(Excerto do livro "Viagem ao Umbigo do Mundo, publicado em 2006)
Urda Alice Klueger
Como no dia seguinte não haveria o Trem das Nuvens, decidiu-se viajar ao meio-dia, ao invés do dia de parada que estava programado. Assim, havia uma manhã inteira para tentar conhecer Salta, embora num instante eu me convencesse de que seria necessário ao menos uma quinzena para se aprender mais sobre aquela cidade maravilhosa!
Assim que soube daquela folga, joguei-me para a rua, a tentar descobrir se havia um Museu de Arqueologia ou algo assim. A cidade era realmente magnífica, com uma catedral toda de mármore cor-de-rosa, uma Praça de Armas fascinante, uma arquitetura colonial conservada que era talvez a mais bonita que eu já vira nos países hispânicos – penso que junto a este texto serão publicadas fotos de Salta para que tenham um vislumbre do que tento falar. Num instante, eu chegava ao antigo Cabildo [1][1], onde se situava exatamente o ... Museu Histórico, com seções e seções dedicadas à longuíssima História pré-colonial local, e meu queixo foi caindo e meu coração se apaixonando cada vez mais a cada passo que eu dava dentro daquele museu!
Vou tentar resumir o que ali estava exposto, isto é, um pouco da História da antiga Sagta.
Desde o início da sua povoação, diversos povos dominaram a região, até os de língua Aimara, antes dos Incas. No museu onde ora estava era possível ver-se dezenas, centenas dos mais variados objetos e utensílios de toda essa gente que habitou a minha América antes que o europeu cá chegasse com a cruz numa mão e uma espada na outra, a matar e destruir em nome da religião. Havia os objetos de pedra, de cerâmica, de metal, e tantas coisas que era de entontecer, além de cartazes explicativos e um vídeo que era possível se ver numa das salas. A partir de uma certa data, creio que por volta de 5.000 anos antes do presente, os antigos salteños passaram a dominar as técnicas de agricultura e a cultivar o milho e, consequentemente, a fazer o pão. Claro está que para fazer-se pão era necessário moer-se o milho para produzir-se farinha, e o método encontrado foi o de produzir-se farinha pilando o milho.
Daí quero fazer um parêntesis para botar vocês a imaginar. Nessa área pré-Colonial do Museu Histórico de Salta[2][2] há diversas pedras que serviram para pilar milho no passado. São pedras enormes, do tamanho, digamos, de kombis, que talvez possuíssem alguma pequena reentrância, já lá no passado, onde uma primeira pessoa um dia pusera um punhado de milho e batera nele até transformá-lo em farinha. Digamos que naquele ano, ou naquela década, ou naquele século, sempre de novo alguém pilava milho naquele mesmo lugar, o que foi abrindo um buraco naquela pedra. Deve ter ficado cada vez mais fácil ir pilando o milho naquele lugar previamente preparado, e sempre deveria haver alguém lá trabalhando. É de se supor que outras pessoas gostassem de ficar ali, pilando milho e conversando com a primeira , pois a tal pedra do tamanho de uma kombi começou a ficar toda esburacada de buracos de pilão. E lá estão tais pedras hoje, perfuradas como um queijo, algumas com seus buracos-de-pilão usados por tanto tempo que furaram a pedra de fora a fora, abriram buracos até o outro lado da pedra, como se se tratasse de um pedaço de isopor, e não de uma dura rocha. (Não se esqueçam do tamanho-kombi). Então, agora vale a pergunta: quanto tempo é necessário ficar-se a pilar um cereal sobre uma rocha daquele tamanho, para perfurá-la de um lado até o outro? Um século? Um milênio? Diversos milênios? Eu não sei. Sei é que aquelas pedras enormes estão lá no Museu de Salta a atestar a pujança e o tempo da sua História, e eu tinha calafrios de prazer por estar ali, a olhar para elas.
Urda Alice Klueger é escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz.
