quinta-feira, 1 de março de 2012

Passando por Juliaca - Peru

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(Excertos do livros "Viagem ao Umbigo do Mundo", publicado em 2006.)

Urda Alice Klueger*

A altitude, mesmo, não é para mim. Dormi por três vezes sobre a moto, naquela manhã, e por três vezes fui acordada pelo POC da batida no capacete da frente. Penso que já estava dormindo de novo quando vi todo o mundo parado e o carro de apoio com a porta aberta para eu subir:

- Dona Urda, já para o carro de apoio! – ordenava seu Chico, e eu não discuti nada. Tirei o capacete, enrodilhei-me no banco duro do Land-Rover, e como que desmaiei aos cuidados do Lobo Solitário! Estávamos a mais de 4.000 metros de altitude!

Seguíamos, então, em direção a Juliaca, mas antes de chegarmos lá o Dov sofreu sério acidente. Foi pouco antes de chegar a Santa Lúcia, depois de Imata, numa curva. As curvas, ali, eram muito inclinadas, e numa delas havia muito óleo derramado. Foi entrar no óleo e o Dov e o Kako caíram. Para Dov, mesmo, o acidente foi muito feio: caiu na vala cimentada do lado da estrada, arranhou-se muito, e sua moto ficou, para se usar um português bastante claro, estuporada. Há que se lembrar que o Dov era o que os harleyros chamam de road-capitain[1] da expedição, e mesmo todo “baleado” como estava, conseguiu sair da vala e voltar à estrada, onde postou-se antes da mancha de óleo, para que os demais companheiros que vinham atrás não caíssem nela também. Responsabilidades de capitão seguidas à risca!

Para falar a verdade verdadeira, eu quase não vi Juliaca, naquele quase desmaio de altitude em que estava. Lembro de ter ouvido alguém falar que estávamos em Juliaca, e então ter dado uma espiada desanimada para fora do Land-Rover – decerto passávamos por um subúrbio daquela cidade, e a rua em que seguíamos estava em obras, sendo calçada, com o solo muito revirado. Só mais tarde é que conheci Juliaca por fotos, a Cidade dos Ventos, mais de 3.800 metros acima do nível do mar – só tinha que estar assim desmaiadona mesmo! Andei lendo algumas coisas sobre Juliaca: como tudo, no Peru, tem ela uma longa História pré-colonial, e hoje há por lá muita pesquisa arqueológica, que se concentra num lugar chamado Huaynarroque. A antiga Juliaca, apesar das influências de Tiauanaco e Pucara[2], desenvolvera um estilo próprio de vida e, naquela altitude onde hoje as temperaturas variam entre 0 e 15 graus Centígrados, viveu ela no passado com uma economia já baseada na agricultura, criação de gado e pesca. Quase tudo o que li sobre o hoje de Juliaca sempre reportava aos grandes e pequenos Carnavais que lá acontecem, tendo, inclusive, lido que há quem ache os trajes das moças locais, durante os Carnavais, semelhantes aos das carnavalescas brasileiras. Fiquei pensando: será que naquele frio dá? Um dia assisti a um Carnaval em La Paz/Bolívia, e os trajes das moças de lá eram muito diferentes, pura lã e grosso veludo, mal e mal as pernas de fora, vestidas de meias. Descrevi aquele Carnaval paceño numa crônica chamada rio de Janeiro/La Paz, que também anda por aí correndo mundo, e até foi publicada em um livro.

Almoçamos nos arredores de Juliaca. Conseguimos comida num restaurante fora da cidadezinha, onde acabava de almoçar grande grupo de japoneses que atravessara o mundo para vir conhecer a História Inca bem de perto. Fora acordada para comer, e no restaurante dei de cara com os meus já conhecidos boizinhos que os peruanos tanto gostam, que costumam colocar sobre o telhado das suas casas, junto com cruzes, escadas, cravos, martelos, etc – os objetos da Paixão de Cristo. São boizinhos de cerâmica, e ali naquele restaurante eles eram usados como porta-guardanapos, e eram tão bonitinhos e bem decorados que pedi que se tirasse uma foto deles. Mas não curti muito aquele lugar, não – foi o tempo de comer e voltar a quase desmaiar no carro de apoio. Ainda vi alguma coisa da região de Juliaca, seus interessantes triciclos puxados a bicicleta, e às vezes, à motocicleta. Nunca soube de outro lugar do mundo onde houvesse daqueles veículos que lembravam um jinriquinxá[3], mas que eram carrinhos largos, com um amplo banco traseiro estofado e com encosto, onde caberiam duas ou três pessoas, que um ciclista puxava parecendo não fazer esforço. Eles funcionavam como táxi: podia-se alugar um triciclo daqueles e ir-se passear pela paisagem que ia se fazendo suave, com os delicados verdes daquela parte do Peru. Lembro de ter ficado observando uma suave descida onde diversos triciclos daqueles seguiam lentamente, com passageiros que talvez estivessem voltando das compras, ou quem sabe, namorando, mas logo a paisagem esvaneceu-se diante do meu sono. A maior parte daquela tarde dormi como morta enquanto o Lobo Solitário resistia à altitude e continuava dirigindo.

Quando acordei, a altitude diminuíra um pouco, e estávamos, creio, a uns 200 km de Cusco!

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[1] Road-capitain = eu traduziria por “puxador”, “guia”, ou algo assim. (Nota da autora.)
[2] Pucara : uma das muitas antigas culturas/civilizações que vicejaram no antigo Peru nos últimos 12.000 anos.
[3] Jinriquinxá : carrinho de duas rodas puxado por homens, usado no Oriente. (Dicionário Aurélio)

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"Sinceramente eu não sou contra quem gosta da “longuineti”, mas é preciso que se deixe a escolha. Afinal, isso não é uma democracia? Caso fosse em Cuba que estivesse sendo implementada a ditadura da cerveja pequena já haveria grandes mobilizações em Miami. Mas como é no “mundo livre”, nada acontece. Vamos acompanhar esse caso, de interesse nacional, e se não houver uma mudança haveremos de ressuscitar o blumenauense Horácio Braun e todos os demais velhos compas cervejeiros para iniciar uma ofensiva radical."

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*Urda Alice Klueger: Escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz.
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Ilustração - AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons ( A charge da cerveja foi copiada do Blog Vianensidades )

PressAA

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