quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Entrevista copidescada com um homem em estado de sítio

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por Equipe Assaz Atroz

Ficha: Agente a serviço da intelectualidade oficial de patente, autor de “Mais de 1.800 Colinas”, livro que deu origem ao hino “1800 Colunas Curvadas”, do general Costa Colina, Callos Heiduque Conifloro volta à narrativa minimalista ao lançar obra de não-ficção (continue doente): “Conspiração contra a Teoria da Conspiração”.
                               
Nesta entrevista, concedida a dois repórteres frilas e um Assaz Atroz contista paraíba-carioca, Heiduque fala de sexo, futebol, cachaça, política, jornalismo e cultura inútil em geral.

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Eis que surge Callos Heiduque Conifloro no convés do seu iate fundeado na Lagoa dos Feitos, andando com dificuldade, pois perdeu seu poder de volitar. Se a distância fosse maior, usaria um ultraleve; viagens, agora, só mesmo no seu jatinho adaptado.

Durante duas madrugadas de conversa fiada, o escritor acadêmico pagou mico, falou de tudo um pouco, até de literatura; lembrou amigos como Paulo Franco, aspirante a generalíssimo, e Adolphino Broche, seu führer-mentor, e contou como transcorreram suas hospedagens em quartéis cinco estrelas, nos tempos da ditadura militar que se instalou no Brasil em 1º de abril de 64, época em que pouca gente fazia 69 – morria antes, de acordo com a expectativa da vida inútil de cada um de nós.

Ele até se emocionou ao falar de trabalhos seus que voltam às livrarias em novas tiragens revisadas do ponto de vista ideológico: “Esqueçam tudo que um dia eu disse, mas esqueçam também tudo que de mim disseram daqui em diante; exceto o que aqui vou dizer atrozmente e que brota de uma mente que não mente”. Voltando-se para nós, perguntou: “E aí? Sou ou não sou melhor frasista que o Nelson Rodrigues?” (os ponto-e-vírgulas aqui utilizados contrariam palpite de Heiduque; confira na entrevista).

“Conspiração contra a Teoria da Conspiração” reúne contos crônicos, ensaios profundos, literatura infanto-senil, entre outros gêneros genéricos.

E, como diria Odorico Paraguaçu, deixemos de lado os entretantos e vamos partir pros finalmentes...


Assaz Atroz – O senhor acompanhou a construção do Estádio de Sítio, em 1964, e assistiu ao jogo entre Direita e Esquerda. Com essa bagagem, acredita que vamos faturar a Copa de 2014?

Callos Heiduque ConifloroÉ complicado! O futebol que jogamos hoje não é o mesmo do mundo cubalizado em que vivíamos em 64. A seleção dos Estados Unidos, por exemplo, sempre foi formada por pernas-de-pau, só ganhavam uma partida se comprassem o juiz, os bandeirinhas e até os gandulas, além de dar souvenir à galera, pompom pra torcida. Hoje ainda é assim; mas, com as redes de relacionamento na internet, aumentou seu poder de influência. Em 1950, batemos de 6 a 1 a seleção da Espanha, ao som de “Touradas de Madri”, de Braguinha. Porém, naquela época, os espanhóis jogavam feito miúra, touro bravo, mas, miúdo. Dizem até que esse tipo de touro anda passando fome por lá... Conversa fiada! O touro deles engordou, e estão batendo um bolão... A seleção paraguaia, sim, essa está num tremendo miserê, pois lá a vaca foi pro brejo.

E no caso do Brasil, nós temos ou não temos chances concretas de faturar a Copa de 2014?

Depende do “nós”! A quem você se refere? Nós quem, gafanhoto? [?!] Vocês sabem que existem brasileiros que torcem contra, é a turma do quanto-pior-melhor. Mas, respondendo diretamente à sua pergunta, eu diria que chance todo mundo tem, mas o que falta ao Brasil é um técnico com espírito de “füherer”. Gosto muito dessa palavra, mas às vezes digo que não, porque posso ser mal interpretado. No Brasil não há técnico com esse estilo no mais amplo sentido da palavra, só uns arremedos. Para melhorar nossas chances, precisamos encontrar um técnico-füherer, um sujeito com verdadeira capacidade de liderança.

O Serapião seria uma boa opção?

