A falta da voz brasileira na Globo
Urariano Mota*
Recife - Mais de uma vez eu já havia notado que os apresentadores de telejornalismo têm uma língua diferente da falada no Brasil. Mas a coisa se tornou mais séria quando percebi que, mesmo fora do trator absoluto do Jornal Nacional, os apresentadores locais, de cada região, também falavam uma outra língua. O que me despertou foi uma reportagem sobre o trânsito na Avenida Beberibe, no bairro de Água Fria, que tão bem conheço. E não sei se foi um despertar ou um escândalo. Assistam em “Falta de sinalização em avenida traz perigo para pedestres”.
Na ocasião, o repórter, o apresentador, as chamadas, somente chamavam Beberibe de Bê-Bê-ribe. O que era aquilo? É histórico, desde a mais tenra infância, que essa avenida sempre tenha sido chamada de Bibiribe, ainda que se escrevesse e se escreva Beberibe.
Ligo para a redação da Globo Nordeste. Um jornalista me atende. Falo, na minha forma errada de falar, como aprenderia depois:
- Amigo, por que vocês falam bê-bê-ribe, em vez de bibiribe?
- Porque é o certo, senhor. Bé-Bé é Bebê.
- Sério? Quem ensina isso é algum mestre da língua portuguesa?
- Não, senhor. O certo quem nos ensina é uma fonoaudióloga.
Ah, bom. Para o certo erram de mestre. Mas daí pude ver que a fonoaudióloga como autoridade da língua portuguesa é uma ignorância que vem da matriz, lá no Rio. Ou seja, assim me falou a pesquisa:
“Em 1974, a Rede Globo iniciou um treinamento dos repórteres de vídeo... Nesse período a fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller começou a trabalhar na Globo. Como conta Alice-Maria, uma das idealizadoras do Jornal Nacional: “sentimos a necessidade de alguém que orientasse sua formação para que falassem com naturalidade”.
Foi nesta época, que Beuttenmüller começou a uniformizar a fala dos repórteres e locutores espalhados pelo país, amenizando os sotaques regionais. No seu trabalho de “definição de um padrão nacional, a fonoaudióloga se pautou nas decisões de um congresso de filologia realizado em Salvador, em 1956, no qual ficou acertado que a pronúncia-padrão do português falado no Brasil seria do Rio de Janeiro”. (Destaque meu.)
Mas isso é a morte da língua. É um extermínio das falas regionais, na voz dos repórteres e apresentadores. Os falares diversos, certos/errados aos quais Manuel Bandeira já se referia no verso “Vinha da boca do povo na língua errada do povo/ Língua certa do povo”, ganha aqui um status de anulação da identidade, em que os apresentadores nativos se envergonham da própria fala. Assim, repórteres locais, “nativos”, se referem ao pequi do Ceará como “pê-qui”, enquanto os agricultores respondem com um piqui.
De um modo geral, as vogais abertas, uma característica do Nordeste, passaram a se pronunciar fechadas: nosso é, de “E”, virou ê. E defunto (difunto, em nossa fala “errada”) se transformou em dê-funto. Coração não é mais córa-ção, é côra-ção. Olinda, que o prefeito da cidade e todo olindense chamam de Ó-linda, nos telejornais virou Ô-linda. Diabo, falar Ó-linda é histórico, desde Duarte Coelho. Coisa mais bela não há que a juventude gritando no carnaval “Ó-linda, quero cantar a ti esta canção”. Já Ô-linda é de uma língua artificial, que nem é do sudeste nem, muito menos, do Nordeste. É uma outra coisa, um ridículo sem fim, tão risível quanto os nordestinos de telenovela, com os sotaques caricaturais em tipos de físicos europeus.
Esse ar “civilizado” de apresentadores regionais mereceria um Molière. Enunciam, sempre sob orientação do fonoaudiólogo, “mê-ninô”, “bô-necÔ”, enquanto o povo, na história viva da língua, continua com miní-nu e buneco. O que antes era uma transformação do sotaque, pois na telinha da sala os apresentadores falariam o português “correto”, atingiu algo mais grave: na sua imensa e inesgotável ignorância, eles passaram a mudar os nomes dos lugares naturais da região.
O tão natural Pernambuco, que dizemos Pér-nambuco, se pronuncia agora como Pêr-nambuco. E Petrolina, Pé-tró-lina, uma cidade de referência do desenvolvimento local, virou outra coisa: Pê-trô-lina. E mais este “Nóbel” da ortoépia televisiva: de tal maneira mudaram e mudam até os nomes das cidades nordestinas que, acreditem amigos, eu vi: sabedores que são da tendência regional de transformar o “o” em “u”, um repórter rebatizou a cidade de Juazeiro na Bahia. Virou JÔ-azeiro! O que tem lá a sua lógica: se o povo fala jUazeiro, só podia mesmo ser Jô-azeiro.
*Urariano Motta é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e Os corações futuristas (Recife, Bagaço, 1997). Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz.
_________________________________
Outras matérias que estiveram hoje sob o crivo dos pauteiros da PressAA
Alagoas na Net:
Livros brotam no sertão
Na Bahia, o povoado com a maior taxa de exemplares por habitante do Brasil
por Rodrigo Sombra - Revista Piauí
O povoado de São José do Paiaiá, no sertão baiano, tem 500 moradores, igreja, escola, praça e duas ruas. “Na de cima, mora a elite; na de baixo, a classe trabalhadora”, descreveu o historiador Geraldo Moreira Prado, 71 anos, o filho mais ilustre e ilustrado da terra. De cada dez habitantes de Paiaiá, três são analfabetos. Metade da população vive na pobreza, com renda de pouco mais de 200 reais por família a cada mês. Quatro famílias formam a elite local.
(Leia completo clicando no título)
...................
Carta ao Mercadante
"Quer mesmo uma educação melhor para o Brasil? Caso positivo, venha comigo exigir melhorias localizadas no Ministério da Educação. Vamos concentrar esforços pontualmente, um por vez, e esteja certo que conseguiremos. Nesse 2012 prometo pedir somente 5 minutos de seu tempo para ler o texto logo abaixo:
OBS: Ao final do texto pedirei para assinar uma petição que encaminharei ao Ministro da Educação. Se conhece meus esforços e achar desnecessário ler ASSINE AQUI. Grato."
Leia texto completo clicando no título desta matéria que foi enviada à PressAA pelo autor:
Sergio Grigoletto
Especialista em Leitura, Desenvolvedor de Tecnologias Educacionais e Instrumentos Técnicos de Aplicação. Meus blogues relatam minhas pesquisas e experiências com os métodos da Tecnologia Educacional e Instrumento Técnico "Amigos de Letras na Escola" e "Viva Livro!" (com oito títulos editados) as quais venho desenvolvendo desde 1995. Essas tecnologias se prestarão à formação de leitores e mediadores de leitura na escola e na família, criação da Cultura do Livro na sociedade brasileira e integração da família no ensino formal dos filhos. Contato no Twitter: @digrigo
_________________________________
Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons (O cartum da parte inferior do cartoon ilustração desta matéria foi copiado de Bigodão - Humor "sem" apelação... )
PressAA
.
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
A fala de nóis, brasileiros, na Globo
.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário