quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Entre João Nogueira e Millôr, há muito mais do que pode alcançar nossa vã filologia

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Fernando Soares Campos

Eduardo, de Santos, SP, meu amigo e companheiro de trabalho na SGS do Brasil, no início dos saudosos e não menos lastimosos (os dois pra mim) anos 1980, chegou ao trabalho e soltou um desabafo um tanto desolado:

– Dia desses entrei numa loja de discos e perguntei à vendedora se eles tinham João Nogueira. Vocês acreditam que ela simplesmente me disse que não sabia? Então, me aconselhou a procurar nas gôndolas, apontando para a seção de música sertaneja: “Veja aí, tem muita gente nova na praça, pode ser que esse já tenha chegado aqui na loja”.

Meu amigo me disse que ficou ainda mais confuso quando soube que a moça, que não sabia nem mesmo quem era o “tal” João Nogueira a quem ele se referia, trabalhava ali há cerca de cinco anos. Evidente que não se poderia, nem se pode, esperar que todo brasileiro e brasileira soubesse, ou saiba, quem era, ou é, o consagrado cantor-compositor.

Mas, não seja por isso, pois, certa feita, um amigo do meu filho, o Fábio, estudante do curso de Letras da UERJ, e que gosta de de vez em quando trocar umas idéias com a gente, chegou aqui em casa, não mais que de repente. Papo vai, papo vem, não sei por que cargas d’água, perguntei a ele: “Tu lê o Millôr?” O jovem estudante me falou simplesmente que desconhecia esse “tal” de Melô.

Falei pra ele que se tratava de Millôr Fernandes, o papa do humor no Brasil, pelo menos até os saudosos e não menos lastimosos anos 1980s. Um dos meus mestres. Até ensaiei um trocadilho infame, mas não me atrevi a soltá-lo, a fim de não confundir ainda mais a cuca do rapaz. Mas quase disse: “Melhor, Fernando, né?” Putz! Pois, como acho que diria o próprio Millôr: “Esse sujeito não é humano que nem eu!”

Agora vejamos. Não faz tanto tempo assim, textos do Millôr eram aplicados em vestibulares de universidades diversas, principalmente as federais, estaduais e as municipalizadas. Nos cursinhos de pré-vestubular, o Millôr era consagrado. Os pré-vestibulandos queimavam as pestanas lendo textos do “tal” escritor “sem estilo”.

O Millôr (assim como o Fausto Wolff e tanta gente que sabe lidar com as pretinhas ou coloridas do monitor) não tem curso superior, mas certamente tem conhecimentos superiores.

Já me perguntaram: “Fernando, você tem nível superior?” E eu não me fiz de rogado, entendi bem o que o colega quis dizer com esse negócio de “nível”, e respondi: “Nível, provavelmente eu devo ter, mas não tenho curso superior”. Aliás, estou no mesmo “nível” do presidente Lula: fiz até a terceira série primária, lá em minha terra natal. Depois disso, fui elevado ao ensino, como dizíamos antigamente, ginasial, ou equivalente, quando fiz o curso de aprendiz-marinheiro, na Bahia.

A última vez que li o Millôr foi na revista Veja. Um brilhante savoir-faire que deu no que deu. Agora, tá lá o Millôr estendido no UOL. Uma das nossas fontes de pesquisa.

Bom, tudo bem mal, os anos se passam e a gente nem nota que as coisas mudam, não é mesmo?

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Agora fiquem com...

João Nogueira - Espelho



Mas não "matem a saudade"! Pois podem precisar dela a qualquer momento...
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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Raul Longo: "Filhos de Olorum"

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(Imagem extraída de Araraquara.com)

Olorum, a origem de tudo, criou o mundo. Muito tempo depois, os filhos de Obá, Xangô e tantos outros orixás foram trazidos da África para o Brasil. E os orixás vieram com eles.Aqui encontraram novas moradas: Abaeté, Itapoã, Itaparica... Florestas, rios, montanhas...Aqui encontraram novos filhos: Manoel Cabelinho, Mestre Didi, Neusa da Matamba, Mestre João...Um dia, um paulista foi para a Bahia. E encontrou os orixás, e os filhos dos orixás, e por eles foi encantado. E ouviu histórias, e quis contá-las. E assim nasceram os contos que formam este livro.

Raul Longo*

Quero avisar de que já se encontra nas livrarias do Brasil a segunda edição de FILHOS DE OLORUM - CONTOS E CANTOS DE CANDOMBLÉ.

Escrevi esse livro quando morei na capital baiana. Trata do que aprendi com grandes mestres da cultura afro-brasileira: dos mundialmente afamados à gente das ruas e periferias, das matas e dos morros, das praias e do campo. Registrei seus conhecimentos sobre os deuses e através dos orixás moldei os personagens fotografados por minha percepção literária. Falo ali de homens, mulheres, velhos e crianças, através de seus arquétipos e seus significados.

A primeira edição de FILHOS DE OLORUM aconteceu em 1980. Algumas histórias foram publicadas na África de língua portuguesa e outras, versadas ao inglês por publicações dos Estados Unidos onde uma crítica de literatura, Sky Morrison, as considerou hipnóticas. Aqui no Brasil, o primeiro comentário foi o do escritor Ignácio de Loyola Brandão quando o livro ainda era inédito: “Um livro de contos que resultou num quase romance. De leitura difícil, mas fascinante”.

Edson Braga, pioneiro diretor de grandes sucessos da teledramaturgia em novelas (“A Viagem”, “Mulheres de Areia” – TV Tupi) e adaptações de obras literárias (Maquiavel, Dostoievski, Machado de Assis, etc. – TV Cultura) projetou reunir os contos de FILHOS DE OLORUM num seriado. Infelizmente Edson Braga não pôde concluir o que afirmava que seria a chave de ouro de sua carreira. Ao transpor antecipadamente os umbrais da existência física, deixou-me a tarefa que venho tentando concluir, embora sem a mesma experiência e brilhantismo. E assim FILHOS DE OLORUM vem se tornando o primeiro roteiro de seriado sobre a cultura afro-brasileira, sob o título desenvolvido pelo Edison: “ORIXÁS” .

Como autor, qualquer meu comentário é suspeito, por isso transcrevo o dos editores, na orelha desta primorosa edição da Pallas Editora e Distribuidora, do Rio de Janeiro:

“Filhos de Olorum – contos e cantos de candomblé é um livro para ser lido muitas vezes... Cada conto de Filhos de Olorum pode ser lido como uma bela narrativa mítica e como uma análise social. E cada leitura desvenda mais um mistério, proporciona mais uma descoberta, dá margem a mais uma reflexão”.

Caso queiram conferir a exatidão dessas opiniões, além das livrarias podem comprar diretamente na PALLAS EDITORA

Agradeceria comentários, críticas e sugestões .

Muito axé e abraço grande!

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*Raul Longo é jornalista, escritor e poeta. Ponta do Sambaqui, Floripa/SC. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Suplicy pode falar com Dilma via Yaoni Sanchez

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Leia o popa do Papa em La Pupila Insomne

El Papa critica “la dictadura de los medios de comunicación”

Dilma e os cubanos presos nos EUA

por Mário Augusto Jakobskind*

Quando se aproxima a visita do Papa Bento XVI a Cuba, já se falando inclusive de um possível encontro entre o chefe da Igreja Católica e Fidel Castro, um tema pode entrar na pauta de discussões: os quatro cubanos presos nos Estados Unidos. O que seria o quinto foi solto, mas impedido de voltar para Cuba durante três anos.

Além de terem sido condenados sob a absurda alegação de serem espiões, os cinco foram julgados sob pressão de extremistas vinculados a grupos do exílio cubano em Miami mobilizados há anos com o objetivo de desestabilizar o governo da ilha caribenha.

O cubano solto e sem poder regressar para o seu país de origem, além de ser obrigado a usar um objeto eletrônico no tornozelo para controle de seus passos, continuará vivendo por três anos na mesma cidade onde moram os extremistas responsáveis por atentados ocorridos em Cuba e que foram denunciados exatamente pelos cinco. Trata-se de uma das maiores aberrações jurídicas no mundo nos últimos tempos.

O senador Eduardo Suplicy, do PT de São Paulo, assumiu compromisso público de sugerir que a Presidenta Dilma Rousseff peça ao Presidente dos Estados Unidos Barack Obama que faça justiça e ordene a libertação deles. É difícil, mas tentar não custa, apesar dos votos de Miami que Barack Obama quer abocanhar.

