Traduzido pelo coletivo Política para Todos
(Recebido por e-mail da Rede Castorphoto)
Dêem a bomba ao Irã!
As vantagens de um Irã nuclear
Aetius Romulous, “Speaking Freely”, Asia Times Online
“Speaking Freely” [Falando Francamente] é uma sessão de Asia Times Online na qual escrevem autores convidados.
Se quiser oferecer sua colaboração, clique em http://www.atimes.net/speakingfreely/. Aetius Romulous, que vive no Canadá, é jornalista freelance.
É possível que o Irã esteja construindo “a bomba”. O Irã, assim, seria a segunda potência na Região a possuir a bomba, e certamente seria a primeira de uma rápida sequência de Estados regionais com o dinheiro e os talentos necessários para comprar a bomba. Além disso, essa proliferação de Estados com bomba é função da economia e, como tal, inevitavelmente, não será contida por nenhum tipo de medida racional.
De fato, “a bomba” propriamente dita é apenas mais uma ficha do jogo de barganha entre os Estados-bomba já estabelecidos, que a usam para obter vantagens na direção do que realmente lhes interessa, a saber... o petróleo.
O Paquistão tem várias bombas atômicas e é um dos Estados-nação mais instáveis do mundo. Tem a bomba porque seu arqui-odiado rival, a Índia, tem seu próprio kit de bombas. Israel tem um saco de mais de 200 bombas, nenhuma das quais é controlada de modo algum por seja lá quem for. É segredo. Os EUA têm bombas. Milhares de bombas. Os EUA são o único Estado que, até hoje, detonou duas bombas sobre cidades habitadas, e, não bastasse, têm vários sacos de bombas, da melhor qualidade, espalhadas pelo território de seu Estado-vassalo, o Iraque. Há montanhas de bombas atômicas no Oriente Médio, tantas, que a quantidade tornou irrelevante a evidência de que só uma delas, detonada, já faria todo o serviço de derreter até os ossos todo o mundo Ocidental.
Todas as bombas que realmente existem no Oriente Médio – ou em qualquer parte do mundo, em terra, mar ou ar, ou ainda mais acima, no espaço sideral – pertencem a Estados de tecnologia muito avançada, donos das imensas quantidades de riquezas necessárias para projetar, construir, esconder e manter uma arma de custo inimaginável. Exceto o Paquistão e a Coreia do Norte, que simplesmente acharam caminho até a bomba pela porta da cozinha e são os convidados mais mal vestidos da festa. Como manda a natureza do nosso sistema econômico global, onde riqueza é poder, a marcha atual do progresso rapidamente gerará mais e mais nações emergentes as quais, dentro de algum tempo, serão suficientemente ricas para também ter “a bomba”.
Já temos a primeira bomba muçulmana no Paquistão, a primeira bomba sionista em Israel, e bem poderemos ter, em breve, a primeira bomba persa. Está faltando – não demorará, e alguém verá – uma bomba árabe, para completar o conjunto. A Turquia precisará da bomba e, logo, logo, terá dinheiro para comprar uma. Então haverá uma cadeia ininterrupta de Estados-bomba que se se estenderá do Estreito de Taiwan ao Canal de Suez, cobrindo todas as principais religiões, culturas e modalidades de governo e política. Será um autêntico “cinturão-bomba”. Pobre África! Também dessa vez ficará excluída. Nada de bomba p’ra vocês!
Quero dizer, então, que há sacos e sacos de bombas na região mais instável do planeta, e tudo faz crer que se reproduzirão rapidamente. O Irã tem todo o direito de ter sua bomba. Afinal, considerado o grande quadro, que diferença faz? E daí, se o Irã tiver sua bomba? A verdade é que, com o Irã sem bomba, a coisa lá fica ainda um pouco menos estável do que com o Irã com bomba; e um pouco, na era nuclear, é muito.
Que as nações sintam-se compelidas a enterrar quantidades gargântuais da produtividade de seus cidadãos para produzir bombas é efeito das lições que aprenderam no tempo em que foram tratadas como peões sem qualquer valor, na era de ouro da Guerra Fria. O dinheiro fala; e nada representa mais claramente a voz do dinheiro, que a bomba. Como escamas coloridas, um sinal de “Material radiativo” é indicador, para todos, de que qualquer deslize no plano das ações e movimentos terá consequências terríveis.
Longe de ter ensinado ao mundo que a bomba é terrível máquina do Apocalipse, a Guerra Fria só ensinou que a bomba é excelente instrumento de defesa. Embalada em medos e perigos de futuros desconhecidos, uma ogiva nuclear é ameaça terrível. Detonada, já não vale coisa alguma; porque a bomba se auto-consome, ela também, na destruição geral, mútua, aritmeticamente garantida, de tudo e todos.
