terça-feira, 21 de agosto de 2012

Porque mandamos em frente a entrevista com o ex-agente do KGB Daniel Estulin

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Fernando Soares Campos


Por que mandamos em frente a entrevista com o ex-agente do KGB Daniel Estulin, que investe acusações contra WikiLeaks, quando o momento é de solidariedade e luta em favor da liberdade de Julian Assange?

Apesar de o supostamente bem informado escritor e ex-agente do KGB ter dito categoricamente: “Eu sabia que era operação da CIA, porque os caras que estão envolvidos dentro do conselho WikiLeaks, e as empresas que o financiam, são algumas pessoas com fortes laços com a CIA norte-americana”, mesmo assim, não publicamos a entrevista anuindo às suas declarações; mas o fizemos apenas com o propósito de fornecer algum elemento para análise dos fatos, instigando o leitor à meditação e ao independente discernimento.

Publicamos a entrevista em português (está aí embaixo, a umas duas postagens depois desta) e fornecemos link para leitura do texto original, em espanhol. E o fizemos com o mesmo espírito hesitante que o apresentador do texto em espanhol demonstra em relação às opiniões e afirmações do entrevistado:

Obviamente, o cenário é mais do que confuso, inclusive o próprio Estulin poderia ser, voluntária ou involuntariamente, parte do complexo xadrez que se têm gerado em torno da administração do poder. Certa ocasião denunciamos que o "excesso" de informação pode ser a ferramenta mais precisa para desinformar o público. E, diante da impossíbilidade de se obter certezas absolutas, parece que o mais saudável é, por um lado, voltar-se para o conhecimento intuitivo e depositar na intuição um maior peso de nossas crenças e, por outro, tentar romper os esquemas tradicionais em que necessitamos criar heróis e vilões, e lembrar-se de que vivemos em um universo de possibilidades, e não de verdades (ou mentiras) absolutas.”

Ainda assim, recebemos mensagens, via e-mail, de pessoas que se indignaram por termos publicado a entrevista, “num momento inoportuno”, conforme nós mesmos chegamos a cogitar antes de tomar a decisão de publicá-la. Até nos alertaram: “PRESTATENÇÃO no serviço, Fernando!”

Na nossa apresentação, esquecemos de mencionar o fato de que a entrevista do ex-KGB para o jornal colombiano El Heraldo foi publicada no blog Salfate Todo Calza, em espanhol, em agosto de 2011, o que descaracteriza a acusação de que seria uma investida atual contra WikiLeaks e Assange, “a fim de tumultuar os fatos”, a celeuma envolvendo Reino Unido e Equador, com a explícita participação dos EUA e seus aliados, como alegou um dos nossos leitores.

De acordo com a nossa maneira de pensar, Assange também pode ser “...voluntária ou involuntariamente, parte do complexo xadrez que se têm gerado em torno da administração do poder”. Pois, certamente, “...vivemos em um universo de possibilidades, e não de verdades (ou mentiras) absolutas”, desde a mais remota antiguidade.

Mas a questão e acusações que nos tocam referem-se apenas ao momento, o qual seria inadequado à publicação da entrevista – isso cismado por nós mesmos, antes de tomarmos a decisão de publicá-la, e posteriormente apontado por alguns dos nossos leitores como tendo sido um erro de nossa parte.

Portanto é nosso dever explicar mais detalhadamente por que decidimos pela publicação da entrevista do ex-agente do... (considerando que se tratava de um comitê – Комитет –, ou “da”, visto que funcionava como a CIA, como uma agência de serviços secretos da antiga União Soviética) KGB.

E agora?! Quem irá me socorrer?!

Estávamos aqui nas dependências desta nossa Agência Assaz Atroz, discutíamos a nossa pauta, mas não concluíamos se seria correto ou não publicar a tal entrevista no momento atual. Até que os pauteiros da PressAA se cansaram do debate e se foram, me deixando sozinho, falando (dá licença, velho pasquineiro e mestre Jaguar?) cá com o meu fecho ecler.

Inquieto e inconformado, liguei para Komila Nakova, que os leitores mais antigos desta nossa agência de notícias sabem que se trata exatamente de uma ex-agente do KGB, atualmente positiva e operante no ramo de investigação particular, expert em casos de infidelidade conjugal, mas que eventualmente trabalha, na condição de freelancer, para nós, free loaders.

Com essa onda de grampo telefônico e ressabiado devido ao escândalo do caso Murdoch, eu não quis expor meu problema por telefone, pedi a ela que viesse até aqui, a fim de me dar umas dicas seguras sobre a matéria que pretendíamos publicar.