A promessa foi feita durante o o lançamento do livro de Fernando Morais, Os últimos Soldados da Guerra Fria, realizado por ocasião do Fórum Social Mundial Temático, em Porto Alegre, no Sindicato dos Bancários. A sugestão foi aplaudida pelos presentes, um deles o ex-Governador do Rio Grande do Sul Olívio Dutra.

Suplicy achou a ideia “excelente” e se comprometeu a falar com Dilma Rousseff sobre o tema, bem como fazer um pronunciamento no Senado em favor dos cinco cubanos presos nos Estados Unidos. Aguarda-se então que o parlamentar cumpra sua palavra.

Não custa nada lembrar a Suplicy da importância de Dilma Rousseff fazer a sugestão a Obama, com quem se encontrará no próximo dia 14 de abril, pois com uma canetada do Presidente da República os cinco poderão voltar para Cuba imediatamente.

Quem quiser se comunicar com o senador petista para lembrá-lo pode mandar um correio eletrônico para eduardo.suplicy@senador.gov.br ou então pelo telefone (61) 3303-3213 ou fax (61) 3303-2816.

Dilma Rousseff agora tem de mostrar que o seu governo não está sendo submetido a pressões, como alguns acreditam acontece. Tal argumento é levantado, sobretudo depois do voto do Brasil na Organização das Nações Unidas ao lado dos Estados Unidos, Reino Unido, França etc culpando apenas o governo sírio pelo banho de sangue que acontece naquele país árabe, absolvendo totalmente a oposição, que segundo denúncias estaria recebendo ajuda de forças estrangeiras dos EUA a Al Qaeda, passando pelo Mossad e M-16 britânico.

Já o Ministério do Exterior russo informou, através do porta-voz Alexánder Lukashévich, que o Observatório Sírio de Direitos Humanos, que informa diariamente ao Ocidente sobre os acontecimentos na Síria, é integrado por duas pessoas, o diretor R. Abdurajmán e um tradutor. Ambos vivem em Londres e o diretor é proprietário de uma cafeteria. Fica como sugestão de pauta para os jornalões entrevistarem o “bem informado” Abdurajmán.

Outro tema que de um modo geral a mídia de mercado tem ignorado são os recentes acontecimentos na Líbia, onde o país retornou à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, depois de excluído nos últimos meses do governo de Muammar Kadafi.

O representante do Conselho Nacional de Transição fez um pronunciamento nesta esfera posicionando-se contra os gays, dizendo que esse grupo é pernicioso à humanidade. Na prática, o governo líbio imposto pela OTAN está reforçando a homofobia.

Como se não bastasse, notícias procedentes da Líbia dão conta que seguem as violações dos direitos humanos praticadas pelo governo títere da OTAN. Há informações segundo as quais os 35 mil habitantes da localidade de Tauerga, a maioria negros, vivem atualmente em campos de refugiados. Estão sendo vítimas das milícias de Misrata por terem apoiado Muammar Kadafi.

Os líbios de Tauerga descendem de escravos levados à Líbia no século XVIII. Eles são agradecidos a Kadafi por terem as suas condições de vida melhorada. O governo anterior possibilitou aos habitantes da cidade, que dista pouco mais de 30 quilômetros de Misrata, educação e ainda por cima tiveram integrantes nomeados para altos postos no Exército.

Durante a guerra civil combateram contra Misrata, cujas milícias agora estão cometendo atrocidades sob o beneplácito dos dirigentes líbios atuais e o silêncio da aliada Organização do Tratado do Atlântico Norte.

Outro fato que indica como está a situação no país bombardeado durante mais de oito meses pela OTAN é o de uma jornalista. Hala Misrati, de 31 anos, apresentadora de TV, conhecida defensora do governo Kadafi, foi presa pelo governo do Conselho Nacional de Transição e assassinada depois de sofrer torturas e estupros, segundo relato de jornalistas.

Misrati era militante e quando da captura de Trípoli pelo CNT apareceu na TV desafiando de arma na mão os que tomavam o poder com a ajuda da OTAN. Agora, para se vingar, os “democratas” líbios a assassinaram. O atual governo confirmou a morte da jornalista, mas sem entrar em detalhes.

Pode-se imaginar como serão as eleições na Líbia marcadas para o segundo semestre deste ano.

Enquanto isso, Israel anunciou a aprovação da construção de 500 casas adicionais na colônia de Shilo, localizada entre as cidades palestinas de Ramallah e Nablus, na Cisjordânia.

E o governo de Benyamin Nethanyahu continua a dizer cinicamente que almeja a paz. O troglodita que comanda Israel criticou o recente acordo da Al Fatah com o Hamas e usa o pretexto como justificativa para interromper qualquer tipo de negociação.

Trata-se de sofisma, porque na prática com a construção de novos assentamentos, Israel demonstra que não quer mesmo nenhum tipo de acordo. Muito pelo contrário, quer levar adiante o projeto bíblico da Grande Israel. E quem sofre com isso são os palestinos, um povo que há anos tenta em vão ter uma pátria livre e soberana.

E além do mais, setores da ultra direita de Israel, cujo representante mais notório é o atual Ministro do Exterior, Avigdor Lieberman, defendem um ataque ao Irã, É possível que estejam informados que o Hezbollah, segundo o professor Luis Alberto Moniz Bandeira, possui 10 mil mísseis escondidos em residências particulares apontadas para Israel.

Como desprezam a vida humana, pode ser que queriam mesmo correr o risco.

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*Mário Augusto Jakobskind é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE

Artigo recebido por e-mail da redecastorphoto

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Leia também...

O Egito real

por Elaine Tavares – jornalista -

"A terra dos faraós sempre foi muito forte no meu imaginário. Desde bem pequena as histórias de deuses e reis daquele distante lugar na África habitavam em mim por conta de uma “estranha” mania do meu pai, que era a de comprar livros de todos os vendedores que batiam às portas de casa. Naqueles livros vinham as mais loucas narrações dos mundos mais distantes, com seus mitos e belezas. Então, era essa terra que eu tinha na cabeça quando desembarquei no Cairo, três dias antes do aniversário da chamada “revolução” que depôs Hosni Mubarak depois de 30 anos de governo. Muito do que vivia em mim foi fortalecido e outras tantas coisas se agregaram, misteriosas e fortes. O que ficou de saldo foi a certeza de que esse país milenário tem uma gente brava, corajosa, crédula e apaixonada. Nas ruas, homens e mulheres reais falam sobre seus sonhos, suas esperanças, seus medos e seus mais secretos desejos de amor. O grande território de Misr (nome original do Egito), de mais de um milhão de quilômetros quadrados, é um espaço de esperanças, mas sem ilusões. As gentes sabem que nada está dado. Há ainda muita coisa para conquistar."

Matéria enviada a esta nossa Agência Assaz Atroz pela nossa colaboradora Urda Alice Klueger.

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domingo, 26 de fevereiro de 2012

UM CERTO PAJÉ LOURENÇO

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Na cerimônia de formatura nesta quinta-feira, 23 de fevereiro, de alunos da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), havia seis índios, cuja permanência no ensino superior foi apoiada pelo projeto Rede de Saberes, o que me fez lembrar um certo pajé indígena que viveu na Amazônia no século XVIII. Fiquei pensando no destino diferente desses jovens índios e do pajé Lourenço, cuja história merece ser lembrada.

Era assim que se chamava: Lourenço, um sábio, que na sua comunidade de origem "acumulava funções de caráter religioso e médico". Ele conhecia as plantas e ervas medicinais da Amazônia, cada uma por seu nome, sabia para que serviam, e usava esse saber para, com ervas e rezas, curar os enfermos. Por isso, foi preso como “feiticeiro”, em 1737, não se sabe onde, provavelmente no rio Japurá – acredita-se – já que ele chegou a Belém do Pará escoltado por uma tropa de resgate, que naquele ano havia subido aquele rio recrutando índios para o trabalho compulsório.

Quem nos fala do pajé é o historiador e padre português Serafim Leite (1890-1969) na sua monumental Historia da Companhia de Jesus no Brasil, de dez tomos e mais de cinco mil páginas. Ele fuçou os arquivos europeus durante algumas décadas, os de Portugal, da Itália e da Espanha, entre outros.

