quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Quem são nossos verdadeiros inimigos?

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Fernando Soares Campos



Julga-se um homem tanto por seus inimigos quanto por seus amigos.” [Joseph Conrad – escritor polonês]

Não caminhe atrás de mim; eu posso não liderar. Não caminhe na minha frente; eu posso não o seguir. Se possível, caminhe ao meu lado e seja meu amigo.” [Albert Camus – filósofo francês nascido na Argélia]


A gente costuma julgar nossos inimigos como se fossem umas antas, geralmente os tratamos por indigentes intelectuais. Entretanto, esses a quem assim classificamos são, nas mais das vezes, apenas tentáculos do verdadeiro inimigo: aquele com quem nunca nos relacionamos diretamente ou mesmo indiretamente; alguns a gente conhece de “ouvi falar”; outros, nem isso. Por isso invariavelmente centramos nosso fogo-fátuo (ou seria flato?) nos “tabelinhas”, os pernas-de-pau que se sentem craques da pelota, os que recebem a bola cheia e repassam murcha.

O nosso verdadeiro inimigo é intelectualmente bem dotado, é culto, refinado, mas usa sua potencializada inteligência sob a influência de sentimentos mesquinhos, aplica sua cultura acadêmica e o refinamento de suas idéias na elaboração de planos para a implementação do mal, a fim de atender aos seus mais obscuros instintos. São, em geral, líderes natos, mas tronam-se artificiais pela demagogia, pela vaidade, pelo cinismo, pelo egocentrismo. Sofismam e procuram fazê-lo de forma criativa, suas argumentações são intrincadas de raciocínios capciosos, porém muito bem engendrados, em razão de suas mentes calculistas. Catequéticos, fazem escola, formam discípulos – canonizadores que endeusam o mentor, dão continuidade à sua obra; mas, apesar dos esforços, raros são os que alcançam o status de mestre.

Os sofistas do baixo escalão não são propriamente sofistas, são animais híbridos, “antagaios”, cruzamento de anta com papagaio; não falam, palreiam, e o fazem “convictos” de que estão sendo autênticos. Quando citam seus mentores, o fazem apenas com o intuito de promoverem a si próprios, tentando exibir “erudição”, mas fazendo interpretações enviesadas; pois, às vezes, estes “hermeneutas”, mesmo diante de argumentações inconsistentes do mestre, acabam dando parecer ainda mais esdrúxulo.

As redações dos órgãos midiáticos de cunho empresarial estão aí mesmo para confirmar o que estou dizendo. Os jornalistas e colunistas da chamada grande imprensa leem as ordens do dia... quer dizer... os editoriais formulados pelos seus patrões, interpretam-nos a suas maneiras e, em muitos casos, reproduzem as idéias e intenções do chefe de forma ainda mais grave do que aquilo que foi determinado nas prescrições absurdas que lhes foram ditadas.

Assim, os “focas” oriundos das faculdades de Comunicação (e até mesmo as velhas raposas empíricas) tentam ser originais, querem aparentar independência. Muitas vezes dão palpites aos seus chefes, a fim de marcarem presença, distinguirem-se no todo, mas fazem isso fundamentados nas idéias originais da chefia, apenas reforçam suas fidelidades ao maquiavelismo da empresa. Nunca são autênticos. (Apesar de que, a meu ver, nesses casos, revelamos autenticidade apenas quando nos expressarmos de forma parafrástica, mas tentando oferecer uma nova visão do tema abordado, ou seja, criando paráfrases “autênticas”, metáfrases que digam a mesma coisa do original, porém com objetividade e, se possível, com inteligibilidade, a mais abrangente possível. E não algaraviando, como estou fazendo aqui. Mas daqui pra frente vou me modificar, vou tentar chegar onde pretendo.)

