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Raul LongoRecebo imeiu de um amigo, onde expõe algumas impressões que alimenta sobre o Presidente Luís Ignácio Lula da Silva. Como essas impressões coincidem com a de uma parcela de meus correspondentes, respondo-o generalizando o envio de meus comentários. Acredito que, conhecendo-me, o amigo não irá se importar com isso, mas não cometerei o descuido de me referir ao seu nome. Confiro-lhe um pseudônimo: Príamo.
Explico: Príamo era o Rei de Tróia, quando sitiada pelos gregos. Pai de Heitor e Páris, os heróis troianos da Ilíada. O nome original de Príamo era Podarge, mas depois de livrar-se de ser morto por Hércules escondendo-se sob um véu dourado, adotou como nome a palavra que em português traduz-se por “Resgatado”: Príamo.
Hércules, ou Héracles para os gregos, é o mesmo afamado semideus de força descomunal como as que há décadas vêm construindo o mito Lula. Ao contrário da lenda, como Príamo é meu amigo, me sinto na obrigação de tentar resgatá-lo de sob o véu de conceitos que nos impedem o reconhecimento de nossa própria sabedoria e capacidade de discernimento das evidências.
Não acredito que terei sucesso nesse trabalho hercúleo, afinal não disponho dos meios homeopáticos de condicionamento que diariamente repetem, repetem, repetem mil vezes até que a mentira se torne uma verdade; conforme aprendeu o exército cotidiano da mídia com o mestre (deles) Joseph Goebbels.
Através desse processo Goebbels construiu um mito do qual era impossível resgatar o povo germânico, mesmo que ao resto do mundo se evidenciasse um desastre. Com o Presidente do Brasil ocorre coisa similar, ainda que em sentido inverso. Enquanto o mundo enxerga em Lula uma personalidade ímpar na história da política internacional, aqui se procurou caracterizá-lo com os mesmos contraditórios conceitos utilizados para classificar os judeus entre ladinos e estúpidos, ardilosos e ignorantes, sagazes e incapazes.
A quem a comparação parecer exagerada, é só consultar as referências a Lula na coleção da revista Veja disponibilizada pela internet e os materiais da propaganda anti-semita na Alemanha nazista, também disponível pela internet. Ou cotejar aquelas edições com as montagens e textos das páginas de grupos neo-nazistas nacionais ou estrangeiros que possibilitem tradução automática.
É preciso se estar atento ao fato de que não se constrói um mito do nada. Primeiro é preciso encontrar alguma pré-disposição ou indisposição popular, para daí se trabalhar com o imaginário. Um exemplo bem claro em nossa história recente foi Collor de Melo.
Conhecendo as indisposições da maioria do povo contra o segmento social que representam e pertencem, os fabricantes de mitos inventaram o tal “Caçador de Marajás”. Pegou! Sucesso meteórico é verdade, mas é assim mesmo: uma coisa é criar o mito e outra é mantê-lo. O do caçador não teve sustentação.
Apostou-se, então, no estereótipo do sábio acadêmico que acabou se comprovando personagem de conto do Machado de Assis: As Academias de Sião. No discurso, sal da terra e arroz da humanidade. Na prática: um camelo.
Aí só sobrou o Lula, apesar da aversão que até hoje persiste numa minoria da população. Os fabricantes de mitos acorreram aos seus conhecimentos por aversões e idiossincrasias populares: operário, nordestino, pau-de-arara, etc.
Não deu certo. Por que desta vez não deu certo?
Porque em todas as outras deu errado. Esse negócio de repetir e repetir e repetir uma mentira podia se tornar verdade lá no século passado, ou na cabeça do Goebbels e seus seguidores. Mas a maioria do povo brasileiro não é tão pouco inteligente como a imagina Príamo.
Além de que, para se entender o mito, é preciso antes perguntar: Será realmente ao Lula que não se admite? Será mesmo a pessoa do Lula que provoca medo, engulho e arrepio?
Percebo em meus correspondentes que ainda continuam mantendo pejos e ranços ao Lula, um mito anterior ao próprio Lula. Uma aversão que pode ser reconhecida no levantar da ponta do véu de meu amigo Príamo, já nos primeiros parágrafos de seu imeiu:
“Ele (Lula) sempre diz aos que lhe questionam a falta de um diploma universitário, que é inteligente; e é verdade. É muito mais inteligente que a grande maioria do nosso povo.”
Temo que o véu de Príamo não permita ao amigo o reconhecimento e a informação de que a grande maioria do nosso povo sempre foi mais inteligente do que as minorias dominantes. Para citar um exemplo, lembro de uma das primeiras revoltas populares ocorridas no Brasil: a dos Malês, na Bahia, provocada pela não sujeição daqueles negros islâmicos e alfabetizados ao senhor branco, prepotente e analfabeto.
