia significativa entre as que se desenvolveram no Século XX. É certamente uma das mais admiráveis, pois se trata de Ernesto Guevara de la Serna, o Che Guevara, extraordinário combatente das guerrilhas latino-americanas. Portanto, não há como negar, distorcer ou simplesmente ignorar esta verdade: Che Guevara é importante vulto histórico contemporâneo. Sua memória ocupa posição de destaque entre os mais expressivos ícones da História. 


027 — Estaleiro em Tuxpán — Ext./Dia 

 

Pequeno estaleiro de reparos navais nas proximidades do porto de Tuxpán. Uma embarcação de aproximadamente vinte metros de comprimento está sobreposta em uma carreira de trabalho. Fidel, Bayo, Hermes e Guevara acompanham um homem até o barco. O homem sobe pela escada apoiada no costado; Fidel, Bayo e Hermes o seguem; Guevara abaixa-se e caminha curvado por debaixo da embarcação, inspecionando o casco recoberto por algas. Apanha um pedaço de chapa metálica no chão e raspa uma pequena área, livrando-a das incrustações marinhas. Analisa visualmente o local, em seguida continua vistoriando o fundo do iate. Corta para o interior do barco. Hermes e Bayo estão diante do motor de propulsão, falam (off) e gesticulam, apreciam e comentam as condições da maquinaria. Corta para a cabine de comando, onde Fidel e o homem do estaleiro verificam o local. Corta para Guevara chegando ao pé da escada de acesso ao barco; os homens que estavam a bordo começam a descer pela escada. Todos reunidos nas imediações da embarcação. 

 

Guevara: — Como estão as coisas lá dentro? 

 

Fidel: — Necessitam de reparos, mas nada que não se possa resolver. 

 

Coronel Bayo: — Acho que a maquinaria é a parte que dará mais trabalho. 

 

Homem do estaleiro: — Resolveremos tudo. Temos peças de reposição. 

 

Caminham em direção ao escritório do estaleiro. 

 

028 — Escritório do estaleiro — Int./Dia 

 

O grupo entrando no escritório. O homem do estaleiro senta-se à sua mesa de trabalho, Fidel acomoda-se numa poltrona em frente, Bayo e Hermes permanecem em pé ao lado da mesa. Guevara se afasta dos demais e passa a observar o ambiente, detendo-se diante de um grande timão que serve de adorno em uma parede. Guevara observando o timão (voz do homem do estaleiro citando custos, prazos etc.) Close de Fidel com expressão de espanto. 

 

Fidel: — Tudo isso por uma simples bússola?!  

 

Homem do estaleiro: — Não podem navegar sem bússola. A do barco está danificada... e tudo está cada vez mais caro... compreende? 

 

Corta para Guevara apontando para um canto do escritório. 

 

Guevara: — Aquela parece perfeita. Funciona? 

 

Detalhe: a bússola para a qual Guevara aponta é um instrumento antigo, decorativo. 

 

Homem do estaleiro: — Sim, funciona, sim, mas estou oferecendo o que há de mais moderno na praça. 

 

Guevara passando a mão sobre a bússola. 

 

Guevara: — Ela não deve estar satisfeita com o prolongado ócio. Sente falta do balanço das ondas. 

 

Homem do estaleiro: — Está bem, podem ficar com ela. Brinde da casa. 

 

Todos demonstram satisfação. O homem do estaleiro continua falando (off). Guevara se aproxima da janela do escritório. Ponto de vista: Guevara observa a embarcação em cima da carreira. 

 

029 — Cidade do México - loja Recuerdos — Ext./Dia 

 

Fachada da loja. Corta para o interior da loja. O Sr. Oscar, do lado de dentro do balcão, conversa (off) com outro homem, este do lado de fora. Entre eles, sobre o balcão, há um rádio transmissor/receptor. Parecem discutir sobre o aparelho. O Sr. Oscar faz um gesto (cruza as mãos espalmadas em rápido vaivém) indicando o encerramento da discussão. O homem sacode a cabeça afirmativamente. O Sr. Oscar abre a caixa registradora, retira algumas cédulas e as entrega ao homem. Este, após contar e embolsá-las, sai do estabelecimento. O Sr. Oscar põe o rádio em uma caixa de papelão. Do cômodo dos fundos da loja, sai o velho motorista do caminhão carregando uma volumosa caixa. O Sr. Oscar parece recomendar ao velho que ele deve levar também a embalagem com o rádio. O velho acena afirmativamente com a cabeça, indicando haver entendido. 

 

030 — Fazenda dos treinamentos — Ext./Dia 

 

Plano geral da fazenda. Corta para o interior do paiol. Coronel Bayo e um pequeno grupo de auxiliares estão recolocando os fuzis, pistolas e granadas nos caixotes. 

 

031 — Apartamento de Maria Antônia — Int./Dia 

 

Em frente a um grande espelho, Raul experimenta uma roupa de campanha. Maria Antônia acerta as medidas, espeta alfinetes e observa o resultado. 

 

 

032 — Apartamento de Dona Leda — Int./Dia 

 

Dona Leda e Maria estão acondicionando produtos alimentícios em caixas espalhadas pela sala. Dona Leda olha para um retrato na parede (ela e o Sr. Oscar em foto retocada). A senhora interrompe a tarefa e se dirige a uma cristaleira, sobre a qual se encontra um porta-retratos com a fotografia de seus filhos, sorridentes universitários, abraçados. Dona Leda pega o porta-retratos, admira-o por um instante, beija a foto e enlaça-o contra o peito. 

 

033 — Estaleiro de Tuxpán — Ext./Dia 

 

Homens do grupo de Fidel e funcionários do estaleiro trabalham nos reparos do barco adquirido pelos cubanos, executam tarefas diversas: soldagem, pintura, transporte de material etc. Corta para o interior do barco: um técnico instalando o rádio comprado pelo Sr. Oscar. 

 

034 — Apartamento de Guevara — Int./Noite 

 

Sobre a mesa da sala, encontra-se uma caixa de primeiros socorros. Hilda está abastecendo-a com frascos e caixetas. Corta para Guevara entrando na sala. Ele fecha a porta, dirige-se à esposa e a beija. Observa o material. 

 

Guevara: — Então, como ficaremos em caso de emergência? 

