domingo, 30 de setembro de 2012

ENTRE AMAZONINO E AQUILINO

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Quem é mais notícia: Aquilino ou Amazonino? Será que estamos fugindo da raia quando noticiamos as façanhas do primeiro - um desconhecido da mídia, e deixamos de opinar sobre as pilantragens do segundo - um notório finório que ocupa as manchetes dos jornais do Amazonas?


- Numa terra de fugitivos, aquele que anda na direção contrária é que parece estar fugindo.
Li em algum lugar essa frase do poeta Thomas Eliot e me lembrei dela diante da cobrança de um fiel leitor, de quem frequentemente discordo, mas a quem aprendi a respeitar. Ele acha que estou fugindo dos temas essenciais e me censura:
- Você está abordando outros assuntos em sua coluna como um pretexto, uma desculpa esfarrapada para não opinar sobre as eleições de Manaus.
Segundo outra leitora, estou mesmo fugindo. Ela reforça via facebook:
- Não fuja do pau! No lugar de escrever sobre índios ou sobre a eutanásia, faça um balanço da administração desastrosa do prefeito Amazonino Mendes. Por que você não discute a "guerra do ovo" ou a "guerra do cuspe", tomando posição quanto aos candidatos a prefeito? Isso é que é notícia, o resto é abobrinha que a ninguém interessa.
Será? De qualquer forma, leitores são tão raros, hoje, e mais raros ainda aqueles que te dão um retorno, que recomenda-se tratá-los com mingauzinho de aveia ou mamão com mel. Além disso, é legítima a cobrança feita aqui. Por isso, concordando com eles, comecei a escrever sobre as eleições municipais com destaque para a figura bufonesca e pícara do Amazonino Mendes, mas fui interrompido por um terceiro leitor - leitores são tão escassos - que me enviou um e-mail sugerindo:
- Escreve sobre o Aquilino.
O que é notícia   
E agora, José? Entre Amazonino e Aquilino, o que fazer? Com qual conceito de notícia devemos operar? Existem dois mil quatrocentos e trinta e três articulistas que, ignorando os aquilinos, escrevem sobre os amazoninos, cujas malandragens pululam pelos municípios deste Brasil varonil. Por isso, quando alguém faz o caminho contrário, parece que está evitando a notícia, que está fugindo dela.
E isso porque a mídia está se lixando, olimpicamente, para eventos como aqueles que ocorrem, por exemplo, dentro da universidade. Uma aula, uma conferência, uma defesa de tese ou o lançamento de um livro, por mais excepcionais que sejam, jamais serão notícia, a não ser que um aluno dê um tiro nos cornos de um professor, ou uma aluna use mini-saia, bem mini, excepcionalmente mini, como aquela estudante que causou tumulto em uma faculdade de São Bernardo do Campo (SP). Mas aí, a notícia não é o fato acadêmico.
Decido, então, caminhar contra a corrente, com o risco de parecer fugitivo. Interrompo o texto sobre Amazonino, suspeitando de que essa nova direção é válida, se são outros os critérios definidores do que é notícia. Com a licença dos leitores, troco os atores, focando sobre Aquilino. Afinal, quem é ele? O que foi que fez para ser notícia? 
Aquilino Tsere'ubu'õ Tsi'rui'a é o primeiro índio xavante a receber o título de mestre. O fato aconteceu na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), de Campo Grande (MS), na última quarta-feira, dia 26, quando ele defendeu sua dissertação de mestrado intitulada - A sociedade xavante e a educação: um olhar sobre a escola a partir da pedagogia xavante. Com ele, já são nove os índios de diferentes etnias que se titularam no Programa de Pós-Graduação em Educação da UCDB.
A pesquisa etnográfica feita por Aquilino, orientada pelo doutor Neimar Machado, usou vários procedimentos metodológicos, revisou a bibliografia sobre o tema, entrevistou os velhos xavante, organizou um diário de campo recuperou fotos antigas em arquivos. Dessa forma, o novo mestre pode contar sua história, que é também a da aldeia Marãwatsédé, onde nasceu, e que foi invadida pela fazenda Suiá-Missú. Ele foi expulso de lá, com seu clã, quando era criancinha, o que acabou interferindo até mesmo nas formas de ensinar e aprender.
Pedagogia xavante
O primeiro capítulo reconstrói a andança dos Xavante, na época da ditadura militar, quando os índios foram obrigados a sair da área, sendo levados por aviões da FAB para São Marcos, uma missão salesiana situada a 400 km de lá, no atual município de General Carneiro. Nesse trajeto, muitos morreram de sarampo e outras doenças. Depois de muita luta, a Terra Indígena Marãwatsédé foi homologada e os xavantes a ela retornaram. Mas a retomada integral das terras foi dificultada pela presença de pequenos proprietários.
A pesquisa discute, então, o que aconteceu com as práticas culturais xavante, com a língua, com agricultura e o sistema de troca, com os rituais, com a vida religiosa e com as práticas pedagógicas. O autor comenta os três princípios que orientam as formas de ensinar e aprender: as narrativas antigas, a religião e a tradição. Critica o ensino "copiado" do sistema escolar brasileiro, por não considerá-lo o mais adequado para a escola indígena e propõe o diálogo intercultural como alternativa.
O historiador Neimar Machado avalia assim o trabalho do seu orientando:
Aquilino reverteu o conceito de história ao propor que a história dos xavante foi andança. Nesse sentido, a história Xavante não é somente dos Xavante, mas também de muitas outras etnias acometidas, expulsas de seus lugares, pelo colonialismo e seus agentes. Agora, segundo as palavras do Aquilino, os Xavante querem e estão voltando aos seus lugares, impelindo o fechamento de um círculo, daí a narrativa circular, pois ela é também história e política, nos termos propostos por Néstor Canclini.
A banca, composta por professores da UNEMAT, UFMS e UCDB, aprovou a dissertação, avaliando que o mestre Xavante cumpriu o objetivo proposto pela pesquisa, que era analisar a organização educacional e os processos próprios de aprendizagem, além de discutir a proposta pedagógica das escolas e o ensino da cultura Xavante.
Prometo que no próximo domingo, o foco será sobre as eleições. Isso se durante a semana nenhum índio defender dissertação ou tese, porque nesse espaço, primeiro vem o Aquilino e, depois, os amazoninos. Hepãrĩ - obrigado!