Para ter alguma serventia, uma ogiva nuclear tem de encontrar, contra ela, ameaça grave. Até a bomba precisa de inimigos. O fracasso de não poder responder com catástrofe equivalente à catástrofe provocada por uma bomba torna racional o emprego da bomba. Querem um mundo estável, bem estável? Entreguem uma bomba ao Irã. Dêem. Mandem entregar. Entreguem lá. Esse simples gesto fará sumir de todas as mesas de negociação, não apenas a bomba iraniana, mas todas as demais bombas. Uma montanha de armas de ataque serão, todas, imediatamente convertidas em armas de defesa.
A coisa chama-se “Teoria dos Jogos” e é item essencial do Manual do Proprietário de bombas. Uma série perfeitamente racional de equações matemáticas que regem a idade atômica, desde o tempo em que os físicos jogavam pôquer. Uma análise de sistema do conjunto de decisões que têm de ser tomadas pelos proprietários de bombas para maximizar a própria posição, sem jamais somar mais que 21. A “Teoria dos Jogos” prevê que a superioridade nuclear depende do que o outro sujeito esteja pensando sobre você. E impõe a exigência de que os dois lados sejam capazes de impor ameaças verossímeis, críveis, cada ameaça com consequências que todos os jogadores saibam que, com certeza, não estão incluídas entre seus interesses de longo prazo. A destruição mútua garantida depende do equilíbrio e paridade entre as ameaças feitas e recebidas de cada lado. Sem essa paridade, o desequilíbrio torna praticamente garantida e inevitável a detonação da bomba atômica, em circunstâncias nas quais, se houvesse paridade entre as ameaças, nada aconteceria.
Essa foi e ainda é uma doutrina norte-americana. Mesmo assim, acabou por servir de coluna central da arquitetura básica da contenção na idade atômica. Quando os norte-americanos lutam para demonstrar que um Irã nuclear seria péssimo para todos, eles mesmos entendem perfeitamente a irracionalidade do argumento. Os norte-americanos alertam para o fato de que a bomba iraniana será usada contra Israel, e que essa seria a única razão pela qual o Irã deseja ter a bomba. Israel responde que o Irã tem de ser contido porque seria “ameaça existencial” (contra a existência de Israel) e a bomba, de fato, marcaria o fim daquela existência, dentre outras.
Todos sabem, é claro, que as coisas absolutamente não são assim. Todos sabem que, se os iranianos tiverem a bomba (apenas uma; duas bombas, no máximo), evidentemente não a dispararão, uma contra Israel, a outra contra os EUA. A detonação da bomba, sempre de só uma bomba, a primeira e única, não teria efeito sobre o inimigo que se compare ao castigo-retaliação que o Irã sofreria como resposta à decisão de usar a bomba. Nada disso interessa ao Irã. O mesmo raciocínio explica também por que o Irã há 600 anos não invade país algum e mantém sua civilização há milhares de anos. Os iranianos não são idiotas.
Então, por que tanta conversa fiada?
O Irã tem petróleo. O Irã é o quarto maior exportador do mundo de óleo cru, o que lhe vale a carteirinha de membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, OPEP [ing. Organization of Petroleum Exporting Countries, OPEC] que bombeia um excedente de 2,5 milhões de barris/dia de gororoba translúcida, leve e preta. A reserva iraniana de cru de excelente qualidade é a terceira maior do mundo. O Irã controla também o Estreito de Hormuz, pelo qual fluem 40% do óleo de todo o ocidente, e está na rota de bola de profundidade que chega até Ras Tanura, principal ponto de exportação de petróleo da Arábia Saudita.
O Irã é suficientemente rico para construir sua bomba, porque o Irã tem petróleo. O Irã é uma ameaça ao suprimento de petróleo para o ocidente, tanto quanto outros players árabes que são tradicionais inimigos dos persas. O Irã está localizado praticamente na outra calçada em relação ao Iraque, quer dizer, bem próximo do quintal dos EUA. Israel está localizado praticamente na rua ao lado, em relação ao Irã, quarteirão-cenário de cinco mil anos de história entre persas e judeus.
O Iran vive deitado sobre verdadeiro mar da mercadoria de mais alto valor estratégico para o mundo, e cercado por interesses ocidentais mal-intencionados – todos eles Estados-com-bomba. Então, o Irã quer a bomba. A sério.
O Irã vende 16% de seu petróleo exportado, para a China, cerca de 411 milhões de barris/dia, e aumentando; e é a segunda maior fonte de petróleo cru para a China, perdendo, só, para a Arábia Saudita. A China precisa de petróleo em quantidades jamais antes imaginadas, para fazer andar seu crescimento, e está vasculhando o mundo à procura de flores não contaminadas por ideologia política. A China está comprando a África, bem aí, sob o nariz dos tolos querelantes da Guerra Fria, e não tem cachorro seu nas pistas das velhas corridas do Oriente Médio. Precisa de petróleo e ponto. Para comprovar, investiu mais de 100 bilhões de dólares no Irã.
