quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Títulos confusos de jornais bombásticos

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Semana passada, ao abrir a minha caixa de e-mails, procedi como de costume: rolando a página e lendo os títulos das mensagens recebidas. Estacionei a setinha do mouse em cima de uma cujo título me despertou curiosidade: “EUA perderam bomba nuclear na Groenlândia”.

“Deve ser brincadeira”, pensei mas decidi ler o conteúdo.

Cliquei. Abriu. Havia uma pequena chamada, pouco mais informativa que o título, e um link que me levaria ao texto completo. Achei que era coisa de algum ciberpirata querendo bombardear meu computador com um vírus atômico capaz de saquear minhas senhas de acesso ao paraíso, purgatório e inferno virtuais; provavelmente com o propósito de saquear minha conta bancária ou clonar meu cartão de crédito.

Mas a curiosidade que aquele título me despertou era maior que a minha conta bancária, que fica zerada no dia seguinte ao meu pagamento. Quanto ao cartão de crédito, provavelmente o suposto pirata eletrônico não estaria interessado em quitá-lo, pois esta é a única operação ainda permitida para aquele pedaço de plástico que mantenho na minha carteira de cédulas, que só não posso dizer que anda vazia porque já disse que carrega um pedaço de plástico.

Por via das dúvidas, cliquei bem devagarzinho no link que me traria o texto completo daquela notícia de insólito título. Entretanto mantive o indicador engatilhado no mouse, pronto para, a qualquer piscadela do monitor, voltar urgente para a caixa de e-mails... quer dizer, para a minha trincheira. Mas não foi preciso bater em retirada, visto que tudo pareceu perfeitamente normal. Quedei-me lendo a notícia, mesmo porque ela estava sendo veiculada pelo bem-conceituado site da BBC-Brasil.

Li a matéria que informava sobre mais uma trapalhada dos milicos do Pentágono. Tratava-se de um acidente ocorrido em 1968, quando um caça bombardeiro B-52 da US Air Force sobrevoava “a Base Aérea de Thule, na Groenlândia, construída pelos Estados Unidos em meados da década de 50. Ele se chocou no gelo do mar a poucos quilômetros da base”. Ainda por meio do texto, tomei conhecimento de que, à época do acidente, o Pentágono havia informado que “todas as quatro bombas nucleares a bordo do avião haviam sido destruídas, mas os documentos, juntamente com os depoimentos de dois pilotos ouvidos pela BBC - John Haug e Joe D'Amario - revelaram que uma das armas perdeu-se quando a superfície de gelo onde ela se encontrava derreteu”.

Ainda imaginei que pudesse se tratar de matéria apócrifa disseminada internet adentro; possivelmente por algum neo-socialista cujo propósito seria jogar lenha na fogueira para incriminar os neo-liberais, revoltado por estes estarem a desabonar teorias e práticas do velho e amado sistema capitalista, em todo o Planeta.

Convenhamos, o título dessa matéria poderia vir a ser alvo dos comentários que o jornalista Carlos Brickmann costuma fazer em sua coluna neste Observatório da Imprensa, seção “O grande título”.

Na edição 511 do OI, Carlos Brickmann trata de uma dessas excentricidades ocorridas quando da intitulação de matérias jornalísticas, cujo teor tem, de certa forma, algum relacionamento intrínseco a este que me deixou um tanto confuso: “Suposto míssil norte-americano mata 13 no Paquistão” — talvez um atordoado sobrevivente ao bombardeio tenha ficado em dúvida sobre o tipo de objeto que ele viu passar sobre sua cabeça e explodir nas imediações, ceifando a vida de amigos e familiares; por isso teria comentado com o correspondente de guerra: “Não sei se era um míssil ou um bombástico título de jornal”.

Entretanto, conjecturando sobre o mystery of a lost US nuclear bomb in Greenland, imaginei um esquimó com a mulher e filhos, montados num possante trenó último modelo, deslizando no gelo, puxado por mais de trinta dogs-power, indo visitar os parentes. Aí, no meio do caminho, uma bomba! Tinha uma bomba no meio do caminho do esquimó.

Ele olha para o petardo atômico e fala para a mulher:

— Querida, veja, o que será aquilo?
— Huummm... parece um golfinho congelado...
— Nhummm... sei não! Pra mim é um monumento em homenagem póstuma ao saudoso leão-marinho.
— Pode até ser, mas também parece uma foca... um filhote de baleia...

Aproximam-se e examinam a suposta estátua metálica de um animal ártico. O marido saca uma faca de caça e cutuca a bomba. Tenta fincar mais profundo. Nada. Experimenta cortar, mas só consegue cegar o gume.

