domingo, 23 de maio de 2010

O VOTO DA MULHER DO GENERAL


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- “Em quem a sua mulher vai votar?” – perguntou a Folha.
- “Em quem eu mandar” – respondeu rápido o general Maynard.

Macho! O general Maynard Marques Santa Rosa é macho! Macho pacas! No diálogo acima, ele mostra quem é que manda. Concedeu longa entrevista a dois jornalistas da Folha de S. Paulo, publicada nessa segunda-feira, dia 17 de maio, numa página inteira, sob o título: “Governo Lula quer implantar ditadura totalitária no país”, com um boxe: “Democracia com limite até em casa”.

É engraçado. Por um lado, o general vê “anseio totalitário” no governo Lula, do qual discorda, por considerá-lo “intolerante e autoritário”; por outro, sem qualquer pudor ou desconfiômetro, anuncia que ele é quem manda no voto de sua esposa, dona Luiza Philomena Gonçalves de Santa Rosa. O diabo, no entanto, é que nessa eleição ele está perdidinho, não tem em quem votar, não sabe quais ordens dar à sua mulher.

- “Na Dilma não voto de jeito nenhum, mas não é fácil engolir o Serra” – ele diz. Justifica alegando que até agora não se sabe “quantas pessoas Dilma Rousseff assaltou, torturou, matou"... e quando a Folha argumentou que “até onde se sabe, ela não matou ninguém”, o general declarou levianamente: - “É o que ela alega. Sabe-se que tem vítima”. Quanto ao Serra, o general aceita a pergunta formulada pelos jornalistas: ele é difícil de engolir, porque “foi presidente da UNE, exilado no Chile...”

- “E a Marina Silva?” – pergunta a Folha, depois do descarte dos dois principais candidatos. Ah, o general também não vai mandar sua mulher votar em Marina, porque a candidata do PV “tem uma visão de Amazônia igual à da Fundação Ford, igual à dos americanos. É uma visão internacionalista”. Quem diz isso, curiosamente, é o general cuja cabeça foi feita pelos americanos no Curso de Política e Estratégia do Army War College, nos Estados Unidos, onde ele estudou em 1988-89.

Carta do coronel


É inacreditável! Um general, que até fevereiro deste ano ocupava o cargo estratégico de chefe do Departamento de Pessoal do Exército, pensa como um troglodita, sem querer com isso ofender o troglodita. E muito menos o general, que se comporta como a Carolina do Chico Buarque: o tempo passou na janela e ele não viu. O mundo mudou, o Brasil se transformou, mas o general, agora de pijama, continua vivendo em plena ‘guerra fria’. Não está entendendo bulhufas do que está acontecendo.

Na entrevista, o general Santa Rosa, 66 anos, na reserva desde o dia 31 de março passado, desembainhou a espada para atacar os fatos. Jurou que durante a ditadura “a imprensa foi amplamente livre”, que “nenhum militar torturou ninguém”, que “os chamados subversivos foram justiçados e torturados por eles próprios, porque queriam mudar de opinião”. Quanto escárnio de quem, como segundo tenente da Infantaria, integrou a Equipe de Buscas do famigerado DOI-CODI do Rio de Janeiro, como indica seu currículo!

Não é a primeira vez que o general Santa Rosa infringe o Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), que proíbe “manifestar-se, publicamente, sem que seja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária” e “censurar ato de superior hierárquico ou procurar desconsiderá-lo, seja entre militares, seja entre civis”. Quando ele era chefe da Secretaria de Política e Estratégia e Assuntos Internacionais (SPEAI) do Ministério da Defesa se insubordinou em relação à demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol.

Agora, o general ataca o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que – segundo ele - “estimula a homoafetividade” e contribui para a “degradação dos costumes à revelia da tradição cristã que temos”. Perguntado se conheceu muitos gays nas Forças Armadas, respondeu que não, que “existe uma rejeição inata da estrutura militar contra isso”. Alertou que “isso tudo é uma composição organizada, uma conspiração internacional”.

A declaração do general Santa Rosa, que foi chefe da Divisão de Contra-Inteligência do CIE do Exército, faz jus ao cargo que ele ocupou. Dessa forma, ele reforça o discurso dos generais Leônidas Pires e Newton Cruz a Globo News no mês passado. Toda noite, antes de dormir, esses generais devem verificar, com uma lanterna, se tem algum jacaré comunista debaixo de suas respectivas camas.

Quem entrevistar

Na cabeça do general Santa Rosa, que fez o Curso de Guerra na Selva (1969), é tudo culpa da bicharada e dos comunistas, que estão solapando a tradição cristã. Suas “revelações proféticas” foram bem acolhidas no blog do Pastor Daniel Batista, da Igreja Cenáculo da Fé, para quem elas vieram confirmar aquilo que já sabia: “Recebi do Senhor Jesus a revelação de um eventual golpe de Estado no Brasil (Governo Lula), cujo processo ditatorial-político iniciaria até abril de 2009" – diz o pastor.

Mas a cumplicidade do pastor não resolve o problema do general: não ter um nome – umzinho só – em quem votar. O coronel colombiano, personagem do romance de Gabriel Garcia Márquez, não tinha quem lhe escrevesse, enquanto o general brasileiro Maynard Marques Santa Rosa não tem em quem votar para presidente da República e, portanto, não sabe como ordenar o voto de sua esposa.

O jornalismo brasileiro dará uma grande contribuição à democracia e à vida política do país no dia em que entrevistar não um general machão e fanfarrão, com suas bravatas, suas bazófias e sua visão maniqueísta do mundo, mas as mulheres dos generais. Seria muito bom ouvir dona Luisa Santa Rosa, ela podia nos revelar coisas que o Brasil desconhece. Confio muito mais na sua intuição e na sensibilidade feminina do que na arrogância do general.

Nós estamos carecas de ler entrevistas de generais. O grande furo jornalístico seria uma entrevista com dona Luísa e com tantas luísas, silenciadas, caladas, com o discurso seqüestrado e a fala presa na garganta. São elas que constroem com seu trabalho cotidiano esse país, educando os filhos, organizando a economia doméstica, dando apoio logístico e às vezes até, fingindo, quem sabe, que vota em quem o marido ordena. Afinal, o voto é secreto.

Se o general, que não deve saber fritar um ovo nem pregar um botão numa camisa, também não sabe em quem votar, devia perguntar à sua mulher. Por que não ouvi-la? Em quem ela gostaria de votar? Talvez ela saiba com mais lucidez que o general o que é melhor para o Brasil.

Da minha parte, aqui na minha casa, a conspiração internacional já ganhou. Não tenho vergonha de confessar: aqui funciona o matriarcado, pois quem decide o meu voto é a patroa e as minhas nove irmãs mulheres, com quem já iniciei o processo de consulta.

Ainda bem que o general não tem em quem votar para presidente da República na próxima eleição. Essa é a melhor notícia que o Brasil pode ter. O terrível seria se ele tivesse várias opções, como ocorreu durante o período da ditadura militar quando eles decidiam sem consultar a população. Agora, por ironia, no próximo governo, existe a possibilidade de que eles sejam obrigados, talvez, a obedecer as ordens de uma mulher.
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José Ribamar Bessa Freire é professor universitário (Uerj), reside no Rio há mais de 20 anos, assina coluna no Diário do Amazonas, de Manaus, sua terra natal, e mantém o blog Taqui Pra Ti

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Ilustração: AIPC – Atrocious International Piracy of Cartoons

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