Pelo menos rima! [sorriso amarelo] Precisamos de mais arrojo, na base do nazismo mesmo, sabe?! Um camarada com cujones em cima dos jogadores. Não vejo ninguém com esse potencial todo. A Copa é um torneio medieval, como diria o Merdal Parreira. E hoje as seleções de fora têm esse cacete de combate muito superior ao nosso. Técnicos com verdadeiro espírito “füherer”. Já tivemos técnico até no estilo liderzinho, como foi o caso do Lugallo, em 1970, que quase tardiamente substituiu João Saudade, que não dava pra gente engolir... Aquele que foi convocado e depois cassado. Lugallo teve mais sorte, ganhou a Copa. Mas ele não é propriamente um técnico “füherer”, aprendeu táticas de futebol assistindo a partidas no Morumbi, depois de ter observado muito jogo de várzea às margens do Tietê. No entanto, precisamos de mais! Como diz São Serapião: podemos fazer mais!

O senhor é a favor da reforma do velho Estádio de Sítio?

Os estádios modernos não são mais em forma de prato, como, por exemplo, o Maracanã e o Morumbi. Essa reforma seria necessária para deixá-lo em forma de xícara, que favorece a visão. É uma questão polêmica, porque, se fizermos isso, ampliaremos a visibilidade da galera ignara. Nós abolimos a geral exatamente por isso, porque a classe Z ficava na mesma posição dos técnicos, à beira do gramado. E foi assim que surgiram muitos técnicos empíricos, gente que não tem formação acadêmica e se acha! Creio que um dos maiores problemas é o acesso ao estádio, que só seria solucionado se criássemos condições de todo torcedor poder comprar um carro. Do jeito que o consumismo anda, é bem capaz de chegarmos a 2014 nessas condições. Deus nos livre!

Como já falamos, o senhor acompanhou a construção do Estádio de Sítio. Qual foi a maior polêmica para se concretizar o projeto?

Ary Barroso e Carlos Lacerda eram vereadores. Lacerda queria o estádio em Jacarepaguá, ali onde hoje fica o Riocentro, o da bomba. Talvez por interesse na valorização de umas áreas na Zona Oeste, propriedades de possíveis investidores de suas campanhas eleitorais. Ary queria que fosse construído na Tijuca. Foi uma briga de foice!

Mas o Partido Comunista, que na época havia eleito 18 vereadores, entre eles Aparício Torelly, o Barão de Itararé, fechou com a proposta do Ary: fazer na Tijuca, próximo ao local onde funciona até hoje um quartel militar. Foi o erro deles. O "Jornal das Peladas", com Mário Filho no comando, também fez campanha, movido a verbas publicitárias, claro!

O senhor conheceu Nelson Rodrigues depois que conheceu seu irmão Mário Filho, não foi nessa ordem?

É verdade, eu era amigo do Mário e acabei conhecendo o Nelson. Mas ele não me conhecia. [?!] Quer dizer... ele não tinha ideia de com quem estava lidando. Quando notou que eu era um frasista mais habilidoso do que ele, aí ficou enciumado e criou uma birra comigo.

Quando o Marcito [Márcio Moreira Alves, o Gota d’Água] foi candidato a deputado em 1966, emprestei meu carro, um Simca Chambord, para a campanha. Naquela época era ou Ford ou sai de Simca. A turma do DOPS flagrou o Marcito com material de propaganda considerado subversivo. Coisa do tipo: “Queremos verba publicitária!”. A notícia saiu nos jornais, e Mário me telefonou, preocupado. Naquele dia ele passou mal e à noite morreu.

Fui ao enterro, e Nelson me viu chorando. Tudo mudou a partir daí. Ele disse que havia perdido um irmão, mas ganhado outro. Uma frase nada original. Mas felizmente não foi naquele momento que ele disse: “Só o inimigo não traí nunca”.

Estreitaram os laços de amizade?

Até o dia em que ele disse: “Invejo a burrice, porque é imortal”.

No seleto grupo que circundava o Nelson e que contava com o Gastão, um cara que, quando me via, vomitava, todos tinham a certeza de que o personagem Palhares, o canalha, aquele que não respeitava nem as cunhadas, era eu. Na época, vestiu saia, não era padre nem escocês, eu tascava.

Sempre nos encontrávamos num boteco perto do "Jornal das Peladas". O Nelson pedia uma fatia de queijo do reino, mas havia de ser uma fatia bem finiiiinha. Ele precisava enxergar através da fatia. Disse a uns amigos que era pra quando levasse a fatia à boca, assim, como quem come macarrão em botequim, continuar acompanhando meus movimentos. Se não via através do queijo o outro lado, não comia. Era uma excentricidade.

O senhor vê alguma relação entre a sua obra e a dele?

