sábado, 27 de março de 2010

VOCÊ SABIA?

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Urda Alice Klueger

Que línguas falamos na América? A gente começa respondendo: português e espanhol. Mas aí se lembra que nos EUA se fala inglês, e que metade do Canadá fala francês. E que pelo Caribe e nas Guianas se falam línguas como o holandês e outras, como o papiamento, em Aruba e Curaçau, interessantíssima língua inventada pelos escravos daquelas ilhas, no passado. Parece um monte de línguas, não? Mas estamos nos esquecendo do quíchua e do aimará, primeiras línguas de parte dos povos andinos – como segunda língua, eles costumam aprender o espanhol, que é usado no dia a dia. Nem vamos falar de todas as outras inúmeras línguas de outros inúmeros grupos indígenas por esta América afora, como o Xokleng, quase aqui no quintal de casa. Vamos logo aonde quero chegar: ao Guarani.

Acabo de voltar do Paraguai, e lá, milagrosamente, a língua guarani sobreviveu em toda a sua glória, e é a língua do dia-a-dia das gentes daquele país. Quando voltei, meu amigo Viegas, um intelectual, me perguntou:

- E daí, e daí? Tu viste alguém falando mesmo guarani lá no Paraguai?

Respondi-lhe que lá todos falavam guarani como primeira língua e o tempo quase todo, excetuando-se, claro, os menonitas do Chaco, sobre os quais já falei na semana passada.

- Mas tu viste mesmo? Quantas pessoas? – o meu amigo Viegas não estava entendendo muito bem.

- Viegas, TODOS falam guarani. Lá na casa do Aldo (família de classe média-alta, onde me hospedara em Assunción – o Aldo é médico aqui em Blumenau), todos falam guarani o tempo todo. Passavam a falar espanhol quando eu chegava, por educação.

Tenho a leve impressão que Viegas achava que a coisa era mais a nível da gente pobre.

- Mas tu tens certeza? Há um país aqui na América falando guarani?

- Tem, Viegas. É coisa milagrosa, mas tem! De alguma forma, aquele povo tão forte (e sobre o qual vivemos fazendo gozações) salvou aquela antiga língua americana!

E contei-lhe mais, da menina que vira na rodoviária de Assunción entretidíssima a ler um livro infantil em guarani, sentada sobre uma mala. Devia ter uns 8 anos. Na ocasião, eu acabara de fazer amizade com 3 moças brasiguaias (brasileiros que estão devastando todo um estado paraguaio, ao norte, acabando com a floresta e a terra), e estava de papo com as brasiguaias (em português, é claro), e chamei a atenção delas para a menina lendo o livro em guarani. Elas se espantaram:

- Nós também sabemos ler em guarani. Nossa primeira língua foi o português, mas depois aprendemos o guarani na escola.

Meu amigo Viegas quedou-se um pouco incrédulo, tipo assim como se precisasse de umas horas para absorver uma coisa assim tão desconhecida e tão próxima de nós.

E então lhes digo que até aprendi duas palavras em guarani, e copiei algumas saudações. Uma das palavras é água, que se escreve “y”, mas quero ver alguém daqui conseguir aquela pronúncia musical com que se diz água. Estão rindo de mim, não é? A outra é Ipacaray, e os mais velhos haverão de se lembrar da música “Recuerdos de Ipacaray”, e Ipacaray é um lago, que vi um pouco ao longe, mas lindo e azul, e a palavra quer dizer: “água que tem fim”. Foi pouco para duas semanas por lá, não foi? Mas o que não aprendi eu copiei, e hoje deixo para vocês umas das lindas saudações copiadas:

“Roipota iporãba opamb’e nderegucrã!”

*Urda Alice Klueger é escritora e historiadora. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz.

Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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PressAA

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