Raul Longo
Tenho ouvido e lido, inclusive de amigos, gente séria e inteligente, que se autoproclamam humanistas e que deveras se têm pautado como tal, constantes acusações ao programa Bolsa Família como demagogia eleitoreira.
Quando esse tipo de crítica parte dos políticos da oposição, me é muito compreensível. Afinal, foi o governo que eles apoiaram quem criou o programa que, atrelado a outros, não surtiu efetivos efeitos como Bolsa Escola, Auxílio Gás ou Cartão Alimentação. [Nota Assaz Atroz: Recentemente, a ministra Dilma falou: “Não basta criar programas, têm que transformá-los em benefício para a população”.]
Dado que em todas comparações entre os períodos 1994 – 2002 e 2003 – 2010, os números inviabilizam e ridicularizam o argumento de que atual governo se limita às políticas econômico/sociais do anterior; há de se convir que algo, ou preferencialmente tudo, os oposicionistas têm de criticar. Sobretudo, em face da absoluta e notável falta de projetos e propostas para um futuro plausível, as soluções dos problemas humanos do Brasil.
Mas me dói aos ouvidos, tão quanto seria dolorido uma nota desafinada pela garganta de Ella Fitzgerald, o ouvir esses amigos insistirem em afirmar que o Bolsa Família é um programa demagógico e eleitoreiro.
Senhores: o que é ser humanista se não dedicar-se à promoção de oportunidades para que a condição humana prospere e evolua? Por que essa dedicação, quando assumida por um governo, se desautoriza? Dentro dessa lógica, o lógico seria apoiar governos despóticos, voltados somente aos interesses de classes já privilegiadas. É por aí?
Peço que se lembrem de que não basta ser inteligente. Graciliano Ramos, sabemos, era um homem muito inteligente e honesto, que produziu das mais notáveis páginas da nossa literatura. No entanto, quando Charles Miller trouxe as regras do futebol para o Brasil, Graciliano escreveu que jamais o povo brasileiro se adaptaria e se estimularia por aquele esporte.
Se houvesse usado a inteligência de que era dotado, para pensar, ponderar e avaliar melhor, não teria chegado tão secamente a tal conclusão, quanto chegou à esplêndida interpretação literária da vida de seus personagens. Pensem, por favor, amigos! O que eram as bolsas esmolas eleitoreiras? Quando e quem as distribuía? Em que meses do ano? Às vésperas de quais eventos?
É possível imaginar que os candidatos visitassem as casas de seus eleitores mês a mês, ao longo de todos os anos, independentemente de serem períodos eleitorais ou não? É o presidente Lula, ou a candidata Dilma Roussef quem visita família por família para doar um botijão de gás, uma cesta básica, algum dinheirinho, um saco de cimento e alguns tijolos?
Vamos nos informar melhor? Então, lá vai: Para cadastrar-se no Programa Bolsa Família, as famílias com renda mensal per capita de até R$140,00 devem procurar a prefeitura de seu município e informar seus dados no Cadastro Único dos Programas Sociais (CadÚnico), de forma a ficarem aptas para inclusão no Programa Bolsa Família. O benefício é liberado de forma impessoal, por um processo de seleção da CEF para minimizar as possíveis influências do 'governante do turno' no programa, tentando impedir, assim, a provável interferência de políticos. O PBF busca priorizar as famílias de menor renda [20][21].
Essa informação se encontra em Bolsa Família, mas antes de consultarem esse endereço peço que atendem para o fato de que nem todas as prefeituras e nem todos os governos de estado são exercidos por correligionários ou aliados ao partido do governo federal. Aliás, sequer a maioria.