Não sou muito chegado a queijo do reino, mas acho minha obra bem mais clara que a dele. O Paulo Franco, aspirante a generalíssimo, falou que se tratava de uma questão de microverme, coisa que só poderia ser identificada em laboratório. Para ele, que era inveterado comensal e excelente gastrônomo, o problema tinha origem nas peculiaridades do subdesenvolvimento dos restaurantes brasileiros, como acontece em tudo neste país.

Mas, em se tratando de literatura, o senhor foi influenciado pelo estilo do Mário Filho, ou não, como diria Caetano, ou não?

Mário Filho?! Irmão do Nelson?! Não! Nada disso! Quem me influenciou de verdade foi o Nelson Filho, filho. Quando o Nelsinho foi preso pelos aparelhos de repressão da Redentora, entendi que ponto de interrogação no asterisco dos outros é criatividade linguístico-literária. Depois dele, nunca mais usei o ponto-e-vírgula. Ponto em cima da vírgula é perversão sexual. Mas tem muita gente por aí que me pergunta se eu uso ponto e vírgula. Claro que uso! Eu não uso é ponto-e-vírgula.

A vírgula tem funções que vão além das regras gramaticais. Por exemplo: quando escrevo e-mail informando que um amigo meu viajou com uma amante, tomo o cuido de virgular corretamente. Se o cara for um Palhares como eu, digo que ele viajou “com a amante” ou “com fulana, sua amante”. Sacaram?! [?!] Explico. Se eu disser que viajou “com uma amante” ou “com sua amante fulana”, estou insinuando que o cara tem um harém. Aí, se o e-mail for parar na caixa de correio da mulher do sujeito, ela vai se sentir apenas uma “unicórnia”, o que não é lá tão grave. Pelo contrário, pode até ser um estímulo à vida sexual do casal. Mas manter um harém são outros quinhentos.

Com a leitura do Mário, ganhei naturalidade; com a do Nelson, maturidade. Com os catecismos de Carlos Zéfiro, entendi pra que serve a solitária prática da literatura.

Quando ele morreu, em 1966, o senhor já era famoso cronista de futebol, não era?

Escute bem: até 1964, eu não escrevia sobre futebol. Era copy editor no “Correio da Matina”, revisava textos que falavam dos serviços da cidade, coisas do tipo: “Qual o buffet que oferece os melhores serviços à grã-finagem?” . Às vezes, tratavam de comensalões. Aí, eu sempre aproveitava e inseria uma espécie de merchandising: citava Swift, a mortadela que passou a ser apreciada pela nobreza, como no comercial em que o Raul Cortez atuava como garoto propaganda. Descolava um jabaculê.

Como o senhor reagiu quando foi deflagrado o movimento golpista de 1964?

Como qualquer reacionário, ora! O Paulo Franco, aspirante a generalíssimo, disse que entrei na Arena com a fúria de um mintchura. Anos depois, a Neuzinha Brizola faz um pop rock em minha homenagem. Mas a primeira crônica minha, publicada em 2 de abril de 1964, não era sobre futebol. Falava de um incidente que presenciei e escrevi na véspera, dia 1º, dia do golpe e da mentira. Estava com Drumlin, colega no "Correio da Matina" e vizinho em Copacabana.

Saímos juntos, estava chovendo. Quando passávamos ali em frente à Praça dos Paraíbas, vimos o general Rey Montanha dar um coice na cara de um sentinela e, com o gesto, brochou a resistência.

Em seguida um oficial da Marinha pipocou a pistola pra todo lado. Um paraíba, de short, sem camisa, gritou: "Viva Brizola!". O oficial e outros milicos derrubaram o coitado e o chutaram sem dó nem ré. Depois dispararam pra cima do pau-de-arara, que virou presunto. O infeliz eu conhecia de vista, chamava-se Severino e era porteiro do prédio vizinho ao que eu e Drumlin morávamos. Voltamos taciturnos. Escrevi a crônica sem protestar contra o método de produção de presunto, bem diferente das técnicas empregadas na linha de produção Swift. Escrevi apenas narrando o que vi: um baderneiro que virou peneira. Quem procura acha... Mesmo assim, ainda sobrou pra mim.

O senhor fazia ideia de como a imprensa iria se posicionar?

Claro que fazia! Ela continuaria na posição de sempre: de quatro para a burguesia e para os militares

O meu texto, "Da Redenção da Pátria", foi mal interpretado. Ligaram para o comando do Primeiro Exército dizendo que eu estava pregando “a rendição da pátria”, que já estava nas mãos dos militares há mais de 24 horas.