O general Golbery do Couto e Silva, eminência parda dos governos da ditadura civil-militar que se instalou no Brasil em 1964, dizia que “o problema não é o general, mas, sim, o inspetor de quarteirão”. Acho que, com isso, ele queria dizer que os “excessos” cometidos pelo regime deveriam ser imputados aos subordinados que não interpretavam corretamente as vozes de comando dos seus superiores. É uma forma de alguém se eximir de culpa, tirar o asterisco da reta, chamar os outros de analfabetos funcionais, “herança maldita dos velhos tempos” num país em que o povo ai pra frente... do pelotão de fuzilamento.

Mas as tropas de choque são formadas com buchas de canhão, fanáticos e inocentes úteis, todos instruídos e comandados por patrioteiros ou mercenários.

Meu amigo Raul Longo, jornalista e escritor, colaborador desta nossa Agência Assaz Atroz, tempos atrás costumava se dedicar a responder mensagens absurdas, disparates que circulavam pela internet acusando inverdades sobre o governo Lula, fazendo zombaria com a maneira simples de o presidente se expressar, aproveitando falhas gramaticais em seus discursos para chamá-lo de analfabeto. Nós postamos muita contra-argumentação abalizada do Raul, que dedicava seu precioso tempo a responder àquelas mensagens desconexas que viravam corrente na internet.

Eu disse “viravam”? Disse-o mal. Ainda viram.

Há poucos dias recebi uma dessas mensagens, antiga mas requentada pela circulação na internet. Trata de suposta notícia publicada na revista Forbes informando o ranking dos maiores bilionários do Planeta. Entre esses incluíram quem?! Isso mesmo, o ex-presidente Lula, que seria possuidor de nada mais nada menos que 2 bilhôes – não se sabe ao certo se de dólares ou reais, pois registraram assim: R$ 2 bilhões de dólares. E o analfabeto é Lula!

Entediado com essas chatices, não respondi à mensagem, não tive saco nem pra dizer “isso aí é uma bobagem”. Porém, poucos dias depois, recebi e-mail com a devida análise da tal matéria que teria sido veiculada pela revista Forbes. O site E-Farsas.com, “10 anos desvendando as farsas da internet” (Pô! Não sei como eles têm paciência para tal tarefa), mostra claramente que é tudo uma farsa, a partir da montagem fotográfica que fizeram com uma capa original da revista Forbes, na qual aparece Lula à Al Capone, de chapéu de feltro com aba quebrada sobre a testa.

Certa ocasião um leitor nosso nos escreveu dizendo que uma fotomontagem nossa estava muito “mal feita”.

Respondi:

Pô! Anônimo, agora você me surpreendeu pra valer. Senão vejamos.

Você acessou esta página, viu diversas fotomontagens e acabou dizendo que "esta" é "mal feita".

Eu pensava que todas estariam mal feitas, amadoristicamente mal feitas.

Na verdade, não usamos o fotoshoping, mas o editor Paint, exatamente para que as fotomontagens não pareçam perfeitas e possam ser confundidas com fotos originais.

A idéia aqui é fazer humor, não é cometer estelionato, fraude, falsificação, como no caso da revista Isto É, que publicou fotomontagem do Zé Dirceu numa Harley Davidson, tentando vender gato por lebre. Lembra-se?

Sabe o que foi que o José Serra disse quando viu o Dirceu na moto: “Ah, eu sabia que o Dirceu ia acabar a vida em cima de uma moto”.

Se o Serra tivesse o seu olho de lince, teria dito: "putz! que montagem de foto mais mal feita!"

É isso aí, Anônimo, nós tentamos fazer humor; não, aplicar 171.

Cá entre nós: creio que a maioria das pessoas que veem esse tipo de matéria, essas que são escancaradamente fraudulentas, identifica o logro, mas passam em frente por má-fé ou simplesmente por gozação. Outros, não, pois existe aí uma grande quantidade de criaturas ingênuas estimuladas por declarações de pessoas como José Serra.


O que se constitui em pior atitude: acreditar em tudo ou não acreditar em mais nada?

Eu mesmo não sei.

Mas podemos arriscar uma análise palpitante...

