segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A vida só tem sentido quando vivida com dignidade

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“O presidente do Supremo, Gilmar Mendes, disse que Lula pode sofrer processo de impeachment caso se recuse a entregar Battisti à Itália: ‘Por que o presidente da República cumpre uma decisão? Não é porque será eventualmente afastado do cargo se não vier a cumpri-la. Porque respeita a Constituição. Sabemos que as condições políticas para seu afastamento são extremamente difíceis. Precisaria haver um processo instalado pelo procurador-geral da República e uma aprovação por dois terços da Câmara dos Deputados.’ A declaração, feita na sessão, provocou estranhamento entre ministros.” (www.estadao.com.br/estadaodehoje/20091114/not_imp466328,0.php)

Fernando Soares Campos

O primeiro grande golpe contra o governo Lula, pelo menos o golpe aberto ao conhecimento da Nação, ocorreu em meados de 2005, com o chamado escândalo de “mensalão”. Hoje falam que, naquela ocasião, o golpe do impeachment não se consumou porque o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso teria preferido fazer o presidente Lula “sangrar”, ou seja, Lula teria sido poupado, naquele momento, apenas para que FHC tivesse oportunidade de extravasar seu sádico instinto, ou desfrutasse do seu doentio prazer de vingança.

Mas... vingança contra o quê?

Vingança contra a ousadia de um “analfabeto”, um “jeca”, um “baiano”, um “peão”, que se aproveitou de um momento de descuido das elites abastadas e não cumpriu o ritual dos miseráveis que se arriscam em “aventuras” políticas.

Mas a verdade é outra. FHC et caterva amarelaram, botaram o rabo entre as pernas e mudaram de plano. Essa história de “deixar sangrar” é balela.

Como assim, “ritual dos miseráveis que se arriscam em ‘aventuras’ políticas?” Amarelaram por quê?

Gente da laia de FHC acredita que indivíduos da classe trabalhadora devem fazer política como os militares das classes subalternas fazem suas carreiras.

Nas Forças Armadas, o indivíduo que iniciar carreira pelas classes subalternas não têm o direito de alcançar postos de comando nem de chegar aos mais altos postos da hierarquia militar.

Se um brasileiro for admitido em qualquer das corporações das Forças Armadas como recruta ou sargento, está ele destinado a alcançar, no máximo, o coronelato. Raríssimos chegam aí. A grande maioria encerra a carreira como sargento, alguns como suboficial. E de nada adianta estudar para se tornar um general, almirante ou brigadeiro. A não ser que o subalterno dê baixa ainda muito jovem, preste exames para uma das academias militares, seja aprovado e inicie nova carreira militar (o que ficou para trás conta apenas como tempo de serviço para efeitos de aposentadoria/reforma).

Mas o que isso tem a ver com política?

Sujeitos da laia de FHC estão acostumados a lidar com gente não apenas subordinada, mas submissa, que faz o jogo político consciente de estar fazendo o papel de rato para o gato, de empregado para o patrão, de serviçal para o senhor de suas vontades. São indivíduos conscientes de que se elegeriam, no máximo, para cargos legislativos nos âmbitos municipal, estadual, ou, com muita sorte, para uma das casas do Congresso.

O jogo sempre foi esse, até que ocorreu a ascensão de candidatos do Partido dos Trabalhadores a importantes prefeituras de capitais e cidades de grande porte. O PT cresceu, ganhou inicialmente aquilo que precisava para chegar à Presidência da República e a governanças estaduais: o apoio da classe média; em seguida vieram os trabalhadores da base da pirâmide social.

Se fôssemos teorizar aqui sobre as razões que fizeram Lula chegar à Presidência da República, teríamos que nos estender em laudas e mais laudas, portanto vamos saltar as teorias a esse respeito e firmar os pés apenas aqui e agora, com Lula já no segundo mandato.

Mas, em resumo: Collor foi eleito para que se evitasse Lula; Lula, por sua vez, conseguiu chegar à Presidência porque, entre outros fatores, precisavam evitar a ascensão de Brizola.

Quando Collor foi eleito, no dia da eleição, reconhecida sua vitória, eu mesmo disse em casa: “Os que colocaram ele lá são os mesmos que vão derrubá-lo”. As cartas estavam marcadas e os trapaceiros sabiam usá-las.

Caixa dois, compra de voto, fraude em eleições, nada disso é novidade para aqueles que usam essas armas para se eleger; mas são suficientes para se evocar um falso moralismo capaz de derrubar quem quer que ouse cruzar seus caminhos. Tiram Collor do Planalto como quem diz: “Vá pra casa, garoto, você já brincou bastante de presidente”.

Pensaram que poderiam reeditar o teatro armado contra Collor. Acreditaram que poderiam usar o argumento do caixa dois contra o PT e o governo Lula (coisa utilizada por todos os políticos deste país, até porque a legislação, de certa forma, obriga a isso). Quebraram a cara.

