O POEMA "BRASÍLIA" FOI ENTREGUE AO PRESIDENTE
JUSCELINO NO INÍCIO DAS OBRAS
Lou Micaldas
Impossível esquecer o dia em que o então Presidente Juscelino Kubitschek visitou o Instituto de Educação, na III Semana da Normalista, no Rio de Janeiro. Os nossos passos, nossas caras, o desafio, o medo, a coragem, as lágrimas de emoção e alegria, tudo vem à tona. Até hoje, o nosso coração bate acelerado quando recordamos.
Foi uma transgressão saudável, muito bem planejada. Já era o indício de que estávamos dispostas a lutar pela liberdade de expressão, pelo direito de participar das decisões que nos diziam respeito. Eram esses os princípios, que idealizávamos transmitir aos nossos futuros alunos.
Minha mãe, Magdalena Léa, havia feito um poema sobre a construção de Brasília e a nossa colega Wanda Cardoso, declamadora e dona de uma belíssima voz, decorou a poesia e queria declamá-la no dia da festa. Mas foi vetada: "O programa está pronto e não será modificado", declarou a Diretora do Grêmio Cultural.
Diante da nossa natural insistência em querer mostrar o poema, a diretora sentenciou: "Não insistam! Retirem-se do nosso gabinete, por favor. Não temos tempo a perder!"
Saímos inconformadas. Choramos pela decepção. Nem sequer a diretora se interessou em ouvir o poema. Aquilo não poderia ficar assim.
Perguntei pra Wanda: - Se eu conseguir colocar você lá no palco, você tem coragem de declamar o poema?
- Claro! Se eu chegar lá em cima, o Juscelino e o Brasil inteiro vão ouvir o poema!
Decidimos: esta ordem não será obedecida!
Nas vésperas da visita presidencial, todas as alunas foram advertidas para o cumprimento rigoroso de todos os preceitos disciplinares. Um frio correu pela nossa espinha.
CHEGOU O DIA
Em cima do palco, as autoridades sentadas à mesa, o auditório lotado. Foi aberta a solenidade. Transcorridas as etapas iniciais de praxe, o locutor chamou a primeira autoridade para pronunciar um discurso. Mais outra.
Foi então que, com a maior cara-de-pau, chamei o locutor da Rádio Roquete Pinto, apresentador oficial da festa:
- Psiu, moço! O homem veio até a beirada dos bastidores e me escutou: - Aqui está a aluna Wanda Cardoso. Ela vai declamar uma poesia sobre Brasília. Será uma surpresa. Deixe que eu mesma a apresente.
Nem dei tempo do homem pensar. Pedi o microfone, ao mesmo tempo em que já fui pegando da mão dele, agradeci, com pose de gente grande e confiável, e entrei no palco. Era impossível que alguém pudesse me tirar dali. Seria um escândalo. Fiquei, ali, ao lado da grande mesa das autoridades,"em posição de sentido", morrendo de medo de ter dor de barriga.
Naquela época, eu já trabalhava no Jornal do Brasil. Comia na rua, na cantina do JB, dormia tarde, acordava cedo. Com essa vida desregrada, adquiri uma colite nervosa. Era a rainha da dor de barriga. Minhas colegas achavam graça, quando eu "fazia travessuras" e, depois, tinha que correr pra um banheiro mais próximo.
Mas, naquele momento, sei que todas estavam rezando pra minha barriga se comportar bem. Só a barriga, claro! Aquela transgressão tinha que dar certo! Não era hora de achar graça. Não podíamos perder a chance de vencer o autoritarismo e de prestar ao presidente tão bonita homenagem, por causa de uma diarréia. Foi uma tensão pra todas nós. Quanta adrenalina!
Dirigi-me a todos os componentes da mesa, obedecendo às formalidades da hierarquia. Minha voz estava firme, mas as pernas e as mãos tremiam. Ouvi o burburinho vindo da platéia. Senti o clima do risco que estávamos correndo. Valia a pena! Respirei fundo e apresentei a nossa colega Wanda. E ela, corajosa, com porte de vencedora, entrou e anunciou com sua voz de contralto o título do poema: "Brasília".
Ao terminar, o presidente Juscelino ficou de pé para aplaudir. Todos da mesa se levantaram acompanhando o gesto, inclusive a diretora do Grêmio. Nossas colegas ficaram de pé e, numa explosão de palmas e lágrimas, descarregaram as tensões.
