Rosa Pena
Seu Almério é um taxista que mora e faz ponto na Muda, um cantinho especial, na Tijuca. Um senhor inteligente, muito simpático e que passou a ser amigo de todo mundo, por sair desde sempre no bloco Nem Muda Nem Sai de Cima, cuja concentração é no bar Dona Maria, na rua Garibaldi, onde moram Moacyr Luz e Aldir Blanc, coordenadores do evento, que reúne quem gosta de alegria e não tem vaidade. Pedro Amorim, Camunguelo, Walter Alfaiate, Délcio Carvalho e Macalé saem também e sempre a gente acaba ganhando canjas de primeira.
Seu Almério, com o tempo, acabou virando o motorista oficial da Garibaldi. Meu sobrinho-neto só aceita andar no amarelinho do Amélio, como ele o chama. Aldir e Moacyr também só andam com ele.
Ano passado, quando fui buscar o João na creche, comentei com Almério sobre quantos ídolos meus já haviam se sentado em seu táxi. Ele enumerou com um sorriso o nome de diversos. Depois, sem perceber a importância do que proferia, declarou que na próxima quinta-feira, tinha combinado de apanhar o Chico Buarque na Barra e trazê-lo para um encontro com o pessoal daqui.
Tomei um choque e fiquei paralisada. Quando, enfim, me recuperei do impacto, pedi ofegante para avisar-me a hora, mas ele disse que não diria, por uma questão de ética.
Calei-me e bolei um plano. Resolvi esquecer meu livro PreTextos no banco do táxi. Avisei ao Almério e ele concordou que a distância provoca o tédio, e a curiosidade de abrir um livro é sempre grande.
Na quarta deixei meu livro no táxi.
Na sexta liguei pra saber:
— E aí, o Chico leu?
— Não.
— Nem abriu?
— Não.
— Por quê?!
— Ele sentou em cima.
— Jura?
— Ahã...
— Onde está o livro?
— Aqui, todo amassado.
— Com a bunda do Chico?!
— Sim!
— Vou correndo buscá-lo. Nem o Paulo Coelho tem um livro com esse selo.
A banda do Chico passou e eu não segui, mas a bunda dele ficou.
Atualmente, este livro dorme na minha cabeceira. Todas as noites eu me imagino a Geni.
Você, que está me lendo agora, pode jogar pedra, pode cuspir. A maldita aqui num está nem aí.
____________________
Rosa Pena (Rio de Janeiro-RJ). Professora e administradora de empresas. Especialista em recursos audiovisuais e artes cênicas. Trabalhou na Divisão de Multimeios da Educação na Secretaria de Educação e Cultura do Rio de Janeiro, com projetos ligados a cinema, teatro, música e literatura. Compulsiva para ler e escrever, considera a Internet a grande biblioteca contemporânea. Tem livros virtuais publicados e quatro livros editados no papel: Com licença da palavra, antologia do grupo Pax Poesis Encantada (2003), PreTextos, seu primeiro livro solo, onde reúne crônicas e contos de sua autoria (2004), na sequência UI! (2007) e Tarja Branca (2010). Mais em seu site: http://www.rosapena.com/
Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz
Ilustração: AIPC – Atrocious International Piracy of Cartoons
.
PressAA
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Seu Almério é um taxista que mora e faz ponto na Muda, um cantinho especial, na Tijuca. Um senhor inteligente, muito simpático e que passou a ser amigo de todo mundo, por sair desde sempre no bloco Nem Muda Nem Sai de Cima, cuja concentração é no bar Dona Maria, na rua Garibaldi, onde moram Moacyr Luz e Aldir Blanc, coordenadores do evento, que reúne quem gosta de alegria e não tem vaidade. Pedro Amorim, Camunguelo, Walter Alfaiate, Délcio Carvalho e Macalé saem também e sempre a gente acaba ganhando canjas de primeira.
Seu Almério, com o tempo, acabou virando o motorista oficial da Garibaldi. Meu sobrinho-neto só aceita andar no amarelinho do Amélio, como ele o chama. Aldir e Moacyr também só andam com ele.
Ano passado, quando fui buscar o João na creche, comentei com Almério sobre quantos ídolos meus já haviam se sentado em seu táxi. Ele enumerou com um sorriso o nome de diversos. Depois, sem perceber a importância do que proferia, declarou que na próxima quinta-feira, tinha combinado de apanhar o Chico Buarque na Barra e trazê-lo para um encontro com o pessoal daqui.
Tomei um choque e fiquei paralisada. Quando, enfim, me recuperei do impacto, pedi ofegante para avisar-me a hora, mas ele disse que não diria, por uma questão de ética.
Calei-me e bolei um plano. Resolvi esquecer meu livro PreTextos no banco do táxi. Avisei ao Almério e ele concordou que a distância provoca o tédio, e a curiosidade de abrir um livro é sempre grande.
Na quarta deixei meu livro no táxi.
Na sexta liguei pra saber:
— E aí, o Chico leu?
— Não.
— Nem abriu?
— Não.
— Por quê?!
— Ele sentou em cima.
— Jura?
— Ahã...
— Onde está o livro?
— Aqui, todo amassado.
— Com a bunda do Chico?!
— Sim!
— Vou correndo buscá-lo. Nem o Paulo Coelho tem um livro com esse selo.
A banda do Chico passou e eu não segui, mas a bunda dele ficou.
Atualmente, este livro dorme na minha cabeceira. Todas as noites eu me imagino a Geni.
Você, que está me lendo agora, pode jogar pedra, pode cuspir. A maldita aqui num está nem aí.
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Rosa Pena (Rio de Janeiro-RJ). Professora e administradora de empresas. Especialista em recursos audiovisuais e artes cênicas. Trabalhou na Divisão de Multimeios da Educação na Secretaria de Educação e Cultura do Rio de Janeiro, com projetos ligados a cinema, teatro, música e literatura. Compulsiva para ler e escrever, considera a Internet a grande biblioteca contemporânea. Tem livros virtuais publicados e quatro livros editados no papel: Com licença da palavra, antologia do grupo Pax Poesis Encantada (2003), PreTextos, seu primeiro livro solo, onde reúne crônicas e contos de sua autoria (2004), na sequência UI! (2007) e Tarja Branca (2010). Mais em seu site: http://www.rosapena.com/
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Ilustração: AIPC – Atrocious International Piracy of Cartoons
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