Apoiado em fragmentos de documentos, Serafim Leite reconstitui a vida de "um tal Lourenço", o pajé, que viveu 21 anos sempre como serviçal no Colégio de Santo Alexandre, em Belém, “com muito bom procedimento". O padre Lucas Xavier, em seu Diário de 1756-1760 citado por Serafim Leite, dá um atestado de boa conduta ao pajé: "Não era homem de mulheres nem de aguardente: só uma vez o vi um tanto alegre, que é muito para índios”.

Durante mais de duas décadas, Lourenço ficou proibido de exercer a pajelança. Escondeu o seu saber. No lugar de curar e de rezar, foi carregar água para o lavatório dos padres – “raras vezes faltava nele”. A outra obrigação era “cuidar do horto do Colégio, plantando legumes, cheiros e flores”. Lourenço morreu no dia 27 de setembro de 1758 e foi enterrado na própria igreja do Colégio de São Alexandre, “debaixo do estrado da banda de São Miguel”, sepultando com ele os saberes que foi proibido de exercitar.

Serafim Leite diz que registrou o caso do pajé Lourenço para ilustrar um ponto que ele acha importante de esclarecer, relacionado a dois tópicos geradores de tensão: de um lado, os conflitos entre as religiões indígenas versus o catolicismo apostólico e romano e, de outro, as contradições entre o uso da língua portuguesa e das línguas indígenas, o pajé era proibido de falar a sua língua materna.

O jesuíta português, que em sua adolescência viveu no Rio Negro, onde trabalhou como seringueiro e conviveu com os índios, tenta justificar o fato de aquele homem, que era um sábio indígena – “dotado de boas qualidades” – acabasse se transformando em um obscuro auxiliar doméstico. Não consegue esconder seu incômodo de historiador do século XX com o destino daquele pajé do século XVIII, que foi obrigado a abdicar de seus saberes e de sua língua para limpar penico dos missionários.

Por isso, Serafim Leite tenta justificar a ação missionária, argumentando que essa foi a alternativa mais correta para o Brasil moderno, alternativa que para ele excluía as demais:

- “O que seria melhor para o Brasil, continuar o pajé a ser o primeiro ou o segundo de sua Aldeia, mas pagão, ou o homem útil, trabalhador, morigerado, cristão em que se trocou? Se a primeira alternativa fosse a mais útil para a civilização brasileira, a conclusão seria que se deviam arrasar os arranha-céus do Rio de Janeiro e as fábricas de São Paulo e as Universidades do Brasil, para voltarmos todos à choupana da selva, a pescar à flecha e a contar pela lua...”

Ou seja, já que não se pode explodir os edifícios e fábricas, que se toque fogo, então, nas malocas. Da mesma forma que os colonizadores de ontem e de hoje, o padre e historiador não admite a possibilidade de, no Brasil, conviverem a aldeia e a cidade, a maloca e o arranha-céu, o conhecimento tradicional do pajé e o conhecimento acadêmico da Universidade, a língua portuguesa e as línguas nativas, a medicina indígena e a medicina ocidental. Não via que uma necessariamente não exclui a outra. Ignorava a diversidade, a convivência dos diferentes.

Por causa dessa intolerância, o pajé Lourenço teve de abdicar de sua própria religião e de sua língua. Sua história está cheia de lacunas: não se tem informações sobre sua identidade, etnia, língua materna, lugar preciso de origem, nem detalhes sobre sua relação com os padres da Companhia. Sabe-se, no entanto, que foi condenado como feiticeiro e que seu saber não foi reconhecido como legítimo.

As universidades brasileiras, ao longo da sua curta existência, trataram os índios como o Colégio Santo Alexandre, no Pará, tratou o pajé Lourenço: excluindo-os, a eles, suas línguas e seus saberes. Agora, a presença dos índios está beneficiando as instituições de ensino superior, que ganham muito com a presença deles em seus corredores, salas de aula, bibliotecas e laboratórios.

Essa abertura tem trazido, em alguns casos, mudanças significativas na grade curricular, com introdução de novas disciplinas e a criação de novos cursos como de agroecologia, línguas indígenas, educação ambiental e outros. Na Universidade Federal de Minas Gerais, o Curso de Formação Intercultural de Professores abrigou mais de cem índios, que foram submetidos a um vestibular, onde seus conhecimentos tradicionais tinham algum peso.

É que os índios que hoje freqüentam as universidades levam com eles para dentro da instituição um conjunto de conhecimentos. Foi assim com os Ticuna, Kokama, Kambeba e Kaixana da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) que se formaram no final do ano passado no Alto Solimões e que não foram obrigados, como o pajé Lourenço, a apagar de sua memória o que sabiam.

Foi assim também com os seis índios formados pela UEMS há três dias: Indianara Machado (Enfermagem), Leosmar Antonio e Mary Jane Souza (Ciências Biológicas), Jailson Joaquim (Física), Noemi Francisco (Letras-Inglês e Genivaldo Vieira (Direito).

Esse dado historicamente novo representa uma tentativa de convivência de culturas, línguas e saberes tão diferentes, mas todos eles legítimos. Tudo isso baseado num princípio claro e cristalino que Marcos Terena gosta de enunciar: "Posso ser o que você é, sem deixar de ser quem sou".

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José Ribamar Bessa Freire é professor universitário (UERJ), reside no Rio há mais de 20 anos, assina coluna no Diário do Amazonas, de Manaus, sua terra natal, e mantém o blog Taqui Pra Ti. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons (A charge utilizada para a composição do cartum que ilustra esta matéria foi copiada do site prancheta de grafar)

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A CABINE TELEFÔNICA DA SUPER DILMA – NEOLIBERALISMO SERVIL

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Laerte Braga*

A política econômica em absoluta e estrita obediência às diretrizes de instituições como o Banco Mundial, o FMI. A privatização (que disfarçam com o eufemismo concessão) de quatro grandes aeroportos do País e o anúncio que mais rodovias serão entregues à administração de empresas privadas. A plena falta de tino da presidente para questões de importância decisiva para o futuro do Brasil (basta dizer que Moreira Franco é o ministro Secretário de Assuntos Estratégicos) e um retrocesso sem tamanho na política externa com o ministro Anthony Patriot, funcionário qualificado do Departamento de Estado. A soma de tudo isso mostra um governo neoliberal e servil a uma ordem mundial que se sustenta em arsenais nucleares, já que falida em seus pilares políticos e econômicos.

Um velho e experiente domador de leões costumava dizer que esse negócio de colocar a cabeça na boca do rei da selva é complicado. Numa determinada hora o leão vai fechar a boca e a cabeça vai ser arrancada.

Dilma decidiu colocar o Brasil na boca do leão e já estamos sendo abocanhados aos poucos.

O jornalista Beto Almeida, membro da junta diretiva da TELESUR, faz uma análise precisa e correta da política externa do governo Dilma Roussef e conclui que o País “involuiu” em relação ao governo Lula e seu ministro de Relações Exteriores Celso Amorim.

Às vésperas do carnaval, denuncia que o representante brasileiro nas Nações Unidas votou a favor de sanções contra a Síria, afastando-se do chamado BRICs, países que no governo anterior se constituíram em bloco para afastar-se das imposições norte-americanas em todos os campos políticos (Brasil, Rússia, Índia, África do Sul e China).

Já havia votado contra o Irã e apoiado a criminosa invasão e destruição da Líbia.

A Líbia hoje é um país destruído depois de mais de duzentos dias de bombardeios, em guerra civil e na sexta-feira o governo sírio prendeu 160 soldados franceses que incitavam grupos rebeldes a lutar contra o presidente Bashar Al Assad. A velha hipocrisia da “intervenção humanitária”, o pretexto para assegurar os ganhos nos negócios.

Dilma é um embuste até em relação ao próprio Lula, muitas vezes adepto de uma no cravo e outra ferradura, ou quase sempre.

O PSDB e as forças que o movimentam agradecem ao poste eleito pelo ex-presidente.

Acendeu a luz ao contrário. A sensação que deixa é que ao entrar na cabine telefônica para transformar-se na Super Dilma, sai de lá com a camisa amarela de Super FHC. Delúbio Soares, um dos porta-vozes do petismo oficial chama a classe média de “base da pirâmide social brasileira”. É uma síntese da visão neoliberal do governo.

Há um processo de privatizações e terceirizações, estão sendo desqualificados os serviços públicos, há submissão a interesses das grandes potências (que na verdade são apenas duas Israel e Estados Unidos, a Europa Ocidental é só uma grande base militar), enfim, o roteiro traçado e executado nos oito anos de FHC com um discurso um pouco diferente, lógico, para atenuar o impacto do retrocesso. A América Latina já está sob controle. A Central com a base militar em Honduras e a do Sul com a base britânica nas Malvinas (território argentino ocupado) e pior, com armas nucleares.

