

Talvez acasos do aeroporto nessa hora e semana, pensaria. Então ele, entre absorto e tonto, sentaria no restaurante e pediria uma cerveja. Mas pediria aos gestos e voz de comando, como antes, do antes de sua partida do Brasil. Pois não é que, ao ser atendido, ele notaria que na expressão do antigo e servil empregado existe agora uma feição de contrariedade? Algo como, digamos, “o senhor não é melhor que eu, por que me trata dessa maneira?”. E como o jovem, ou a jovem, abusada ou abusado, já se vê, conduzia também facas e garfos, ele daria uma gradação mais suave à sua maneira de terráqueo brasileiro de antes. Que constrangimento. Como é possível que pessoas diferentes recebam trato de remoto semelhante?
Então ele, antes de ganhar a rua, passaria na revistaria, ou banca de revista, como se diz no Recife. Ah, que bom, o brasileiro que voou para outra estrela e volta notaria que as revistas e jornais são tão boas quanto antes. As capas, mais coloridas, as caras da melhor cara mais bonita, os anúncios dos carros mais avançados, as colunas para a gente que vive na Europa e por acaso habita no Brasil continuam. Aqui o tempo não passou, pensa. É o bom Brasil de antes. E ganharia a rua, pelo caminho do táxi. A outra surpresa é o motorista. Ele pareceria um ser igual a ele, retirada a condição de taxista, of course. Pois não é que o inferior fala de história, de política, até, creia, de cultura e música, como se fosse um homem? O que é isso, que tempos são estes? Então, ao ver um aparelho de televisão, pede ao motorista para se atualizar com o noticiário.
- O senhor não prefere música? A tevê mente muito.
- Não, eu quero ver, por favor. (Em dúvida, rápido, aprendeu a usar “por favor”.)
E viu aparecer um barbudo, “é o Lula!”, ele se disse, mas era um Lula mais sereno, ponderado, a falar algumas coisas estranhas como redistribuição de renda, Brasil respeitado em todo o mundo, e, até mesmo, recomendar uma mulher, ex-presa política, como candidata à presidência do Brasil. Que é isso? Depois veio um careca, de olhos arregalados, sempre assustado, certamente com as coisas que o cidadão do disco voador via. O careca falava dos males da saúde, dos cuidados com a saúde, de educação com dois professores por sala, de segurança, da sujeira dos petistas, ah, sim, aqui, sim, estava o velho Brasil.
Então o nosso brasileiro foi aos correios, como antes, para dar notícias aos antigos que chegou e está de volta. Para quê? Viu pessoas que nunca viram telegramas, que não sabem nem sequer se isso se come, que se metiam a enviar correspondências, atrapalhadas entre destinatário e remetente, era certo, mas ainda assim mui metidas a gente, perguntando as coisas mais disparatadas, mas metidas onde nunca fora o seu lugar. Em muitos pôde observar que ligavam de celular, tomavam água mineral, até mesmo comiam iogurte. Outros batiam e se batiam fotos. E, ousadia, vestidos em roupa de gente!
Que tempo, que costumes. O que acontecera? Até parecia ter havido mudança na renda dos antigos brasileiros, e para melhor. Até parecia que todos copiavam a classe média como uma xerox absurda. Então o nosso extraterrestre pensaria em voltar para o seu casulo, mas que não fosse tão distante. Por isso compraria uma banca de revistas com televisão e rádio, e passaria a viver nessa estrela todos os dias. No ar e no papel do Brasil tudo estaria como antes. Que sorte, voar para uma nova galáxia sem sair do ex-mundo.
(Esse texto à feição de Fernando Soares, jornalista e escritor, vai em sua homenagem. Saúde, amigo.)
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Urariano Mota, escritor e jornalista, autor de “Soledad no Recife” (Boitempo – 2009) seu último romance, indicado como um possível livro do ano pelo conceituado site Nova Cultura, elaborado e administrado na Alemanha, com os destaques literários da CPLP - Comunidade de Países de Língua Portuguesa. É colunista do site Direto da Redação e colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz edita o blog SAPOTI DE JAPARANDUBA
Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons
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PressAA
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Um comentário:
Bom te ver . Grande abraço
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