terça-feira, 12 de novembro de 2013

Professor Bessa: DESAPRENDENDO NA ESCOLA --- Os "ciberrevolucionários" e o "ciber-saco de cibergatos"

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DESAPRENDENDO NA ESCOLA



Um professor Kaxinawá me contou da visita que a educadora Nietta Monte fez à sua aldeia, no Acre, há muitos anos, quando ela conversou durante horas com um velho sábio. Enquanto ouvia as narrativas tradicionais saborosas e cheias de vida que circulam em língua indígena, ela viu passar um jovem, caminhando em direção ao igarapé. Nietta, então, perguntou ao velho:
- Este menino aí conhece as histórias que o senhor me contou? Ele fala a língua Kaxinawá?
O velho respondeu:
- Não, minha filha! Coitadinho! Ele não sabe nada. É que ele frequentou a escola.
A escola, para os índios, durante muito tempo foi o lugar onde se desaprendia todas as coisas que sabiam sobre eles próprios. Se não me falha a memória, minha amiga Nietta descreveu essa experiência, com outras palavras e maior competência, em algum livro ou artigo, mas quem também me contou foi um aluno do Curso de Formação de Professores Indígenas, onde ministrei, em três ocasiões diferentes, módulos de História da Amazônia Indígena, convidado pela Comissão Pro-Indio do Acre (CPI/AC).
Para quem, como nós, trabalhamos com a escola e nela acreditamos, é terrível essa imagem de uma escola que des-ensina, de um lugar aonde os alunos desaprendem língua, tradição, saberes. Se não tivesse frequentado a escola, o menino dominaria língua e conhecimentos transmitidos através da pedagogia da oralidade, que ele desaprendeu dentro da instituição. Em muitos casos - é preciso reconhecer - a escola fez com extraordinária eficiência aquilo que a senadora Kátia Abreu sonha: eliminar os índios do mapa do Brasil.
Fábrica de brancos
No Brasil durante cinco séculos, a relação dos índios com a escola foi sempre tensa e conflituosa. Embora seu alcance tenha sido bem restrito, essa escola para índios, inaugurada com a catequese, atravessou o Império e a República. O estado neo-brasileiro herdou o modelo de escola que reprimia as línguas indígenas e excluía os conhecimentos tradicionais, as narrativas orais e os processos próprios de aprendizagem. Essa escola nunca contou com um único professor indígena.
Para os índios, a escola foi historicamente devoradora de identidades, apagadora de memórias, exterminadora de línguas.Aliás, num mito andino, a escola é apresentada como um monstro que maltrata e engana as crianças com mentiras.
Há alguns anos, pedi a meus alunos indígenas do Programa Kuaa Mbo'e de Formação de Professores Guarani da Região Sul que desenhassem a escola onde estudaram. Cada um dos 80 alunos fez o trabalho pedido. Um deles, Vanderson, revelou-se um grande artista do traço. Ele morava então na aldeia Pinhalzinho (PR), mas havia nascido em Laranjinha, onde ninguém mais falava guarani, porque a escola não-indígena já havia cumprido seu papel devastador de des-ensinar.
O desenho do Vanderson é uma obra prima. Trata-se de uma história em quadrinhos com muito movimento que acontece na sua escola. Ele desenhou um grande prédio, com uma chaminé, que ocupou toda a folha de papel. Escreveu na fachada, com letras grandes: FÁBRICA DE FAZER BRANCOS. Do lado esquerdo, na parte inferior, frente à porta de entrada, uma fila de crianças indígenas com cocar e tanga. Um agenciador com um megafone grita: - Entrem, entrem, crianças!
No quadro seguinte, as crianças que ingressaram encontram um cesto onde está escrito: "Deixem aqui os vossos adornos". As crianças se despem, então, do símbolo externo estereotipado de suas identidades. Prosseguem seu caminho em direção a um chuveiro, onde tomam banho de água sanitária para embranquecer. Daí, saem para outro espaço, onde lhes aguarda um laboratório. Lá, colocam na cabeça das crianças um capacete com fios para realizar uma lavagem cerebral.
Depois de mudados por dentro e por fora, as crianças passam por uma engrenagem sofisticada, com rodas dentadas, que parecem máquina de moer carne. Os coitadinhos são triturados, moídos, pulverizados e reformatados. Saem de lá para uma sala com guarda-roupa, onde vestem calça, camisa, sapato. No outro lado da página, no canto inferior, fica a porta de saída. O agenciador observa as crianças que saem e exclama com júbilo:
- Deu certo! Eles viraram brancos!  
Embaixada estrangeira