Voltamos aos tempos de entreposto do capital estrangeiro. Ou posto de troca dos cavalos na rota das diligências da Wells Fargo, hoje um poderoso conglomerado financeiro nos EUA e com tentáculos espalhados pelo mundo inteiro.





Quando o milionário Eike Batista diz que em poucos anos será o homem mais rico do mundo está afirmando que o BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social – vai financiar essa paranóia e o dinheiro do BNDES é do trabalhador brasileiro.

A privatização dos quatro aeroportos, que petistas insistem em chamar de “concessão”, na prática vem a ser, a grosso modo, abrir as pernas, da mesma forma vai ser financiada pelo BNDES.

É mais ou menos assim. Se um grupo econômico faz parte dos grupos amigos do poder, o dinheiro surge e os transforma em grupos cada vez mais ricos. Um “socialismo” às avessas do governo do PT e da presidente/poste que acendeu a luz e ilumina apenas a direita.

Ela própria, em sua descoordenação, que é o afã de obter o aval das forças mais retrógradas do País, não percebe que está sendo engolida pelo leão. Ou percebe e acredita que o leão vai ser bonzinho.

É bem mais que um embuste, é um fracasso redondo e rotundo.

Aquela história de esquerda se presta apenas a vender a imagem do que não existe mais, uma lutadora do povo. Luta agora pelos esquemas FIESP associados a interesses estrangeiros.

Os retrocessos na política externa brasileira dão a dimensão que outra vez estamos a reboque, no papel de coadjuvantes de segunda categoria. No governo Lula, malgrado as críticas ao seu todo, éramos protagonistas. E o chanceler era brasileiro.

Entreposto? Se prestarmos atenção não somos donos de nada. Sequer temos um carro brasileiro. O arsenal da Marinha tem plenas condições de produzir os submarinos nucleares necessários à guarda do litoral do País. Os setores estratégicos da economia estão privatizados e nem Lula mexeu nisso, enquanto Dilma aprofunda essas políticas de entrega.

As grandes mineradoras ou são estrangeiras (caso do nióbio), ou grupos nacionais associados a grupos estrangeiros. Vale dizer que no caso da VALE – supostamente ainda brasileira – a imensa extensão de terras da empresa aqui e em outros países, significa a cessão do subsolo. Nem a Constituição de 1946, liberal no sentido clássico do termo, abria ou permitia esse tipo de concessão.

A água está escoando pelas mãos de grupos como a Nestlé. A privatização da EMBRAER privou o Brasil de tecnologias que já estavam ameaçando as empresas internacionais. Como a própria indústria bélica, IMBEL e ENGESA.

No estado de Minas Gerais, ao sabor da doença Aécio Neves e agora Antônio Anastasia, as grandes companhias mineradoras destroem o ambiente com reflexos que se fazem sentir em outros estados como o Rio de Janeiro, por conta do curso dos rios. As licenças são concedidas pela FEAM – Fundação Estadual do Meio Ambiente – onde a corrupção é generalizada.

Somos donos de que? Em determinadas regiões da Amazônia brasileira a presença de estrangeiros disfarçados em religiosos, bondosos voluntários a ajudar índios, populações ribeirinhas, etc, vão aos poucos transformando em realidade a frase de Al Gore (foi vice-presidente de Clinton) – “a Amazônia é importante demais para ser só brasileira, o Brasil tem que entender que deve reparti-la com o resto do mundo”.

O viés tacanho de militares brasileiros, em sua maioria aceita passivamente essa dominação num acordo militar que nos torna subalterno com os EUA. Entendem que demarcação de reservas indígenas e proteção ambiental têm cheiro de comunismo, sem ter a menor idéia, além de aprender que 1964 foi uma “revolução”, sendo um golpe conduzido por potência estrangeira, que a ocupação do País se dá de forma organizada e consistente desde o governo FHC, que na prática apenas sistematizou uma realidade que vem desde tempos imemoriais.

A classe trabalhadora brasileira anestesiada por um dos tentáculos mais poderosos desse sistema – o capitalismo – a mídia de mercado, não percebe, por exemplo, todo esse processo e acredita que é capaz de mudar os rumos do País pela via eleitoral.

Temos um modelo institucional falido. É uma bolha onde um clube de amigos e inimigos cordiais repartem entre si o País e suas riquezas. O governo Dilma não foge desse esquema, pelo contrário, caiu de braços abertos no clube.

A emenda constitucional que pôs fim ao monopólio estatal do petróleo – governo FHC – permanece intocada e o pré sal vai se esvaindo aos poucos para mãos de grandes empresas petrolíferas do conglomerado que controla o mundo.

A política externa é sintoma disso. O governo Dilma deu as costas aos seus compromissos, o seu partido tenta justificar o injustificável e isso coloca para os partidos populares, as forças do movimento social, o desafio de buscar sacudir os trabalhadores e mostrar-lhes a realidade que vai muito além do assistencialismo de programas como o bolsa família.

O que é o Congresso? O que são governadores? Em sua esmagadora maioria eleitos por grupos religiosos ultra conservadores e a serviço de potência estrangeiras, os financiados por empresas e pelo sistema financeiro e poucos a lutar pelos interesses do País e dos trabalhadores. De quebra os latifundiários agregados a empresas como a MONSANTO, despejando em nossas mesas as doenças de cada dia do transgênico e do agrotóxico.

É o desafio que se tem pela frente. A tarefa que deve ser cumprida, antes que o leão feche a boca de vez e triture a cabeça/país.

Com Dilma não vamos a lugar algum seguro. Pelo contrário, o poste eleito por Lula é um embuste político, um atraso em relação a algumas conquistas dos últimos anos.

Não é só uma luta político/partidária, é pela sobrevivência do Brasil como nação soberana e dos brasileiros como seres livres e capazes de definir o nosso destino.

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Outras matérias que estiveram sob o crivo dos pauteiros desta nossa Agência Assaz Atroz:

Octopus

A rádio, os jornais, a televisão não vos contam a verdade. Sobre qualquer informação faça a seguinte pergunta: "Quem beneficia com isto?". Procure pontos de vista diferentes, pense por si. Agora sim, retome a notícia.

Pedofilia: o silêncio dos inocentes

"Longe vão os tempos em que a pedofilia era predominantemente incestuosa, habitualmente entre pai e filha. Actualmente existem redes mafiosas espalhadas por todo o mundo, altamente organizadas e lucrativas.

Com o aparecimento da internet, desenvolveu-se uma nova forma de pedofilia destinada a satisfazer uma clientela cada vez mais doentia, onde são utilizadas, para fotografias e vídeos, crianças por vezes bebés em cenas cada vez mais violentas, acabando frequentemente por serem mortas."


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No blog do Ozaí

O diabo existe? A pedagogia do medo e a função civilizatória do sobrenatural

"A pedagogia do medo nos faz acreditar em coisas que nem imaginamos! O menino Graciliano é uma exceção que confirma a regra. De qualquer forma, convenhamos seu estilo é bem-humorado, sem perder de vista a seriedade da questão. Até porque, chineladas fazem doer!

Sim, o Diabo existe! Sem ele, é impensável a existência de Deus. Acreditar em Deus significa aceitar a existência do seu oposto; um necessita do outro para afirmarem-se perante a imaginação humana. Desconfio que foi o próprio Senhor que o criou. Ou terá sido a mente humana quem criou a ambos?!"


Clique nos títulos e leia matérias completas.
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*Laerte Braga é jornalista e colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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sábado, 25 de fevereiro de 2012

Vade no reto, satanás!

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Repórter da Carta Capital chama Reinaldo Azevedo de “Exu da Veja”

Anderson Scardoelli

Citado em post do blog de Reinaldo Azevedo, da Veja, o repórter da revista Carta Capital, Leandro Fortes, se referiu ao colega de profissão como “Exu da Veja”. O blogueiro do site da revista da Editora Abril criticou, em texto publicado na tarde desta sexta-feira, 24, a postura de Fortes em relação ao acordo judicial dos jornalistas Heraldo Pereira (TV Globo) e Paulo Henrique Amorim (TV Record).

Fortes avalia que Amorim não foi racista.

