terça-feira, 4 de maio de 2010

Quando as “convicções pessoais” da secretária Hilária desafiam a lógica

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“Feelings” da secretária Hilária Clinton sobre Cuba e Castro

Nelson P. Valdés - Counterpunch

Nelson P. Valdés é Professor Emérito de Sociologia e diretor do Projeto Cuba-Livre, na Universidade do Novo México. Este artigo foi escrito para publicação simultânea em CounterPunch e Cuba-L Direct.

"Há algumas semanas, a secretária de Estado Hilária Clinton disse que os EUA estariam abertos ao diálogo com Cuba, mas que exigem mudanças fundamentais no regime cubano. É meu dever responder à Sra. Clinton, com todo o respeito; e aos países da União Europeia que esperam gestos unilaterais na direção de desmontarmos nosso regime social e político. Não fui eleito para reintroduzir o capitalismo em Cuba e derrotar a Revolução. Fui eleito para defender, preservar e continuar a aperfeiçoar o socialismo, não para destruí-lo. Assim sendo, com todo o respeito, sou obrigado a dizer à secretária de Estado dos EUA, Sra. Hilária Clinton, que se ela quer discutir alguma coisa, ok. Podemos discutir tudo, cá em Cuba, nos EUA, em todo o mundo. Sem condições.” [Raul Castro, 1/8/09].

“É minha convicção pessoal que os Castros não querem o fim do embargo nem querem normalizar as relações com os EUA, porque perderiam os pretextos que usam hoje para tudo que acontece em Cuba nos últimos 50 anos (...) É muito triste, porque estamos ante a oportunidade para uma transição para a plena democracia em Cuba, que acontecerá algum dia, mas talvez não aconteça logo.” [1] Palavras da secretária Hilária, dia 9/4/2010.

Pelo que se vê, a política exterior da secretária Hilária dos EUA é guiada por suas convicções pessoais. Bastaria ela ter informado logo. Economizar-se-ia muito dinheiro público. Claro: se só se consideram as convicções pessoais da secretária Hilária, ninguém precisa de pesquisas, coleta de dados e informações, nem dos caros think-tanks que trabalham para o governo dos EUA.

Assumamos, para argumentar, que a secretária Hilária estivesse correta em suas convicções pessoais quanto às motivações dos dirigentes cubanos. Bastaria isso para levá-la a empregar “psicologia reversa”? A Wikipedia informa: “Psicologia reversa é uma técnica de persuasão que implica defender uma convicção ou comportamento oposto ao que se deseja obter, na expectativa de que essa abordagem induza o interlocutor-alvo a fazer o que se deseja que faça: o oposto do que se declara." Em outras palavras: Castro usaria psicologia reversa contra o governo dos EUA, mas o Departamento de Estado só faz atrapalhar-se.

A Secretária Hilária está dizendo, implicitamente, que Castro é masoquista, oportunista vicioso; e que ela e os demais do DE viabilizam o sofrimento almejado por Castro! Ô yes! A política externa dos EUA está sendo agora conduzida pelos pressupostos teóricos de uma “teoria” da codependência. Depois de os latino-americanos terem enunciado sua teoria da dependência, por que não usarmos a codependência, como guia para as glórias dos EUA?

Encaremos os fatos; a secretária Hilária opera a partir de um universo pessoal, onde reina o otimismo mais vesgo. Não é novidade. Dia 1/5/2000, os noticiários divulgaram que, em entrevista a uma rádio em Buffalo, New York, a secretária Hilária “manifestara sua ESPERANÇA de que o pai do pequeno cubano Elián González, Juan Miguel, acabaria por escolher o exílio e mudar-se-ia para os EUA.” Nas primárias dos Democratas em 2007, a Sra. Clinton várias vezes “exigiu” a democratização de Cuba. Dia 22/2/2008, afirmou que Cuba teria de mudar, antes que Washington considerasse qualquer modificação nas políticas para a ilha. Agora, ela nos diz que Castro desejaria... Que o embargo/bloqueio continue. Pode-se assumir que se trate da mais recente descoberta da secretária Hilária dos EUA.