O PT fez caixa dois como qualquer partido já fez, faz e fará. E, por isso mesmo, os golpistas estavam tranquilos. Mandaram o Roberto Jefferson espalhar que o caixa dois petista era “mensalão”, compra de voto de parlamentares para aprovar projetos do governo Lula. O pau-mandado-rabo-preso cumpriu sua parte e saiu de cena, até sacrificou seu próprio mandato.

Deflagraram o escândalo. Até comemoraram: “Trinta anos sem essa raça para atrapalhar nossos planos de venda do que restou depois de FHC”.

Prepararam o impeachment.

Mas aí o bicho pegou!

Como assim?!

Sentiram que Lula não era Collor. Com Lula o buraco era mais embaixo. Lula tinha o apoio do povo, apoio de gente disposta a defender o governo até as últimas consequências.

Como assim?!

Pessoas Dispostas a derramar seu próprio sangue por uma causa.

Como assim?!

Ora, disposição para matar ou morrer em defesa dos seus direitos.

Como assim?!

Como em Honduras! Como em Cuba! Como na Venezuela! Como na Bolívia! Como no Brasil nos tempos da “redentora”! Como as Farc na Colômbia! Como no Vietnam! Como na China! Como na Revolução Francesa! Como na Nicarágua sandinista! Como no Chile, no Uruguai, na Argentina, na Palestina, no Iraque, na Coreia, na Rússia, em Angola... Enfim, como se derrama sangue em qualquer parte do mundo.

Cesare Batistti condenado à extradição, Lula pode entregá-lo ou não ao governo italiano. Ele é o presidente, e a ele cabe a decisão.

Se entregar, respeito. Mas me afasto de qualquer apoio a um governo desses, que entraria para a História como Getúlio entregando Olga Benário aos nazistas. E um erro desses é muito mais grave que qualquer caixa dois eleitoral.

Se não entregar e, por isso, sofrer o golpe do impeachment, pode contar com o meu sangue.

Se Lula sofrer o golpe do impeachment, tenho certeza de que, neste país, não surgirão "Cesares Battistis", pois o italiano jura que não matou ninguém. E eu acredito.

Surgirão no Brasil pessoas como eu, por exemplo, pegando em armas; matando ou morrendo. Pois, pra mim, a vida só tem sentido se for vivida com dignidade.

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PressAA

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7 comentários:

Carla disse...

Concordo com seu artigo, mas, por favor, não compare Battisti à Olga Benário. Não tem NADA a ver,não insulte a memória da Olga.

Conheça um pouco mais sobre a Itália que exige a extradição de Batistti disse...

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Carla, eu não comparei Olga Benário a Cesare Batistti, simplesmente por que não sou chegado a comparações de âmbito pessoal.

Mas comparei, sim, a aplicação de atos do Estado. Nem a Lula pessoalmente estou me referindo, mas ao presidente, ao cargo institucional.

Entregar Batistti à Itália de hoje equivale à entrega de Olga Benário aos nazistas.

Nada do que escrevi indica que estou comparando a pessoa de Olga a Batistti. Não convivi com nenhum dos dois, portanto não posso afirmar que um ou outro seja melhor ou pior, quando comparados entre si.

Limito-me a falar de um ato que, me parece, se coloca acima da causa judicial, alcança os âmbitos político e, mais que isso, humanista.

Qualquer bacharel em direito ou pessoa razoavelmente informada sobre legalidade sabe que "lei" não é necessariamente sinônimo de "justiça".

Para maiores esclarecimentos, indico o artigo "Direitos Humanos na Itália de Hoje", de Carlos Alberto Lungarzo (nesta Agência Assaz Atroz, a postagem acrescentou o sobretítulo "Conheça um pouco mais sobre a Itália que exige a extradição de Batistti".

http://santanadoipanema.blogspot.com/2009/11/conheca-um-pouco-mais-sobre-italia-que.html

Abraços
Fernando

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Carla disse...

Fernando, nos anos setenta eu estava na Itália e já tinha idade para entender e partecipar. Conheço muito bem a história da Itália, entre outras coisas lá estudei por treze anos da minha vida, os últimos no começo dos anos de chumbo. O fato de o Berlusconi estar lá agora, nada tem a ver com o Battisti. Na época do Battisti o Berlusconi estava ocupado com sua ascenção social e econômica. Mas cerca de 350 vítimas do terrorismo, a maioria sem ser policial ou militar, mas giornalistas, sindicalistas, gente comum, estão a testemunhar que havia algo errado nessas organizações, seja de direita ma sobretudo de "esquerda". O resultado mais nefasto foi o fim do sonho de ter finalmente um governo de centro-esquerda com o velho PCI... tudo foi pra água abaixo, o PCI se tornou aquela água morna ridícula; e o "socialista" Craxi nos entregou o Berlusconi na bandeja, e lá está ainda, pedindo a cabeça do Battisti só achando que vai aumentar sua aprovação, na verdade não está nem aí pro Battisti. Há outras cabeças nas quais está realmente interessado... muitos são giornalistas (para variar).