Demonstrando não conhecer o trabalho do repórter da Carta Capital – que tem passagens pelos jornais Correio Braziliense, Estadão, Zero Hora, Jornal do Brasil e O Globo, na revista Época e na TV Globo -, Azevedo discordou da afirmação de Fortes. O jornalista da Carta Capital avaliou que Amorim não foi racista ao se referir a Pereira como “negro de alma branca”. “Que graça! Fortes acredita que o ‘anti-racismo’ pode recorrer, às vezes, a ‘expressões cruéis’ e ‘pejorativas’, publicou o colunista da Veja.

Após o post de Azevedo, Fortes ironizou a crítica do jornalista da Veja.com. “O Exu da Veja fez um post só pra mim! Eu queria agradecer a todos que me ajudaram, direta e indiretamente, a chegar até esse momento máximo da minha carreira de jornalista”, comentou. “No fundo, o meu mestre, o Exu da Veja, tem razão. Eu sou apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, repórter da Carta Capital, e, pasmem, branco”, complementou o repórter.

Em texto publicado no blog ‘Brasília, eu vi’ na tarde dessa quinta-feira, 22, Fortes analisa que o termo usado pelo jornalista da Record é pejorativo, mas que não tem conotação racista. “Paulo Henrique Amorim, assim como eu e muitos blogueiros e jornalistas brasileiros, nos empenhamos há muito tempo numa guerra sem trégua a combater o racismo, a homofobia e a injustiça social no Brasil”, afirmou no artigo intitulado “Racista é a PQP, não PHA!”.

COMUNIQUE-SE ou trumbique-se

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Leia artigo completo de Leandro Fortes defendendo PHA

Racista é a PQP, não PHA!

"Por isso, classificar Paulo Henrique Amorim de racista vai além de qualquer piada de mau gosto. É, por assim dizer, a inversão absoluta de valores e opiniões que tem como base a interpretação rasa de um acordo judicial, e não uma condenação. Como se fosse possível condenar PHA por racismo a partir de outra acusação, esta, feita por ele, e coberta de fel: a de que Heraldo Pereira, repórter da TV Globo, é um “negro de alma branca”.

O termo é pejorativo, disso não há dúvida. Mas nada tem a ver com racismo. A expressão “negro de alma branca”, por mais cruel que possa ser, é a expressão, justamente, do anti-racismo, é a expressão angustiada de muitos que militam nos movimentos negros contra aqueles pares que, ao longo dos séculos, têm abaixado a cabeça aos desmandos das elites brancas que os espancaram, violentaram e humilharam. O “negro de alma branca” é o negro que renega sua cor, sua raça, em nome dessa falsa democracia racial tão cara a quem dela usufrui. É o negro que se finge de branco para branco ser, mas que nunca será, não neste Brasil de agora, não nesta nação ainda dominada por essa elite abominável, iletrada e predatória – e branca. O “negro de alma branca” é o negro que foge de si mesmo na esperança de ser aceito onde jamais será. Quem finge não saber disso, finge também que não há racismo no Brasil."


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Leia também...

Garotinho compara Dilma a Hitler


"Estimados leitores, não é todo dia que a gente tem o privilégio de ver uma mente como a do deputado Anthony Garotinho em funcionamento, talvez devido à baixa frequência com que esse fenômeno ocorre, quem sabe.

"Agora, por exemplo, nosso bravo deputado, vem dizer em alto e mau tom que nossa presidente pode ser comparada a Hitler. Dilma Rousseff? Hitler?

Segundo o deputado, assim como Dilma é popular, Hitler também o foi. O que eu imagino, a favor do deputado, é que com os eventuais neurônios atordoados por citações bíblicas nas vinte horas por dia que ele se dedica aos seus afazeres de evangélico, ele não faça ideia do que esteja dizendo. E, com a intenção de contribuir para com a formação, digamos, intelectual, do deputado, vamos tentar explicar a ele por que, se se pode comparar Hitler com alguma coisa, isso jamais seria possível ser feito com relação à nossa presidente."

Marcelo Carneiro da Cunha / Terra Magazine


Leia c ompleto clicando no título da matéria.

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Para o seu final de semana pleno de paz e muita alegria

Exu Caveira



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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A fala de nóis, brasileiros, na Globo

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A falta da voz brasileira na Globo

Urariano Mota*

Recife - Mais de uma vez eu já havia notado que os apresentadores de telejornalismo têm uma língua diferente da falada no Brasil. Mas a coisa se tornou mais séria quando percebi que, mesmo fora do trator absoluto do Jornal Nacional, os apresentadores locais, de cada região, também falavam uma outra língua. O que me despertou foi uma reportagem sobre o trânsito na Avenida Beberibe, no bairro de Água Fria, que tão bem conheço. E não sei se foi um despertar ou um escândalo. Assistam em “Falta de sinalização em avenida traz perigo para pedestres”.

Na ocasião, o repórter, o apresentador, as chamadas, somente chamavam Beberibe de Bê-Bê-ribe. O que era aquilo? É histórico, desde a mais tenra infância, que essa avenida sempre tenha sido chamada de Bibiribe, ainda que se escrevesse e se escreva Beberibe.

Ligo para a redação da Globo Nordeste. Um jornalista me atende. Falo, na minha forma errada de falar, como aprenderia depois:

- Amigo, por que vocês falam bê-bê-ribe, em vez de bibiribe?
- Porque é o certo, senhor. Bé-Bé é Bebê.
- Sério? Quem ensina isso é algum mestre da língua portuguesa?
- Não, senhor. O certo quem nos ensina é uma fonoaudióloga.


Ah, bom. Para o certo erram de mestre. Mas daí pude ver que a fonoaudióloga como autoridade da língua portuguesa é uma ignorância que vem da matriz, lá no Rio. Ou seja, assim me falou a pesquisa:

“Em 1974, a Rede Globo iniciou um treinamento dos repórteres de vídeo... Nesse período a fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller começou a trabalhar na Globo. Como conta Alice-Maria, uma das idealizadoras do Jornal Nacional: “sentimos a necessidade de alguém que orientasse sua formação para que falassem com naturalidade”.

Foi nesta época, que Beuttenmüller começou a uniformizar a fala dos repórteres e locutores espalhados pelo país, amenizando os sotaques regionais. No seu trabalho de “definição de um padrão nacional, a fonoaudióloga se pautou nas decisões de um congresso de filologia realizado em Salvador, em 1956, no qual ficou acertado que a pronúncia-padrão do português falado no Brasil seria do Rio de Janeiro”. (Destaque meu.)

Mas isso é a morte da língua. É um extermínio das falas regionais, na voz dos repórteres e apresentadores. Os falares diversos, certos/errados aos quais Manuel Bandeira já se referia no verso “Vinha da boca do povo na língua errada do povo/ Língua certa do povo”, ganha aqui um status de anulação da identidade, em que os apresentadores nativos se envergonham da própria fala. Assim, repórteres locais, “nativos”, se referem ao pequi do Ceará como “pê-qui”, enquanto os agricultores respondem com um piqui.

De um modo geral, as vogais abertas, uma característica do Nordeste, passaram a se pronunciar fechadas: nosso é, de “E”, virou ê. E defunto (difunto, em nossa fala “errada”) se transformou em dê-funto. Coração não é mais córa-ção, é côra-ção. Olinda, que o prefeito da cidade e todo olindense chamam de Ó-linda, nos telejornais virou Ô-linda. Diabo, falar Ó-linda é histórico, desde Duarte Coelho. Coisa mais bela não há que a juventude gritando no carnaval “Ó-linda, quero cantar a ti esta canção”. Já Ô-linda é de uma língua artificial, que nem é do sudeste nem, muito menos, do Nordeste. É uma outra coisa, um ridículo sem fim, tão risível quanto os nordestinos de telenovela, com os sotaques caricaturais em tipos de físicos europeus.

Esse ar “civilizado” de apresentadores regionais mereceria um Molière. Enunciam, sempre sob orientação do fonoaudiólogo, “mê-ninô”, “bô-necÔ”, enquanto o povo, na história viva da língua, continua com miní-nu e buneco. O que antes era uma transformação do sotaque, pois na telinha da sala os apresentadores falariam o português “correto”, atingiu algo mais grave: na sua imensa e inesgotável ignorância, eles passaram a mudar os nomes dos lugares naturais da região.