A China considera o Irã como novo amigo num mundo ex-insular. E amigo carente é amigo no qual se pode confiar. A China enfrenta suas próprias ameaças regionais, uma das quais a Índia, outro desses inimigos de tipo tradicional que fazem pirar as sensibilidades ocidentais. Um Irã amigo da China, nadando em petróleo, é excelente trunfo para empurrar a Índia a partir de um outro ponto de apoio. A China, é claro, tem a bomba.
A Índia também tem a bomba, mas também é outro dos grandes centros de progresso mundial. A Índia precisa tanto de petróleo quanto a China, e pelas mesmas razões; e importa praticamente a mesma quantidade de petróleo, do Irã, que a China. Um terço das exportações iranianas de petróleo vão diretamente para as economias em super-desenvolvimento, de China e Índia. Não bastasse, o Iran re-importa, na forma de gasolina refinada, boa quantidade do petróleo que exporta para a Índia, o que faz do negócio um modelo de arranjo perfeitamente estabilizado e estupidamente lucrativo para todos os envolvidos.
Para ambos, China e Índia, uma bomba iraniana significaria segurança para seus recursos e investimentos petrolíferos. Sem bomba iraniana, China e Índia terão de tomar algumas atitudes em relação a ameaças que pesem sobre seu fornecedor de petróleo – exatamente o que já estão fazendo hoje. Sempre ajuda ter uma bem-defendida fonte de petróleo que também tem interesse em defender o próprio preço. Ter acesso ao petróleo é uma coisa; ter dinheiro para comprar é outra.
A Rússia não quer que o Irã tenha bomba. A Rússia está na posição difícil de líder mundial tanto em matéria de bomba quanto em matéria de petróleo. Tem muito, tanto de bombas quanto de petróleo. Ao vender apoio tecnológico ao Irã para o seu programa nuclear para fins “civis”, os russos estão tocando os negócios em várias frentes. Se o Irã construir a bomba, haverá instabilidade no curto prazo, o que incidiria favoravelmente sobre os preços do petróleo russo, do qual os russos têm de cuidar, porque aquele petróleo mantém em movimento a agenda econômica progressista dos russos. Não bastasse, a Rússia tem meios para controlar a velocidade e os objetivos do desenvolvimento nuclear iraniano – fato que os estadistas norte-americanos evidentemente não ignoram, mas todos os jornais e televisões ignoram completamente.
Para a Rússia, a bomba iraniana é moedinha de barganha perfeita para usar com vistas a obter, extraídos dos norte-americanos, segurança geográfica e mercados abertos. Mas se os iranianos querem uma bomba, pensam os russos, ok, a Rússia poderá ajudar. É bom negócio e amplia a área de influência dos russos no Oriente Médio, justamente nas regiões nas quais os EUA foram hegemônicos.
Ao mesmo tempo, a Rússia partilha as mesmas preocupações dos EUA em relação à proliferação de armas nucleares. É absolutamente essencial para os ex-inimigos na Guerra Fria conseguir conter qualquer aumento no número de países equipados com bomba atômica. Russos e norte-americanos já enfrentam cada vez mais dificuldades financeiras para construir e manter imensos – e absolutamente inúteis – arsenais atômicos. (A Teoria dos Jogos exigia número sempre crescente de armas, para que não perdessem o valor e o efeito de contenção.)
É difícil determinar o momento em que acabou a teoria e começou a insanidade, mas os líderes atuais, nos EUA e na Rússia, já entenderam que, quanto mais cada um reduza seus arsenais, em ritmo que não perturbe o equilíbrio, mais cada um conseguirá economizar tempo, dinheiro e preocupações. O aumento no número de Estados-bomba tende a manter artificialmente alto o piso da ameaça nuclear; e devorará os bilhões de dólares cuja economia já está prevista nos orçamentos.
É difícil decidir quem precisa mais de petróleo, se os EUA ou a China. E cada um aborda a questão a partir de um ponto. A China está usando em silêncio suas indústrias estatais tamanho-Golias para consumir todos os recursos do planeta necessários para empurrar seu futuro. Pode fazer isso, porque o capitalismo não tem potência para deter o consumo de recursos controlado pelo Estado. Ao mesmo tempo, os EUA têm fracassado nas tentativas de empregar seus superpoderes e sua invencível máquina militar para influenciar as principais fontes acessíveis de petróleo leve que há no mundo.