Agora, se realmente tiverem interesse em melhor se informar sobre o que reiteradamente opinam, ainda ali naquele mesmo endereço poderão conhecer todo o histórico do Bolsa Família, desde sua idealização pelo Herbert de Souza, o saudoso Betinho, até as influências que hoje exerce sobre experiências similares em todo o mundo, inclusive nos países desenvolvidos. Encontrarão, inclusive, o que sobre o programa se referem os principais organismos e instituições internacionais voltadas a programas de promoção humana, ou erradicação da miséria no planeta. Claro que, como qualquer outra informação, venha de onde vier, sempre há que se conferir, checar a veracidade, pois não haveremos de divulgar que João é bom ou mau, sem antes conhecermos João, para não passarmos a impressão de que razões escusas nos movem a denegrir ou exaltar João, não é verdade? Muitos também dizem que João é a cara de José, mas antes de afirmarmos que o Bolsa Família é mera cópia do Bolsa Escola, nos informemos um pouco mais, na mesma página: Em 2002 já havia no Brasil uma multitude de programas sociais que já beneficiava cerca de cinco milhões de famílias, através, entre outros, de programas como o "Bolsa Escola", vinculado ao Ministério da Educação, "Auxílio Gás", vinculado ao Ministério de Minas e Energia, e o "Cartão Alimentação", vinculado ao Ministério da Saúde. Cada um desses gerido por administrações burocráticas diferentes.
“E daí?” – considerarão: “Isso eu já sabia! Mas qual a vantagem do Bolsa Família sobre os programas anteriores”.
Se voltarmos um pouco na página, vamos encontrar ali: Desde os anos 80 há um debate sobre prover assistência a famílias pobres e miseráveis. A concessão de benefícios e ajuda era então feita pontualmente e de forma indireta, geralmente com a distribuição de cestas básicas em áreas carentes principalmente do Norte e Nordeste, algumas vezes seguidas de denúncias de corrupção devido à centralização das compras em Brasília, além do desvio de mercadorias pela falta de controle logístico.
Aí vem aquela crítica lamentável do Senador Cristovam Buarque, magoado pelo governo não ter ficado satisfeito com seu desempenho no Ministério da Educação, onde se discute questões semânticas entre Escola e Família, embora a condicionalidade de filhos em frequência escolar e acompanhamento de saúde, seja ainda a exigência sine qua non para o recebimento do benefício. É da falta de exercício da inteligência que, sem dúvida alguma, Cristovam é privilegiado, que se originou o ruído que tanto me dói aos ouvidos quanto uma inadmissível nota desafinada por Ella Fitzgerald, quando afirmam que muitos pais mandam os filhos para as escolas para ficarem em casa sem fazer nada e tomando cachaça à custa do Bolsa Família.
Ora, ora meus amigos humanistas e socialistas! O que querem os senhores? Que esses pais mantenham os filhos em casa para assisti-los a tomar cachaça? Ou prefeririam que os mandassem ao trabalho infantil para o troco da cachaça e dos cigarros na venda mais próxima?
Raciocinemos queridos! Raciocinemos! E um pouco de informação (ainda naquela mesma página acessível pelo mesmo computador em que me leem) nunca é demais: Um estudo realizado pela Universidade Federal de Pernambuco, entre os beneficiários residentes na área rural, inferiu que 87% do dinheiro recebido é utilizado para comprar comida[6]. Pesquisas promovidas pelo Banco Mundial indicaram que houve uma significativa redução na exploração do trabalho infantil dentre as crianças beneficiadas pelo Programa Bolsa Família [23].
Precisarão de algo mais desumano do que a fome, para melhor compreensão do que aqui se demonstra?
Além disso, vejamos o se diz ali, no item daquela página sobre Controle e Monitoramento: Foi inaugurado, em dezembro de 2006 [24], um sistema de controle e monitoramento do Programa Bolsa Família, que utiliza satélites e internet via ondas de rádio, o que permite a troca de dados com as Prefeituras de localidades mais remotas, mesmo em regiões em que não há energia elétrica ou telefone. O Brasil já está exportando essa tecnologia que desenvolveu para programas similares de transferência de renda... [25]. A presença dos alunos às aulas é acompanhada bimestralmente pelo MEC e Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). A família que descumprir a condicionalidade por cinco vezes consecutivas tem seu benefício definitivamente cancelado.
Sei bem que não é fácil desconstruirmos uma convicção que formulamos sobre alguma coisa e estarão dizendo que nada disso impede que haja pobres se beneficiando do Bolsa Família para continuar na vagabundagem, mas nesse caso, me desculpem meus admiráveis acadêmicos, escritores, intelectuais, humanistas, psicólogos, sociólogos, advogados, filósofos e amigos de tão admiráveis ideologias defendidas ao longo de todas as suas vidas, mas vocês estão se igualando aquelas pessoas mesquinhas e preconceituosas que adotam o reles raciocínio de que pobre e faminto é quem não quer trabalhar.