A mesma ideia foi repetida pelos grupos mais conservadores da comunidade de exilados cubanos nos anos 90s. Em 2002, a tese “Fidel Castro gosta do bloqueio” invadiu o mundo dos think-tanks de Washington, DC. Relatório do Instituto Cato dizia que “Apoiadores do embargo em geral assumem que Castro deseje o fim do embargo, porque acreditam que o fim do embargo resolveria seus problemas econômicos. Apesar dessa retórica, o mais provável é que Castro tema o fim das sanções dos EUA. Enquanto Castro puder apontar os EUA como inimigo externo, ele conseguirá conter os movimentos internos, justificar o controle sobre a economia e estimular sentimentos nacionalistas e antiamericanos em Cuba. É hora de Washington parar de fazer o jogo de Castro e de puxar imediatamente o tapete sobre o qual se apoia: é hora de pôr fim ao embargo."[2]

Alguns membros do Congresso também inventaram a mesma “conclusão”. O senador Max Baucus acrescentou as expressões “convicções pessoais” e “percepção política extrassensorial”. Eis o que disse numa audiência: “Para mim (...) Castro deseja que o embargo continue. Analistas já constataram que há um padrão aí. Cada vez que nos aproximamos de relações mais abertas, Castro encerra o processo com algum ato de repressão, cujo principal objetivo é congelar as relações EUA-Cuba. Castro teme o fim do embargo. Acreditem em mim, eu estive lá... Eu sinto essas coisas! Falei com Castro, estive em Cuba. A gente SENTE! É palpável. Castro sabe que no dia que o embargo acabar, acabarão os pretextos que ele tem usado. Sem o embargo, Castro não terá quem culpar pelo fracasso da economia cubana. Seu governo não sobreviverá ao influxo de ideais norte-americanas e democráticas que inundarão aquela ilha, no instante em que o embargo for levantado."[3]

Várias autoridades cubanas responderam a essas ideias ridículas. Em entrevista ao jornal austríaco Der Standard, dia 1/4/1993, Ricardo Alarcon desafiou o governo Clinton a suspender por um ano o embargo/bloqueio, para ver se acontece qualquer ruptura na coesão política em Cuba, como os exilados cubanos estariam “diagnosticando”. Alarcón observou que, se a política dos EUA mudasse, e o governo cubano fosse aceito pelos EUA, então, sim, Cuba não precisaria preocupar-se tanto com a oposição orquestrada por agentes dos EUA. [4] Dez anos depois, Alarcón repetiu o desafio: “os EUA não se atrevem a suspender o embargo/bloqueio sequer por período limitado. Pois seria a solução indicada, para testar a tal “hipótese” dos pretextos”. [5]

* * *

Essa política externa é tema de interesse nacional, ou exercício de psicologia? Se se dá crédito à avaliação da secretária Hilária, o governo cubano, em assunto relacionado a Cuba, não é guiado por questões de interesse nacional, como a defesa da soberania nacional, mas por impulsos subconscientes ou emocionais. Assim, rapidamente, todos adentramos o território das psicologias pop, não das razões de Estado. Mas o que mais imediatamente se vê aí é que a política externa dos EUA para Cuba, “política” do embargo, é ilógica, irracional – por isso não funciona nem recebe apoio da comunidade internacional.

É claro que o governo dos EUA recusa-se a reconhecer o direito à independência e à autodeterminação de Cuba. Ou, reescrevendo em termos simples, que a secretária Hilária entenderá: a política dos EUA é modelada por alguma espécie de sensação de frustração nacional – uma grande potência não consegue controlar uma ilha microscópica, ali, a poucas milhas de distância. Isso, com certeza, obnubila a reflexão dos que se sintam líderes e senhores incontestes do universo, senhores da mansão da colina, seletos, escolhidos por Deus em pessoa, nesse caso a secretária Hilária.