A Wanda calmamente se dirigiu à mesa e entregou ao presidente Juscelino a poesia escrita em papel almaço, enroladinho, amarrado com fitinha verde e amarelo. O JK tascou-lhe dois beijos nas bochechas vermelhas de emoção.
O presidente falou de improviso e, pautado na "surpresa" daquele poema, que tão bem descrevia a "menina dos seus olhos"- que era a construção de Brasília- citou alguns versos pra fechar o seu discurso.
Foi comovente ouvir o Presidente da República se dirigir a nós pra agradecer a surpresa do poema. Choramos. Só que naquela tarde o choro foi de alegria.
JUSCELINO NO INÍCIO DAS OBRAS
Lou Micaldas
Impossível esquecer o dia em que o então Presidente Juscelino Kubitschek visitou o Instituto de Educação, na III Semana da Normalista, no Rio de Janeiro. Os nossos passos, nossas caras, o desafio, o medo, a coragem, as lágrimas de emoção e alegria, tudo vem à tona. Até hoje, o nosso coração bate acelerado quando recordamos.
Foi uma transgressão saudável, muito bem planejada. Já era o indício de que estávamos dispostas a lutar pela liberdade de expressão, pelo direito de participar das decisões que nos diziam respeito. Eram esses os princípios, que idealizávamos transmitir aos nossos futuros alunos.
Minha mãe, Magdalena Léa, havia feito um poema sobre a construção de Brasília e a nossa colega Wanda Cardoso, declamadora e dona de uma belíssima voz, decorou a poesia e queria declamá-la no dia da festa. Mas foi vetada: "O programa está pronto e não será modificado", declarou a Diretora do Grêmio Cultural.
Diante da nossa natural insistência em querer mostrar o poema, a diretora sentenciou: "Não insistam! Retirem-se do nosso gabinete, por favor. Não temos tempo a perder!"
Saímos inconformadas. Choramos pela decepção. Nem sequer a diretora se interessou em ouvir o poema. Aquilo não poderia ficar assim.
Perguntei pra Wanda: - Se eu conseguir colocar você lá no palco, você tem coragem de declamar o poema?
- Claro! Se eu chegar lá em cima, o Juscelino e o Brasil inteiro vão ouvir o poema!
Decidimos: esta ordem não será obedecida!
Nas vésperas da visita presidencial, todas as alunas foram advertidas para o cumprimento rigoroso de todos os preceitos disciplinares. Um frio correu pela nossa espinha.
CHEGOU O DIA
Em cima do palco, as autoridades sentadas à mesa, o auditório lotado. Foi aberta a solenidade. Transcorridas as etapas iniciais de praxe, o locutor chamou a primeira autoridade para pronunciar um discurso. Mais outra.
Foi então que, com a maior cara-de-pau, chamei o locutor da Rádio Roquete Pinto, apresentador oficial da festa:
- Psiu, moço! O homem veio até a beirada dos bastidores e me escutou: - Aqui está a aluna Wanda Cardoso. Ela vai declamar uma poesia sobre Brasília. Será uma surpresa. Deixe que eu mesma a apresente.
Nem dei tempo do homem pensar. Pedi o microfone, ao mesmo tempo em que já fui pegando da mão dele, agradeci, com pose de gente grande e confiável, e entrei no palco. Era impossível que alguém pudesse me tirar dali. Seria um escândalo. Fiquei, ali, ao lado da grande mesa das autoridades,"em posição de sentido", morrendo de medo de ter dor de barriga.
Naquela época, eu já trabalhava no Jornal do Brasil. Comia na rua, na cantina do JB, dormia tarde, acordava cedo. Com essa vida desregrada, adquiri uma colite nervosa. Era a rainha da dor de barriga. Minhas colegas achavam graça, quando eu "fazia travessuras" e, depois, tinha que correr pra um banheiro mais próximo.
Mas, naquele momento, sei que todas estavam rezando pra minha barriga se comportar bem. Só a barriga, claro! Aquela transgressão tinha que dar certo! Não era hora de achar graça. Não podíamos perder a chance de vencer o autoritarismo e de prestar ao presidente tão bonita homenagem, por causa de uma diarréia. Foi uma tensão pra todas nós. Quanta adrenalina!