 

Hilda: — Acho que tem o necessário. 

 

Guevara: — Pelo visto, temos mais recursos que o Hospital Central. (Pega alguns produtos sobre a mesa). Gaze, algodão, esparadrapo, analgésico... Ah! cortisona, minha asma terá companhia. 

 

Hilda (pegando um envelope na estante): — Chegou carta da sua mãe. 

 

Hilda entrega o envelope a Guevara, que o abre, retira a carta e passa à sua leitura.  

 

Corta para Célia, mãe de Guevara, na sala de sua residência em Buenos Aires, escrevendo a carta.  

 

Voz de Célia sob efeitos especiais: — Filho, sei que já pensaste exaustivamente sobre tua decisão de acompanhar a expedição dos cubanos, mas não me custa perguntar se tens plena consciência dessa tua atitude? E Hilda? E minha neta? Já resolveram como ficarão aí no México? Tenho muita vontade de conhecê-las. Sei que agora Hilda trabalha, mesmo assim se trata de uma questão que exige muito cuidado. Não teremos a certeza do teu regresso. Estás convencido do êxito numa luta contra tão poderoso adversário? Reconheces a enorme diferença ente as forças envolvidas? Desculpa-me se te bombardeio com tantas perguntas, mas qualquer mãe no meu lugar faria o mesmo. Na última carta que me enviaste, foste conclusivo, disseste que “vale a pena morrer numa praia estrangeira por um ideal puro”. Encheste meu coração de orgulho, mas também fizeste a responsabilidade e as possíveis consequências de tua decisão me chamarem à razão. Este é o motivo pelo qual te submeto ao interrogatório acima. Um forte abraço a ti e a todos os teus”.  

Célia 

P.S.: Desde que nos trouxe tua carta, teu amigo Alberto tornou-se nosso amigo também. 

 

Corta para Guevara, concentrado. Hilda continua a arrumação do material na caixa de primeiros socorros. Guevara se aproxima dela e a abraça por trás. 

 

Guevara: — Dona Célia está muito preocupada contigo e com a neta. Acha que ficarão desamparadas. Não conhece nossos planos. Eu gostaria que você mesma escrevesse para ela a fim de tranquilizá-la. Está bem? 

 

Hilda está visivelmente nervosa. Acidentalmente ela deixa um frasco cair. Ainda faz um rápido movimento na tentativa de evitar a queda do frasco, mas Guevara a detém, segurando-a pelo braço e puxando-a contra si, enlaçando-a por trás. \Detalhe do frasco caindo no chão e despedaçando-se em câmara lenta. O casal permanece parado por um instante, na posição em que Guevara abraçou Hilda. Lentamente, Hilda se volta de frente para o marido. 

 

Hilda: — Está bem, escreverei. Precisamos tranquilizar... dona Célia. 

 

Abraçam-se fortemente. Ela chora. Guevara afasta a esposa delicadamente e ergue a sua cabeça, forçando o queixo com as pontas dos dedos.  

 

Guevara: — Tudo vai dar certo, verá. Breve, estaremos todos em Havana. Eu, você, Hildita e... quem sabe mais algumas flores e frutos, hein?! Podem até não se comparar à imponência dos Andes ou à grandiosidade do Himalaia, mas Fidel me garantiu que aquela ilha tem magníficas montanhas. 

 

Beijam-se ardentemente. Abre para plano geral: a câmera gira devagar pela sala até se deter na janela, onde as cortinas se esvoaçam ao vento. Através da janela, câmera enquadra vista parcial da cidade, sobre a qual incide raios e trovões que dão início a uma tempestade. Corta para Guevara e Hilda abraçados. 

 

Guevara: — Esta não parece ser uma noite adequada para navegação. 

 

035 — Apartamento dos cubanos — Int/Noite 

 

Sonoplastia: som de trovões. 

 

Na sala, atulhada de mochilas, caixas e outros volumes para viagem, alguns homens. Fidel e Bayo se movimentam transportando o material para fora do apartamento. 

 

Fidel: — A maior parte dos homens já está no porto.  

 

Coronel Bayo: — Acha que devemos partir, mesmo com a proibição da Divisão de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras? 

 

Fidel: — Devemos sim. Eles não nos proibiram de zarpar pensando em nossa segurança, mas sim com o objetivo de retardar nossa operação. Certamente para nos dar um golpe, encontrar pretexto para nos mandar para a prisão. Nunca duvidei da influência de Batista junto a certas autoridades mexicanas.  

 

Coronel Bayo: Concordo plenamente com você, mas que existe o problema da tempestade, isso não podemos negar. Acredita que vamos navegar em segurança com essa tempestade? 

 

Fidel: — Não. 

 

Coronel Bayo: — Então, comandante? 

 

Fidel: — Então, coronel, você não conheceu o limite da segurança na guerra civil espanhola? 

 

Coronel Bayo: — Em qualquer que seja a guerra, o limite da segurança depende sempre da coragem dos envolvidos na luta. 

 

Fidel: — Nesse caso, se considerarmos o quanto seremos corajosos, nos lançando ao mar nessas condições, entenderemos, de imediato, que, numa guerra, a nossa segurança estará sempre por um fio. Se não pudermos partir com essa consciência, melhor será ficarmos por aqui mesmo, ou... aceitemos a “anistia” de Batista. 

 

Abre para plano geral: os homens continuam suas tarefas de arrumação e preparativos para a viagem. 

 

036 — Apartamento do Sr. Oscar — Int./Dia 

 

O Sr. Oscar, sentado em uma cadeira de balanço, ouve música no rádio. Detalhe: o aparelho sobre uma mesinha apropriada. Sonoplastia: toca prefixo musical característico de noticiário urgente.  

 

Voz do locutor: Em virtude do temporal que há mais de duas horas incide sobre a região litorânea, precipitação esta antecipadamente anunciada pelo serviço de meteorologia da Universidade do México, a Polícia Marítima informa que está proibida a saída de embarcações de pequeno porte em direção ao mar aberto, até que se normalize as condições do tempo para navegação.   