Acreditar em tudo é um comportamento infantil, lato sensu, pois é próprio das crianças acreditarem em tudo que lhes digam, ou se espelharem em tudo que os adultos fazem, considerando aquilo como atitudes corretas e dignas de serem imitadas. Mas também é esse o comportamento do adulto imaturo, aquele em quem persistem características psicológicas e emocionais próprias das crianças. Ele acredita em tudo que “dá” na televisão, ou que sai no jornal, na revista, no livro... Já existe até quem diga “vi na internet”, e por isso aceita como fato consumado. Existem também aqueles que acreditam em tudo que foi dito por intelectuais, por acadêmicos, por experts em determinadas áreas, por autoridades em determinados assuntos, acatando os dizeres e saberes como verdades in-con-tes-tá-veis! Isto também é uma forma de se acreditar em tudo. Tudo que “alguém” diz. O resto é zé-ninguém, inclusive ele próprio.

Não acreditar em mais nada é característica daqueles que saltaram da infância psicoemocional para a decrepitude sem passar por um estágio de autoanálise das suas vivenciadas experiências, não praticando o “conhece-te a ti mesmo”, aquilo que nos conduz gradativamente à maturidade. Mas engana-se quem pensar que decrépitos, nesse caso, são apenas os que estão caducando em decorrência de uma idade muito avançada. Existem “moços” já relativamente decrépitos. São, invariavelmente, pessoas que viveram longo período em condições maniqueístas (“Deus é Deus, e Nicuri é o diabo!”), sem atentar para as variantes das verdades tangíveis ou para as nuances das realidades perceptíveis. São indivíduos facilmente manipuláveis e que, por conveniência ou preguiça mental, se deixaram manipular durante muito tempo; até que, cansados por não verem suas expectativas tornarem-se realidade, se decepcionaram com seus ícones voláteis: políticos demagogos e corruptos, empresários gananciosos, militares mercenários, religiosos pervertidos e tantos outros “monstros” que “dilaceraram suas esperanças”. Ele agora é aquele cara que grita veemente: “É tudo farinha do mesmo saco!” “São todos iguais!” “Se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão!” Honesto, verdadeiro, sincero, inteligente, em todo o mundo, só restou ele próprio.  Mas não se surpreenda se vir um desses sujeitos “militando” em favor da “desmilitância” geral: “Voto nulo!” “Ninguém merece!” E até engrossar as fileiras de movimentos do tipo “Cansei”, liderado por políticos demagogos e corruptos, empresários gananciosos... E lá vai ele exibindo “vigoroso cansaço” (desculpem por mais um oximoro forçado).

Portanto, a meu ver, acreditar em tudo é uma condição infantil que pode levar o indivíduo a saltar etapas evolutivas, passando daí direto para uma caduquice precoce – estado em que não se acredita mais em nada.

Quando lemos ou ouvimos alguém não podemos medir o grau de convicção do autor ou do discursista, menos ainda perceber claramente o alvo de suas intenções. Não somos dotados de “convictômetro” ou “intenciômetro”. E se tivéssemos um “detector de convicções” instalado em nossas consciências, ele dispararia o alarme a cada momento em que disséssemos a nós mesmos que acreditamos piamente nisso ou naquilo. Quanto ao “verificador de intenções”, precisamos entender que “bem-intencionado” é o sujeito que deve ser perdoado quando erra, apesar de ter agido exatamente como o “mal-intencionado” agiria. Mas podemos e devemos sempre ligar o “desconfiômetro”. Ter um pé ligeiramente recuado não é uma atitude paranoica, mas tão-somente uma indispensável precaução diante das realidades em confronto com as verdades acessíveis.

Mas... o que essa lengalenga toda tem a ver com amigos e inimigos?