Viciados em petróleo, dependentes químicos, os EUA só contam com a força do ‘livre mercado’ para obter algum (fraco) controle sobre os suprimentos futuros. Os EUA carecem não só de petróleo, mas, também, de preços politicamente previsíveis para aquele petróleo, para assim proteger sua economia e o dólar norte-americano que depende da economia dos EUA.
Os EUA têm arsenal de bombas e tecnologias ‘de-bomba’ que já cresceram a tal ponto que qualquer investimento do arsenal e das tecnologias sempre dará mais prejuízo que lucros. Basta que alguém dê só uma espiadela na direção do botão detonador, e uma explosão nuclear termal fará voar pelos ares todos os lares norte-americanos. Gasolina a sete dólares o galão. O custo da indústria da guerra já se aproxima do trilhão de dólares/ano e é perfeitamente inútil para proteger o mais valioso patrimônio estratégico, do ponto de vista dos EUA: o petróleo de que os EUA precisam e que não têm.
Os EUA são amigos dos sauditas e dos israelenses, e cada um desses é inimigo jurado de morte pelo outro. Os EUA cedem equipamento militar e estendem seu guarda-chuva nuclear também sobre os sauditas, em troca de petróleo. Os sauditas precisam dessa proteção contra seus vizinhos, o falecido grande Saddam Hussein e seu Estado Islâmico herético; e os temidos persas. O guarda-chuva norte-americano, contudo, é perfeitamente inútil contra uma Israel armada até os dentes com bombas próprias.
Israel está compreensivelmente cada dia mais nervoso face à realidade geográfica que herdou dos britânicos em 1948. Israel importa absolutamente tudo que valha alguma coisa, inclusive petróleo. E Israel está plantado sobre o patrimônio imóvel mais irracionalmente criado e defendido de toda a história do mundo. Por sorte, ataques sem bomba atômica já se comprovaram castigos eficazes mais de uma vez; de fato, muitas vezes. Isso, porque o castigo nuclear contra ameaça existencial pode lançar no inferno, simultaneamente, vários dos principais aliados de Israel, em escala infernal que aumenta sempre. Uma resposta nuclear iraniana contra a sempre agressiva Israel terá efeitos e ramificações de que nem a melhor Teoria dos Jogos jamais cogitou. Ninguém, absolutamente ninguém, está em posição de imaginar o que Israel fará se for atacado por bomba atômica iraniana. Não haverá depois.
E o que fará a China, sobre seus investimentos no Irã? E a Índia? Como o Paquistão reagirá à Índia? O que farão os russos – sentar e assistir ao show, enquanto o preço de seu abundantíssimo petróleo alcança as planícies desabitadas da estratosfera? E o que farão os norte-americanos? Quem sabe? E, ainda mais importante: quem quer descobrir? Ninguém.
A única saída segura para os EUA, do impasse em que se meteram, é dar a bomba ao Irã. É solução racional, a única solução racional para o problema. É muito provável que o Iran consiga fazer a própria bomba; se quiser, pode recorrer ao apoio dos russos. Um Irã nuclear restaurará o equilíbrio e devolverá a paridade à insanidade da jogatina nuclear. Todos os envolvidos voltarão a ter de encarar a mesma consequência racional para suas decisões de política exterior. Se for desenvolvido com apoio dos EUA, o programa nuclear iraniano poderá ser vacinado contra uma muito provável e muito real ameaça israelense.
Ficarão inutilizadas algumas das tradicionais ferramentas regionais que o Irã usa, como o Hizbóllah no Líbano. Se os EUA garantirem a bomba ao Irã, ficará assegurado o suprimento de petróleo para China e Índia, com a vantagem de que será contida a expansão da influência russa sobre o Irã, o qual – atenção! – está localizado exatamente entre o Iraque e o Afeganistão. Os EUA oferecerão armamentos em troca da estabilidade do mercado de petróleo. Assim, todos ganham.
Claro que nada disso será feito desse modo, e por razões que todos conhecemos intuitivamente, as quais ninguém precisa (nem consegue) explicar. Simplesmente não acontecerá assim. O que acontecerá será diferente, outra coisa. Acontecerá algo insustentável e desigual, solução que deixará aberto um buraco tamanho-Versailles. Apesar da situação desesperadora em que vive o planeta Terra, porque crescimento ilimitado exige devoração ilimitada de recursos escassos, várias decisões desencadearão várias ações, que têm mais, muito mais, a ver com dogma, religião e nacionalismo, do que com algum realismo racional.
É sempre assim. Hoje, se acrescentaram ao sempre-assim a Teoria dos Jogos da Guerra Fria e centenas de ogivas nucleares. Eca! [ing. Ugh!]
O artigo original, em inglês, pode ser lido em:
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/KK18Ak01.html
(Recebido por e-mail da Rede Castorphoto)
Dêem a bomba ao Irã!
