quarta-feira, 1 de maio de 2019

Todas as ciências relacionam-se filosoficamente entre si. Lógico!

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Todas as ciências relacionam-se filosoficamente entre si. Lógico!

por Fernando Soares Campos (*)

A Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (ANPOF) e associações abaixo mencionadas repudiam veementemente as falas recentes do atual presidente da república e de seu ministro da educação sobre o ensino e a pesquisa na área de humanidades, especificamente em filosofia e sociologia.
As declarações do ministro e do presidente revelam ignorância sobre os estudos na área, sobre sua relevância, seus custos, seu público e ainda sobre a natureza da universidade. Esta ignorância, relevável no público em geral, é inadmissível em pessoas que ocupam por um tempo determinado funções públicas tão importantes para a formação escolar e universitária, para a pesquisa acadêmica em geral e para o futuro de nosso país.
O ministro Abraham Weintraub afirmou que retirará recursos das faculdades de Filosofia e de Sociologia, que seriam cursos “para pessoas já muito ricas, de elite”, para investir “em faculdades que geram retorno de fato: enfermagem, veterinária, engenharia e medicina”.
Leia completo AQUI 
Na quinta-feira, 25/4, quando da live semanal com Bolsonaro e Cia, o atual ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse que, às crianças e aos jovens estudantes, as escolas devem ensinar “Primeiro, habilidades de poder ler, escrever e fazer conta. A segunda coisa mais importante: um ofício que gere renda para a pessoa, bem estar para a família dela e que melhore a sociedade em sua volta”.
Estudar e praticar as ciências que exigem habilitação em qualquer ramo da matemática, que seja uma simples operação aritmética, ou que envolva álgebra, geometria, finanças, estatística, probabilidade, podendo ser aplicada a uma atividade relacionada com a física, química, geografia, engenharia, economia, entre tantas outras matérias, exige o desenvolvimento de raciocínio lógico. E o caráter lógico da matemática relaciona esta matéria, intrinsecamente, à essência do pensamento filosófico.
Quais as chances de alguém se tornar, por exemplo, físico, químico ou matemático, alcançando o grau de cientista, estudando tão somente matérias das denominadas áreas de ciências exatas?
Acredito que ninguém pode exercer sua capacidade analítica, na busca pelo conhecimento, em qualquer área do saber, prescindindo de qualquer dos processos cognitivos, tais como: percepção, atenção, memória, imaginação, associação, raciocínio, juízo e linguagem. Isso vale para a elaboração de princípios éticos ou para a resolução de equações matemáticas.
Em qualquer processo racional, os elementos que compõem a função cognitiva atuam solidariamente entre si, sem a exclusão de qualquer deles.

Todas as ciências são exatamente humanas

As ciências podem realmente ser identificadas em separado, classificadas em campos distintos, tais como humanas e exatas?
Creio que uma ciência só poderia ser tratada como “exata” se não houvesse mais qualquer possibilidade de evolução do conhecimento que faz de si uma ciência.
Alguém que detenha um bom nível de conhecimento em áreas diversas poderia dizer que não há mais nada a acrescentar ou corrigir em (citando apenas alguns exemplos) física,  química, engenharia ou tecnologia da informática? Creio que não. Portanto, em nenhuma dessas matérias, não há nada exato, rigorosamente preciso ou perfeitamente infalível. Se não há verdade absoluta, não podemos atribuir a qualquer ciência a qualificação de exata.
Ensine alguém apenas a “ler, escrever e fazer conta”, como querem o ministro da Educação e o presidente da República, e obtenha uma gramática e uma tabuada de carne e osso.
Negando ao estudante o direito ao desenvolvimento intelectual, que é obtido por meio essencialmente filosófico, resta-lhe apenas o papel de um “aplicativo”, um software humano utilizado como corretor ortográfico, ou para sugerir formas sintáticas, além de servir de calculadora andante, enfim, um androide, um ser frio, que só responde a estímulos externos, incapaz de pensar por si próprio.
Imagine Albert Einstein elaborando a Teoria da Relatividade, despojado de interesses e elementos filosóficos. Imaginou? Pois nem próprio Einstein, que afirmava ser a imaginação mais importante que o conhecimento, conseguia imaginar a separação entre as ciências ditas exatas e a filosofia. 