 

O Sr. Oscar demonstra impaciência, mexe-se na cadeira, desliga o rádio. Dona Leda se aproxima do marido, trazendo uma xícara de chá fumegante. O Sr. Oscar aceita o chá oferecido pela esposa. Ela deixa a bandeja sobre uma mesinha de centro, dirige-se a um oratório num canto da sala, põe um véu sobre a cabeça, pega um terço aos pés da imagem da Virgem, ajoelha-se e ora em silêncio. 


 037 — Cais do porto de Tuxpán — Ext./Noite 

 

A tempestade agita a maré em ondas que sacodem o iate Granma, o barco adquirido pelos cubanos. Homens se movimentam no convés tentando manter a embarcação protegida contra os impactos no cais, provocados pelos fluxos e refluxos das águas. Corta para o caminhão chegando ao cais, transportando homens na carroceria. Ao estacionar, os passageiros desembarcam apressados. Da boleia, saem, além do velho motorista, Fidel e Bayo. Todos auxiliam no transporte do material; em geral, caixas e mochilas. Corta para o interior da embarcação: Fidel descendo por uma escada que dá acesso ao piso abaixo do convés. Ao pé da escada, ele encontra Guevara. 

 

Fidel: — Estamos todos a bordo, podemos partir. 

 

Guevara: — E não vai dar para esquecer esta madrugada de vinte e cinco de novembro de mil novecentos e cinquenta e seis. 

 

Fidel (consultando o relógio): — Quinze para as duas da madrugada. 

 

Corta para o cais, onde o velho motorista, usando uma capa, está de pé ao lado da cabine do caminhão. A tempestade, o mar agitado, o iate Granma ao vaivém das ondas, homens se movimentando no convés. Um homem na proa grita para o velho motorista. 

 

Homem na proa: — Companheiro, solte as cordas! 

 

O homem aponta para a extremidade do cabo do barco preso ao cais. O velho motorista se apressa em soltar as cordas, primeiro a de ré, em seguida, a de vante. O velho motorista acena para os homens no convés. O Granma começa a se afastar do cais enfrentando o mar revolto. 


038 — Havana (vista aérea) — Ext./Dia 

 

Após exibição das imagens aéreas da cidade, Corta para a fachada do prédio do Departamento de Polícia, pessoas entrando e saindo. Corta para o interior do Departamento, sala de radiotelegrafia. Um policial, fazendo anotações, acompanha a recepção de uma mensagem. Sonoplastia: bips indicando transmissão e recepção de mensagem em Código Morse. Encerram-se transmissão e recepção da mensagem. O policial levanta-se com o papel das anotações da mensagem na mão e sai da sala. Caminha apressado entre mesas de trabalho, aproxima-se de uma porta onde uma pequena placa informa: Chefe do Departamento. O policial abre a porta e entra. Corta para o interior da sala, policial fechando a porta atrás de si. Em seguida, caminha em direção a um homem sentado à mesa de trabalho. É o Chefe do Departamento de Polícia. 

 

Policial: — Desculpe interrompê-lo, senhor, mas acho que isso tem prioridade. 

 

O policial entrega a mensagem ao chefe e sai da sala. O chefe lê (off) a mensagem, pega o telefone, disca um número e aguarda um instante, até que alguém atende. 

 

Chefe do Departamento de Polícia: — O coronel Montenegro, por favor (silêncio). É o Chefe do Departamento de Polícia, diga que é urgente!   

 

Transcorridos alguns segundos, o coronel Montenegro atende: Alô! 

 

Chefe do Departamento de Polícia: desculpe incomodá-lo, coronel. Recebemos uma mensagem importante (Silêncio). Sim, é sobre isso mesmo (Silêncio). Está bem, eu mesmo a levarei até aí. 

 

O Chefe do Departamento de Polícia desliga o telefone, recosta-se na cadeira e olha para o papel na sua mão. 

 

039 — Hotel Capri — Int./Dia 

 

Balcão do bar, o coronel Montenegro desligando o telefone. O barman limpando e arrumando taças de cristal, apenas os dois estão no ambiente. O coronel permanece por um momento pensativo, em seguida se afasta do balcão e caminha em direção a um salão de jogos. Corta para o coronel se aproximando de uma mesa na qual três homens estão jogando, dentre estes o general Ortega. Um garçom serve o general. 

 

Cel. Montenegro: — Senhores, o dever me chama, preciso me ausentar. 

 

O general Ortega fala olhando para as cartas que tem na mão. 

 

Gal. Ortega: — Ora, vejamos! Para afastá-lo das cartas num momento em que a sorte está sendo tão generosa com você, deve haver um motivo extremamente importante! 

 

Cel. Montenegro: — Tão importante que também faria um general ter essa mesma atitude. Mas, por enquanto, não vejo razão suficiente para privar nossos amigos da sua generosidade. O senhor está contribuindo, significativamente, para aumentar as contas bancárias deles.

 

Os parceiros de jogo riem. 

 

Gal. Ortega: — Apenas empresto! Chegará minha vez. Cobrarei com juros! 


***


OBJETIVO DESTA PUBLICAÇÃO:


Com a publicação do roteiro “EL CHE”, o autor tem como principal objetivo a busca de parcerias e recursos técnicos, humanos e financeiros que viabilizem a transformação deste trabalho em livro (roteiro romanceado), filme ou série especial para plataforma de exibição pelo método streaming.


O AUTOR: Fernando Soares Campos é escritor (contista, articulista e colaborador de diversos portais de notícias), com quatro livros publicados e participação em diversas obras de autoria coletiva, destacando-se estudo de caso em "Para além das grades: elementos para a transformação do sistema socioeducativo". Editora PUC/Rio. Coedição: Edições Loyola.


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"Assista" ao próximo capítulo


Aguardando próxima postagem





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quinta-feira, 4 de abril de 2024

Síndrome de avestruz

 Síndrome de avestruz

por Fernando Soares Campos


Primeiro nós falamos "mamãe" ou "papai", e os dois aplaudiram. Porém um deles ficou um tanto decepcionado, pois queria ter ouvido o seu nome pronunciado primeiro que o do outro. Daí em diante, nos tornamos uma espécie de boneco de ventríloquo nas reuniões em que papai e mamãe participavam e todos aplaudiam as nossas palreações.