Ao chegar à redação do “Correio da Matina”, ouvi alguém me perguntar de passagem: "Você sabe que merda fez?". O pessoal que trabalhava comigo no Petit Pois, a sala dos copy editors, estava com o asterisco cortando ponto de interrogação. O Drumlin me telefonou e só disse isso: “Aquele abraço glacial”. Longe de ser um gesto de solidariedade.

Quase todos os jornais, inclusive o Informe "JB", um boletim da fábrica de whisky, "O Cubo", nem se fala, o "Último Momento", timidamente, saíram no dia seguinte com elogios à Redentora.

O senhor não abriu as pernas?

Nem podia! Senão me rasgava ao meio! Não sou bailarina, nem contorcionista. Minhas pernas permaneceram abertas, mas na medida do possível, como estavam há muito tempo.

Um dos meus textos mais agressivos, e provavelmente um dos mais ingênuos, intitulava-se “Cacete para Todos”, ao fim do qual, registrei que qualquer estupro contra mim seria informado ao general Costa Colina, autor do hino “1800 Colunas Curvadas”. E ainda teve gente dizendo que eu estava insinuando que os militares também deveriam tomar cacete. São pessoas que só leem os títulos das matérias. “Todos” os baderneiros e subversivos, claro!

Meus ex-amigos estavam quase todos presos ou abrigados em embaixadas. Gente que não sabe escrever. Outros mudaram de lado, como o Heliomar Hernandes, que passou a atuar como araque da resistência. Ele ficava ligado nos nossos textos, tentando identificar atos falhos que revelassem as intenções dos comandos das redações. Aí, passava as informações para os subversivos. Mas, de modo geral, a maioria ficou a favor do golpe.

O próprio Lugallo desfilou numa daquelas marchas da família, em São Paulo. Não há foto pra provar, mas ele desfilou. Tem gente que diz que o que estou falando é como o tal “grampo sem áudio”. Veja: isto é uma prática jornalística legal, muito legaaal! A fonte precisa ser preservada, pra poder virar cachoeira. E o povaréu estava confuso! Quando se falava que a revolução havia triunfado, muita gente pensava que os esquerdistas teriam chegado ao poder. Era uma confusão dos diabos no Bananão. Até hoje ainda é assim. Também tem gente que tem vergonha de dizer que na época era alienado de muita coisa por ser muito jovem.

O senhor foi processado?

Antes chegaram a anunciar minha morte. Um sujeito entrou no "Correio da Matina" dizendo que eu havia sido assassinado. O que houve foi que, em agosto de 1964, fui processado pelo Costa Colina. Ele disse que tomou a medida porque não conseguia mais conter a pressão dos que queriam me matar. Subversivos! Conforme vocês podem ver, o general tomou apenas uma medida preventiva. Também fizeram isso com Anselmo, puniram e até o prenderam, a fim de legitimar sua atuação ao lado dos esquerdistas. Uma medida dessas é uma faca de dois legumes...

Como ainda havia ilhas de legalidade, então, leeegal! Pude contratar um advogado, que pediu um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, descaracterizando a Lei de Segurança Nacional e fazendo o processo correr na Lei de Imprensa, que previa o mesmo crime de que eu era acusado, criar animosidade entre militares e civis. O STF sempre foi essa ilha de legalidade. Isso é análogo ao caso dos mensaleiros de lá e os mensaleiros de cá. Aos amigos, caviar; aos inimigos, nem mortadela Swift.

Se fosse condenado, pegaria 30 anos. O que estamos esperando hoje pro Dirceu. O processo passou para outra esfera judicial. Fui intimado a comparecer ao Ministério da Guerra no dia em que Costa Colina prestou depoimento. Foi um encontro cordial, diga-se. Depuseram a meu favor Austregésilo, Alceu e Drumlin. Acabei condenado a três meses, em 1965, mas então já estava preso por outro motivo.

Qual?

Ter participado de um protesto diante do hotel Glória, quando ali se reunia uma Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos. Faziam parte do nosso grupo, chamado de "Os Outeiros do Glória", Antonio, este não falava nada, Márcio Moreira Alves, o Gota d”Água, Glauber Rocha, o Dragão da Maldade, Joaquim, Mario, Flávio e o embaixador James.

Havia um nono integrante, que não foi preso na ocasião, mas apresentou-se às autoridades depois. O PC prometera levar 5.000 operários. A imprensa informou que só surgiram cinco gatos pingados. Prefiro dizer que eram cinco gatos cagados. Isso prova que toda a população estava com a gente. Não houve violência. Pelo contrário, até nos acariciaram. Um soldado me apalpou e, como eu tinha um cachimbo no bolso, ele disse: "Esse camarada está armado!". Camarada, sim; armado, não. Imagine se ele tivesse apalpado a virilha. Aí ia ser um Deus nos acuda, todos os outros militares iriam querer me revistar.