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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons
Pressaa
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Urda Alice Klueger
Como no dia seguinte não haveria o Trem das Nuvens, decidiu-se viajar ao meio-dia, ao invés do dia de parada que estava programado. Assim, havia uma manhã inteira para tentar conhecer Salta, embora num instante eu me convencesse de que seria necessário ao menos uma quinzena para se aprender mais sobre aquela cidade maravilhosa!
Assim que soube daquela folga, joguei-me para a rua, a tentar descobrir se havia um Museu de Arqueologia ou algo assim. A cidade era realmente magnífica, com uma catedral toda de mármore cor-de-rosa, uma Praça de Armas fascinante, uma arquitetura colonial conservada que era talvez a mais bonita que eu já vira nos países hispânicos – penso que junto a este texto serão publicadas fotos de Salta para que tenham um vislumbre do que tento falar. Num instante, eu chegava ao antigo Cabildo [1][1], onde se situava exatamente o ... Museu Histórico, com seções e seções dedicadas à longuíssima História pré-colonial local, e meu queixo foi caindo e meu coração se apaixonando cada vez mais a cada passo que eu dava dentro daquele museu!
Vou tentar resumir o que ali estava exposto, isto é, um pouco da História da antiga Sagta.
Desde o início da sua povoação, diversos povos dominaram a região, até os de língua Aimara, antes dos Incas. No museu onde ora estava era possível ver-se dezenas, centenas dos mais variados objetos e utensílios de toda essa gente que habitou a minha América antes que o europeu cá chegasse com a cruz numa mão e uma espada na outra, a matar e destruir em nome da religião. Havia os objetos de pedra, de cerâmica, de metal, e tantas coisas que era de entontecer, além de cartazes explicativos e um vídeo que era possível se ver numa das salas. A partir de uma certa data, creio que por volta de 5.000 anos antes do presente, os antigos salteños passaram a dominar as técnicas de agricultura e a cultivar o milho e, consequentemente, a fazer o pão. Claro está que para fazer-se pão era necessário moer-se o milho para produzir-se farinha, e o método encontrado foi o de produzir-se farinha pilando o milho.
Daí quero fazer um parêntesis para botar vocês a imaginar. Nessa área pré-Colonial do Museu Histórico de Salta[2][2] há diversas pedras que serviram para pilar milho no passado. São pedras enormes, do tamanho, digamos, de kombis, que talvez possuíssem alguma pequena reentrância, já lá no passado, onde uma primeira pessoa um dia pusera um punhado de milho e batera nele até transformá-lo em farinha. Digamos que naquele ano, ou naquela década, ou naquele século, sempre de novo alguém pilava milho naquele mesmo lugar, o que foi abrindo um buraco naquela pedra. Deve ter ficado cada vez mais fácil ir pilando o milho naquele lugar previamente preparado, e sempre deveria haver alguém lá trabalhando. É de se supor que outras pessoas gostassem de ficar ali, pilando milho e conversando com a primeira , pois a tal pedra do tamanho de uma kombi começou a ficar toda esburacada de buracos de pilão. E lá estão tais pedras hoje, perfuradas como um queijo, algumas com seus buracos-de-pilão usados por tanto tempo que furaram a pedra de fora a fora, abriram buracos até o outro lado da pedra, como se se tratasse de um pedaço de isopor, e não de uma dura rocha. (Não se esqueçam do tamanho-kombi). Então, agora vale a pergunta: quanto tempo é necessário ficar-se a pilar um cereal sobre uma rocha daquele tamanho, para perfurá-la de um lado até o outro? Um século? Um milênio? Diversos milênios? Eu não sei. Sei é que aquelas pedras enormes estão lá no Museu de Salta a atestar a pujança e o tempo da sua História, e eu tinha calafrios de prazer por estar ali, a olhar para elas.
Urda Alice Klueger é escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz.
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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons
Pressaa
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