No primeiro ano escolar, apaixonados, escrevemos a primeira poesia. Inicialmente apenas a professora aplaudiu. Bom, as menininhas que estariam apaixonadas por nós pensaram que elas teriam sido as nossas musas e também aplaudiram. Mas isso não conta, pois a verdadeira musa aplaudiu primeiro. Outros aplausos aconteceram em casa; porém só papai e mamãe castigaram as palmas das mãos, timidamente, para nos incentivar. A reação dos nossos irmãozinhos foi apenas o eco das chacotas dos coleguinhas no recreio da escola..

Na pré-adolescência demos muito prejuízo ao papai e à mamãe, além de contribuirmos para a desertificação do Planeta, gastando papel, que, para ser produzido, exigiu a derrubada de inúmeras árvores. Nele escrevemos, os amassamos e jogamos na lixeira. Deve ter sido a nossa primeira atitude-semancol.

No jornalzinho do colégio, nos projetamos em cópias mimeografadas através do pensamento brechtiano, e os colegas aplaudiram Bertold Brecht usando a gente como tabela. E nós nos sentimos aplaudidos, fazendo de Brecht a nossa tabela.

Entre a adolescência e a juventude adulta, rimos da nossa própria incipiência no passado, exibindo a nossa incipiência moderna, atualizada.

Na meia-idade nos tornamos gênios de nós mesmos, conseguimos compreender as esquisitices do passado e dissimulamos nossas novas esquisitices, que agora se chamam excentricidades.

Na idade provecta fazemos de tudo, se possível até arranjamos uma síndrome de avestruz, também conhecida como mal de Alzheimer, a fim de que não nos encham o saco, nos fazendo lembrar o quanto foi inútil tudo aquilo que dissemos ou tentamos dizer


Fernando Soares Campos é escritor, autor, em parceria com o seu irmão Sérgio Soares de Campos, de obra biográfica, retratando a vida de Adeildo Nepomuceno Marques: um carismático líder sertanejoatualmente, aos 74 anos, cursando Psicanálise Clínica via modalidade EaD em ambiente virtual, pelo - IBPC - Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica - Campinas (SP).

Síndrome de avestruz

 

Síndrome de avestruz

por Fernando Soares Campos

Primeiro nós falamos "mamãe" ou "papai", e os dois aplaudiram. Porém um deles ficou um tanto decepcionado, pois queria ter ouvido o seu nome pronunciado primeiro que o do outro. Daí em diante, nos tornamos uma espécie de boneco de ventríloquo nas reuniões em que papai e mamãe participavam e todos aplaudiam as nossas palreações.

No primeiro ano escolar, apaixonados, escrevemos a primeira poesia. Inicialmente apenas a professora aplaudiu. Bom, as menininhas que estariam apaixonadas por nós pensaram que elas teriam sido as nossas musas e também aplaudiram. Mas isso não conta, pois a verdadeira musa aplaudiu primeiro. Outros aplausos aconteceram em casa; porém só papai e mamãe castigaram as palmas das mãos, timidamente, para nos incentivar. A reação dos nossos irmãozinhos foi apenas o eco das chacotas dos coleguinhas no recreio da escola..

Na pré-adolescência demos muito prejuízo ao papai e à mamãe, além de contribuirmos para a desertificação do Planeta, gastando papel, que, para ser produzido, exigiu a derrubada de inúmeras árvores. Nele escrevemos, os amassamos e jogamos na lixeira. Deve ter sido a nossa primeira atitude-semancol.

No jornalzinho do colégio, nos projetamos em cópias mimeografadas através do pensamento brechtiano, e os colegas aplaudiram Bertold Brecht usando a gente como tabela. E nós nos sentimos aplaudidos, fazendo de Brecht a nossa tabela.

Entre a adolescência e a juventude adulta, rimos da nossa própria incipiência no passado, exibindo a nossa incipiência moderna, atualizada.

Na meia-idade nos tornamos gênios de nós mesmos, conseguimos compreender as esquisitices do passado e dissimulamos nossas novas esquisitices, que agora se chamam excentricidades.

Na idade provecta fazemos de tudo, se possível até arranjamos uma síndrome de avestruz, também conhecida como mal de Alzheimer, a fim de que não nos encham o saco, nos fazendo lembrar o quanto foi inútil tudo aquilo que dissemos ou tentamos dizer


Fernando Soares Campos é escritor, autor, em parceria com o seu irmão Sérgio Soares de Campos, de obra biográfica, retratando a vida de Adeildo Nepomuceno Marques: um carismático líder sertanejoatualmente, aos 74 anos, cursando Psicanálise Clínica via modalidade EaD em ambiente virtual, pelo - IBPC - Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica - Campinas (SP).

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

A maconha e a "lógica" da plataforma eleitoral

A lógica da plataforma eleitoral

por Fernando Soares Campos


Todos os dias os três amigos aposentados se reuniam naquele bar. Invariavelmente, discutiam as notícias em destaque na mídia. Tudo acontecia como num ritual de confraria: Natanael lia o jornal e os amigos opinavam sobre os fatos. Quase sempre Bernardo discordava da opinião de Alcebíades, e Natanael costumava rebater os dois com um parecer, digamos, inusitado.


– A polícia estourou depósito com uma tonelada de maconha – informou Natanael.


– Salta essa, Natan – sugeriu Alcebíades. – Isso aí é rotina policial.


– Rotina na favela ou na fronteira do Paraguai. Mas não é todo dia que se descobre uma tonelada de maconha em fundo falso de ônibus da Viação Pássaros da Serra...


–Peralá! – cortou Bernardo. – Logo a Pássaros da Serra?! Isso quer dizer que, sempre que levei minha família para finais de semana no litoral, viajamos em cima de uma carga de maconha!

Alcebíades emendou:
– Isso quer dizer que, depois de viajarem de ônibus, os passageiros da Pássaros da Serra podiam viajar num baseado, à beira-mar. Ora, deveriam liberar de vez a Cannabis!

– Sou contra a legalização da maconha! – quase gritou Bernardo.

Natanael abriu o jornal e fingiu que o lia enquanto falava:

– Vocês se lembram que, tempos atrás, nós comentamos sobre doação de campanha?

– Sim... – confirmou Alcebíades.

– O que tem uma coisa a ver com a outra? – quis saber Bernardo.