Nesse caso, sou obrigado a lhes perguntar: a que conceitos de esquerda e humanismo adotam?
Primeiro, peço que façam uma simples analogia com a existência de uma legislação universal que determina, a todo o mundo, uma específica cor para parar e outra, igualmente específica, para prosseguir um veículo automotivo. Há quantos anos essa legislação foi introduzida em cada cidade do planeta? No entanto, ainda hoje ela impede que a cada segundo, em algum lugar do mundo, alguém avance um sinal vermelho?
Segundo, tenho de lhes confessar que prefiro aqueles que, por mesquinhas razões pessoais, não conseguem imaginar que quanto maior a miséria social do país, mais se expõem à violência, ao tráfico e consumo de drogas, à prostituição de seus próprios filhos, à degradação da própria família; por maiores e aparentemente seguros que sejam os muros de suas casas e condomínios.
Àqueles posso perdoar a estupidez, por não serem dotados dos conhecimentos, culturas e raciocínios que os elevam perante a maioria. Mas como justificar uma nota tão desafinada em Ella Fitzgerald?
Para aqueles menos providos, reproduziria outro parágrafo daquela página: Nesse sentido o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aprovou, em 20 de novembro de 2008, a cassação dos mandatos do governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB), e de seu vice, José Lacerda Neto (DEM), acusados de utilizar programas sociais para a distribuição irregular de dinheiro, via cheques, em um processo denominado Caso Fac (Fundação de Ação Comunitária). "Uma das testemunhas disse que recebeu um cheque e uma mensagem: "Esse é um presente do governador, lembre-se dele. Com os cumprimentos, Cássio Cunha Lima, governador".
Mas a vocês, meus amigos inteligentes e informados, cultos e ponderados, peço desculpas por tentar, aqui, lhes passar essas informações mínimas como se tentasse ensinar Ella Fitzgerald a cantar sem desafinação. Perdoem a pretensão desse longo texto que justifico no fato de que, como sabem, para explicar o óbvio sempre necessitamos de mais palavras.
Portanto, queridos, ainda que eu saiba que as futuras gerações de aposentados não poderiam contar com a Previdência se o governo atendesse suas mágoas. Ou que eu não considere necessário, para presidir o país, os diplomas daqueles que tão mal nos governaram por 500 anos. Ou que me pareça mais importante a realização de programas como o Bolsa Família do que inviabilizar tais realizações por manutenção de animosidades político/ideológicas em nome de uma ética tão questionável quanto, a meu ver, todas são perante a fome e a desumanidade dos poderes que não se diluem a canetadas tal qual se possa, puerilmente, desejar. Até mesmo que me orgulhe de termos um governante operário e nordestino, como me orgulharei de ter uma governante mulher... E ainda que não me pareça justificável tampouco viável a ideia de que, para ser realmente popular e de esquerda, um governo deva mandar os patrões para o paredão e confiscar todo o capital privado do país; me é possível, sim, compreender todas essas suas indisposições com o governo Lula da Silva.
O que não me é compreensível nem possível de levar a sério são seus discursos contra o Bolsa Família.
De seus discursos e mensagens, sempre espero a limpidez da voz da Ella Fitzgerald e me dói ouvir a desafinação ébria da Vanuza assassinando o Hino Nacional, tal qual assassinam o que apregoam como ideal.
Para evitar, a mim e a vocês, tal dissonância, é que indico o texto do Marco Weissheimer: O impacto positivo do Bolsa Família na educação. Foi o que me motivou a pedir-lhes que, nas próximas vezes que queiram me escrever qualquer coisa a respeito do Bolsa Família, usem alguma informação como diapasão para afinar seus discursos e argumentos.
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Assaz Atroz recomenda:
Ella Fitzgerald em One note Samba
Em seguida, assista Tom Jobim em Samba de uma nota só.
Ou, como nós aqui da Agência Assaz Atroz apreciamos, assista aos dois vídeos simultaneamente. Um show!
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*Raul Longo é jornalista, escritor e poeta. Ponta do Sambaqui, 2886
Floripa/SC. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz
Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons
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PressAA
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Um comentário:
Parabéns pelo ótimo texto, que sintetiza e dá um puxão de orelha ao mesmo tempo...
Abraços!
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