Impaciente, a mulher empunha a faca como nos jogos de combate e parte pra cima da coisa estranha, mas só consegue quebrar a ponta — da faca, claro.

Ele vai até o trenó, revira a bagagem e pega seu winchester de grosso calibre, engatilha e, sem pestanejar, bum!

A bala ricocheteia e acerta um urso polar que passava ali por perto e tentava alertá-lo do perigo que aquela coisa oferecia ao meio ambiente.

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Trágico? Sem dúvida. Cômico? Talvez; depende do estado idiossincrático de cada um.

(Publicado inicialmente nos sites do Observatório da Imprensa e do jornal russo PRAVDA)
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quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Cartas dos meus leitores

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Estou impressionado com algumas cartas que tenho recebido desde que passei a publicar algumas crônicas, contos, sátiras e artigos de opinião internet afora. Não sei onde, quando nem por que alguns leitores me confundiram talvez com o Analista de Bagé, personagem de Luís Fernando Veríssimo; ao que devo ser grato, pois pior seria se tivessem me comparando com a falecida Velhinha de Taubaté.

São mensagem do tipo que costumam enviar aos "consultórios sentimentais" de revistas femininas, ou às colunas assinadas por psicólogos, astrólogos, cartomantes, pais-de-santo e congêneres. No entanto os textos me parecem brincadeiras. Mesmo assim respondo às questões como se estivesse examinando casos sérios, dramas pessoais que precisam de aconselhamentos. Ou seja, entro no clima.

Vejamos alguns casos:

P - "Caro Fernando, conheci o homem da minha vida, nos amamos ardentemente e entendo que já não poderia mais viver sem ele. Sou de família rica, enquanto ele é um jovem negro, pobre, mas bastante trabalhador. Já deu provas de que gosta de mim, que me ama de verdade, mesmo assim a minha família continua irredutível, não aceita a nossa união. O senhor não acha que isto é preconceito?"

R - Sim, sem dúvida alguma isso se constitui num condenável preconceito. Certamente vivemos num mundo em que, há muito tempo, o ter se sobrepõe ao ser, numa inversão de valores historicamente sem precedentes. Mas aconselho que lute por seu amor, prove à sua família que, mesmo se casando com um jovem negro e pobre, você continuará sendo homem.

P - "Senhor Fernando, estou arrasada, inconformada! Creio que vou cometer uma loucura! Meu marido me trocou por uma mulher 20 anos mais nova que ele. Isso é humilhante..."

R - Mais que humilhante, isso é incompreensível; afinal, você é 30 anos mais nova que ela.

P - "Mestre [?] Fernando, sou um ladrão compulsivo, um mau-caráter, não sei agir com honestidade, mesmo que tal atitude possa me trazer mais benefícios do que através de falcatruas, sem as quais não saberia me comportar diante de uma negociação ou de um relacionamento qualquer. Este é um caso típico de cleptomania?".

R - Sim, esse pode ser um caso típico de cleptomania. Mas a Psicanálise pós-moderna não tem como objetivo convencer o paciente a mudar os seus comportamentos inatos, mas sim ajudá-lo a adaptar-se à nova ordem psicossocial. No seu caso, você mesmo já resolveu essa questão desde que se elegeu deputado. E pare de me chamar de mestre!

P - "Prezado Fernando, sou professora de escola pública, sei que o Estatuto da Criança e do Adolescente, o famigerado ECA, defende a pivetada, e a gente não pode nem dar uns cascudos num indisciplinado trombadinha em sala de aula. Mas, de vez em quando, perco a paciência e não estou nem aí, baixo o sarrafo, afinal esses descamisadinhos não conhecem nada de direitos humanos. O problema é que são cínicos! Sempre que dou uma bordoada num desses pirralhos, o infeliz, ao invés de chorar, sorri! Tem cabimento isso?!"

R - Cara professorinha, pesquisei sobre o assunto e acabei encontrando uma explicação no livro "Escola, instituição da tortura" (Scortecci Editora, 2004), de Maria da Glória Costa Reis, professora aposentada, lá de Leopoldina (MG). Ela nos conta: "Vi muito isso. Hoje, já velha de escola e de vida, presumo que talvez seja a única defesa que eles têm: fingir que não sentem a humilhação e a vergonha. Afinal, tem toda uma platéia de colegas, é preciso disfarçar a dor. O sorriso é o anestésico". Viu? A sua gurizada está só ensinando a senhora a se comportar quando o seu marido lhe der esporros diante de familiares e amigos.

Bom, por enquanto é só, vou ficando por aqui. Aguardo novas consultas.

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