– Bom, é que a empresa Viação Pássaros da Serra é doadora de campanha de três deputados e um senador.

Bernardo, desatento ao que ele próprio falava, soltou o verbo:

– Votei num desses deputados e no senador exatamente por serem... – súbito, Bernardo engasgou; olhou para os amigos, que esperavam a conclusão de sua fala. – Bom... é que... esses camaradas são...

Natanael dobrou o jornal, colocou-o sobre a mesa e concluiu pelo amigo:

– Isso mesmo, Berná! Lógico que todos eles são... contra a legalização da maconha!

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoon

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Operação I Love Israel




Operação I Love Israel


Opinião:

Opinião: O primeiro-ministro israelita afirmou que os dirigentes mundiais começam a perceber a ameaça representada pelo extremismo islâmico. "Penso que a maioria percebe, ou começa a perceber, que o terrorismo exercido pelo islã extremista representa uma ameaça clara e real para a paz do mundo, no qual vivemos", disse Natanyahu em 2015, como diz hoje. Entretanto, o que hoje "representa uma ameaça clara e real para a paz do mundo" está bem claro.


por Fernando Soares Campos


Os corpos das quatro vítimas do ataque ao um minimercado kosher em Paris no dia 9 foram sepultados nesta terça-feira (13/01) em Jerusalém.

Durante a cerimônia fúnebre, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, afirmou que os dirigentes mundiais começam a perceber a ameaça representada pelo extremismo islâmico.

"Penso que a maioria percebe, ou começa a perceber, que o terrorismo exercido pelo islã extremista representa uma ameaça clara e real para a paz do mundo, no qual vivemos", disse Natanyahu.

Ainda sobre as declarações do primeiro-ministro israelense, nota do Deutsche Welle informa que Netanyahu permitiu que os quatro judeus mortos fossem enterrados em Jerusalém. Na ocasião, o premiê convidou os judeus franceses a emigrar para Israel: "A todos os judeus da França, todos os judeus da Europa, gostaria de dizer que Israel não é o local onde apenas se vai para rezar. O Estado de Israel também é seu lar", concluiu.

A nota informa que "Netanyahu PERMITIU que os quatro judeus mortos fossem enterrados em Jerusalém". Assim fica subentendido que os familiares dos mortos solicitaram permissão para que eles fossem sepultados na Terra Santa. Mas não teria sido exatamente o contrário? Quer dizer, o mais provável é que Natanyahu tenha solicitado aos familiares dos mortos que permitissem seus sepultamentos em Israel.

Alguém aí tem alguma ideia do que isso significa? Não?!

Então, tá! 

Vamos de teoria da conspiração...

Passeata em Paris, domingo (11/2015), na Ala do Terror estavam, lado a lado, Benjamin Netanyahu e o presidente da Autoridade Palestina, Mahmmud Abbas.

Esse Abbas não é nada confiável, suas atitudes indicam que não passa de marionete dos sionistas israelenses. O pessoal do Hamas e palestinos em geral devem se colocar em alerta total, botar as barbas (do profeta) de molho; pois essa pulga aqui atrás da orelha está incomodando muito, ela diz que o massacre de Gaza do ano passado pode vir a parecer treinamento militar, se comparado com o terror que vem por aí. Provocar guerra é fácil, CIA/Mossad têm o norráu do terror.

O governo israelense já não conta com o apoio da maioria da sua própria população. Também os judeus semitas da diáspora mundo afora já se sentem envergonhados com as barbaridades por ele praticadas. Já existem, por exemplo, os rabinos do grupo "Jews United Against Zionism" (Judeus Unidos Contra o Sionismo). Estes estão, junto com membros de suas sinagogas, queimando a bandeira de Israel em praça pública, em várias partes do mundo.

Mas o que isso tem a ver com as falas de Bibi Natanyahu no funeral dos judeus assassinados em Paris?

É que, provavelmente, ele quer sangue novo em Israel, quer gente disposta a acabar com o Hamas e Hezbollah [Gaza e a Nação Palestina]. Quer mais financiamento e apoio total dos EUA e União Europeia, pois acredita que o império do terror e seus tentáculos vão deflagrar o Armagedom a partir da Síria, encurralar a Rússia e invadir o Irã. De gente tresloucada, eu não duvido nada.

Mas, se for isso mesmo, vão quebrar a cara.

Repeteco:

"A todos os judeus da França, todos os judeus da Europa, gostaria de dizer que Israel não é o local onde apenas se vai para rezar. O Estado de Israel também é seu lar", afirmou Netanyahu

Mas, em verdade em verdade vos digo: "A todos os judeus da França, a todos os judeus da Europa, eu gostaria de dizer que Israel não é o local onde apenas se vai para rezar. O Estado de Israel também pode ser o seu cemitério"

 

Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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sexta-feira, 9 de junho de 2023

Sérgio Moro e a Harvard Law(fare) School

Sérgio Moro e a Harvard Law(fare) School


por Fernando Soares Campos


Em 1996, teve início a carreira de Sérgio Moro como magistrado, na condição de juiz substituto, em Curitiba. Naquele mesmo ano, ele passou a lecionar na Universidade Federal do Paraná.

Depois de 22 anos exercendo o cargo de juiz de direito, tendo cumprido a missão (missão, sim) de prender Luís Inácio Lula da Silva, com o propósito de tirá-lo da disputa eleitoral para a Presidência da República em 2018, favorecendo, assim, a candidatura de Jair Bolsonaro, Moro acabou abandonando a magistratura para ser nomeado ministro da Justiça do governo Bolsonaro, com a promessa de vir a ser recompensado pelo seu trabalho sujo com o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal.

Em 1998, Moro assumiu cargo de juiz titular em Cascavel (PR), onde fixou residência. Foi exatamente naquele ano que ele participou do Programa de Instrução de Advogados da Harvard Law School. Daí, foi convidado a participar de programas de estudos sobre lavagem de dinheiro, sob o patrocínio do Departamento de Estado dos Estados Unidos.