Foi contra essa fábrica de fazer brancos que, em princípio, foram criadas as escolas bilingues interculturais garantidas pela Constituição Federal de 1988. Pela primeira vez na história do Brasil, o estado nacional, pressionado pelo movimento indígena e por seus aliados, manifestou vontade política de reconhecer e valorizar as línguas e culturas indígenas e de sepultar a velha escola para índios, criando um novo modelo de escola de índios, bilingue, intercultural, específica e diferenciada.
Nos últimos 25 anos se estruturou dentro do sistema nacional de educação um sub-sistema escolar indígena, do qual fazem parte, hoje, cerca de 2.700 escolas, com 11 mil professores (10 mil deles são índios) que dão aula para mais de 205.000 alunos no ensino fundamental e médio, segundo o Censo Escolar de 2008 elaborado pelo INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. A escola indígena é, talvez, a única coisa nova na educação brasileira. Um pouco mais de 66% das escolas indígenas no Brasil são bilíngues e interculturais, seja lá o que isso signifique.
Cabe, então, perguntar: Qual o bilinguismo e a interculturalidade praticado? Como é que os índios veem hoje essa nova escola e qual a imagem que ficou da velha escola que legalmente deixou de existir? Registrei ao longo dos anos, nos cursos de formação de professores bilíngues que ministrei em 14 estados do Brasil, algumas histórias que revelam a imagem que tem os índios da escola.
Bartomé Meliá - uma vida inteira dedicada aos guarani - escreveu: "a interculturalidade é uma teoria bonita e uma proposta racional, ao se constituir também como pedagogia do diálogo e exercício de superação de diferenças sem eliminá-las, inclusive potencializando-as. A interculturalidade tem sido, no entanto, na prática, um rotundo fracasso. E precisamos perguntar: por que?". Para Meliá, "a farsa" engloba uma área particular da interculturalidade que é o bilinguismo: "Sem bilinguismo, ao menos intencional, não existe interculturalidade. O fracasso de um leva ao fracasso da outra".
Os avanços significativos não são ainda compartilhados por todas as escolas indígenas. Um controle rigoroso por parte de zelosos funcionários das Secretarias Municipais e Estaduais de Educação e um desconhecimento de muitos índios sobre seus direitos nesse campo, acabam evidenciando as limitações dessa escola.
"A escola dentro da aldeia é como se fosse uma embaixada de outro país". Foi assim que Leonardo Werá Tupã, professor bilingue guarani definiu a Escola Indígena da aldeia Massiambu, Palhoça (SC), numa entrevista para a dissertação de mestrado de Helena Alpini. A imagem, de forte valor explicativo, sinaliza para o fato de que embora a escola esteja localizada em território Guarani, quem tem controle sobre ela não é a comunidade local, mas o Estado nacional brasileiro, da mesma forma que a embaixada de um país estrangeiro é inviolável, conforme a Convenção de Viena.
Como escreveu o antropólogo José Augusto, o Guga, "a escola não é dos índios, é do Estado que constrói prédios, dá merenda, paga salários dos professores. É uma instituição de fronteira, de diálogo entre instituições sociais, instância de comunicação, campo de disputas, de efervescência política, de luta no plano simbólico".
A imagem e os avanços da escola indígena - esse foi um dos temas do I Congresso Internacional América Latina e Interculturalidade organizado pela UNILA - Universidade Federal de Integração Latinoamericana nos dias 7, 8 e 9 de novembro, em Foz de Iguaçu, dentro do Parque Tecnológico de Itaipu, de onde escrevo. Envio este resumo da minha fala para os leitores do Diário do Amazonas que devem ter percebido que no campo da educação indígena, como poetou César Vallejo em Los Nueve Monstruos: "Hay hermanos, muchísimo que hacer". 
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José Ribamar Bessa FreireDoutor em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2003). É professor da Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-Rio), onde orienta pesquisas de mestrado e doutorado, e professor da UERJ, onde coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas da Faculdade de Educação. Ministra cursos de formação de professores indígenas em diferentes regiões do Brasil, assessorando a produção de material didático. Assina coluna no Diário do Amazonas  e mantém o blog Taqui Pra Ti . Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz.
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Entrevista de José Ribamar Bessa Freire ao programa "Comitê de Imprensa", da TV Câmara