Era exatamente meia-noite da sexta-feira passada quando Komila adentrou-se na minha sala, arrastando-se, sorrateira, pelo duto de ventilação, a fim de não ser filmada pelo circuito de segurança do prédio. Não me surpreendi, pois ela sempre foi assim, imprevisível.
Komila, aparentemente exausta, deixou-se cair numa poltrona localizada num canto da sala, respirou fundo e falou:

– Nakova, meu caro, ao seu dispor...

– Komila...

– E come sempre que quiser, querido... Na cova ou onde você desejar... Você sabe que eu te amo!

– Deixe a graceta pra outra hora, Komila. O caso é sério!

– Não é “gra”, chefinho, é “bo”.

– Não acha que essa sua graçola incomoda?

– Também não é “gra”, meu amor, é “cal”. E não está me incomodando de forma alguma...

– Você não tem jeito, não! Mas vamos ao que interessa.

Convidei Komila para ler a entrevista do Estulin na tela do monitor, a publicação original, em espanhol. Ela levantou-se, aproximou-se de mim por detrás, debruçou-se sobre as minhas costas, roçando aquele perfeito par de peito no meu lombo. Fiquei excitado, mas fingi não estar sentindo nada.

Komila leu tudo rapidinho – ela fez curso de leitura dinâmica por correspondência, em São Petersburgo, quando era criança. Certa ocasião ela me disse que sua trisavó conheceu Dostoiévski, chegando mesmo a inspirar o famoso escritor russo na criação de uma de suas personagens.

Perguntei:

– Você conhece o Daniel Estulin?

– Claro! Trabalhamos para o KGB no mesmo período. Tivemos inclusive um caso...

– Um caso?! – ato falho: com o meu pasmo, não consegui dissimular uma ponta de ciúme.

– Sim, um caso. Mas não é como você está pensando. Estou querendo dizer que atuamos em parceria num complicado caso na época da Guerra Glacial.

– Você quer dizer Guerra Fria, não é?

– Não! É Guerra Glacial mesmo. Foi como nós apelidamos o caso dos dissidentes presos na Sibéria, em plena Glasnost, os quais se rebelavam e atacavam os guardas dos presídios com bolas de neve. Fomos lá tentar descobrir quem eram os cabeças das rebeliões.

– Isso está me cheirando a mais uma de suas graçolas...

  Já lhe disse que não é “gra”, mas sim “cal”. E se você anda cheirando as que lhe dei de presente tempos atrás, então, você não passa de um tarado fetichista.

– Pare com isso e me dê seu parecer. Então, o que você tem a me dizer sobre essas acusações do seu ex-parceiro Daniel Estulin? O que ele fala é verdade ou mentira?

– Nem verdade nem mentira. Muito pelo contrário!

– Como assim?! O que viria a ser o contrário do que não é verdade nem mentira?!

– As meias-verdades que brotam do “extremo centro”.

– Troque isso em miúdos...

– “Extremo centro” é como a gente que lidava com a contraespionagem designava as cabeças semipensantes da classe média dita “esclarecida”.

– Acho que você está precisando de um drinque. Aceita um trago?

– Tem vodca?

– Não. Só uma cachacinha da boa que o Laerte Braga me deu de presente quando estive com ele lá em Juiz de Fora.

– Serve.

Servi o drinque. Komila tomou-o de um só gole, como um cossaco numa cossaca.

– Agora continue suas explicações sobre essa coisa de “extremo centro”.

Komila pigarreou e continou:

– Esse pessoal da classe média supostamente esclarecida é muito solidário com os seus semelhantes da mesma classe em qualquer latitude.

– Ora! Você está sendo injusta! Pode-se observar a classe média se solidarizando com os miseráveis...

– Nã-nã-nin, nã-nã-não! Quando se trata do sofrimento dos miseráveis, a classe média até que se mostra indignada, mas o faz com espírito de compaixão, sentimento de piedosa simpatia, afinidade moral com a desgraça alheia. Não é propriamente uma empatia. Nas maifestações simpáticas de solidariedade da classe média para com os miseráveis, está implícito um “graças-a-Deus-não-sou-eu-quem-está-ali”, e até um latente mea-culpa. Mas, quando o caso envolve algum de seus pares daqui ou dalhures, aí ocorre uma verdadeira empatia: o classe-média não só se identifica com o sofredor, o perseguido, mas até se coloca em sua posição. Aí “sente as suas dores”, ou teme vir a ser igualmente vítima de processo semelhante.

– E o que isso tem a ver com o tal “extremo centro”?

– Segura aí! Deixa eu digressionar mais um pouco. Me dê outro trago.

