O "ministério da segurança pública" de Serra e a concorrência com o PCC
Fernando Soares Campos
Geraldo e Cláudio são amigos inseparáveis. Aposentados, podem ser vistos a partir das duas da tarde, todos os dias, na mesa exclusiva da dupla, no Bar do Cardoso, numa ex-paradisíaca praia da Baixada Santista, onde residem desde que se tornaram, de acordo com a interpretação de FHC sobre aposentadoria, vagabundos na forma da lei.
Nos últimos 20 anos, só falharam um dia. Foi no domingo passado, pois naquele dia o bar fechou devido ao recrudescimento da violência que transformou a região em território sob o domínio da polícia, que tem se esforçado para monopolizar o mercado de segurança pública eliminando a concorrência do PCC.
Geraldo abre o jornal e lê para o companheiro:
- Vê essa, meu! O número de suspeitos abatidos pela polícia nas últimas vinte e quatro horas aqui na Baixada já soma, precisamente, pra lá de não se sabe quantos mortos.
- Suspeitos de quê?! - perguntou Cláudio
- Aqui só falam de suspeitos.
- Mas quem são esses suspeitos?
- Ora! eu já li isso pra você, são os mortos, meu!
- Sei. Mas quem são os mortos?
- Putz! meu, você não saca uma! Quer que eu desenhe? Os mortos são os suspeitos, meu!
- Mas eu quero saber quem são os mortos suspeitos.
- Fácil! São os caras que a polícia matou.
- E esses caras têm nome?
- Tinham.
- Como "tinham"?!
- Agora são somente números.
- São suspeitos de quê?
- Suspeita-se que alguns desses suspeitos participaram de um movimento suspeito, supostamente ligado ao suspeito crime organizado.
- Mas, se depois de investigados os casos, descobrirem que alguns dos suspeitos são inocentes?
- E daí?!
- O que acontece com esses que já morreram?
- O que acontece?! Ora, meu, não acontece mais nada, os caras já morreram.
- E a polícia está procurando novos suspeitos?
- Claro.
- Mas, pelo que estou entendendo, qualquer pessoa que estava na Baixada Santista nas últimas vinte e quatro horas é suspeito.
- Claro que não!
- Por que não?
- Antes de atirar, a polícia não pergunta onde o cara esteve nas últimas vinte e quatro horas, portanto não é esse o fator que determina se o sujeito é suspeito ou não.
- E se ficar provado que o morto suspeito não esteve na região nas últimas décadas?
- Aí o morto-suspeito passa a ser apenas morto.
- Hein?!!
- Torna-se um morto acima de qualquer suspeita.
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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons
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PressAA
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3 comentários:
Sensacional, como sempre. Posso divulgar na NET dando os devidos creditos ao autor e indicando o link?
Claro, Mila, fique à vontade, se possível, mande o texto mundo afora, o autor e os leitores agradecem.
Abraços
Olá Fernando.
Muito bom o texto. Aliás, não tive como não me recordar do texto do também brilhante Luis Fernando Veríssimo.
http://www.arialdoze.com/2009/11/atitude-suspeita.html
Abraço!
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