Em 2012, Moro foi auxiliar da ministra  Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, no caso do Escândalo do Mensalão. Essa foi a sua oportunidade de acompanhar o desenvolvimento do processo em que o petista José Dirceu, um dos réus, foi condenado sem prova da acusação que Roberto Jefferson lhe imputara. “Não tenho prova cabal contra Dirceu, mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite.” Essa foi uma das mais importantes lições que a ministra Rosa Weber deu ao seu auxiliar, o juiz Moro, que, com esse mesmo “fundamento infundado”, julgou e condenou o ex-presidente Lula no caso “Triplex do Guarujá”, em 2017, atendendo denúncia do Ministério Público Federal, representado pelo procurador Deltan Dallagnol, que havia “fundamentado” a denúncia de maneira semelhante àquela em que a ministra Rosa condenou Dirceu. Dallagnol, tendo concluído que naquele processo não havia provas contra o ex-presidente Lula, alegou que, em foro íntimo, ele tinha “convicção” de que o ex-presidente da República teria sido o “comandante” dos esquemas de corrupção na Petrobrás, falcatruas que vinham sendo aplicadas contra a empresa estatal desde governos anteriores aos petistas, corrupção denunciada e apurada no governo Dilma, que determinou a exoneração de Paulo Roberto Costa, diretor de abastecimento, Renato Duque, diretor de engenharia e Jorge Zelada, imiscuídos nos esquemas de corrupção, e encaminhou os casos à Justiça. Porém, ao ser deflagrada a Operação Lava Jato, os acusados foram apresentados à população, pela imprensa empresarial, oligopolizada, notoriamente antipetista, como se os denunciados tivessem sido “capturados” pela Lava Jato.

Deltan Dallagnol formou-se em direito pela Universidade Federal do Paraná em 2002 e tornou-se mestre em direito pela Harvard Law School em 2013.

Muitas são as armadilhas das quais a CIA se utiliza para aliciar estudantes e militares estrangeiros que possam atuar como seus colaboradores. O propósito é convencê-los a operar em seus países de origem como subagentes daquela agência de espionagem, tornando-se traidores de seu povo, colaboradores nos processos de cometimento de crimes de lesa-pátria. Os ambientes preferidos para assediar os mais vulneráveis estudantes e militares estrangeiros, fazendo deles subagentes da CIA, são as universidades dos EUA e a antiga Escola das Américas. A atuação da CIA nesse sentido envolve praticamente toda a comunidade universitária norte-americana e o Departamento de Estado dos Estados Unidos. Para a realização de suas escusas atividades, as universidades mais visadas são Harvard e Yale.

Escola das Américas, o outro reduto de atuação da CIA

Descrição da Escola das Américas na Wikipédia trata de seus supostos objetivos nos seguintes termos: A Escola das Américas (School of the Americas, em inglês) é um instituto do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, fundado em 1946. Em 1961, seu objetivo oficial passou a ser o de ensinar a "formação de contra insurgência anticomunista".

A Escola treinou vários ditadores latino-americanos, gerações de seus militares e, durante os anos 1980, incluiu o uso de tortura em seu currículo.

Em 2001 foi renomeada para Western Hemisphere Institute for Security Cooperation (WHINSEC). (Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança, em português).

A instituição é mantida pelos Estados Unidos e, entre outros, oficialmente ministra cursos sobre assuntos militares a oficiais de outros países.

Atualmente situada em Fort Benning, Columbus, Geórgia, a escola esteve de 1946 a 1984 situada no Panamá, onde se graduaram mais de 60 mil militares e policiais de cerca de 23 países da América Latina, alguns deles de especial relevância pelos seus crimes contra a humanidade, como os generais Leopoldo Fortunato Galtieri e Manuel Noriega.

Assim, podemos imaginar quantos brasileiros, civis e militares, atendidos nessas instituições regressaram ao nosso País na condição de subagentes dos sistemas de espionagem ianque, deixando lá nos States, no mais top secret arquivo da CIA, dossiês que tratam de seus pequenos “pecados”, cometidos, em geral, no âmbito de sua sexualidade, com fotos e vídeos que fariam muito sucesso em sites pornô. Outras transgressões à lei são anexadas à pasta do entreguista, principalmente relatos das propinas que o subagente “cucaracha” (no conceito dos gringos) teria recebido com a venda de sentenças e outras falcatruas.

(*) Fernando Soares Campos é autor de "Saudades do Apocalipse - 8 contos e um esquete", CBJE, Câmara Brasileira de Jovens Escritores, Rio de Janeiro, 2003; "Fronteiras da Realidade - contos para meditar e rir... ou chorar", Chiado Editora, Portugal, 2018; e  "Adeildo Nepomuceno Marques: um carismático líder sertanejo" (em parceria com Sérgio Soares de Campos), Grafmarques, Maceió, AL, 2022.  






sexta-feira, 2 de junho de 2023

Flashback para refrescar a memória: A petroleira Chevron (USA) contamina, mas não paga prejuízos no Equador

 Flashback para refrescar a memória

A petroleira Chevron (USA) contamina, mas não paga prejuízos no Equador

Hernando Calvo Ospina, jornalista colombiano, radicado na França, mais uma vez nos brinda com uma de suas relevantes matérias, enviando a esta nossa Agência Assaz Atroz (PressAA) artigo-reportagem de sua autoria, publicado pelo Le Monde Diplomatique, através do qual relata sua visita a sítios de petróleo no leste do Equador, região que se tornou palco de uma acirrada disputa judicial, que tem por objetivo fazer uma gigante do petróleo indenizar os prejudicados pelas contaminações que causou na Amazônia equatoriana, expondo populações indígenas à contração de graves doenças, como o câncer.


A petroleira Chevron, uma das que se negaram a participar do leilão do Pré-Sal brasileiro, por não concordar com o regime de partilha, passou da condição de réu para autor, de acusado para acusador, nos tribunais dos Estados Unidos. E, pelo visto, já gastou muito mais milhões de dólares com advogados e lobistas do que a milionária quantia que teria que pagar aos atingidos pela contaminação das águas e solos nas províncias remotas da Floresta Amazônica.

QUITO DETERMINADO A OBTER UMA REPARAÇÃO



Chevron contamina, mas não paga no Equador


Quarta-feira 19 de março, 2014 , por Hernando Calvo Ospina


Hernando Calvo Ospina. Le Monde Diplomatique . Edição * Março 2014
Por um lado, o Equador, pequeno país sul-americano de quinze milhões de pessoas. Por outro lado, a Chevron, a gigante da indústria do petróleo, cujo volume de negócios ultrapassou 230.000 milhões de dólares em 2012. Combate Desigual? Não importa: Quito está determinado a fazer a multinacional pagar pela poluição da qual esta é responsável.


