quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O escalpo* que o General Custer perdeu

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Entre um comercial e outro


Acredito sinceramente que, com todos os seus radares pagos à SIVAN em licitação fajuta comanda por FHC do Vosso C., existem lugares na Terra Brasil onde o homem branco jamais meteu os pés.

Fausto Wolff (*)

Uns lugares tão distantes de qualquer oceano para o qual milhares de índios foram encurralados e hoje vivem em relativa liberdade e em vários grupos, falando várias línguas, em rituais diversos. Os últimos donos da terra foram para o fundo do mato ao verem que as tribos vizinhas haviam sido dizimadas O verbo certo seria exterminadas, ou significa, aquilo que nunca mais veremos, aquilo que acabou e que todos os artistas e cientistas do mundo não poderiam reproduzir. Nos Estados Unidos os índios foram dizimados de todos os modos imagináveis: veneno, tiro, incêndio, forca, canhão. Hoje, restam nas reservas alguns poucos milhares de sobreviventes que são mais shows para turistas, palhaços, enfim. Os que partem para a cidade grande formam-se alcoólatras, mendigos, carregadores de malas, prostitutas. Até 1912, apesar de todos os acordos feitos com os cedentes da República, não existiria nenhum índio selvagem no território.

Apesar dessa informação, quando ainda se pagava até US$ 500 por um escalpo, em 1911 havia um índio que jamais tivera contato com um ser branco, carregando o corpo de sua mãe pela floresta de Oroville, no norte da Califórnia. Quando ela morreu, disse algumas palavras, fez o ritual das cinzas, o cântico dos mortos e a enterrou. Ele era o homem mais solitário do mundo e queria morrer. Por isso, entrou no curral de um matadouro branco onde foi encontrado morrendo de frio pois estava nu. O dono da casa se surpreendeu, pois verificou que aquele índio não tinha medo e nem intenção de se defender. Com uma coronhada na cabeça fez com que desmaiasse. Chamaram índios da reserva, caubóis, xerife e depois de um dia só lhe arrancaram duas palavras: Enche Ana. Durante semanas os habitantes vieram vê-lo, tocá-lo como bicho. Finalmente o xerife decidiu trancafiá-lo no hospício com los locos.

Teria morrido se a notícia não fosse parar nas mãos de Thomas Waterman, professor de antropologia da Universidade de Califórnia. Partiu pra o lugar, estudou as matas e chegou à conclusão de que o índio pertencia à tribo dos yanas que moravam na região 100 anos antes e que todos acreditavam extintos. Waterman pediu que o chocassem na mesma cela que o "louco" e a primeira coisa que o professor notou é que o "louco" não era louco e o olhava como se ele não existisse pois já aprendera que dos brancos só poderiam receber humilhações e morte. Waterman fizera um vocabulário com algumas palavras em enche. Estava disposto a desistir quando bateu na madeira de pinho amarelo e disse cine. Bateu. Cine era pinho amarelo mesmo. Os dois começaram a pular e gritar de alegria e, no cérebro do índio, onde tudo era escuridão, luz e trevas, a solidão deu lugar à esperança, Waterman determinou que o índio era um yanas e poderia ser levado como hóspede ao Museu da Universidade de Califórnia, onde foi alojado num quartinho. Os brancos, embora não o homenageassem, estavam curiosos e Yanas estava interessado no universo branco. Gravadoras, estúdios de cinema, editoras começaram a ganhar dinheiro com ele. Jamais ninguém perguntou seu nome e ele não diria, pois só seus pais sabiam seu nome e ele só o diria aos deuses na hora de sua partida para a grande pradaria onde não havia nem brancos e nem armas. Resolveram chamá-lo Ishi, que quer dizer homem em yana. Ishi tinha 49 anos e, para ele, a cidade era outro planeta. Levou meses para se acostumar e eu escrevi um livro sobre ele (Carta aos Estudantes, Companhia Editora Nacional) e não teria espaço para escrever nesta coluna. Ishi morreu de tuberculose aos 49 anos, mas antes disso identificou mais de 200 plantas medicinais e ensinou-os como usá-las. Fez mais do que qualquer prêmio Nobel.

Isso aconteceu há 43 anos. Hoje não existe mais um índio selvagem nos Estados Unidos. Eu diria que, no Brasil, milhares deles estão sendo assassinados por madeireiros, mineradores, exército, americanos e pelos estupradores. Todos os anos dezenas de jovens índios se suicidam pois, como o Brasil, vêm perdendo a identidade. Na época, os comerciantes, cineastas, latifundiários, barões de gado americanos espalharam entre os brancos da cidade que os índios eram maus e deviam morrer. Mataram-nos. Hoje temos modos milhares de vezes mais rápidos de chegar a eles para aprender. Eu já estou velho para fazer alguma coisa, embora já o tenha tentado várias vezes. Pergunto aos que não têm outros compromissos além do punk e do disc-club, vamos fazer uma ONG de verdade, com a ajuda do governo, das empresas privadas, das universidades e do Exército e ajudar a salvar os donos do Brasil que neste momento estão sendo mortos entre um anúncio de TV e outro?


(*) Fausto Wolff no JB, em 25.7.08


http://www.olobo.net/index.php?pg=artigos&id=986


Nota Assaz Atroz: Em 5 de setembro do mesmo ano, menos de dois meses depois de publicar este artigo, Fausto nos deixou, partiu para o outro lado da vida. Mesmo assim, escreva ao Fausto: faustowolff@terra.com.br Você pode pensar que é brincadeira, mas garanto que ele lê tudo... e responde sim! Duvida?! Mas que homem de pouca fé!

Editor-Assaz-Atroz-Chefe


*Os dicionários em geral registram o significado de escalpo como sendo: "couro cabeludo arrancado do crânio, troféu de guerra para alguns indígenas americanos". Esquecem de dizer que, para os exterminadores dos índios norte-americanos, representava a prova para o recebimento do prêmio, em dinheiro, pago por índio abatido, como qualquer animal.

Hoje os pistoleiros de aluguel, principalmete no Norte e no Nordeste do Brasil, costumam arrancar dedos ou orelhas de suas vítimas, que servem como prova de execução e garantia do pagamento das suas macabras "empreitadas".

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PressAA

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