Dirigi-me a todos os componentes da mesa, obedecendo às formalidades da hierarquia. Minha voz estava firme, mas as pernas e as mãos tremiam. Ouvi o burburinho vindo da platéia. Senti o clima do risco que estávamos correndo. Valia a pena! Respirei fundo e apresentei a nossa colega Wanda. E ela, corajosa, com porte de vencedora, entrou e anunciou com sua voz de contralto o título do poema: "Brasília".
Ao terminar, o presidente Juscelino ficou de pé para aplaudir. Todos da mesa se levantaram acompanhando o gesto, inclusive a diretora do Grêmio. Nossas colegas ficaram de pé e, numa explosão de palmas e lágrimas, descarregaram as tensões.
A Wanda calmamente se dirigiu à mesa e entregou ao presidente Juscelino a poesia escrita em papel almaço, enroladinho, amarrado com fitinha verde e amarelo. O JK tascou-lhe dois beijos nas bochechas vermelhas de emoção.
O presidente falou de improviso e, pautado na "surpresa" daquele poema, que tão bem descrevia a "menina dos seus olhos"- que era a construção de Brasília- citou alguns versos pra fechar o seu discurso.
Foi comovente ouvir o Presidente da República se dirigir a nós pra agradecer a surpresa do poema. Choramos. Só que naquela tarde o choro foi de alegria.
BRASÍLIA
Autora: Magdalena Léa
Eu vi Brasília!
A cidade menina!
A cidade criança!
A cidade milagre!
A cidade esperança!
Eu vi Brasília!
Ritmo e aceleração
Retalham-se terras nuas
Em avenidas e ruas.
Lastra-se a obra em projeto,
Os gigantes de concreto
Pipocando no sertão,
E sangra a terra vermelha.
Rubra como centelha,
Evola-se fina poeira
Em torno da construção.
Eu vi Brasília!
De noite como de dia,
Sua bárbara melodia
Ecoando na amplidão.
Sinfonia do trabalho:
Cantam pedras, tinem ferros,
Martela sonoro o malho,
Nos longes atroam berros,
Geme esmagado o cascalho
Sob o rolo compressor,
Rangem máquinas, turbinas,
Metralha um britador,
Zunem e silvam usinas,
Trepidam rodas na estrada.
Por todo o imenso planalto,
Geme na voz de contralto,
A sereia agoniada.
Gritos, apitos, descargas,
Guindastes levantam cargas,
Estrepitam caminhões,
Despejando aos cem, aos mil,
Para intérminos serões,
Trabalhadores da noite
Enquanto dorme o Brasil.
Enquanto, na noite, dorme,
Tranqüilo o Brasil enorme,
Brasília está desperta.
Brasília não dorme não,
Pulsa, palpita, lateja
Como um grande coração.
Eu vi Brasília ao luar!
Naquela vasta amplidão
De horizontes sem montanha, avultam - visão estranha - Esqueletos de armação,
Assim imensos, distantes,
Como fantasmas gigantes.
E, no veludo da noite,
À luz da lua azulada
Qual rara jóia cintila
O Palácio da Alvorada.
Eu vi Brasília
A Cidade menina!
A cidade criança!
A cidade milagre!
A cidade esperança!
RESSALVA: Esquecemos de escrever, no final do poema, o nome da autora: Magdalena Léa.
O Presidente Juscelino Kubitschek levou aquele simples papel almaço, hoje, um documento histórico - para fazer parte do acervo da exposição do Palácio do Planalto, faltando o nome da minha mãe.
Há muitos anos, D.Sara, ao dar uma entrevista pra uma TV, disse que gostaria muito de descobrir quem era a autora daquele poema que tanto comoveu o presidente e citou de cor alguns versos mais marcantes.
Quando eu e minha mãe, Magdalena Léa, conhecemos Brasília, ainda em construção, por volta de 1958/59, o Lago Paranoá era, apenas, um enorme buraco.
Milhares de operários, conhecidos por candangos, e mais de uma centena de máquinas trabalhavam dia e noite, sem parar, sob as luzes de refletores. Um espetáculo!
Logo que chegamos ao Hotel Nacional, ainda no saguão, ela escreveu o poema: "BRASÍLIA".
Em 1960, poema foi publicado no livro "A Criança Recita"- 3ª Edição - Editora Minerva RJ - utilizado nas escolas de declamação. Antigamente, as meninas aprendiam a declamar.
*Lou Micaldas é professora, formada pelo Instituto de Educação, e jornalista, criada e formada no Jornal do Brasil; administra o site Velhos Amigos (http://www.velhosamigos.com.br/) e colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz
Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons
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PressAA
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