“Einstein defende que, quando se trata de questões polêmicas, um físico não pode, simplesmente, submeter a interpretação de sua teoria a um filósofo, ele mesmo precisa ser um deles. Para ele, o conhecimento de filosofia proporciona ao cientista uma independência de julgamento que o permite decidir com mais propriedade sobre seus fundamentos teóricos (Howard, 2005).”  (Trecho extraído de “A SUPOSTA MUDANÇA EPISTEMOLÓGICA DE ALBERT EINSTEIN” − Gustavo Henrique Moraes e Ricardo Avelar Sotomaior Karam − Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC.)
 Se as escolas tiverem o exclusivo objetivo de preparar pessoas para o mercado de trabalho, promovendo-lhes conhecimentos para uso prático, poderemos formar técnicos e engenheiros, enfermeiros e médicos, biólogos, químicos e seus respectivos auxiliares, todos extremamente importantes para o desenvolvimento social e econômico de uma nação. Entretanto, nessas condições, ficaríamos eternamente dependentes dos cérebros pensantes, produtores de conhecimento, pois não se forma cientistas com elementos que simplesmente sabem interpretar plantas, fazer contas e escrever relatórios, ou identificar fórmulas, ministrar medicamentos e cuidar de pacientes. Estes precisam estar permanentemente atentos ao cumprimento de regras e preceitos estabelecidos por aqueles que observaram comportamentos, ações e reações, de forma sistemática e objetiva, ou seja, cientificamente, até concluir sobre os procedimentos a serem adotados pelos que se prepararam apenas para executá-los.
Não se pode conceber um indivíduo pensante cujo pensamento limita-se ao estreito universo de sua formação profissional. Assim sendo, se um cientista atuante em qualquer área do conhecimento necessita de embasamento filosófico, ao filósofo é obrigatório possuir conhecimentos básicos nas diversas áreas científicas, podendo aprofundá-los em algum campo de seu interesse intelectual.
Quando Einstein afirmou que “em momentos de crise, só a imaginação é mais importante que o conhecimento”, ele não diminuiu − muito menos negou − a precípua importância do conhecimento para a ampliação das verdades conhecidas. Ele certamente estava se referindo à imaginação como o veículo propulsor do conhecimento.
Há muitos anos digo para os meus filhos que, mais importante que ter muito conhecimento, é saber empregar o conhecimento que se tenha, seja muito ou pouco, até porque os conceitos de muito e pouco são, einsteinianamente falando, relativos.

Inter e transdisciplinaridade das universidades

O presidente da República e seus colaboradores diretos têm obrigação de saber que, quando falamos de conhecimento, estamos falando também de valor agregado a tudo que produzimos.
Segundo Gerhard de Haan, membro do InstitutFutur, de Berlim, "Nos novos setores da economia, os preços são ditados pelo conhecimento. De cada vez que compramos um computador ou um medicamento, 70% a 80% do seu preço corresponde ao conhecimento científico, ao know-how que foi aplicado nesse produto". Confira AQUI
A universidade é uma instituição de ensino superior que deve funcionar sempre sob sistemas inter e transdisciplinares. Portanto, se limitarmos o conhecimento a qualquer área do ensino formal, reduzindo e até eliminando investimentos em alguma delas em favor de outras, empobreceremos a nossa produção de bens e serviços. Assim, mesmo os produtos industrializados que exportarmos terão as características das nossas commodities de mais baixo valor agregado, visto que, à nossa produção industrial, adicionaremos muita mão de obra autóctone, mas com o conhecimento importado, tecnologia sujeita a pagamento de royalties a quem detém sobre esta a propriedade intelectual patenteada, mesmo sobre aquilo que um dia foi desenvolvido em território nacional e entregue de mão beijada ao capital apátrida,  pelos vendilhões da Pátria.

(*) Fernando Soares Campos é escritor, autor de "Fronteiras da Realidade" - Contos para meditar e rir... ou chorar - Chiado Editora - Portugal - 2018 

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