As vantagens de um Irã nuclear
Aetius Romulous, “Speaking Freely”, Asia Times Online
“Speaking Freely” [Falando Francamente] é uma sessão de Asia Times Online na qual escrevem autores convidados.
Se quiser oferecer sua colaboração, clique em http://www.atimes.net/speakingfreely/. Aetius Romulous, que vive no Canadá, é jornalista freelance.
É possível que o Irã esteja construindo “a bomba”. O Irã, assim, seria a segunda potência na Região a possuir a bomba, e certamente seria a primeira de uma rápida sequência de Estados regionais com o dinheiro e os talentos necessários para comprar a bomba. Além disso, essa proliferação de Estados com bomba é função da economia e, como tal, inevitavelmente, não será contida por nenhum tipo de medida racional.
De fato, “a bomba” propriamente dita é apenas mais uma ficha do jogo de barganha entre os Estados-bomba já estabelecidos, que a usam para obter vantagens na direção do que realmente lhes interessa, a saber... o petróleo.
O Paquistão tem várias bombas atômicas e é um dos Estados-nação mais instáveis do mundo. Tem a bomba porque seu arqui-odiado rival, a Índia, tem seu próprio kit de bombas. Israel tem um saco de mais de 200 bombas, nenhuma das quais é controlada de modo algum por seja lá quem for. É segredo. Os EUA têm bombas. Milhares de bombas. Os EUA são o único Estado que, até hoje, detonou duas bombas sobre cidades habitadas, e, não bastasse, têm vários sacos de bombas, da melhor qualidade, espalhadas pelo território de seu Estado-vassalo, o Iraque. Há montanhas de bombas atômicas no Oriente Médio, tantas, que a quantidade tornou irrelevante a evidência de que só uma delas, detonada, já faria todo o serviço de derreter até os ossos todo o mundo Ocidental.
Todas as bombas que realmente existem no Oriente Médio – ou em qualquer parte do mundo, em terra, mar ou ar, ou ainda mais acima, no espaço sideral – pertencem a Estados de tecnologia muito avançada, donos das imensas quantidades de riquezas necessárias para projetar, construir, esconder e manter uma arma de custo inimaginável. Exceto o Paquistão e a Coreia do Norte, que simplesmente acharam caminho até a bomba pela porta da cozinha e são os convidados mais mal vestidos da festa. Como manda a natureza do nosso sistema econômico global, onde riqueza é poder, a marcha atual do progresso rapidamente gerará mais e mais nações emergentes as quais, dentro de algum tempo, serão suficientemente ricas para também ter “a bomba”.
Já temos a primeira bomba muçulmana no Paquistão, a primeira bomba sionista em Israel, e bem poderemos ter, em breve, a primeira bomba persa. Está faltando – não demorará, e alguém verá – uma bomba árabe, para completar o conjunto. A Turquia precisará da bomba e, logo, logo, terá dinheiro para comprar uma. Então haverá uma cadeia ininterrupta de Estados-bomba que se se estenderá do Estreito de Taiwan ao Canal de Suez, cobrindo todas as principais religiões, culturas e modalidades de governo e política. Será um autêntico “cinturão-bomba”. Pobre África! Também dessa vez ficará excluída. Nada de bomba p’ra vocês!
Quero dizer, então, que há sacos e sacos de bombas na região mais instável do planeta, e tudo faz crer que se reproduzirão rapidamente. O Irã tem todo o direito de ter sua bomba. Afinal, considerado o grande quadro, que diferença faz? E daí, se o Irã tiver sua bomba? A verdade é que, com o Irã sem bomba, a coisa lá fica ainda um pouco menos estável do que com o Irã com bomba; e um pouco, na era nuclear, é muito.
Que as nações sintam-se compelidas a enterrar quantidades gargântuais da produtividade de seus cidadãos para produzir bombas é efeito das lições que aprenderam no tempo em que foram tratadas como peões sem qualquer valor, na era de ouro da Guerra Fria. O dinheiro fala; e nada representa mais claramente a voz do dinheiro, que a bomba. Como escamas coloridas, um sinal de “Material radiativo” é indicador, para todos, de que qualquer deslize no plano das ações e movimentos terá consequências terríveis.
Longe de ter ensinado ao mundo que a bomba é terrível máquina do Apocalipse, a Guerra Fria só ensinou que a bomba é excelente instrumento de defesa. Embalada em medos e perigos de futuros desconhecidos, uma ogiva nuclear é ameaça terrível. Detonada, já não vale coisa alguma; porque a bomba se auto-consome, ela também, na destruição geral, mútua, aritmeticamente garantida, de tudo e todos.
