sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Vida após a morte: isto não é prova, mas são evidências

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Vida após a morte: isto não é prova, mas são evidências

Por Fernando Soares Campos(*)

Suponho que o indivíduo que se declara ateu é, consequentemente, materialista, ou seja, considera toda atividade espiritual humana um mero efeito de organismos materiais, principalmente os que formam o sistema nervoso e o cérebro. Assim, podemos ainda supor que o ateu acredita que, quando da extinção das atividades físicas, a morte do corpo organizado, extinguem-se também as atividades psíquicas, as manifestações anímicas do corpo quando organizadamente vivo. 
Para o ateu, depois da morte do indivíduo, a matéria se decompõe e aquele corpo não mais manifestará vida inteligente. 

De certa forma, ele tem razão, mas apenas de certa forma, e não de forma abrangente.

A falta de fé e descrença numa divindade podem ser manifestações mentais e afetivas tão religiosas quanto crer e ter fé numa entidade divina. Isso ocorre quando o indivíduo diz que não crê na existência de Deus porque não encontra argumento lógico em nenhuma das formas dos deuses propostos pelas religiões. Para esse tipo de ateu, que está mais propenso ao agnosticismo, nenhuma divindade suprema que lhe foi apresentada pode ser aprovada quando submetida a uma análise sob método empírico de comprovação científica.

Contraposto ao ateu, existe quem crê na existência de um deus personificado, uma entidade ultrassublime, uma psique onisciente, onipotente e onipresente, um deus criador de todas as coisas, inclusive, das psiques etéreas à sua semelhança, as quais seriam dotadas de corpos materiais densos para se locomover e se comunicar entre si, enquanto habitassem, por curto período, um orbe como a terra ou similar. Seus corpos materiais teriam a propriedade da reprodução e existiriam por um ciclo vital (nascimento, vida e morte). Sob essa condição, as psiques etéreas (almas) seriam consideradas encarnadas, ou materializadas, e surgiriam juntamente com a formação do corpo material. O final do ciclo vital, a morte, seria apenas do corpo físico, enquanto a psique etérea sobreviveria independente, livre da matéria tangível.  

Ao projeto da criação, a psique ultrassublime, a criadora, teria estabelecido, além das leis naturais de reprodução e manutenção do corpo material, as normas comportamentais, um conjunto de valores e preceitos a serem seguidos pela psique etérea materializada.

Desde o início do ciclo vital, o deus criador, através de seus auxiliares extrassublimes, observaria o comportamento das psiques etéreas encarnadas, distinguindo aquelas que se comportaram bem, obedecendo ao conjunto de normas e preceitos de sua empresa, das que se comportaram mal, as que infringiram as leis morais que determinam como devem agir diante das diversas circunstâncias, com as quais possam se defrontar durante a existência atrelada ao corpo material. As primeiras permaneceriam sob seus eternos cuidados, desfrutando o ambiente divino do seu deus criador; as segundas, ou expurgariam, por um longo período, suas infrações menores, passando a merecer a coabitação entre as psiques obedientes às regras da empresa divina, ou, nos casos de gravíssima desobediência, sofreriam eternamente as consequências de não haverem se comportado bem.

É como se as psiques fabricadas sob a permissão do criador fossem submetidas a um período de teste de qualidade, através do qual a psique ultrassublime avaliaria a resistência, capacidade e, principalmente, o comportamento diante das normas, tabus, costumes ou mandamentos hierárquicos, que lhes seriam ministrados, de forma religiosa, por psiques-etéreas representantes do criador, igualmente encarnadas, mas reconhecidamente capacitadas para exercer tais funções.

Porém, no processo de fabricação (reprodução) dos corpos materiais que servirão de instrumento para que as psiques realizem seus testes, em alguns casos, ocorreriam acidentais falhas, e os corpos apresentariam defeitos de fabricação: membros atrofiados, órgãos debilitados, ou mesmo a falta de algumas dessas peças, obrigando as psiques nessas condições a utilizarem seus corpos deficientes, ou desistirem da prova ali mesmo, no final da linha de produção. Outras, durante a fase de prova, sofreriam acidentes que interromperiam os ciclos vitais muito antes de esgotar o prazo médio de validade dessas máquinas orgânicas.