Servi a cachacinha mineira. Ela a engoliu e foi em frente:

– O classe-média não tem vergonha de ser feliz. Canta a música do Gonzaguinha entre chopes e mijadas; mas, no dia seguinte, acometido de forte ressaca, vai trabalhar em seu posto de privilegiado capitão-do-mato. Torce o nariz para o porteiro, joga papel no chão para que o faxineiro apanhe, inquieta-se com a demora da copeira em lhe servir o cafezinho e nem taí para o sofrimento ou expectativas dessa gente. Se atropelar um gato ou um cachorro com seu reluzente carrinho popular, corre para prestar socorro à vítima; no entanto, se atropelar um mendigo, foge do flagrante.

– Tá bem, Komila! Tá bem! Chega de lengalenga, vá direto ao ponto. Seja mais objetiva e dê a sua opinião sobre o controvertido affair envolvendo Assange, Rafael Correa e a turma do big stick.

– Como bem sabemos e como muito bem foi dito na apresentação da entrevista com o Estulin, vivemos em um universo de possibilidades, e não de verdades, ou mentiras, absolutas. A única verdade que podemos admitir como absoluta é a sentença socrática “só sei que nada sei”.

– Continua enigmática. Mas eu já deveria ter-me acostumado com isso, é próprio de você, uma médio-classista.

– Sou, mas quem não quer ser?! A mídia empresarial está aí mesmo pra fazer a cabeça do consumidor pobre, fazendo-o crer que seu salário mínimo o coloca entre os abençoados por Deus e bonitos por natureza, a classe média. E os governos tidos como progressistas sustentam essa falácia.

Komila se deslocou até o centro da sala e começou a cantarolar Caetano, fazendo uma performance que me lembrou a “louca do jardim”, personagem de uma peça teatral de mesmo nome, a qual os circos-teatro que passavam em minha cidade natal, nos meus tempos de criança, costumavam encenar.

E lá estava Komila zanzando...

Enquanto os homens exercem
Seus podres poderes
Motos e fuscas avançam
Os sinais vermelhos
E perdem os verdes
Somos uns boçais...

Queria querer gritar
Setecentas mil vezes
Como são lindos
Como são lindos os burgueses
E os japoneses
Mas tudo é muito mais...

Será que nunca faremos
Senão confirmar
A incompetência
Da América católica
Que sempre precisará
De ridículos tiranos
Será, será, que será?
Que será, que será?
Será que esta
Minha estúpida retórica
Terá que soar
Terá que se ouvir
Por mais zil anos...

Enquanto os homens exercem
Seus podres poderes
Índios e padres e bichas
Negros e mulheres
E adolescentes
Fazem o carnaval...

Queria querer cantar
Afinado com eles
Silenciar em respeito
Ao
seu transe num êxtase
Ser indecente
Mas tudo é muito mau...

Ou então cada paisano
E cada capataz
Com sua burrice fará
Jorrar sangue demais
Nos pantanais, nas cidades
Caatingas e nos gerais

Será que apenas
Os hermetismos pascoais
E os tons, os mil tons
Seus sons e seus dons geniais
Nos salvam, nos salvarão
Dessas trevas e nada mais...

Aí, provavelmente devido ao efeito da cachacinha do Laerte, ela degringolou de vez, fazendo um arremedo de paródia...

Será que apenas
Os hermeneutas estulins,
Os hermas assanges virtuais...
Seus cliques e seus bips geniais...
Nos salvam, nos salvarão
Dessas trevas e nada mais...

Gritei:

– Para com isso, Komila! Você está sendo ridícula!

Ela novamente se jogou no sofá, rindo a bandeiras despregadas.

– Desculpa, chefinho! Não resisti... Mas agora quem diz “para com isso” sou eu, seu desmemoriado!

– Desmemoriado por quê?

– Bem, eu não tenho resposta para nada do que você quer saber sobre a veracidade ou não do que Estulin diz em sua entrevista ao colombiano El Heraldo, mas ele cita o 11 de Setembro como exemplo do que a CIA pode fazer no mundo virtual.

– Dê um exemplo.

Komila levantou-se novamente, posicionou-se por detrás de mim, pegou minha mão, me fez pegar o mouse e guiar a setinha da tela até meus favoritos. Pressionando meu dedo, abriu a lista e clicou em Agência Assaz Atroz (PressAA), virou algumas páginas, rolou as postagens e parou em: O Pentágono quer enlouquecer... os “jihadistas”! , um artigo de Tom Engelhardt, traduzido pelo Coletivo de Tradutores Vila Vudu.

 

Aí, com um afetado ar de superioridade, me disse:

 

– Leia, pra refrescar a memória.

 

Li. Quer dizer, reli. Foi então que algumas peças começaram a se encaixar na minha cuca fundida. Lembrei-me de que foi lendo esse artigo, em agosto de 2011, que concluí que o meu amigo Fausto Wolff, entre outras pessoas, estava equivocado quando afirmava que os aviões jogados contra o World Trade Center poderiam ser naves teleguiadas, como os drones. Não, eu acho que existiam sim tripulantes, mas só tripulantes; passageiros, não. Os aviões devem ter sido entregues de mãos beijadas a ingênuos “terroristas” manipulados pelo Pentágono. Para concluir sobre isso, ou, pelo menos, ligar o desconfiômetro, basta ler o artigo, o título aí em cima está lincado.