Acontece que muitos dos nossos amigos dão algum crédito àquilo que expomos sob a condição de conjunto sistemático de opinião, mas de caráter hipotético. São pessoas que encontraram traços de lógica naquilo que estamos expondo, por isso se dispõem a aprofundar nossas análises. Essas pessoas costumam nos brindar com retornos surpreendentes: concordando, parcial ou integralmente, com aquilo que teorizamos, acrescentando dados que desconhecíamos, indo bem mais fundo do que seríamos capazes. Ou, muito pelo contrário, discordando da totalidade de nossos hipotéticos raciocínios, apontando os erros de nossas presunções. Em ambos os casos somos beneficiados, porém este segundo resultado nos é muito mais proveitoso. Somente quando reconhecemos nossos erros e nos dispomos a modificar nossos comportamentos é que evoluímos, partimos para novas descobertas com a visão um pouco mais ampliada. Entretanto isso não é tão fácil de se pôr em prática, dado a fatores íntimos, tais como o orgulho, a vaidade, o egoísmo... os quais nem sempre nos permitem reconhecer nossos próprios erros.

Quanto aos nossos inimigos, esses não têm apenas um pé ligeiramente recuado em relação ao que dizemos ou fazemos: estão sempre em posição de carateca pronto para atacar ou se defender. Se forem inimigos motivados por questões no âmbito da política ou da ideologia (nesses casos deveriam ser simplesmente opositores), aí, tudo que dissermos, mesmo que confirmado por fatos evidentes, irrefutáveis, será visto como “teoria da conspiração”. Para eles o nosso linguajar é que se transformou em “Novilíngua”, como em “1984”, de George Orwell. O linguajar deles se renova, sim, mas em função das “novas necessidades de comunicação”. Mas Alain Badiou, filósofo francês contemporâneo, explica essa coisa. Para ele, “a história da política não é a história das palavras, mas sim a história dos novos significados que podem ter as palavras”.

Mas amizade não determina que a gente tenha que viver passando a mão na cabeça dos amigos, inflando-lhes o ego.

Quando dizemos apenas coisas amáveis aos nossos amigos e duras verdades aos inimigos, estamos falseando os verdadeiros propósitos de uma amizade.

Amizade requer sinceridade. Claro que franqueza excessiva é falta de educação, pode ser até arrogância. Mas, para mim, delicadeza só é sinônimo de debilidade quando agimos com pieguice, com sentimentalismo exagerado. Precisamos, sim, ser naturalmente delicados no trato com os amigos e, se possível, até com os inimigos. Não com o receio de melindrá-los com atitudes aparentemente mais ousadas e com isso romper a amizade ou instigar o inimigo. Não, não é nada disso. Devemos ser delicados por ser esta a nossa natureza.

Ao contrário do que muitas vezes tentaram me fazer acreditar, o ser humano não é um bicho feroz, um monstro, um lobo em pele de ovelha, traiçoeiro por excelência, malvado por natureza. Esse é o retrato de uma minoria dentre a Humanidade, mas uma minoria poderosa que faz sua imagem brilhar por todos os cantos da Terra, um brilho intenso, emanando de televisores e telas de cinema já há muitos anos, terrivelmente fascinante.

Creio que devemos dizer duras verdades de forma amável aos nossos amigos; mas, quanto aos inimigos, se estes só querem nos falar e não nos ouvir, devemos dizer-lhes as mesmas duras verdades, só que (ou soque!), para estes, às vezes precisamos falar de forma grosseira.

Reconciliar-se com o inimigo não quer dizer anuir aos seus propósitos, mas apenas mantê-lo incapacitado, ou ao menos inibido, de nos prejudicar. Acho que é isso que fazem os governantes progressistas, reformadores e até os revolucionários.

O amigo do meu inimigo não deve ser necessariamente meu inimigo. Assim como o inimigo do meu inimigo não é essencialmente meu amigo.

 Mas... quem são nossos verdadeiros inimigos?

Não sei! Conheço apenas os que exteriorizaram suas antipatias por mim e se declararam meus inimigos. Mas esses não me parecem ser meus “verdadeiros inimigos”, eles têm pinta apenas de buchas de canhão, bolas murchas, pernas-de-pau, indivíduos teleguiados, “matrixiados”, como diz Komila Nakova. O buraco negro em que meu verdadeiro inimigo me espreita é mais em cima.

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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PressAA


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