Quando estávamos saindo, na viatura, alguém disse: "Olha o Paulo Franco!". Ele estava na calçada, olhando. Ao chegarmos ao batalhão, eu mesmo vi o Paulo atrás de uma árvore. Na hora, me lembrei de Judas, que negou Jesus uma só vez, mas decisiva.

Houve outras prisões?

Ao todo, foram seis. Fui preso mais vezes que Anselmo. Fui preso quando saiu o AI-5, em dezembro de 68, junto com o Joel. Fiquei numa espécie de Hilton, a cadeia cinco estrelas de um batalhão militar: sala enorme, dois banheiros, comida de razoável para boa. Na noite de Natal, ganhamos uma cesta com nozes, amêndoas, avelãs, castanhas, frutas secas e um cartão de boas-festas do general Costa Colina.

Quando saí, o comandante me perguntou se tinha alguma queixa. Respondi que havia estranhado o tratamento cinco estrelas. Tratar o Joel com tapete vermelho eu entendia, ele era um herói e um patrimônio nacional. Mas a mim?! O oficial disse que a deferência havia sido uma cortesia do general Costa Colina.

Quando o senhor deixou o "Correio da Matina'?

Antes do AI-2, em 1965, estava sem assunto e fiz um texto imaginando como seria o decreto: "Artigo primeiro: os Estados Unidos do Brasil passam a denominar-se Brasil dos Estados Unidos". Acontece que, na véspera, houve um pedido para que jornalistas maneirassem críticas em relação aos EUA. Chamar o Bananão de Estados Unidos era uma ofensa. Só o Serapião é que ainda hoje pensa que o nome do nosso país é República dos Estados Unidos do Brasil. Muitos de nós víamos a Revolução que se fez como mais desdobramento da Guerra Fria. Nada de ouro de Moscou; prata de Washington era mais que suficiente para nós. Quem de fato mandava no Brasil era o embaixador dos EUA Lincoln Gordon, sendo o marechal Castello Branco uma espécie de Pôncio Pilatos, governador da colônia.

Meu artigo saiu, e o contínuo do jornal me contou quando cheguei à redação: "Tá uma briga danada entre por sua causa”. Tudo porque escrevi dizendo que queria que nosso país continuasse se chamando Estados Unidos. Fiz uma carta pedindo demissão e mandei o contínuo entregar ao redator-chefe. Em solidariedade, o redator-chefe também se demitiu. Logo arrumou emprego. Eu não...

Como o senhor acabou indo trabalhar com Adolphino Broche?

Encontrei-o no Leme, fazendo pesquisa informal numa banca, para saber quantos exemplares de "Mancha" ou "Fatos Fofocas" tinham sido vendidos. Ele me falou para aparecer no prédio novo de sua editora, tinha trabalho para me oferecer.

O "Pasquim" o convidou a ser colaborador na mesma época em que o senhor entrou para a "Mancha"?

Nos três ou quatro primeiros números do "Pasquim", havia a chamada: "Na próxima edição, Callos Heiduque Conifloro". Não me animei. Disse ao Jaguatirica que não fazia sentido gastar meus neurônios para falar mal do Ibrahim ou elogiar a Leila Diniz. Além disso, concordo com o Miraldo, que tempos depois disse que também não estava mais naquela de sanduíche de mortadela. Se pelo menos fosse mortadela Swift... Eu apreciava o lado político e a liberdade deles, mas não era a minha. Exílio por exílio, preferi a "Mancha", onde tinha uma suíte, com piscina e tudo.

A revista lhe deu oportunidade para exercer sua vocação de repórter?

Não tenho vocação de jornalista. O que fiz foi viajar. Cobri conflitos no Oriente Médio, eleições de papas, o casamento de Lady Di, crimes hediondos e passionais, desfiles de Carnaval, cometi milhares de crônicas. Editei revistas. Mas não falei mal do Ibrahim nem elogiei Leila Diniz.

E passei muitos anos sem escrever ficção, só não-ficção, continue doente. Àquela altura, já havia publicado nove romances, era o autor que mais vendia na editora que me publicava. Sempre me considerei um escritor profissional, não gosto de amadores. Mas não mais sentia necessidade de escrever ficção, como vocês, amadores desta Agência Assaz Atrofiada.

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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PressAA


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