Apenas um evento, um acaso histórico?
Muitos se repetem por nossa mesma história e com mais insistência do que as mentiras de Goebbels e seus discípulos. Se pensarmos um pouquinho, concluiremos por nós mesmos que os colonizadores não teriam sobrevivido para fazer sem a especialização do indígena que lhes mostrou os caminhos, curou-os com os conhecimentos da natureza tropical, ensinou-os a comer, a se proteger, plantar, colher, extrair e processar alimentos e derivados.
Sem os índios a lhes ensinar como dormir, teriam alimentado as onças. Foram nanados e mimados como crianças e nem mesmo por razões de maior ou menor inteligência. Mera questão de ambientação.
Não havia batata na Europa. Não havia mandioca, milho, farinha, fumo, ou quaisquer dos alimentos disponíveis e que sustentaram os colonizadores naquele início. Hoje tudo isso se incorpora ao cotidiano de seus descendentes que não mais se lembram de quando os avós tiveram de aprender a como se comportar nas chuvas, nos rios, com os ventos, a noite, o frio, o calor.
Foi preciso muita paciência do índio para ensinar o bronco e prepotente homem branco. Como uma vez afirmou um deles: “É difícil amansar o branco. Mas a gente amansa!”
É mesmo muito difícil! Têm dificuldade de aprender até com os mitos que eles próprios criaram para impor, entre si, alguma humanidade, alguma condição de convívio. Matam-se ao longo da história muito mais por seus símbolos divinos de paz, do que por qualquer outro motivo. Nada nunca provocou tantos conflitos e mortes quanto o conceito do deus único, seja chamado God, Gotte, Deus, Jeová, Alá ou que nome se dê ao que crêem como criador de tudo o que destroem.
O usam como mais uma das tantas hipocrisias arrumadas para disfarçar suas ganâncias e carências de dinheiro, terras e poder. Mas invariavelmente é, em nome do coitado do Deus, que trucidam crianças e promovem genocídios.
Somente no ano do Senhor de 1952 foi criada uma lei impedindo os cristãos de atravessar à Tasmânia para a caça ao aborígene. Quando esses cristãos chegaram à Austrália, os aborígenes dividiam-se em 500 tribos e utilizavam cerca de 200 dialetos. Hoje, lamentam o extermínio daqueles naturais e a inviabilização de suas culturas que os transformou em bêbados e alheios a si mesmos, como aqui se fez com nossos índios.
Lamenta-se porque ao longo de todos esses séculos os descendentes de europeus não conseguiram apreender como evitar a propagação de incêndios. A estreita área habitável ao leste do país, de maior proporção desértica, arde a cada final de ano porque não se teve inteligência para aprender o manejo da vegetação natural. As universidades tentam resgatar os conhecimentos dos extintos aborígenes, mas o véu de Príamo, na Austrália, não permitiu que se reconhecesse a refinada inteligência e especialização daquela gente.
Nunca foi e não será sob o manto de mitos que se esconderá a verdade. Não adianta querer justificar o crime e a omissão através de mitologias tão cômodas às consciências quanto insustentáveis perante as conseqüências, independente de teorias de migrações, reencarnações ou desprovimento de almas.
Os séculos de desumanidades promovidas na Ásia, na África, ou aqui mesmo nos sertões, nas cordilheiras, nos campos ou nas cidades desta nossa América, não serão respondidos com castigos mais infernais do que a realidade da violência dentro da própria casa, em cada rua, a cada esquina.
Nos evangelhos, Jesus Cristo é descrito como homem que vivia entre a gente mais simples do povo: pescadores, pastores, prostitutas, etc. Mas o cristão de nossa civilização tem dificuldades em reconhecer a igualdade de todos perante o mesmo deus a quem dirige seus anseios e individualismos. Tem dificuldade em reconhecer no homem comum do povo, no trabalhador braçal, no geral das gentes desse país, um seu semelhante e provido da mesma inteligência. Crê-se superior ou que seu Deus é mais, mas se prestasse atenção na realidade que o cerca perceberia que a maioria jamais sobreviveria através dos séculos de uma história tão adversa a qualquer desenvolvimento de criatividade, expressão, raciocínio ou manifestação de inteligência.
Fossemos tão pouco inteligentes quanto concebem aqueles que não conseguem se identificar com a maioria do povo brasileiro, já estaríamos tão extintos quanto os aborígenes australianos.
