quinta-feira, 1 de abril de 2010

As Velhas Páscoas

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Urda Alice Klueger

Fico entristecida quando vejo o que a sociedade de consumo fez com a Páscoa: para a maioria das pessoas, hoje, Páscoa significa ir aos supermercados disputar ovos de chocolate anunciados como os mais baratos do Brasil, muitas vezes levando junto as crianças para que elas próprias escolham sua marca preferida. A magia e o encanto da Páscoa se dissiparam paulatinamente com o avanço do progresso, e eu tenho uma saudade imensa daquelas maravilhosas Páscoas da minha infância, tanta saudade que vou contar como eram.

Na verdade, a Páscoa começava muitos meses antes, quanto, em cada casa, as mães quebravam cuidadosamente só a pontinha de cada ovo usado, para guardar as casquinhas vazias. Elas eram lavadas, secas e armazenadas, e só de olhá-las já se criava uma expectativa a respeito da Páscoa.

Ainda antes da Semana Santa já se começava a preparar a Páscoa. Cada casquinha era decorada, e as formas eram muitas. Podia-se pintá-las com tinta a óleo ou outras tintas apropriadas que existiam, que lhes davam lindas cores vivas, ou podia-se decorá-las com tiras e tiras de papel de seda ou crepom picotados, que as deixavam com uma cara de gostosas! Essas eram as formas mais fáceis de decorar casquinhas – havia outras, é claro, mais sofisticadas, e resquícios delas ainda aparecem nas lojas especializadas nesta época do ano. Paralelamente à confecção das casquinhas, se faziam as cestas, usando papelão e muito papel colorido picotado e encrespado, serviço para noites e noites à volta do rádio. Algumas crianças tinham a felicidade de possuir cestinhas de vime, que eram reaproveitadas a cada ano.

Era necessário, também, preparar o amendoim, que a gente comprava com casca, descascava, torrava, tirava as pelezinhas, para depois a mãe da gente confeitá-lo com calda de açúcar, ato que por si só já gerava uma grande magia, com a criançada toda em torno do fogão prendendo a respiração para ver se a calda “dava ponto”. Depois era hora de encher as casquinhas, e fechá-las com estrelinhas de papel coladas com cola de trigo. De noite, misteriosamente, tudo sumia: o Coelho levava as guloseimas e as cestinhas embora para sua toca.

Faziam-se, também, os ovos cozidos pascoais. Colava-se folhinhas de avenca, de rosa, etc (com clara de ovo) em ovos frescos, os quais eram amarrados dentro de trouxinhas de pano e depois cozidos em águas com plantas que lhes davam cor. Marcela, casca seca de cebola e capim melado produziam ovos de três tons de amarelo; a batata de cebolinha vermelha produzia ovos vermelhos. Depois do cozimento, tirava-se a trouxinha e as folhas, e se obtinha belos ovos decorados para serem comidos no café da manhã de Páscoa.

Ah! A manhã de Páscoa! Na véspera, as crianças tinham feito seus ninhos, com palha ou capim, ninhos enfeitados com pétalas de flores e papel colorido picado, escondido no jardim. O despertar na manhã de Páscoa era uma loucura: corria-se para fora de casa ainda de camisola, a procurar o que o Coelho deixara. No ninho sempre havia alguma coisa, mas havia coisas também, escondidas em todos os cantos possíveis. Acontecia de a cesta da gente estar escondida dentro do galinheiro (todos tinham galinheiros nessa época), e aí havia outra surpresa: as galinhas brancas estavam azuis, ou verdes, resultado de paciente trabalho dos pais, durante a noite, que lhes pintara as penas com anilina. Nós não tínhamos vacas, mas nas casas onde as havia, as partes brancas do pêlo delas também eram coloridas com anilina, e tudo aquilo criava um encanto muito grande nas nossas mentes infantis. Era um ser maravilhoso, esse Coelho!

Nas manhãs já frias de Abril, voltávamos para casa com as cestas cheias de casquinhas e alguns espetaculares chocolates (chocolate, na época em que eu cresci, só era comido no Natal e na Páscoa), que eram contados e divididos igualmente entre todas as crianças. Ia-se à Igreja, a seguir, à missa das nove, e o ar fino e já frio de Abril estava totalmente impregnado de uma profunda magia, e a gente não via a hora de voltar para casa para começar a comer as guloseimas! Primos vinham brincar, nestas tardes de um tempo em que a Páscoa era tão maravilhosa, e a gente criava cenários fantásticos nos gramados verdes, onde os coelhinhos de chocolates e os ovos eram personagens.

Ah! Que pena que o espaço está acabando! Quanto, quanto ainda queira falar sobre as antigas Páscoas! Mas acho que já deu para dar uma idéia de que elas eram muito diferentes da Páscoa que a sociedade de consumo criou: qual é a graça de levar as crianças aos supermercados para escolher seu tipo de ovo preferido? Onde ficou a magia da espera e do Coelho?


*Urda Alice Klueger é escritora e historiadora. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz.

Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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PressAA

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Um comentário:

ROSA PENA disse...

Urda é como pipoca em cinema.INDISPENSÁVEL. beijos
rosa