 

Voltei-me para Komila e perguntei:

 

– Quem me garante que Assange, o soldado Bradley, o próprio Estulin e tantas outras pessoas não estão sendo manipulados?

 

– “Matrixiados” – corrigiu Komila –. Esse é um neologismo que pode definir esses casos. Matrixiados e mal pagos!

 

– Quem me garante que o caso Assange não passa de uma encenação fabricada, à sua revelia, para desviar o foco da crise econômico-financeira que assola os EUA, a Europa e dá metástase no resto do mundo?

 

– Já lhe disseram que a CIA, Pentágono & Cia não precisam de argumentos para controlar a internet, pois já fazem isso há muito tempo?

 

– Sim. Mas isso é claro! Desde o primeiro momento eles têm as ferramentas apropriadas, pois foram eles mesmos quem disseminaram a internet mundo afora. Nunca acreditei em privacidade na internet. Só alguém muito ingênuo acredita nisso. Eu me considero apenas um pouco ingênuo, meio babaquara, como a maior parte da chamada classe média.

 

– O problema é que a internet está saindo de controle por outra via – asseverou Komila.

 

– Como assim?

 

– Um dos casos mais recentes de controle da internet de forma mais direta é o que está ocorrendo com Cuba, quando autoridades norte-americanas pediram o bloqueio do Google Analytics para usuários em território cubano. Inclusive já exigem que se tome a mesma medida em relação à Síria e ao Irã.

 

– Mas qual é a via de descontrole da internet por parte dos seus “donos”?

 

– O fato está relacionado com o que Estulin expôs em um de seus poucos momentos de um pouco mais profunda reflexão... É quando ele diz que 90% das informações do seu livro, “Desconstruindo WikiLeaks”, estão na internet. Só que ele acha que apenas gente como nós, analistas de contraespionagem, pode tomar as peças e dar sentido a elas...

 

– Bom, são pessoas que têm experiências específicas...

 

– Talvez, mas não é atributo exclusivo de agentes secretos. Ele também tem razão em dizer que os tais documentos filtrados por WikiLeaks são apenas arquivos passados na tela do computador, não são propriamente documentos. São coisas facilmente falsificáveis... As próprias verdades ali inseridas podem ser espécies de “cavalos de troia” para o nosso processador encefálico. Fingidos tiros no pé. Você releu “O Pentágono quer enlouquecer... os ‘jihadistas’!”, não foi? Então, se ainda não entendeu, clique e leia novamente.

 

Komila foi até o bar, serviu-se de mais um drinque e continuou explanando:

 

– Aqui no Brasil, quem faz um belo trabalho de “filtragem” de informação, juntando peças, resolvendo quebra-cabeças, sem precisar invadir arquivos de qualquer agência de serviço secreto, é o Coletivo Vila Vudu de Tradutores, o mesmo que traduziu o artigo que acessamos há pouco. Esse pessoal trabalha “de grátis”, traduzindo reportagens e artigos dos mais bem conceituados intelectuais, escritores, jornalistas, correspondentes de guerra, de todo o mundo, mas é gente que invariavelmente só publica na chamada imprensa “alternativa”, considerando que o caminho imposto à maior parte das pessoas, para se obter informações, é a imprensa empresarial.

 

– Tem certa lógica o que você está dizendo. Essa coisa de dizer que o trabalho de Assange e equipe pelo menos comprova o que tudo mundo já sabia me faz lembrar de uma nota que li há muito tempo. Dizia que dois cientistas trabalharam durante dez anos e concluíram que o “bom humor” faz bem à saúde. Ora! Se perguntar isso a qualquer babaquara, ou seja, se o bom humor faz bem à saúde, ele responde, em cima da bucha, que sim.

 

– Então, meu caro, não tenho mais o que lhe esclarecer. Vou tirar o time... pois tenho mais o que fazer.

 

– Espere! Você ainda não me falou se devo ou não publicar a entrevista com o Estulin...

 

– Isso fica a cargo de sua própria experiência.

 

– Mas nós temos outra questão pra resolver!

 

– Hoje não dá, estou naqueles dias...

 

Como um raio, melhor, como um rato, Komila saiu pela janela, de onde ainda pude vê-la montando no seu unicórnio alado e partindo sob um céu estrelado...

 

 

E foi assim que, finalmente, decidi publicar Ex-agente da KGB denuncia: “Wikileaks é uma operação da CIA para acabar com a Internet”

 

Até a próxima...

 

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

 

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PressAA

 

 

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