Rui Martins*
Você já ouviu falar em burca ? É uma roupa feminina que sem ter desfilado nas passarelas, sem ter sido desenhada por um estilista como Jean Paul Gaultier, sem promoção pelas revistas Elle ou Marie-Claire ocupa a primeira página dos jornais europeus.
A burca é um traje inteiriço, sem franjas, desenhos ou pregas, que cobre a mulher desde o alto da cabeça aos pés. Como esse objeto do homem, chamado mulher, precisa respirar, existem uns furinhos à altura da boca e do nariz, e como essa coisa precisa ver por onde anda, existe uma abertura retangular, longa como a distância entre os olhos e larga de apenas dois centímetros.
Essa é a burca, sempre de cor preta, tecido não transparente, no qual o marido muçulmano fundamentalista encobre o corpo e o rosto de sua bem-amada, para que ela possa sair às ruas ou para fazer compras, passear os filhos ou simplesmente dar uma volta pela praça da cidade, sem ser vista.
O uso da burca não foi regulamentado pelo Corão, pois nos escritos do Profeta não se fala nessa vestimenta extrema, que pode ser ideal para as feias esconderem seu rosto, sua celulite ou obesidade, bastante usada no Afganistão e alguns países do Oriente Médio, mas causadora de discussões nos Parlamentos dos países Europeus.
Discute-se se o preceito ocidental da liberdade individual inclui o de mulheres fechadas dentro de uma túnica, que impede mesmo sua identificação. Se a mulher assim embalada como um pacote assim se veste por convicção própria ou se a isso foi obrigada pelo marido religioso ciumento ou pelo pai zeloso.
Na Bélgica, onde é grande a presença das comunidades muçulmanas, muitas delas vivendo ao lado da sociedade belga, mas sem nelas se integrar, o Parlamento decidiu proibir que os « vestidos » andantes saiam às ruas sob pena de multas e de prisão. Na Italia, algumas províncias já baixaram idêntica proibição. Na França, existe um projeto de lei para indexar a burca, e na Suíça, onde já se proibiu os minaretes, é provável um próximo voto popular contra o uso desse estranho vestido.
Entre os próprios muçulmanos as opiniões divergem – a grande maioria é contra a burca por não haver nenhum escrito do Profeta impondo essa moda feminina. As mulheres religiosas ou as que vivem nos países árabes só devem usar o chamado xador ou véu que cobre a cabeça e se fecha embaixo do queixo, cobrindo também o pescoço.
É verdade que algumas mulheres muçulmanas liberais, geralmente intelectuais (há mesmo uma que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura) criticam essa exigência do véu, que também inclui o uso de mangas compridas e de saias até os pés, mas só quando vivem na Europa.
Caso contrário podem ser alvo de represálias nas ruas, como lhe jogarem ácido no rosto ou mesmo serem presas por atentado ao pudor ou acabarem alvo de uma fátua ou condenação à morte.
E, então, deve-se ou não proibir às mulheres o uso desse traje extremo? Quantas mulheres saem vestidas de burca nas ruas européias? Dizem que na França não chegam a mil, na Bélgica e na Suíça algumas centenas e daí a pergunta, por que tanto alvoroço?
Em lugar de se encarar a burca como um símbolo religioso, por que não considerar a burca simplesmente como uma escolha de como se vestir? Ainda há cinquenta anos, todas as viúvas e senhoras idosas portuguesas, espanhola e gregas, cristãs, vestiam-se de preto com seu xale na cabeça e, hoje, esse hábito vai desaparecendo.
Proibir cria resistências. Deixar ao critério de cada mulher, permitirá que muitas delas – se conseguirem escapar ao autoritarismo do marido, do pai ou dos irmãos – avaliem se é essa a maneira adequada de se vestir no nosso Ocidente.
Outra coisa, se proibirem que saiam às ruas, essas mulheres serão obrigadas a ficar confinadas em sua casa e não terão sequer a chance de serem tentadas a experimentar outra maneira de se viver. Haverá sempre momentos nos quais elas terão de descobrir o rosto, seja nos bancos, nos cartórios, nas repartições públicas ou nos aeroportos para se identificarem. E, é claro, se existem professoras lecionando com xale ou xador e mesmo parlamentares com xador em alguns países europeus, não será possível exercer qualquer profissão dentro de uma burca.
Em lugar de se pressionar, talvez o melhor seja deixar o excesso e o ridículo mostrarem que a mulher de rosto e corpo livre é uma conquista da nossa civilização, onde já não se discute mais o uso de biquíni ou monoquíni, porém a igualdade total entre homens e mulheres, inclusive nos salários.
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Para Rui Martins, o governo brasileiro deveria criar uma nova política de emigração a exemplo de Portugal, França, Itália e mesmo México e Equador.
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http://www.francophones-de-berne.ch/
http://www.estadodoemigrante.org/
*Ex-correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. Autor do livro “O Dinheiro Sujo da Corrupção”, criou os Brasileirinhos Apátridas e propõe o Estado dos Emigrantes. Vive na Suíça, colabora com os jornais portugueses Público e Expresso, é colunista do site Direto da Redação. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz
Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons
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PressAA
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