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No blog da redecastorphoto...


Não deixem a paranoia e o medo afastá-los do ativismo. Derrubem tudo!

11/11/2013, [*] Chris HedgesTruthdig
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Jeremy Hammond
NEW YORK – Jeremy Hammond estava sentado no Centro Correcional Metropolitano de New York, semana passada, numa pequena sala reservada para visitas dos advogados. Vestia o macacão de prisioneiro, largo demais. Muito alto e muito magro, o cabelo cai-lhe sobre as orelhas e está com uma barbicha rala. Falou com a clareza e a intensidade que se espera de um dos mais importantes prisioneiros políticos hoje presos nos EUA.

Sexta-feira, o ativista, de 28 anos, comparecerá para ouvir a sentença ante a Corte Distrital Sul de New York em Manhattan. Depois de ter-se declarado culpado, em troca de um acordo para reduzir a sentença, encara agora a possibilidade de ser condenado a 10 anos de prisão, por ter invadido os computadores da empresa de segurança privada Strategic Forecasting Inc., ou Stratfor, do Texas, que presta serviços sob contrato ao Departamento de Segurança Interna dos EUA; ao Marine Corps; à Agência de Inteligência do Departamento de Defesa e a inúmeras empresas entre as quais a Dow Chemical e a Raytheon.

Quatro outros envolvidos na mesma ação de hacking foram condenados na Grã-Bretanha, e todas as penas deles somadas – a mais longa foi de 32 meses – são muitíssimo menores que a pena possível de 120 meses que ameaça Hammond.

Hammond entregou o material todo à página WikiLeaks e à revista Rolling Stones e a outras publicações. Os três milhões de e-mails, quando tornados públicos, expuseram as ações de infiltração, monitoramento e vigilância contra manifestantes e dissidentes, sobretudo do movimento Occupy, feitas a serviço de empresas privadas e do estado de segurança nacional. Foi quando todos ficamos sabendo, comprovadamente, e talvez seja a revelação mais importante, que as leis antiterrorismo estão sendo aplicadas rotineiramente pelo governo federal dos EUA para criminalizar dissidentes democráticos não violentos, e para associar, falsamente, dissidentes norte-americanos e organizações internacionais terroristas. Hammond não procurava ganho financeiro. E nada recebeu.

Os e-mails que Hammond tornou de conhecimento público são parte das provas que instruem a ação que movi contra o presidente Barack Obama, nos termos da seção 1.021 da Lei de Autorização de Defesa Nacional [orig. National Defense Authorization Act (NDAA)]. Essa seção 1.021 permite que militares prendam cidadãos que o estado acuse de serem terroristas, permite negar-lhes o devido processo legal e mantê-los presos por tempo indefinido em instalações militares. Alexa O'Brien, estrategista de conteúdo e jornalista, co-fundadora de US Day of Rage [Um dia de Fúria-EUA], organização criada para reformar o processo eleitoral, é um dos coautores, comigo, naquela ação.

Katherine Forrest
Empregados da empresa Stratfor tentaram – e sabe-se pelos documentos que Hammond vazou – associar falsamente ela e sua organização a islamistas radicais e respectivas páginas de Internet, e à ideologia jihadista, pondo-a sob a ameaça de ser presa, nos termos da nova lei. A juíza Katherine B. Forrest decidiu, em parte por causa das informações vazadas, que nós tínhamos motivos razoáveis para ter medo, e anulou os efeitos da lei – decisão que foi anulada num tribunal de apelação, quando o governo Obama recorreu contra ela.

O estado-empresa já cancelou a liberdade de imprensa e a proteção legal a quem exponha abusos e mentiras praticados pelo estado e pelo governo. Daí resultaram o autoexílio de jornalistas investigativos como Glenn Greenwald, Jacob Appelbaum e Laura Poitras, além do processo contra Barret Brown. Todos os atos de resistência – inclusive o protesto não violento – já foram decididos, pelo estado-empresa, como atos terroristas. A imprensa foi castrada pelo uso repetido, pelo governo Obama, da Lei Antiespionagem [orig. Espionage Act], para acusar e condenar os tradicionais “tocadores de alarme” [orig. whistle-blowers].

Funcionários do estado e do governo norte-americano, que tenham consciência, estão aterrorizados e não procuram jornalistas, sabendo que o controle “no atacado” de tudo que se diga ou escreva pelos veículos de comunicação eletrônica é material rastreado e os torna facilmente identificáveis. E políticos eleitos ou o Judiciário já não impõem qualquer restrição à espionagem contra os cidadãos, ou eles mesmos nos espionam.

A última linha de defesa que nos resta são gente como Hammond, Julian Assange, Edward Snowden e Chelsea Manning, capazes de entrar dentro dos registros do estado de vigilância e controle, e que têm a coragem para entregar aos cidadãos o que lá encontrem. Mas o preço da resistência é muito alto.