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José Ribamar Bessa FreireDoutor em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2003). É professor da Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-Rio), onde orienta pesquisas de mestrado e doutorado, e professor da UERJ, onde coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas da Faculdade de Educação. Ministra cursos de formação de professores indígenas em diferentes regiões do Brasil, assessorando a produção de material didático. Assina coluna no Diário do Amazonas  e mantém o blog Taqui Pra Ti . Colabora com esta nosssa Agência Assaz Atroz.

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Outras matérias que estiveram hoje sob o crivo dos pauteiros da PressAA...


Um espectro ronda o jornalismo: Chatô

BRASIL! BRASIL!



Em texto exclusivo para o 247, o escritor Fernando Morais narra como, em meados do século passado, Assis Chateaubriand encomendou ao diretor do Estado de Minas uma reportagem sobre o estupro supostamente cometido pelo arcebispo de Belo Horizonte contra a própria irmã. Detalhe: Dom Cabral não tinha irmã. Passadas oito décadas, Chatô exumou-se do cemitério e encarnou nos blogueiros limpos e editores dos principais jornais brasileiros


Fernando Morais,  Brasil 247 

As agressões e infâmias dirigidas por alguns jornais, revistas, blogs e telejornais ao ex-presidente Lula e ao ex-ministro José Dirceu me fazem lembrar um episódio ocorrido em Belo Horizonte em meados do século passado.

(...)

Passadas oito décadas, suspeito que Chatô exumou-se do Cemitério do Araçá e, de peixeira na cinta, encarnou nos blogueiros limpos e nos editores dos principais jornais e revistas brasileiros.  
Como no caso de Dom Cabral, cabe a Lula provar que não marchou com a família e com Deus, em 1964, quando tinha 18 anos, pedindo aos militares que derrubassem o governo do presidente João Goulart. Cabe a Dirceu provar que não foi o chefe do chamado mensalão.
Fernando Morais é jornalista e escritor. É autor, entre outros livros, de “Chatô, o rei do Brasil”, biografia de Assis Chateaubriand.
(Para ler artigo completo, clique no título)
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E...



Assim como o julgamento do capitão francês também foi julgado, o mesmo acontecerá um dia com o processo do mensalão. Lá atrás, a corte de Paris dobrou-se aos interesses oligárquicos e decidiu reincidentemente contra provas, mandando às favas conquistas fundamentais da revolução de 1789. Será esse também o caminho da corte suprema brasileira? Leia o texto exclusivo de Breno Altman para o 247, na data que marca 110 anos da morte de Emile Zola, autor do célebre "J´accuse"
(Clique no título e leia artigo completo no site 247)
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E tem mais...
Nunca esteve tão clara a situação da eleição em São Paulo: mesmo que Serra, ajudado por todos os barões da mídia – que, aliás, são os únicos entusiastas de sua campanha – conseguisse o milagre de passar ao segundo turno, perderia a eleição. Russomanno começaria a finalíssima com a vantagem da inacreditável taxa de 46% de rejeição que Serra carrega nas costas. Situação ideal para um apresentador de TV premiado com a inesperada primeira colocação na preferência do eleitorado paulistano, não é mesmo? Russomanno se safaria de ter que enfrentar um ex-ministro do tamanho de Haddad. Não teria que apresentar o inconsistente, senão o inexistente, Programa de Governo que nunca imaginou vir a precisar realmente em sua aventura eleitoral.
(...)
Na reorganização das forças, no segundo turno, só Haddad teria chances de vencer Russomanno. Até a Soninha, amiguinha do peito de Serra, se antecipou e declarou ao vivo, no último debate, na TV Gazeta, que vota em Haddad no segundo turno.
(Artigo enviado a esta nossa Agência Assaz Atroz pelo nosso correspondente Roni Chira, a título de colaboração. Isso nos dá imenso prazer! Clique no título e leia artigo completo.)
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Ilustração: AIPC - Atrocious International Pircy of Cartoons
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PressAA

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