O tão natural Pernambuco, que dizemos Pér-nambuco, se pronuncia agora como Pêr-nambuco. E Petrolina, Pé-tró-lina, uma cidade de referência do desenvolvimento local, virou outra coisa: Pê-trô-lina. E mais este “Nóbel” da ortoépia televisiva: de tal maneira mudaram e mudam até os nomes das cidades nordestinas que, acreditem amigos, eu vi: sabedores que são da tendência regional de transformar o “o” em “u”, um repórter rebatizou a cidade de Juazeiro na Bahia. Virou JÔ-azeiro! O que tem lá a sua lógica: se o povo fala jUazeiro, só podia mesmo ser Jô-azeiro.

*Urariano Motta é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e Os corações futuristas (Recife, Bagaço, 1997). Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz.

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Outras matérias que estiveram hoje sob o crivo dos pauteiros da PressAA

Alagoas na Net:

Livros brotam no sertão

Na Bahia, o povoado com a maior taxa de exemplares por habitante do Brasil

por Rodrigo Sombra - Revista Piauí

O povoado de São José do Paiaiá, no sertão baiano, tem 500 moradores, igreja, escola, praça e duas ruas. “Na de cima, mora a elite; na de baixo, a classe trabalhadora”, descreveu o historiador Geraldo Moreira Prado, 71 anos, o filho mais ilustre e ilustrado da terra. De cada dez habitantes de Paiaiá, três são analfabetos. Metade da população vive na pobreza, com renda de pouco mais de 200 reais por família a cada mês. Quatro famílias formam a elite local.

(Leia completo clicando no título)

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Carta ao Mercadante

"Quer mesmo uma educação melhor para o Brasil? Caso positivo, venha comigo exigir melhorias localizadas no Ministério da Educação. Vamos concentrar esforços pontualmente, um por vez, e esteja certo que conseguiremos. Nesse 2012 prometo pedir somente 5 minutos de seu tempo para ler o texto logo abaixo:

OBS: Ao final do texto pedirei para assinar uma petição que encaminharei ao Ministro da Educação. Se conhece meus esforços e achar desnecessário ler ASSINE AQUI. Grato."

Leia texto completo clicando no título desta matéria que foi enviada à PressAA pelo autor:

Sergio Grigoletto

Especialista em Leitura, Desenvolvedor de Tecnologias Educacionais e Instrumentos Técnicos de Aplicação. Meus blogues relatam minhas pesquisas e experiências com os métodos da Tecnologia Educacional e Instrumento Técnico "Amigos de Letras na Escola" e "Viva Livro!" (com oito títulos editados) as quais venho desenvolvendo desde 1995. Essas tecnologias se prestarão à formação de leitores e mediadores de leitura na escola e na família, criação da Cultura do Livro na sociedade brasileira e integração da família no ensino formal dos filhos. Contato no Twitter: @digrigo
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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons (O cartum da parte inferior do cartoon ilustração desta matéria foi copiado de Bigodão - Humor "sem" apelação... )

PressAA

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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

De volta ao faturo à custa dos bobos

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Deu no...

Folha de São Paulo publica "notícias do futuro"

Nathália Carvalho

"Qual a notícia que você gostaria de ver na Folha daqui a 90 anos?". A proposta da Folha de São Paulo rendeu um especial publicado no caderno 'Corrida' desta semana. A ideia reuniu cerca de 7.500 sugestões enviadas pelos leitores. Entre as matérias principais, está a manchete "Brasil continua com melhor IDH do mundo".

Para agrupar as sugestões dos leitores, o impresso reuniu um grupo de jornalistas, que separou e editou as reportagens. "A relação destacada pela redação reflete ainda o desejo de melhorias no transporte público ("Metrô de SP supera o de Xangai" é uma das notícias fictícias que foram produzidas) e o interesse pela exploração espacial ("Nave com turistas de 27 países deve pousar em Marte"), disse a matéria do jornal sobre a experiência.

Ainda no especial, matérias como "Teletransporte em SP pode resolver caos no trânsito", "Número de habitantes na Lua já supera a casa dos 10 milhões" e "Especialistas comentam exercícios que prometem aumentar a expectativa de vida de 120 para 150 anos" podem ser lidas. Além disso, os leitores brincaram com notícias futebolísticas, que foram reunidas no caderno 'Esporte'. O especial também está disponível na página da Folha.

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Está dando (no bom sentido!) nesta nossa Agência Assaz Atroz:

Notícias do Passado

Quais as notícias que você gostaria de ter lido há uns 50 anos?

O Goober (o cavalo alado que adquirimos da Wells & Fargo num leilão da New York Stock U$) leva você até lá...

Clique nos títulos e leia...

Folha de S.Paulo ataca torturadores dos tempos da Redentora





POR QUE A NOSSA INTERNET É TÃO BARATA (stricto senso) E BOA?
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Outras matérias que estiveram hoje sob o crivo dos pauteiros da PressAA




MÍDIA & JUSTIÇA

O júri e a imprensa

por Carlos Brickmann


"Mentira a jato

"Uma mentira pode dar a volta ao mundo, enquanto a verdade ainda calça os sapatos. (Mark Twain)

"Isto já era verdade nos tempos de Mark Twain, quando o telégrafo e o código Morse faziam o papel da internet hoje em dia, só que bem mais devagar. A velocidade da internet faz com que boatos e notícias mal apuradas circulem em todo o país antes que seja possível iniciar os desmentidos (e, considerando-se a área atingida pelos equívocos, será praticamente impossível abranger e rebater o noticiário todo). Segundo, enquanto for permitido que as pessoas mais covardes se escondam atrás de pseudônimos, os equívocos são seguidos da mais ampla divulgação possível de preconceitos. Basta assinar algo como “Gladiador Branco”, ou PKSRTL, e o mundo estará aberto para a xingação, a mentira e os preconceitos. Este é um dos nascedouros do ódio a negros, nordestinos, gays, judeus, torcedores de times adversários."


Clique no título e leia a coluna completa do Brickmann no OI.

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No blog da redecastorphoto

Síria: O fiasco dos agentes secretos franceses em Homs

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Ilustração - AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O que será que te dá, ó Nega?

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As máscaras do “Cansei” genérico

A intolerância social, sexual e política que experimentamos nos dias de hoje ainda é a herança imposta a várias gerações que cresceram e se formaram sob as mordaças da ditadura militar. Está presente na direita, na extrema esquerda e, mais ainda, nos que garantem ser apolíticos ou apartidários.

Os intolerantes de direita continuam sendo os mesmos: aquele percentual que não chega a dois dígitos do conjunto social há um bom tempo. Seus ícones-gurus são, por assim dizer, adversários honestos. Como nós, dão a cara a tapa; você sabe onde estão, para quem trabalham e como manipulam a opinião pública. Já os desmascaramos várias vezes e continuaremos a fazê-lo.

Imagine o espectro político como um círculo. Nele, os extremos ideológicos se encontram e muitas vezes descobrem interesses comuns. É o caso do PSOL e do DEM. Não se pode afirmar que Heloísa Helena seja uma fascista. Saiu do PT porque o PT se aproximou ao centro, fez alianças e, assim, viabilizou seu projeto de governo. Heloísa não gostou da mistura e cuspiu no prato que comeu.


DEM e PSOL se encontram nos extremos e derrubam a CPMF. Heloísa Helena vibra ao lado dos "colegas"
A associação do PSOL e DEM no combate ao “inimigo” comum resultou, por exemplo, na extinção da CPMF em 2008. Minorias estagnadas ou em franca decadência, seus eleitores não representam perigo algum para o projeto de governo encabeçado por Dilma Roussef.

Perigosos mesmo, são os que se dizem apolíticos ou apartidários. Gente que está, consciente ou não, a serviço da ultra-direita fascista. Estes, sim, estão em franca ascenção nas redes sociais e portais da Internet. Usam diversas máscaras. Repare naquele tipo cético, indignado, decepcionado com tudo à volta. Entra em qualquer roda – e o papo é mais ou menos o mesmo: “político é tudo ladrão, tem que fuzilar todos”, o clássico “este país não tem jeito – acorda Brasil” etc. Não conseguem formular uma frase que não tenha palavras como “corruptos” e “corrupção”. O curioso em relação ao estigma da corrupção é que não se interessam pelo sujeito oculto: o corruptor. Não mencionam nomes, generalizam para não revelarem seu propósito. Quando se referem ao passado com discreto saudosismo, recuam de 2002 direto para ditadura – sem escalas no mandato de FHC. Lamentam reconhecer que sob o regime militar “político ladrão não tinha perdão: morria em vala rasa”. Para não parecerem completos alienados, têm pequenos surtos de informação política e se aventuram em citar Fidel Castro ou Hugo Chavez em suposta conspiração comunista sob a “conivência da nossa imprensa” – como quem acha pouco ou nenhum o golpismo diário do PiG.