Sarah Harrison fundamentou sua resposta lendo 

Der Spiegel: Snowden, o Homem Bomba!

Nesses tempos de secretude e abuso de poder, só há uma solução: a transparência, escreveu Sarah Harrison, a jornalista britânica que acompanhou Snowden à Rússia e, de lá, partiu para o exílio, em Berlin.

Se os nossos governos já estão tão comprometidos a ponto de não dizer jamais a verdade, temos de avançar e pegá-la. Desde que se tenha em mãos as provas inequívocas, documentos, fontes primárias, é possível lutar e resistir. Se o governo não nos dá informação verdadeira, temos de tomá-la, nós mesmos.

Quando os “vazadores”, “tocadores de alarme”, nossos sentinelas, avançam e chegam à verdade, temos de lutar por eles, para que outros se sintam encorajados a avançar, continua ela...

Quando caem, temos de ser a voz deles. Quando são caçados, temos de garantir-lhes abrigo e escudo. E quando são encarcerados, temos de libertá-los. Dar a verdade à maioria não é crime. Os dados são nossos, a informação é nossa, é nossa história. Temos de lutar por eles. Coragem é contagiosa.


Hammond sabe desse contágio. Estava em casa, em Chicago, vivendo em regime de prisão domiciliar das 7h às 19h, condenado pela prática de vários atos de desobediência civil, quando Chelsea (então ainda Bradley) Manning foi presa por entregar a WikiLeaks informação secreta sobre crimes de guerra praticados por militares e mentiras do governo. Hammond, naquela época tocava programas sociais de ajuda para alimentar pobres famintos e enviar livros a prisioneiros. Ele tem, como Manning, especial talento para ciências, matemática e linguagens de computador, e sempre teve, desde menino. Invadiu os computadores de uma loja local da Apple, aos 16 anos. Invadiu a página do departamento de ciência computacional da University of Illinois-Chicago, no primeiro ano de universidade, ato pelo qual a universidade não o admitiu à universidade no ano seguinte, quando voltou das férias.

Foi precoce apoiador da “ciber-libertação” e em 2004 iniciou um jornal “jornal de desobediência eletrônica(o)” que batizou de Hack This Zine. Conclamou os hackers, em palestra na Convenção DefCon, em 2004, em Las Vegas, a usar suas competências e talentos para tumultuar a Convenção Nacional Republicana anual. Quando foi preso, em 2012, era uma das invisíveis estrelas do underground do ativismo hacker, dominado por grupos como Anonymous e WikiLeaks, nos quais só o anonimato e rígidas regras de segurança eletrônica, com frequentes troca de apelidos, garantiam o sucesso e a sobrevivência. A coragem de Manning induziu Hammond a praticar o seu próprio grande gesto de ciber-desobediência civil, embora soubesse que corria alto risco de ser identificado.


PressAA: Colocar Glenn Greenwald, Julian Assange e Edward Snowden no mesmo saco de todos os acusados de vazamento de “ciber-documentos” e denúncias contra o governo e empresas dos Estados Unidos e seus parceiros mais graduados é fazer o jogo do “todos são iguais”. A mídia empresarial não se ocupa de muitas outras pessoas que estão em condições semelhantes mundo afora. Por que tanto interesse em falar desses de forma que ninguém sabe quando estão defendendo ou acusando? Por que esses viraram estrela e até continuam em perfeita liberdade, como Glenn Greenwald? (As agências de espionagem não perdoam, matam).

O que querem dizer com “auto-exílio”? Se algum deles assumir que optou por um tal de “auto-exílio”(Que droga é isso?!), estará dizendo que em seu país de origem não sofria perseguição, apenas discordavam da ilegalidade nas operações de monitoramento ilegal, que eles usaram, usam e abusam para fazer “ciber-ativismo”, “ciber-libertação”(?). Pede exílio quem se sente ameaçado, quem é realmente perseguido, quem está na iminência de ser violentado. Afinal, Glenn Greenwald foi e continua sendo perseguido, ameaçado? Não parece.

Por que pregar uma tal de “ciber-desobediência civil”, se não podem ou não têm culhões para pregar e praticar a desobediência civil no dia-a-dia, objetivamente, discordando de leis injustas? Praticar a própria desobediência civil no mundo real não exige assumir atitudes de vândalo, de exterminador do patrimônio público ou privado. Isso é coisa de “ciber-babaca”.

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Ilustração: AIPC – Atrocious International Piracy of Cartoons

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PressAA


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