Príamo, tanto o de Tróia quanto o amigo para o qual emprestei o nome, são reconhecidos como homens sábios. E é verdade, mas mesmo aos sábios os véus midiáticos confundem. Em alguns casos fazem com que acreditem entre a gente do povo a generalização da ignorância e da estupidez. Se prestasse mais atenção, o da antiguidade não permitiria aos troianos aceitar o presente de grego que destruiu a cidade, tal qual, igualmente desatento os moderenos “Príamos” aceitaram outras falácias e charlatanismos.
Se prestarmos mais atenção à história de nossa evolução, poderemos nos resgatar dos medos que nos apequenam sob os véus dos conceitos impostos pelas elites dominadoras que, no Brasil e em toda parte, sempre tentaram impedir mudanças e inviabilizar propostas.
Evidente! Por que a elite fundiária brasileira haveria de querer a absolvição da escravatura? Fomos o último país das Américas a realizá-la e ainda somos um dos países do mundo onde mais se pratica o escravismo. Ainda hoje nossas leis não punem essa prática com a mesma rigorosidade dos crimes em que infere: seqüestro, cárcere privado, constrangimento moral, etc. Não se a considera crime hediondo e muitos dos quem sentam no Congresso Nacional, entre seus pares da conhecida bancada rural, são adeptos comprovados e flagrados.
Se a humanidade alcançou a evolução que hoje atingimos, é porque os insatisfeitos a impulsionaram e, evidentemente, insatisfeitos nunca são os que usufruem os benefícios da situação de domínio. Aos dominadores, claro, sempre mais interessou a estagnação para manutenção e permanência do domínio. Não é de admirar que Mario Amato temesse a Lula como Príamo a Hércules, mas, se na prática hoje a FIESP tem muito mais motivos para comemorar do que quando Lula era apenas candidato, porque é a nós, o povo, que falta inteligência?
Lula não é mito. É uma realidade à qual o resto do mundo há algum tempo está perfeitamente familiarizada. A imprensa brasileira, fomentadora do mito Lula, faz o que pode, mas, constrangida, vê as franjas do véu de seus preconceitos aparecendo sob a barra da saia justa, na impossibilidade de continuar escondendo a importância de honrarias e reconhecimentos internacionais; desde o Prêmio Príncipe Astúrias em 2003. Também lá, na Espanha, neste dezembro de 2009, lhe concederam o Miguel de Cervantes.
Fiquei muito contente! Já posso considerar Lula como meu colega em uma condecoração, mas a verdade é que no Brasil esse tipo de coisa não significa nada. Pelo menos nunca provocou interesse de alguma editora pelo que escrevo, e tampouco a imprensa brasileira deu alguma divulgação a homenagem pela ONU da Appeal of Conscience Foundation, que o considerou como Estadista do Ano de 2006. Mesmo reconhecimento que se repetiu há pouco, em Londres.
Na entrega do Prêmio Félix Houephouët-Boigny concedido pela UNESCO na França em 2008, Lula foi alertado de que, mais do que brasileiro, tornou-se um cidadão internacional com responsabilidades sobre toda humanidade. E como tal foi reconhecido por diversas vezes neste 2009, seja nos Estados Unidos onde lhe concederam o Prêmio Woodrow Wilson ou pela ONU, em solenidade de premiação ocorrida neste mês, na Itália.
Mas o que faz com que esse retirante nordestino que nunca freqüentou uma universidade, desde 2004 venha recebendo títulos de Doutor Honoris Causa em tantas instituições respeitáveis como a École d'Hautes Études en Sciences Sociales (França), Universidade Duke (Estados Unidos), Universidade de Santiago de Compostela (Espanha)? O que o torna o mais notável presidente de toda nossa história, em todo no mundo?
Exotismo passageiro ou paixão ao folclórico, como tentam interpretar os promotores do mito Lula? Ou será que o verdadeiro mito não é Lula, e sim o conceito de superioridade intelectual das classes privilegiadas brasileiras. Conceito muito antigo, mas ao qual o mundo tem dado nítidas demonstrações de discordância, como na recepção típica a um superstar num país que nunca nos deu grande importância, conforme todos os jornais da Alemanha reportaram a última visita do ex-metalúrgico ao país.
Como afirmei, meu amigo Príamo é sábio e não cai no ridículo de tentar negar uma evidência de tais proporções internacionais. Reconhece o brilhantismo de Lula, embora o véu de ouro ainda o impeça de superar o mito de que no geral o brasileiro seja um povo formado por uma maioria de tolos. Fáceis de serem enganados, suscetíveis a demagogias baratas, desmemoriados e inconscientes da própria realidade. “Caipiras” ou mais fedorentos do que os cavalos, como nos definiam anteriores presidências.