Ora essa! A busca da soberania e da independência de Cuba não pode ser interpretada ou proposta como algo bem próximo da loucura, da instabilidade psicológica. É imenso o impacto que tem, no mundo, um pequeno país que os EUA poderiam facilmente bombardear e destruir no plano social e econômico, mas que não conseguem calar; e cujo experimento social os EUA ainda não conseguiram sustar.

Em 2002, em carta aberta a George Bush, escrevi: “Às vezes, todos, na ilha, perguntam-se se vocês não estariam tentando ajudar Fidel. É o que parece. Outra vez, permita-me lembrá-lo. A política dos EUA fracassou. Mas, sim, teve alguma utilidade, porque contribuiu para manter no poder o governo revolucionário de Cuba. Então... não mexam nela! Deixem tudo como está! E muito obrigado pela grande contribuição para a causa revolucionária!”[6]

Não é bom modo de concluir artigo sério. Dia 15/11/2007, Wolf Blitzer fez à ainda senadora Hilária Clinton, em rede nacional de televisão, a seguinte pergunta: “A senhora diz que a segurança nacional é mais importante que os direitos Humanos. Senadora Clinton, o que, exatamente, significa isso?” E ela respondeu: “Concordo integralmente. A primeira obrigação do presidente dos Estados Unidos da América é proteger e defender os Estados Unidos da América” [7].

Alexander Hamilton tratou da mesma questão, no Federalist Paper n. 8. Dia 20/11/1787, Hamilton escreveu: “A segurança contra perigos externos é a força mais poderosa que dirige a conduta nacional. Até o mais ardente amor pela liberdade, de tempos em tempos, cede ante a vontade de segurança. A violenta destruição da vida e da propriedade que ocorre na guerra, o esforço contínuo e o continuado medo de que padece quem viva sob continuado perigo sempre arrastarão, até as nações que mais prezem a liberdade, a recorrer, na ânsia de descanso e segurança, a instituições que sempre tendem a destruir, primeiro, os direitos civis e políticos de todos. Para sentirem-se mais seguros, passam a expor-se ao risco de serem menos livres”. [8]

A questão, portanto, é clara: o mesmo princípio da segurança nacional aplica-se a Cuba? Madame Hilária Clinton, não despache a lógica para longe de suas ideias sobre Cuba e não esqueça o que os Pais Fundadores já sabiam há muito tempo. Ponha fim às políticas que criaram e cevaram as ameaças sob as quais o governo de Cuba vive desde 1960. Faça isso, depois, veremos o que acontece por lá.

Notas

[1] "Castro's sabotage ending U.S. Cuba embargo: Clinton," Reuters, 9/4/2010; 8:13 PM.

[2] Ian Vasquez e L Jacobo Rodríguez, “Trade Embargo in and Castro Out”, Journal of Commerce, 27/5/2002. http://www.cato.org/pub_display.php?pub_id=6241

[3] http://www.c-spanvideo.org/videoLibrary/clip.php?appid=596073645

[4] 1/4/1993, “Alarcón Invita a EEUU a Levantar el Bloqueo Por Un Año”, EFE, Madrid.

[5] 13/12/2003, Pascualserrano.net (Madrid), Entrevista a Ricardo Alarcón, presidente da Asamblea Nacional del Poder Popular de Cuba, em
http://www.pascualserrano.net/12_DICIEMBRE_03/06-12-03entrevista-alarcon.htm

[6] “An Open Letter to George Bush: On US Policy Toward Cuba”, CounterPunch, 9/8/2002
http://www.counterpunch.org/valdes0809.html

[7] “Democratic Debate in Las Vegas”, transmitido pela CNN, 15/11/2007. CNN.
http://transcripts.cnn.com/TRANSCRIPTS/0711/15/se.02.html

[8] “The Consequences of Hostilities Between the States”, From the New York Packet. 3ª.-feira, 20 de novembro de 1787, em http://usgovinfo.about.com/library/fed/blfed8.htm

O artigo original, em inglês, pode ser lido em:
http://www.counterpunch.org/valdes04232010.html

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Ilustração: AIPC Atrocious International Piracy of Cartoons

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PressAA

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