Para ter alguma serventia, uma ogiva nuclear tem de encontrar, contra ela, ameaça grave. Até a bomba precisa de inimigos. O fracasso de não poder responder com catástrofe equivalente à catástrofe provocada por uma bomba torna racional o emprego da bomba. Querem um mundo estável, bem estável? Entreguem uma bomba ao Irã. Dêem. Mandem entregar. Entreguem lá. Esse simples gesto fará sumir de todas as mesas de negociação, não apenas a bomba iraniana, mas todas as demais bombas. Uma montanha de armas de ataque serão, todas, imediatamente convertidas em armas de defesa.
A coisa chama-se “Teoria dos Jogos” e é item essencial do Manual do Proprietário de bombas. Uma série perfeitamente racional de equações matemáticas que regem a idade atômica, desde o tempo em que os físicos jogavam pôquer. Uma análise de sistema do conjunto de decisões que têm de ser tomadas pelos proprietários de bombas para maximizar a própria posição, sem jamais somar mais que 21. A “Teoria dos Jogos” prevê que a superioridade nuclear depende do que o outro sujeito esteja pensando sobre você. E impõe a exigência de que os dois lados sejam capazes de impor ameaças verossímeis, críveis, cada ameaça com consequências que todos os jogadores saibam que, com certeza, não estão incluídas entre seus interesses de longo prazo. A destruição mútua garantida depende do equilíbrio e paridade entre as ameaças feitas e recebidas de cada lado. Sem essa paridade, o desequilíbrio torna praticamente garantida e inevitável a detonação da bomba atômica, em circunstâncias nas quais, se houvesse paridade entre as ameaças, nada aconteceria.
Essa foi e ainda é uma doutrina norte-americana. Mesmo assim, acabou por servir de coluna central da arquitetura básica da contenção na idade atômica. Quando os norte-americanos lutam para demonstrar que um Irã nuclear seria péssimo para todos, eles mesmos entendem perfeitamente a irracionalidade do argumento. Os norte-americanos alertam para o fato de que a bomba iraniana será usada contra Israel, e que essa seria a única razão pela qual o Irã deseja ter a bomba. Israel responde que o Irã tem de ser contido porque seria “ameaça existencial” (contra a existência de Israel) e a bomba, de fato, marcaria o fim daquela existência, dentre outras.
Todos sabem, é claro, que as coisas absolutamente não são assim. Todos sabem que, se os iranianos tiverem a bomba (apenas uma; duas bombas, no máximo), evidentemente não a dispararão, uma contra Israel, a outra contra os EUA. A detonação da bomba, sempre de só uma bomba, a primeira e única, não teria efeito sobre o inimigo que se compare ao castigo-retaliação que o Irã sofreria como resposta à decisão de usar a bomba. Nada disso interessa ao Irã. O mesmo raciocínio explica também por que o Irã há 600 anos não invade país algum e mantém sua civilização há milhares de anos. Os iranianos não são idiotas.
Então, por que tanta conversa fiada?
O Irã tem petróleo. O Irã é o quarto maior exportador do mundo de óleo cru, o que lhe vale a carteirinha de membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, OPEP [ing. Organization of Petroleum Exporting Countries, OPEC] que bombeia um excedente de 2,5 milhões de barris/dia de gororoba translúcida, leve e preta. A reserva iraniana de cru de excelente qualidade é a terceira maior do mundo. O Irã controla também o Estreito de Hormuz, pelo qual fluem 40% do óleo de todo o ocidente, e está na rota de bola de profundidade que chega até Ras Tanura, principal ponto de exportação de petróleo da Arábia Saudita.
O Irã é suficientemente rico para construir sua bomba, porque o Irã tem petróleo. O Irã é uma ameaça ao suprimento de petróleo para o ocidente, tanto quanto outros players árabes que são tradicionais inimigos dos persas. O Irã está localizado praticamente na outra calçada em relação ao Iraque, quer dizer, bem próximo do quintal dos EUA. Israel está localizado praticamente na rua ao lado, em relação ao Irã, quarteirão-cenário de cinco mil anos de história entre persas e judeus.
O Iran vive deitado sobre verdadeiro mar da mercadoria de mais alto valor estratégico para o mundo, e cercado por interesses ocidentais mal-intencionados – todos eles Estados-com-bomba. Então, o Irã quer a bomba. A sério.
O Irã vende 16% de seu petróleo exportado, para a China, cerca de 411 milhões de barris/dia, e aumentando; e é a segunda maior fonte de petróleo cru para a China, perdendo, só, para a Arábia Saudita. A China precisa de petróleo em quantidades jamais antes imaginadas, para fazer andar seu crescimento, e está vasculhando o mundo à procura de flores não contaminadas por ideologia política. A China está comprando a África, bem aí, sob o nariz dos tolos querelantes da Guerra Fria, e não tem cachorro seu nas pistas das velhas corridas do Oriente Médio. Precisa de petróleo e ponto. Para comprovar, investiu mais de 100 bilhões de dólares no Irã.