Fernando Soares Campos disse...

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Carla, você diz que nos anos 1970 estava na Itália e que lá permaneceu por 13 anos; e eu estou indicando um artigo que fala da Itália de hoje. Se você conhece a Itália de hoje o suficiente para dispensar a leitura indicada, não importa, fica o link para outros leitores, afinal, estamos comentando em postagens abertas ao público.

Em momento algum eu falei que o fato de Berlusconi estar no poder tinha alguma relação com o Batistti. Mas você mesma tratou de relacionar suas vidas. Enquanto Batistti militava na política partidária, o outro se locupletava (quatro anos atrás, este comemorava a queda do Muro de Berlim, expondo cartazes de ditadores de todo o mundo, mas escondendo a cara do velho Duce).

Das 350 vítimas do terrorismo que você cita, lembro-me de algumas. Certo dia, na usina nuclear Angra I, onde eu trabalhava como técnico em controle de qualidade do revestimento anti-radioativo, lamentei uma dessas ações dos grupos “terroristas”. Um colega de trabalho, jovem engenheiro, voltou-se pra mim e disse: “Esse eu conheço. Teve o destino que merecia”. Bom, se ele conhecia, o que poderia eu dizer? “Que Deus tenha pena de sua alma desgraçada. E que o diabo cumpra a pena.”

Terrorismo é hoje palavra ônibus. O apresentador do maior telejornal brasileiro trata Batitti como “o terrorista Cesare Batistti”. Mas não me lembro de ter ouvido eles se referirem ao terrorista Alfredo Stroessner nem mesmo como “ditador”, mas como ex-presidente “exilado” no Brasil.

Muito pouco se fala do terrorismo de Estado. Pra essa gente, terrorismo é coisa das Farc. Quando se trata de terrorismo de Estado, a imprensa prefere chamar de intervenção (um eufemismo, claro!).

Você se contradiz quando diz que Berlusconi “não está nem aí pro Battisti”, quando já havia dito que ele está “...pedindo a cabeça do Battisti só achando que vai aumentar sua aprovação”. Ora, esse não é um motivo qualquer. Essa não é a postura de quem “não está nem aí”. Este é um motivo grave, torpe e depõe em favor de Batistti.

Grato pelas informações.
Abraços
Fernando

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Carla disse...

Fernando, eu estudei 13 anos mas vivi lá desde os três até os 31 anos e depois desde os 35 até os 47. Suficiente?
Quer dizer, estava lá até 2002 e vou lá todos os anos, pois a minha familha de origem continua lá. E me informo todos os santos dias pela internet e pelo telefone. Então eu sei muito bem o que passa na Itália e o que passou. O fato de haver um Berlusconi por lá não absolve o Battisti de suas culpas, que é mais certo que tem do que não. Ele não é ninguém, além de criminoso. Ninguém, mesmo. Para mim, pode ficar até na praia de Ipanema, mas não acho justo para com os parentes das vítimas. Ou a justiça tem de ser diferente dependendo do regime que há em um pais? Alem do mais, acho que o Brasil não pode dar aula para ninguém, pois até agora não vi nem um processo contra os protagonistas da ditadura. Nem o famoso cabo Anselmo foi processado. Pelo contrário, está pedindo indenizações... Não, nem a esquerda brasileira está fazendo um bom trabalho no sentido da justiça.

Operação Gladio: Rede da CIA dos “deixados-atrás” do exército e serviços de informação secretos disse...

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Carla, como posso considerar uma simples troca de impressões em comentários de um blog “suficiente” para qualificar você como dona da verdade?! Não, não é suficiente.

Conheço pessoas que nasceram e se criaram no Brasil, fizeram doutorado em qualquer coisa na Europa, França e Bahia, no entanto revelam mais ignorância que reitor da Uniban.

Certamente deve existir um angolano, ou marroquino, ou palauense, ou estadunidense (pra citar alguma coisa mais abaixo da média da ignorância global) que estudou e viveu no Brasil e hoje está em seu país debatendo a atual conjuntura política brasileira. Os muitos anos que aqui passou não o qualificam como brasilianista PhD. Pode estar dizendo bobagens.

Bom, fiz outra postagem. Mas certamente não vai interessar a você, pois provavelmente não lhe dirá nada de novo.

Abraços
Fernando

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Fernando Soares Campos disse...

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"Exmo. Sr. Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva.

Na qualidade de filha de Olga Benário Prestes, extraditada pelo Governo Vargas para a Alemanha nazista, para ser sacrificada numa câmera de gás, sinto-me no dever de subscrever a carta escrita pelo Sr. Carlos Lungarzo da Anistia Internacional (em anexo), na certeza de que seu compromisso com a defesa dos direitos humanos não permitirá que seja cometido pelo Brasil o crime de entregar Cesare Battisti a um destino semelhante ao vivido por minha mãe e minha família.
Atenciosamente,
Anita Leocádia Prestes"

Enquanto isso, Carla se dói da comparação entre os casos Olga e Batistti.

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