Vem daí a ideia religiosa de que a nossa massa corporal é tão-somente o veículo de um suposto ser psíquico que, depois de utilizá-la, existiria "totalmente" desvinculado de qualquer forma de matéria. É como se o psiquismo fosse um ente imaterial cuja dependência do corpo físico tivesse apenas o objetivo de se fazer comunicar com outros seres psíquicos igualmente materializados. Estes seres etéreos usariam os corpos materiais somente durante a fase de teste (a existência encarnada). Receberiam estímulos através de órgãos apropriados para a transmissão dos sentidos básicos (olfato, paladar, visão, audição e tato), além de assimilar e decodificar informações captadas pelos processos de percepção, atenção, associação, memória, raciocínio, juízo, imaginação e pensamento, transformando qualquer impressão em linguagem que expresse sua autoconsciência. Além dos sentidos comuns e do processo cognitivo, a psique etérea, em muitos casos, vivenciaria experiências sensoriais transcendentes, aquilo que vai além das idéias e conhecimentos ordinários.

Religiosos acreditam que essa alma seja alguma coisa que possa, em outra dimensão cósmica, manifestar-se independente, livre, dissociada de qualquer tipo de matéria. Certamente, tal conceito remonta a milênios antes da ciência descobrir a existência de partículas subatômicas, os objetos quânticos. Quem poderia, hoje, garantir que a matéria só existe conforme a composição clássica: átomos que formam moléculas que formam células que formam tecidos que formam órgãos...? (As chamadas matérias orgânicas, que formam corpos animais e vegetais.) Ou aquelas cujas estruturas moleculares lhes conferem o estado de mineral?

A ciência ainda não desvendou totalmente as verdadeiras essências das matérias e das energias existentes no Universo conhecido. Acredita-se, inclusive, que possa existir neste Universo algum tipo de substância formada por elementos distintos de toda composição de matéria e energia que conhecemos. A mais recente descoberta nesse campo é a da misteriosa energia escura, ou energia negra, cuja natureza ainda se constitui num dos maiores desafios para ciência, no que tange, principalmente, aos atuais conhecimentos da física e da cosmologia. O Universo também desperta interesses no campo da filosofia, destacadamente, da metafísica, através da qual se realizam investigações transcendentes às experiências sensíveis, em busca de fundamentos exclusivamente teóricos sobre as relações entre os corpos celestes, a força gravitacional, a expansão deste Universo, a infinitude e eternidade do espaço-tempo, a possibilidade da existência de vida inteligente em outras plagas cósmicas, as manifestações da alma humana e a existência de um deus criador de todas as coisas.

Assim como não podemos conceber o Nada, não há como compreender a manifestação psíquica sem um elemento físico, condutor de energia sutil, capaz de realizar o processamento dos dados disponíveis e expressá-los através de movimentos corporais, linguagem oral e escrita, ou mesmo por ondas ou radiações.

Acreditar que a psique etérea pode se manifestar sem a participação de qualquer tipo de matéria decorre, provavelmente, de preconceito, pelo fato de considerarmos a matéria um elemento inferior, um objeto tangível, identificável pelos sentidos básicos da máquina humana, os canais materiais; enquanto a alma (a psique, o psiquismo), um ente imaterial, seria sublime, intocável, venerável, aquilo que nos assemelha a Deus, a psique ultrassublime.

Ainda não nos desvinculamos das sensações que a matéria densa proporciona à psique etérea, aparentemente a ela "aprisionada". Temos a impressão de que o ser eminentemente psíquico se manifesta usando a matéria apenas enquanto vivencia as experiência na "fase de teste", mas que, ao fim do ciclo vital do corpo físico, se libertaria desta matéria. Este é um estágio do ser ainda bastante rudimentar, imbuído de preconceitos em relação à matéria. Mero preconceito.

Entretanto este ser etéreo está evoluindo e alcançará estágios em que conhecerá as leis naturais que regem sua existência, identificará a matéria em seus múltiplos estados e funções e perceberá como alcançou autoconsciência, como ocorreu a sua evolução. Perderá o preconceito e considerará a matéria apenas um estado natural, igualmente "divino", quando comparada ao ente etéreo, a psique imaterial.

A matéria é a concentração de elementos do Universo conhecido. O ente psíquico nunca se manifestará independente do ente material, mesmo porque não há como nem por que separar um do outro.  A diferença fundamental entre um e outro é que a matéria é eterna, indestrutível e se transforma; enquanto o ente psíquico é igualmente eterno, indestrutível e evolui.  