A China considera o Irã como novo amigo num mundo ex-insular. E amigo carente é amigo no qual se pode confiar. A China enfrenta suas próprias ameaças regionais, uma das quais a Índia, outro desses inimigos de tipo tradicional que fazem pirar as sensibilidades ocidentais. Um Irã amigo da China, nadando em petróleo, é excelente trunfo para empurrar a Índia a partir de um outro ponto de apoio. A China, é claro, tem a bomba.
A Índia também tem a bomba, mas também é outro dos grandes centros de progresso mundial. A Índia precisa tanto de petróleo quanto a China, e pelas mesmas razões; e importa praticamente a mesma quantidade de petróleo, do Irã, que a China. Um terço das exportações iranianas de petróleo vão diretamente para as economias em super-desenvolvimento, de China e Índia. Não bastasse, o Iran re-importa, na forma de gasolina refinada, boa quantidade do petróleo que exporta para a Índia, o que faz do negócio um modelo de arranjo perfeitamente estabilizado e estupidamente lucrativo para todos os envolvidos.
Para ambos, China e Índia, uma bomba iraniana significaria segurança para seus recursos e investimentos petrolíferos. Sem bomba iraniana, China e Índia terão de tomar algumas atitudes em relação a ameaças que pesem sobre seu fornecedor de petróleo – exatamente o que já estão fazendo hoje. Sempre ajuda ter uma bem-defendida fonte de petróleo que também tem interesse em defender o próprio preço. Ter acesso ao petróleo é uma coisa; ter dinheiro para comprar é outra.
A Rússia não quer que o Irã tenha bomba. A Rússia está na posição difícil de líder mundial tanto em matéria de bomba quanto em matéria de petróleo. Tem muito, tanto de bombas quanto de petróleo. Ao vender apoio tecnológico ao Irã para o seu programa nuclear para fins “civis”, os russos estão tocando os negócios em várias frentes. Se o Irã construir a bomba, haverá instabilidade no curto prazo, o que incidiria favoravelmente sobre os preços do petróleo russo, do qual os russos têm de cuidar, porque aquele petróleo mantém em movimento a agenda econômica progressista dos russos. Não bastasse, a Rússia tem meios para controlar a velocidade e os objetivos do desenvolvimento nuclear iraniano – fato que os estadistas norte-americanos evidentemente não ignoram, mas todos os jornais e televisões ignoram completamente.
Para a Rússia, a bomba iraniana é moedinha de barganha perfeita para usar com vistas a obter, extraídos dos norte-americanos, segurança geográfica e mercados abertos. Mas se os iranianos querem uma bomba, pensam os russos, ok, a Rússia poderá ajudar. É bom negócio e amplia a área de influência dos russos no Oriente Médio, justamente nas regiões nas quais os EUA foram hegemônicos.
Ao mesmo tempo, a Rússia partilha as mesmas preocupações dos EUA em relação à proliferação de armas nucleares. É absolutamente essencial para os ex-inimigos na Guerra Fria conseguir conter qualquer aumento no número de países equipados com bomba atômica. Russos e norte-americanos já enfrentam cada vez mais dificuldades financeiras para construir e manter imensos – e absolutamente inúteis – arsenais atômicos. (A Teoria dos Jogos exigia número sempre crescente de armas, para que não perdessem o valor e o efeito de contenção.)
É difícil determinar o momento em que acabou a teoria e começou a insanidade, mas os líderes atuais, nos EUA e na Rússia, já entenderam que, quanto mais cada um reduza seus arsenais, em ritmo que não perturbe o equilíbrio, mais cada um conseguirá economizar tempo, dinheiro e preocupações. O aumento no número de Estados-bomba tende a manter artificialmente alto o piso da ameaça nuclear; e devorará os bilhões de dólares cuja economia já está prevista nos orçamentos.
É difícil decidir quem precisa mais de petróleo, se os EUA ou a China. E cada um aborda a questão a partir de um ponto. A China está usando em silêncio suas indústrias estatais tamanho-Golias para consumir todos os recursos do planeta necessários para empurrar seu futuro. Pode fazer isso, porque o capitalismo não tem potência para deter o consumo de recursos controlado pelo Estado. Ao mesmo tempo, os EUA têm fracassado nas tentativas de empregar seus superpoderes e sua invencível máquina militar para influenciar as principais fontes acessíveis de petróleo leve que há no mundo.