“Cansamos”, “Basta de”, “Fora os”… são expressões presentes na maioria de seus banners. A tática não é propor solução nem destacar algum político “bom”, mas desmoralizar TODA a classe política que aí está. Em sua lógica surreal, fica sub-entendido que depois de fuzilarmos os ocupantes do Palácio do Planalto, do Congresso e da Câmara, e varrermos assim toda a corrupção que nos corrói, o povo iluminado pela “nova era” descobrirá, espontaneamente, que ainda tem gente boa para nos governar. Quem? Ora, todos que não nos governam atualmente. Certo? Deixa eu adivinhar: Agripino Maia, Maluf, Serra, Kassab, Bolsonaro… Quem sabe o Tiririca – pior do que está não fica?

Todos conhecemos alguma pessoa que não liga pra isso, esse negócio de política. Gente que não dá a mínima, que não acredita nem se interessa por política e políticos. Uns são religiosos, outros praticam aeróbica. Uns são músicos, outros intelectuais. Uns viajam, outros meditam. Uns tem muita grana, outros nenhuma… Para um apolítico, não importa quem governa: sua vida segue sempre igual.

Mas quando alguém decide reunir um grupo para reivindicar, protestar ou difundir uma causa ou palavra de ordem, seja no condomínio onde mora, no seu bairro, ou nas redes sociais – estará fazendo política. Mesmo que não se dê conta disso.

Outro dia segui uma amiga no Facebook e cheguei a um grupo que propunha fazer abaixo assinado para “acabar com os corruptos que mamam nos impostos provenientes do nosso trabalho suado”. Ok, até aí eu concordo. Mas por que não citam nomes? Eis o x da questão! Deixam isso pro visitante “descobrir”. O dono do pedaço usa um avatar com aquela máscara do Anonymous e prega o voto nulo. Discordei, argumentei com o Zé Mané mascarado que não está certo fazer campanha para o voto nulo. Porque o voto é a única arma que temos para mudar as coisas, que é preciso distinguir os bons e maus políticos… 5 minutos de debate e o mascarado já me “acusava” de petista, comunista, de estar sendo pago pra falar bem do governo etc.

Aí me dei conta de que andei incorporando “amigos” no Facebook sem saber quem eram de fato. Me dei conta também, que a nova tática da direita é acusar a espécie política, o genérico. Porque só assim conseguem atacar o PT. Porque os governos de Lula e Dilma são muito bem avaliados e de fato alavancaram o Brasil de cabo a rabo, dos bancos às favelas. Porque nem a imprensa deles tem como omitir e o jornalista tem que fazer uma ginástica enorme, criar factóides sem fundamento pra desmerecê-los. Lembrei de como a campanha de Serra evitou atacar Lula.

O movimento “Cansei” não cansa nunca. É um camaleão grotesco que se apropriou da máscara alheia.

Aliás, será que os verdadeiros hackers do Anonymous não pensaram que QUALQUER pessoa do planeta pode usar essa máscara e se fazer passar por eles? Se amanhã eu formar um grupo que se reúne aos sábados pra jogar boliche e usarmos essas máscaras, como saberão se somos ou não os hackers que invadem e derrubam o site do Pentágono? E mais: o que faz um fascistóide pensar que seus “ideais” são os mesmos do verdadeiro Anonymous?

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Artigo recebido por e-mail de ronichira@terra.com.br
que nos indicou o seu blog...
O que será que me dá? OU DEMOCRATIZAMOS AS COMUNICAÇÕES OU MERGULHAMOS NA BARBÁRIE

A nossa Agência Assaz Atroz agradece.

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Outras matérias que estiveram hoje sob o crivo dos pauteiros da PressAA

O amargo chá do colonialismo inglês

por Gilson Caroni Filho, em Quem Tem Medo da Democracia

"Voltemos à guerra de 1982. Quatro anos antes, em 1978, Chile e Argentina estiveram a ponto de entrar em guerra pelo litígio do Canal de Beagle. Ao serem desatadas as hostilidades pelas Malvinas, o governo de Santiago recusou a aliar-se aos seus vizinhos como fez o resto da América Latina, opôs-se à convocação do Tiar (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca) e absteve-se em todas as votações que condenaram a agressão britânica e o apoio norte-americano. A posição chilena favorecia o Reino Unido e, contudo, os ingleses colocaram o parceiro em evidência, expondo-o a consequências desagradáveis."

A “crise do capitalismo global” – Crise de quem? Quem lucra?

É só clicar...

Recebido por e-mail da redecastorphoto

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Iustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

SOFRENDO OS DRAMAS DA ALTITUDE

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(Excertos do livro "Viagem ao Umbigo do Mundo", publicado em 2006)

Urda Alice Klueger*

A ordem, para a manhã seguinte, era a de usar toda a roupa quente – Arequipa estava a mais de 2.300 metros de altitude, mas dali subiríamos abruptamente para altitudes bem maiores.

Cheia de roupas de lã e usando os apetrechos de couro da Dona Rose, partimos para uma imediata subida tão logo saímos do meio dos três vulcões daquela cidade tão simpática. Eu tomara uma decisão, naquele dia: iria fazer como os PHD, resistir à altitude, continuar a viagem de moto por mais alto que estivéssemos, não me deixar ficar como morta no carro de apoio como acontecia a cada vez que subíamos muito. Jaka já estava mascando folhas de coca, e eu tratei de passar a mascá-las também, com a técnica que havia aprendido anos antes, quando fora a Chacaltaia, na Bolívia, e quase não suportara os 5.300 m de altitude de lá. Tinha refletido sobre o assunto, e como via os motociclistas resistirem às altitudes maiores sem perderem o pique, como eu perdia, estava a achar que o ar fresco, a obrigatoriedade de ficar respirando o vento deveria lhes dar quantidades maiores de oxigênio, o que lhes permitia a resistência. Se eles podiam, eu também poderia. E fui direto para a garupa do seu Chico.

Tão logo passamos a subir o frio se fez sentir, e toda aquela roupa de couro e de lã parecia pouca para o clima. Eu mascava as folhas de coca e respirava profundamente, decidida a ficar todo o tempo em cima daquela moto, mas era como se as coisas fossem se enevoando, e a todo o momento tinha que piscar forte para distinguir bem a paisagem. Naquela altitude o consumo de gasolina das motos carburadas aumentava muito, e penso que antes de 200 km de distância, quando atingimos o povoado de Imata, que estava a 4.172 metros de altitude (e, portanto, a uma altitude superior a La Paz), já estava sendo necessário o abastecimento.

Aquele era um lugar perdido quase que no meio das nuvens, pequeno e pobre, onde sequer havia posto de gasolina, e quem vendia a nafta eram pessoas comuns, que escreviam nas paredes das casas que tinham gasolina para vender, e a guardavam em galões, nas suas salas, nos mesmos lugares onde havia crianças brincando, etc. Quando alguém comprava gasolina, a dona da casa trazia-a num balde, e a derramava no tanque do veículo através de um funil. Os motociclistas sabiam que se faziam misturas na gasolina, por ali, e quando paramos numa dessas casinhas para fazer o abastecimento, seu Chico me pediu para usar meu pobre espanhol e dizer para a mulher que não importava quanto custasse a gasolina, mas que ele a queria sem mistura. Lembro que desci da moto como que dentro de uma névoa, e lembro-me como me via como um filme em câmara lenta dizendo para a mulher:

- Senõra, sem mezcla! Sem mezcla!

Atravessamos aquele povoado com as motos abastecidas e seguimos adiante. A estrada era boa, asfaltada, e eu estava quase dormindo em cima da moto. Nossa formação continuava, mas lá pelas tantas vi seu Chico observando com muito cuidado a região onde passávamos, e em determinado momento ele saiu da formação militar e parou sua moto. No meio do nada, havia minúscula casinha de adobe, e foi para lá que o seu Chico se dirigiu, levando fotos e outros brindes, como camisetas, etc. Quase dormindo, eu fiquei aprumada na moto parada, até que o seu Chico voltou e me contou: um dia estava ali naquele lugar, quando escurecera.

Vale aqui abrir um parágrafo para contar o que acontecera ao seu Chico e seus companheiros naquela ocasião.

