terça-feira, 30 de agosto de 2011

Quiçá, em Alfa Centauro

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Fernando Campos (Só ares latentes)

Gênio! Este era praticamente o outro nome de Mellquiadhes Ollivyettho. Ele estava em voga, tornara-se o economista mais badalado dos últimos tempos. Todos abriam o jornal diretamente na sua coluna diária -Wall ß$treet i$ here-, o restante era só o restante.

A partir das listas de favoritos de muitos milhares de assinantes, ocorria uma verdadeira romaria diária ao seu sítio (pronuncia-se "site", do inglês saite). Sua presença era a garantia do sucesso de qualquer evento, fosse qual fosse o ramo do conhecimento humano em debate. Agenda lotada, nenhuma chance de contratação para os próximos anos. Para os raros felizardos que privavam de sua intimidade, ele era simplesmente Mell – apesar daquele ar bilioso, demonstrando menosprezo pelos reles mortais que o bajulavam.

Mell tinha a mania de dizer que não tinha manias. Afirmava isso em toda entrevista, mesmo que o entrevistador não lhe perguntasse sobre seus hábitos ou possíveis vícios.

Superstição? "Nenhuma!", garantia ele.

A fitinha do Bonfim, o patuá na correntinha do pescoço, a ferradura atrás da porta, a figa no chaveiro, a carranca no canto da sala, para ele, tudo isso não passava de estilo decorativo ou moda. Considerava-se despojado de qualquer sentimento machista: "Não tenho qualquer tipo de preconceito contra as mulheres. Reconheço que, hoje, com o corretor ortográfico dos computadores, a mulher está bem mais preparada para ser uma boa secretária".

Semanalmente Mell recebia, em média, trinta livros de novos autores que solicitavam sua opinião, ansiosos pela aprovação e elogios do mestre. Sua secretária respondia a todos através de uma mensagem modelo. Vez ou outra encaminhava uma dessas obras ao patrão, principalmente as que se desmanchavam em elogios às suas lucubrações sobre o futuro sócio-político-econômico do país.

No Clube dos Orquidófilos de Caraguatatuba, ninguém conhecia Dona Rosa Oliveira pelo nome, para todos ela era apenas a mãe de Mellquiadhes Ollivyettho, porém ela nunca entendeu por que tratavam seu filho Malaquias por aquele estranho apelido. Seus filhos também eram reconhecidos apenas como "os filhos do Ollivyettho". Enfim, todas as pessoas que tinham algum parentesco com "O Mago da Economia" perdiam a identidade própria e se tornavam apenas irmãos, tios, netos, primos ou cunhados de Mellquiadhes Ollivyettho.

Há muito tempo Mell vem tentando emplacar um neologismo com a sua marca registrada. Não se cansa de repetir: "Vivemos hoje a pós-globalização, o que já faz do momento atual a Era da Pré-Planetarização Cultural" – repetiu essa expressão ene vezes no seu último livro: "Pré-planetarização cultural - a nossa música nas sondas espaciais".

Quando foi anunciada a primeira viagem espacial de um brasileiro, Mell procurou fazer contato imediato com o astronauta escolhido. Escreveu para o cosmonauta informando:

"Contam que Santos Dumont, enquanto realizava seu primeiro vôo com um aparelho mais pesado que o ar, assobiava uma marchinha de carnaval. Esse foi, sem dúvida, o princípio de uma nova era. Considero que este fato marca a largada para o que ocorre nos dias de hoje: a Pré-Planetarização Cultural, cujo acontecimento mais marcante ocorreu quando o robô da sonda Sojounerum acordou-se, em solo marciano, ao som da música 'Ô coisinha tão bonitinha do pai', do cantor-compositor brasileiro Jorge Aragão. Portanto, com o propósito de ampliar a nossa vanguarda colonizadora interplanetária, solicito que V.Sa., ao participar da expedição do programa espacial russo, possa levar consigo um exemplar da minha última obra sócio-científica, 'Pré-planetarização cultural - a nossa música nas sondas espaciais', e, em se oportunizando ocasião, faça com que o exemplar seja lançado no espaço sideral em direção a distantes galáxias. Assoma-me à alma a esperança de que ele venha a ser interceptado por seres inteligentes, que logo entenderão a importância de um sistemático intercâmbio cultural entre os habitantes do Universo. Atenciosamente. Mellquiadhes Ollivyettho, PhD em Sociocultura Interplanetária."

Mell não recebeu resposta do astronauta brasileiro, porém acreditou que ele estaria preparando-lhe uma surpresa, certamente viria a anunciar, lá do alto, o lançamento do seu livro. O primeiro lançamento de uma obra literário-científica humana no espaço sideral, em direção a galáxias distantes...

– Poderá vir a encabeçar a lista dos mais vendidos em... nem precisa ser muito distante, talvez, em Alfa Centauro... – delira Mell numa enfermaria do Pinel.

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

Pressaa


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