Viciados em petróleo, dependentes químicos, os EUA só contam com a força do ‘livre mercado’ para obter algum (fraco) controle sobre os suprimentos futuros. Os EUA carecem não só de petróleo, mas, também, de preços politicamente previsíveis para aquele petróleo, para assim proteger sua economia e o dólar norte-americano que depende da economia dos EUA.
Os EUA têm arsenal de bombas e tecnologias ‘de-bomba’ que já cresceram a tal ponto que qualquer investimento do arsenal e das tecnologias sempre dará mais prejuízo que lucros. Basta que alguém dê só uma espiadela na direção do botão detonador, e uma explosão nuclear termal fará voar pelos ares todos os lares norte-americanos. Gasolina a sete dólares o galão. O custo da indústria da guerra já se aproxima do trilhão de dólares/ano e é perfeitamente inútil para proteger o mais valioso patrimônio estratégico, do ponto de vista dos EUA: o petróleo de que os EUA precisam e que não têm.
Os EUA são amigos dos sauditas e dos israelenses, e cada um desses é inimigo jurado de morte pelo outro. Os EUA cedem equipamento militar e estendem seu guarda-chuva nuclear também sobre os sauditas, em troca de petróleo. Os sauditas precisam dessa proteção contra seus vizinhos, o falecido grande Saddam Hussein e seu Estado Islâmico herético; e os temidos persas. O guarda-chuva norte-americano, contudo, é perfeitamente inútil contra uma Israel armada até os dentes com bombas próprias.
Israel está compreensivelmente cada dia mais nervoso face à realidade geográfica que herdou dos britânicos em 1948. Israel importa absolutamente tudo que valha alguma coisa, inclusive petróleo. E Israel está plantado sobre o patrimônio imóvel mais irracionalmente criado e defendido de toda a história do mundo. Por sorte, ataques sem bomba atômica já se comprovaram castigos eficazes mais de uma vez; de fato, muitas vezes. Isso, porque o castigo nuclear contra ameaça existencial pode lançar no inferno, simultaneamente, vários dos principais aliados de Israel, em escala infernal que aumenta sempre. Uma resposta nuclear iraniana contra a sempre agressiva Israel terá efeitos e ramificações de que nem a melhor Teoria dos Jogos jamais cogitou. Ninguém, absolutamente ninguém, está em posição de imaginar o que Israel fará se for atacado por bomba atômica iraniana. Não haverá depois.
E o que fará a China, sobre seus investimentos no Irã? E a Índia? Como o Paquistão reagirá à Índia? O que farão os russos – sentar e assistir ao show, enquanto o preço de seu abundantíssimo petróleo alcança as planícies desabitadas da estratosfera? E o que farão os norte-americanos? Quem sabe? E, ainda mais importante: quem quer descobrir? Ninguém.
A única saída segura para os EUA, do impasse em que se meteram, é dar a bomba ao Irã. É solução racional, a única solução racional para o problema. É muito provável que o Iran consiga fazer a própria bomba; se quiser, pode recorrer ao apoio dos russos. Um Irã nuclear restaurará o equilíbrio e devolverá a paridade à insanidade da jogatina nuclear. Todos os envolvidos voltarão a ter de encarar a mesma consequência racional para suas decisões de política exterior. Se for desenvolvido com apoio dos EUA, o programa nuclear iraniano poderá ser vacinado contra uma muito provável e muito real ameaça israelense.
Ficarão inutilizadas algumas das tradicionais ferramentas regionais que o Irã usa, como o Hizbóllah no Líbano. Se os EUA garantirem a bomba ao Irã, ficará assegurado o suprimento de petróleo para China e Índia, com a vantagem de que será contida a expansão da influência russa sobre o Irã, o qual – atenção! – está localizado exatamente entre o Iraque e o Afeganistão. Os EUA oferecerão armamentos em troca da estabilidade do mercado de petróleo. Assim, todos ganham.
Claro que nada disso será feito desse modo, e por razões que todos conhecemos intuitivamente, as quais ninguém precisa (nem consegue) explicar. Simplesmente não acontecerá assim. O que acontecerá será diferente, outra coisa. Acontecerá algo insustentável e desigual, solução que deixará aberto um buraco tamanho-Versailles. Apesar da situação desesperadora em que vive o planeta Terra, porque crescimento ilimitado exige devoração ilimitada de recursos escassos, várias decisões desencadearão várias ações, que têm mais, muito mais, a ver com dogma, religião e nacionalismo, do que com algum realismo racional.
É sempre assim. Hoje, se acrescentaram ao sempre-assim a Teoria dos Jogos da Guerra Fria e centenas de ogivas nucleares. Eca! [ing. Ugh!]
O artigo original, em inglês, pode ser lido em:
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/KK18Ak01.html
Ilustração: Atroz em "parceria" com os cartunistas do NY Times.
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PressAA
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