Impuseram-nos essa concepção de nós mesmos. No nordeste, por exemplo, ainda hoje não reconhecemos nossa condição humana e habituamos a nos tratar por “cabras”. Mas peço ao amigo que atente para a história ainda recente, desde o primeiro pleito democrático após mais de duas décadas de ditadura, quando quase metade desse povo já compreendia ao que Lula se propunha. E essa quase metade do povo brasileiro não trocou sua percepção pelos Cavalos de Tróia nem se abrigou sob os véus de ouro estendidos pela mídia para encobrir a realidade. Hércules não nos assustava e aguardamos confiantes de que os mitos construídos sobre Lula seriam superados e o real conteúdo dos falsos presentes ocos se revelaria.
Portanto, se o mundo só se deu conta da capacidade de Lula depois que eleito à presidência, muitos brasileiros já tinham certeza há três décadas.
Muitos! Quase a metade da população desse país.
Contrariando Goebbels, o povo foi percebendo a falácia das mentiras repetidas e começou a acreditar em si próprio. Como diz Lula, se nos recuperamos, resgatamos a dignidade perdida pelos playboys, pagamos as dívidas dos generais e doutos professores e superamos a crise internacional provocada pelos grandes especialistas econômicos de olhos azuis, foi exatamente graças a esse povo.
Lula pode ser muito inteligente, mas, pra quem sabe de onde saíram Aleijadinho, Gregório de Mattos Guerra, Machado de Assis, Cruz e Souza, Cosme de Farias, Lima Barreto, Milton Santos, Josué de Castro, Pixinguinha, Luís Gonzaga e toda uma infinidade de exemplos entre os que mais contribuíram para a formação e o reconhecimento internacional da cultura, da ciência e das artes brasileiras, não há nenhuma novidade.
Para o diário espanhol El País, um dos mais tradicionais e conceituados da Europa e que nesta semana escolheu entre 100 indicados a Personalidade Internacional do Ano, Lula é “El hombre que asombra El Mundo”; mas é o próprio Presidente Lula quem reiteradamente explica, como no programa do PT na semana passada, não ter feito tudo sozinho.
Quando não aponta sua equipe como responsável pelas conquistas brasileiras dos últimos sete anos, sempre reconhece naquilo que é, no que o distingue perante a comunidade das nações, a participação de duas entidades inalienáveis à sua formação: a mãe, Dona Lindu, e o povo brasileiro.
No Brasil há quem interprete nessas declarações uma manifestação de arrogância. Interessante observar que, para todo arrogante, invariavelmente não há nada mais arrogante do que o povo.
Nesses é compreensível a aversão ao Lula, mas em alguns de meus correspondentes percebo não ser esse o problema. Percebo que o que de fato os repugna não é o Lula, mas um mito além de Lula.
E para Príamo superar esse mito que lhe dificulta a compreensão de sua própria sabedoria, só é necessário se admitir como Podarge, tornar a ser Podarge para perceber que só há uma verdadeira força hercúlea, incomparavelmente maior do que a de Lula.
Quando se descobrir do véu que o esconde de si mesmo e puder reconhecer onde está o verdadeiro Hércules, enfim conseguirá integrar o real ao invés de se esconder do mito.
Raul Longo
pousopoesia@ig.com.br
pousopoesia@gmail.com
www.sambaqui.com.br/pousodapoesia
Ponta do Sambaqui, 2886
Floripa/SC
Raul Longo, jornalista, escritor e pousadeiro, colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz
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PressAA
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4 comentários:
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Sensacional artigo de RAUL LONGO. Posso enviar para os Priamos bbbs seguidores de goebbels?
Não perca tempo, Bia, pois, quando a mentira repetida mil vezes vira verdade, geralmente pára de ser repetida, porque, para o mentiroso, não faz mais sentido repeti-la. Aí a gente entra com a verdade e a repete tantas vezes quanto necessário for. Talvez aí se possa salvar algumas almas, mesmo que bbbs.
Há muito tempo recebo de outros contatos os textos de Raul Longo.
Hoje, se você disser que me pagará uma única passagem de avião para conhecer uma pessoa, tenho sérias dúvidas se iria para Brasília (conhecer Lula) ou para Florianópolis, para a Ponta do Sambaqui, conhecer o autor dessas linhas fantásticas, quase poéticas, que nos dotam de mais conhecimento e argumento para cumprir nosso papel de multiplicador (tendo em vista que, infelizmente, apenas 0,4% da população brasileira teve acesso à internet no 2o trim de 2009).
Raul, não só parabenizo como agradeço imensamente por suas palavras!!
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