Um dos veículos que nos acompanharam teve um problema técnico. Fomos obrigados a parar em um daqueles povoados da Amazônia equatoriana, que dificilmente aparecem em mapas do Google. Calor oprimia. Ao lado da oficina, uma senhora vendendo bugigangas para motoristas desamparados. Pedimos um pouco de água fresca. Mas quando ela estava prestes a nos atender, retrocedeu: "É melhor comprar uma garrafa na vizinha. A nossa pode lhe fazer mal". Foi a segunda vez, durante esta viagem, que recebi esta resposta.


Como muitos outros povoados nas províncias de Sucumbíos e Orellana, este não-lugar foi construído por gente vinda de longe, atraída pela indústria do petróleo, inaugurada pela empresa estadunidense Texaco, em 1962. Sushufindi, Tarapoa, Yuca ou Socha: são todas localidades que não são mais do que casarios. Outras têm crescido como Coca ou Lago Agrio, que têm quase 30 mil habitantes.


Josefa, uma colombiana que chegou faz 20 anos fugindo da violência em seu país, nos havia informado no dia anterior, que por sorte podia recorrer às águas da chuva. "E o resto do tempo?" ― "É água de poço!", responde com um sorriso resignado. Uma mulher com feições indígenas nos diz que começou o trabalho de instalar as tubulações de água potável. "E ainda assim, aqui nós nadamos em petróleo há um longo tempo." A poucos metros de distância, uma galinha bica avidamente o óxido de um enorme tubo que transporta o "ouro negro", o qual passa pelo casario de Yucca e se perde na distância.


Existem poços para buscar água a menos de duzentos metros a partir de duas piscinas de armazenamento, que contêm milhares de litros de resíduos de petróleo. São grandes escavações que não foram equipadas com um dispositivo para isolar a terra e evitar o vazamento de produtos tóxicos até o aquífero e as águas subterrâneas. A Texaco decretou que as terras da Amazônia eram argilosas e, portanto, impermeável. Sob essas condições, não havia necessidade de se construir valas de drenagem que coletem os resíduos que se transbordam com as chuvas.


Com o tempo, o “crudo” interage com a água e libera suas moléculas mais pesadas, que se sedimentam. Na superfície ficam as substâncias leves e oleosas. No meio se mantém uma camada de água. Para extrair esta, a Texaco colocou uns tubos chamados "pescoço de ganso". A empresa continua a repetir que essa água é potável, mas nenhum de seus engenheiros se atreve a bebê-la. As folhas e galhos que caem ao redor das piscinas se misturam com o líquido. Aos poucos, formou-se uma superfície macia que se parece com um colchão d'água. Mas seu aspecto é a de uma pasta preta grossa.


Uma investigação publicada em 2003, e realizada principalmente na zona de exploração da Texaco, informava que 87,3% dos entrevistados nessas províncias viviam a menos de 500 metros dos poços de extração, piscinas e outras instalações petrolíferas. E acrescentou que "42% vivem em um raio inferior a 50 metros", antes de concluir que a população local tinha sido exposta "a uma intensa contaminação" [1].


Durante 28 anos, a Texaco desfrutou de uma exploração de petróleo quase exclusiva na região. Em todo esse tempo, nunca informou sobre os riscos que corriam os seres humanos, os animais e as plantas ao redor de poços e piscinas. Muito menos se importava que algumas casas fossem construídas sobre áreas que foram piscinas, cobertas com terra e galhos.


A empresa abriu 356 poços, que. somados às suas piscinas, dá um total de 820 locais contaminados, como foi afirmado pelo tribunal da província de Sucumbios. Os camponeses e índios continuam a encontrar outros que foram escondidos. Alguns poços continuam despejando óleo. De acordo com a organização não governamental (ONG) Ação Ecológica, a Texaco "extraiu cerca de 1.500 milhões de barris de petróleo [...] em uma área de 442.965 hectares [...] e deliberadamente derramou toneladas de material tóxico e resíduos de mantimento e mais de 19.000 milhões de galões (cerca de 72.000 milhões de litros) de água suja no meio ambiente [2].


O gás que saía dos poços individuais, cujas chaminés não são muito altas, era queimado sem o menor controle. Quando chovia, a fuligem caía com a água. Os moradores a recolhiam para preparar a comida e beber, acreditando que não estava contaminada porque "vinha do céu".


As comunidades indígenas foram as mais afetados. "Não havia nenhuma presença do Estado", nos explicou Jimmy Herrera, que participa nos diálogos do atual governo com os índios da Amazônia. "Texaco estava em todas as partes. Para compensar os inconvenientes, oferecia para os indígenas bijuterias e objetos que não lhes serviam para nada, ou os ameaçava com a repressão do Exército quando eles protestavam. E os evangelistas que vieram dos EUA foram a sua mão direita ". Os aviões sobrevoaram a zona vomitando "panelas de alumínio, calças, fitas coloridas, botões e fotos dos missionários" [3]. Os religiosos se aproximaram depois para convencer os indígenas dos benefícios da companhia de petróleo e da "civilização". A mulher do povoado de Yucca contou que a vida de sua comunidade foi a pique porque seus membros foram forçados a buscar o salário da Texaco para a sobrevivência: a poluição havia acabado com a caça e a pesca.


Nós que viemos da cidade sentimos uma mistura de medo e prazer nesta área aberta da floresta, com o canto dos pássaros desconhecidos misturados com os gritos de animais de linha invisível. A folhagem vai engrossando na distância até converter-se em uma majestosa mancha verde.


Mas o que relata Shingre Medardo nos tira de nossa ensonação. Ele é um campesino que vivem em Tarapoa há cerca de quarenta anos, e pertence aos 30.000 vítimas da Texaco. Suas terras agrícolas são envenenados. E não só nos diz: na área mais ampla, você pode afundar um poste de cerca de 20 centímetros de solo, e as folhas manchadas de petróleo. No entanto, a natureza se encaixa: bananas adultos muito pequenos, estranhos olhando tubérculos, frutos e folhas que são deixados sem cor. À primeira vista, o terreno parece normal, compacto. Mas com o calor abanda e se gruda nos sapatos.