A transformação da matéria

Antoine-Laurent Lavoisier, reconhecido como o pai ou fundador da química moderna, através de seus trabalhos de pesquisa,pôde enunciar uma lei que ficou conhecida como Lei da Conservação das Massas ou Lei de Lavoisier.

"Numa reação química que ocorre num sistema fechado, a massa total antes da reação é igual à massa total após a reação". Ou "Numa reação química a massa se conserva porque não ocorre criação nem destruição de átomos. Os átomos são conservados, eles apenas se rearranjam. Os agregados atômicos dos reagentes são desfeitos e novos agregados atômicos são formados". Ou ainda, sob conceito filosófico: "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma."

Daí podemos concluir que nada pode surgir do nada; e nada pode transformar-se em nada.

A partir dessa constatação, entendemos que os elementos que constituem o nosso corpo material são eternos, indestrutíveis, eles apenas reagem entre si e se transformam (durante e após o ciclo vital).

A evolução do ente psíquico, a psique etérea 

O ente psíquico, etéreo, autoconsciente, individual, único, unido ao nosso corpo material, é igualmente eterno, indestrutível, entretanto este, à medida que aprofunda seu autoconhecimento, é capaz de criar mecanismos próprios para controlar seus desejos e impulsos afetivos e emotivos; adquire conhecimentos através de processo em que aplica a percepção, atenção, associação, memória, raciocínio, juízo, imaginação, pensamento e linguagem; desenvolve métodos próprios para o aprendizado de determinados sistemas e soluções de problemas; nele não ocorre a simples transformação de seus elementos, mas, sim, o progresso quantitativo e qualitativo de conhecimentos e o aperfeiçoamento do emprego de suas principais funções (cognição, volição, afeto e motivação), portanto o ente psíquico evolui.

Podemos também afirmar que, em vista do ente psíquico desejar conhecer a verdade e persegui-la, esta evolui consigo.

Tomás de Aquino afirmou que "nenhum ente esgota a verdade", e isso reforça o nosso conceito de evolução da verdade.

Hegel dizia que uma tese sempre terá para si uma antítese, e a união dessas teorias formaria uma nova ideia, abrangendo aspectos da tese e da antítese em síntese. E a síntese se tornaria uma nova tese, e, assim, o ciclo se reinicia com a formação de sua respectiva antítese. O que  vem a ser isso, senão o caráter evolutivo da verdade?

Se a matéria fosse a causa da inteligência, por que, ao final do ciclo vital, essa matéria, que vinha manifestando tal inteligência, volta ao estado primitivo, em que somente as leis que regem seus aspectos físicos e químicos funcionariam? A matéria continua se transformando eternamente, porém aquilo que os ateus consideram como sendo de suas exclusivas responsabilidades, a inteligência e seus produtos, cessariam.

O próprio ateu, consciente de que a ciência ainda não desvendou totalmente as verdadeiras essências das matérias e das energias existentes no Universo conhecido, pode acreditar na sobrevivência da alma, a psique etérea, dando continuidade ao processo evolutivo de um ser autoconsciente de sua existência, sem, com isso, acreditar na existência de um deus criador de todas as coisas, onisciente, onipotente, onipresente e justiceiro. Basta crer, fundamentado em métodos científicos e metafísicos, que essa psique realmente jamais se manifestaria desprovida de qualquer forma de matéria (que é basicamente em que o ateu acredita). Basta saber que certa matéria quintessenciada, conforme já propagava Aristóteles (384 a.C. a 322 a.C.), dizendo tratar-se de determinado elemento etéreo que compõe as esferas celestes, distinto em sua quase imaterialidade das quatro propriedades naturais - terra, água, fogo e ar - que constituem os corpos densos no mundo sublunar, o éter, pois bem, basta saber que esse tipo de matéria envolve o corpo material denso e, dessa maneira, expressa toda a inteligência explicitamente observável, identificável.

Essa psique etérea conhece todo o processo de nascimento, vida e morte (ciclo vital) do corpo material organizado e tem consciência de que, sob qualquer forma que esse corpo venha a perecer, ela sobrevive no corpo de matéria sutil, cuja composição ainda é praticamente desconhecida da ciência. Ateu que não se dá ao trabalho de analisar tal possibilidade, fica com o seu dogma sobre a inexistência de vida inteligente após a morte do corpo físico.

(*)Fernando Soares Campos é escritor, autor de "Fronteiras da Realidade - contos para meditar e rir... ou chorar" - Chiado Editora - Portugal - 2018.   


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