Alguém lhes dera informações erradas em Arequipa, dizendo que atingiriam Juliaca em duas horas, e, desconhecendo a estrada, eles tinham seguido viagem já no final da tarde. A noite os pegou naquele ponto no meio do nada, numa temperatura de seis graus negativos e naquela altitude superior a 4.000 metros. Eles eram em quatro: os PHD Chico, Dov, Della e Evangelista, e há que se dizer que o PHD Della (Della Giustina) estava com uma forte insuficiência respiratória, enquanto que o PHD Dov estava com uma costela partida – e parece que todos estavam destinados à morte pelo frio, ali naquela altitude congelante. Por sorte encontraram a polícia peruana, que os ajudou a chegar àquele lugar, pequenina casa de adobe que funcionava como uma casa de refeições, e era conhecida como uma casa de desayuno[1], se bem que servisse refeições por todo o dia e também à noite. Conta o PHD Chico que a comida do dasayuno, limitava-se a chá de coca[2] e um prato de água fervida com batatas e milho, à guisa de sopa de galinha.

Salvos pelo gongo de uma morte quase certa, nossos heróis conseguiram enfiar as motos na casinha de adobe, na metade da casinha que lhes coube, e que era onde funcionava o desayuno, e ficaram a tomar chá de coca e a tremer de frio, até ganharem quatro pelegos de lhama, que estenderam no chão para dormir em cima. Vieram também umas poucas mantas de pelo de lhama, mas tudo era insuficiente para aquele frio de menos seis graus Centígrados – e seu Chico conta que eles se amontoaram como uma ninhada de cachorrinhos, uns encostados nos outros, para tentarem se aquecer. Havia uma vela acesa, e o Dov era quem estava mais perto dela, mas ele estava tão sem forças, pela costela quebrada e pela exaustão do frio e da altitude, que não conseguia soprar o suficiente para apagá-la. Acho importante contar tal coisa para que os leitores saibam o quanto pode a altitude nos fazer mal.

Sei que eles acabaram apagando a vela e, amontoados como cachorros, tentaram dormir. Há uma pitada de engraçado naquela noite, que foi quando, de madrugada, todos eles se acordaram com as bexigas cheias, depois de todo o chá de coca tomado, e descobriram que estavam trancados a cadeado naquele minúsculo espaço. Precisavam fazer xixi, no entanto. A única solução à vista era uma banheirinha de bebê, muito pequena, que conheci através de fotos, e que dormia ali por perto. Usaram-na, e tentaram atravessar o resto da noite fria amontoados nos pelegos.

Assim que clareou, o dono do desayuno veio abrir o cadeado, e então o PHD Evangelista apressou-se a despejar lá fora o conteúdo da banheirinha de plástico. Instantes depois, as duas mocinhas, filhas da casa, apareceram naquele aposento atrás da banheirinha, que era onde costumavam fazer sua higiene matinal. E quietos e calados os PHD ficarem observando as duas mocinhas despejarem uma caneca d’água na banheirinha, e naquela água lavarem seus rostos, sem nem desconfiarem do acontecido durante a noite. Foi entre sério e surpreso que o seu Chico contou-me essa história – penso que eles estavam agradecidos, sobretudo, por não terem morrido. Devem ter tomado mais chá de coca e mais a tal sopa que ali se servia, antes de tentarem voltar à estrada, porque não foi fácil: o PHD Della estava absolutamente sem pernas. Tiveram que carregá-lo e à sua moto, e no asfalto botaram a moto em pé e o montaram nela, e saíram viajando num trio, com dois deles segurando entre si o PHD Della, totalmente baleado pela altitude. Sei que sobreviveram para contar. Na minha primeira subida aos Andes, em 1993, houve momentos em que tive sérias dúvidas se sobreviveria para contar ou não, e acabei escrevendo um livro sobre o assunto. Não se brinca com a altitude.

Desde então, a cada vez que passava por lá, seu Chico fazia uma pequena visita àquela gente e lhe levava algumas coisas. Achei bonita aquela atitude, mas estava quase dormindo e nem conseguia mais expressar o que sentia. Voltei a subir na moto e tentar respirar fundo, mas já não tinha mais forças. Sei que dormi pois acordei – e agora eu pergunto: como é que um caroneiro descobre que dormiu sobre uma moto? Descobre porque seu capacete bate no capacete do piloto da moto, e ele é acordado por aquele POC que acontece!

[1] Desayuno = desjejum, ou café-da-manhã. (Nota da autora)
[2] Em algum momento acho que devo fazer um esclarecimento, já que o assunto costuma confundir muitas pessoas: a coca (mascada ou em chá) não é cocaína, assim como a uva não é vinho. (Nota da autora)

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*Urda Alice Klueger: Escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz.

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O PAI DO GONZO goza com tua cara

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Filmes: "Diário de Um Jornalista Bêbado"

Filme é baseado no primeiro livro de Hunter S. Thompson, autor do famoso "Medo e Delírio em Las Vegas: Uma Jornada Selvagem ao Coração do Sonho Americano"

André Lux*, crítico-spam

"Diário de Um Jornalista Bêbado" é baseado no primeiro livro de Hunter S. Thompson, autor do famoso "Medo e Delírio em Las Vegas: Uma Jornada Selvagem ao Coração do Sonho Americano". O filme é um projeto pessoal do ator Jonhy Depp que era amigo de Thompson e atuou também na versão para os cinemas de "Medo e Delírio", do Terry Gilliam (que mesmo não resistindo a uma análise mais profunda é um dos filmes mais alucinantes e engraçados do ex-Monty Python).

Hunter S. Thompson é um jornalista que sem querer inventou o chamado "jornalismo gonzo", que é definido pelo Wikipédia como "um estilo de narrativa em jornalismo, cinematografia ou qualquer outra produção de mídia em que o narrador abandona qualquer pretensão de objetividade e se mistura profundamente com a ação". Besteira. "Jornalismo Gonzo" é o resultado do trabalho de alguém que cobriu um evento completamente bêbado e/ou drogado e aí coloca no papel suas lembranças e experiências obtidas enquanto sob efeito das drogas. Thompson, um notório alcoólatra e drogado, foi um grande crítico do chamado "sonho americano" e tirou a própria vida com um tiro de espingarda aos 68 anos de idade.

"Diário de Um Jornalista Bêbado" conta a história de um jornalista chamado Paul Kemp (alter-ego do próprio Thompson numa atuação muito boa e contida de Depp) que vai trabalhar em um pequeno jornal em Porto Rico e logo faz amizade com outro repórter igualmente alcoólatra e viciado em rinha de galo. A primeira parte do filme é uma longa sucessão de divertidas cenas de personagens alcoolizados fazendo loucuras.

Numa dessas, Kemp esbarra no novo rico Hal Sanderson (Aaron Eckhart, excelente) que quer contratar o jornalista bebum para que ele escreva matérias positivas sobre uma jogada de especulação imobiliária que vai trazer grande fortuna para os envolvidos e desgraça para os porto-riquenhos. As coisas se complicam ainda mais quando Kemp fica deslumbrado com a namorada de Sanderson, Chenault (na pele da lindíssima Amber Heard).

Esse primeiro ato é o que o filme tem de melhor, alternando cenas engraçadas com outras de crise moral que passa a sofrer o protagonista, arrastado para dentro de um esquema corrupto sem querer. É uma pena que na segunda parte a história perca a vibração e o interesse. Nem mesmo o conflito moral de Kemp é resolvido de forma minimamente satisfatória e o filme se resuma em tolas perseguições pelas estradas de terra de Porto Rico. O romance entre o protagonista e a bela Chenault não gera nenhum tipo de conflito e também é resolvido bestamente. Outra coisa que estraga o filme é a presença do péssimo Giovanni Ribisi, aqui interpretando um jornalista ainda mais louco e drogado (que ainda por cima adora ouvir discursos gravados de Hitler!), o qual poderia ter se tornado antológico caso fosse representado por um ator de verdade.

A verdade é que o livro original (que só foi publicado após a morte de Thompson) não era mesmo grande coisa e traz apenas algumas pinceladas bem básicas do que viria a ser o estilo "gonzo" e das críticas ácidas do autor ao "sonho americano". Enfim, vale uma espiada, mas não espere muito.

Cotação: * * 1/2

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*André Lux, jornalista, presta assessoria na área de Comunicação Social, crítico-spam, administra o blog “Tudo em Cima”. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz.

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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