Nas províncias de Sucumbíos e Orellana, a mortalidade por câncer é três vezes a média nacional. 43% das famílias que têm pessoas com câncer consumia a água recolhida a uma distância de entre 100 e 250 metros da fonte de contaminação [4]. Mulher Yuca recorda que os funcionários da empresa tinha explicado a seu pai que o câncer entre os índios se devia à falta de higiene. Também não esquece que um homem loiro garantiu que a água suja com óleo iria torná-los fortes: “Se move um caminhão, por que não moveria vocês?”.


Em 1992, a Texaco deixou o país. Em 3 de novembro de 1993, os camponeses e indígenas de Orellana e Sucumbios, apoiados por organizações não-governamentais, principalmente estadunidenses, entraram com uma ação contra a petroleira, em um tribunal de Nova York. Acusavam danos ao meio ambiente e à saúde. Seis meses depois, várias organizações de base e comunidades se uniram para apoiar a alegação da União de Atingidos e Atingidas por Operações da Petroleira Texaco (UDAPT). A Frente de Defesa da Amazônia havia nascido.


Três anos depois, Texaco, preocupada em evitar uma ação judicial, assinou, com o governo equatoriano da época, um Plano de Ação de Reparação: a companhia se comprometeu a limpar 162 piscinas. "O que fizeram foi simplesmente contratar uma empresa que jogou terra em cima” ― recorda Shingre ―. Porém, ao aterrar as piscinas, agravou o problema, porque o petróleo foi deixado intacto e contaminação dos solos se acentuou."


Em 1998, o governo e Texaco firmaram a Acta de Finiquito, que protegia a empresa contra qualquer ação do Estado após o "conserto". Pouco importava os 30.000 afetados, ainda não indenizados.


Mas o processo continuou e a empresa pressionou para transferir para a Justiça equatoriana, comprometendo-se a respeitar a decisão dos tribunais. Pablo Fajardo, um jovem advogado que cresceu na região, explica a manobra: Texaco tinha "influência no sistema político e judicial. Estava, portanto, portanto, convencida de que poderia controlar o julgamento, e, de fato, era verdade" [5]. Em outubro de 2003, dois anos após a compra da Texaco pela Chevron, começou o julgamento, no Equador.


Fajardo, que enfrentou 39 advogados em uma década, conta que a Chevron gastou muitos milhões de dólares no julgamento. Enquanto isso, a Frente de Defesa da Amazônia não tinha mais do que os seus próprios recursos e a solidariedade internacional. Antes de uma nova Constituição, aprovada em 2008, garantir alguma ajuda, na medida em que determina ações civis. [6]


O que a Chevron não tinha previsto era que o país iria mudar com a eleição de Rafael Correa em 2006. E também o seu sistema judicial. A 14 de fevereiro de 2011 foi finalmente emitido um veredicto: a petroleira foi declarada culpada. Deveria pagar 9.500 milhões de dólares à UDAPT para limpeza dos seus solos, instalação de sistemas de abastecimento de água e a implementação de sistemas saúde e de desenvolvimento na área. Além disso, o juiz impôs uma sanção: a Chevron deveria pedir desculpas aos afetados no prazo de 15 dias depois da sentença. Caso contrário, o pagamento iria aumentar para o dobro. Chevron recusou-se a obedecer. Sua dívida duplicou, até que o Tribunal Nacional de Justiça aquatoriano anulou a decisão em 12 de Novembro de 2013.


Chevron, no entanto, contra-atacou ajuizando o Estado equatoriano perante os tribunais internacionais, alegando que este é que deveria ser responsável para reparar os danos. Pelo menos oito lobistas foram contratados para pressionar os membros do Congresso e do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, a fim de desacreditar o governo equatoriano e proteger seus interesses econômicos..


Em 2009, a Chevron apresentou nos Estados Unidos 14 processos diferentes contra a Frente Amazônica e contra qualquer um que trabalhou com os afetados. Em fevereiro de 2010, o Tribunal Federal de Nova York decidiu que, nos termos da Lei sobre Organizações Influenciadas por Extorsão e Corrupção, denominada RICO (Racketeer Influenced and Corrupt Organisations Act), os defensores da Frente tentaram, em processo judicial, "extorquir" a Chevron.


Atualmente, a empresa tem se arrastado Quito perante os tribunais de Washington por "violação dos tratados de proteção de investimentos bilaterais" que se ligam aos Estados Unidos. Não se pode esperar nenhuma decisão antes de 2015. Durante este tempo, a Chevron não pagou um centavo às vítimas.


Epílogo. Fazia dez dias que eu havia retornado para a França. Em 17 dezembro de 2013, de madrugada, recebi longa correspondência de Morgan Crinklaw, porta-voz da Chevron. Sem preâmbulos, declarava saber que eu havia visitado "sítios de petróleo no leste do Equador". Depois me expôs a versão da empresa "perseguida" pelo governo equatoriano.


Crinklaw começou a trabalhar para a Chevron no final de 2008. Antes, havia passado quatro anos no comando da comunicação do Partido Republicano no Congresso dos Estados Unidos.


No dia seguinte, enviei um e-mail perguntando como ele conseguiu obter meu endereço. Até hoje, eu não recebi nenhuma resposta.


NOTAS:


[1] Adolfo Maldonado e Alberto Narváez, "O Equador não é e vontade e país amazônico. Inventário dos choques do petróleo." Ação Ecológica. Quito, 2003

[2] "Você limpar depois Texaco", 11 de março de 2002.http://www.accionecologica.org/petr ...

[3] Fabian Sandoval Moreano, "Povos Indígenas e petróleo na Amazônia equatoriana", ECE, Quito, 1988.

[4] Adolfo Maldonado e Alberto Narváez, op. cit.

[5] "O homem que humilhou Chevron", El País, Madrid, 06 de junho de 2011

[6] Mary Aguinda (em colaboração com Patrick Bele), brin d'herbe A contre le goudron, Michel Lafon, Paris, 2012.



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Transladado por tradutor online, foram feitas adaptações idiomáticas para o nosso vernáculo.


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