domingo, 30 de janeiro de 2011

ESSA MANAUS QUE SE FOI

.
A peruana Chabuca Granda, conhecida por muitos brasileiros depois que duas de suas músicas - Fina Estampa e La flor de La canela – foram gravadas por Caetano Veloso, canta a cidade de Lima em algumas valsas memoráveis. Numa delas, ‘Lima de verdade’, demonstra amor pela cidade onde viveu, mas confessa que a fonte de sua inspiração não é a Lima moderna, “de carne e osso” – digamos assim - mas a velha cidade que está dizendo adeus: La Lima antigua que se va.

As alamedas, ruas, becos e praças, as pontes sobre o rio, os jardins, os balcões coloniais, as sombras que ocultam miradas, os passos de dança da marinera, o charme de suas mulheres, as cores, os cheiros e o som da cidade – nada escapa aos olhos observadores de Chabuca. Em outra valsa diz que “essa Lima que se distancia e se perde na lembrança é uma bela senhora, cheia de mistério e de tempo”. Entrega, então, a Lima de mis amores a um cavalheiro que vem de longe.

Lembrei-me da cantora peruana, visivelmente enamorada de sua cidade, ao ler o livro organizado por Joaquim Marinho – Manaus meu sonho – publicado pela Valer. Ele também está enamorado. Vem paquerando Manaus desde sempre, chegou a ter um caso com a cidade – que a Silene me perdoe a inconfidência – quando dirigiu o Departamento de Turismo do Amazonas. Foi aí que convidou Ziraldo, Henfil, Fernando Sabino e outros cavalheiros vindos de longe, a quem pediu que ajudassem a cuidar da Manaus de mis amores.

Manaus meu sonho

O livro, editado com cuidado, reproduz fotos de Manaus antiga. Marinho se recusa a dar adeus àquela cidade que só existe na nossa lembrança. É como se ele teimasse em nos dizer que ela continua existindo porque está dentro de nós, em nosso pensamento. Penso, logo ela existe. Ele se queixa que tentaram destruir tudo: o porto flutuante, o entorno da Manáos Harbour, “até as mais novas ameaças de fazer um porto em frente ao Encontro das Águas”:

“Merecemos continuar a ser a cidade sorriso, e mesmo com tantos milhões de carros, ar-condicionados e toneladas de asfalto para atender os quase dois milhões de habitantes, nos dias de hoje, temos de preservar a floresta, os rios, os animas e a nossa gente (...)”.

Esse é o foco central do livro, que traz textos de quinze autores. Renan Freitas Pinto recupera o etnólogo alemão Theodor Koch-Grunberg, que passou por Manaus em 1903 e retornou em 1911, testemunhando as mudanças sofridas em oito anos.

“No dia 27 de maio de 1911 cheguei a Manaus. O porto está irreconhecível. A Companhia Manáos Harbour o modernizara inteiramente. Por todas as partes erguem-se grandes armazéns. Os transatlânticos atracam imediatamente em suas plataformas flutuantes, pelas quais se desembarca facilmente. Pelas toscas ruas correm e saltam os automóveis. A cidade perdeu por certo muito de seu panorama, antes tão encantador”.

Observa Renan o confronto entre duas cidades. Os sentimentos do visitante estão divididos, mas parece que estão mais próximos da cidade que deixara de existir, “daqueles elementos de Manaus que a identificavam mais claramente como uma cidade amazônica, com um modo de ser impregnado de elementos mais locais do que cosmopolitas”.

Nessa mesma linha insistem dois autores que passaram por Manaus em 1970: Fernando Sabino e Ziraldo. Sabino comparece com uma crônica, onde apresenta as palavras de um presidente africano como diretrizes ideais para Manaus:

“A herança que nos legaram nossos antepassados é a beleza natural de nosso país. São os nossos caudais, nossos rios, nossas florestas, nossas montanhas, nossos animais, nossos lagos, nossos vulcões e nossas planícies. Em uma palavra: a natureza é parte integrante, inseparável e real da nossa essência peculiar”.

O livro reproduz desenhos de Ziraldo, que converteu a floresta amazônica em formas geométricas e coloridas. Ele fala de sua experiência: “Quando, enfim, pude conhecer de perto o rio e a mata colossal que o contém, descobri que era preciso inventar outro jeito de contar para todo o mundo o susto do meu olhar. As cores da Amazônia são as do começo do mundo!”. Será? Vamos ver. Fala, Márcio Souza!

Vê bem, Maria

Num livro de Marinho não podia faltar seu parceiro de sempre, o escritor Márcio Souza, com seu estilo ferino e provocador. Ele critica prefeitos e administradores da capital amazonense e sobra pra quem enfiar a carapuça:“Manaus é a cidade mais odiada do mundo, cidade acostumada a apanhar na cara, a ser violentada, a ser roubada vergonhosamente pelos seus amantes. Cidade puta”.

O ator Ediney Azancoth lembra “os anos em que vivemos na escuridão”, no final da guerra, os bondes que paravam com o corte de energia, as lanternas, os lampiões apagados nos postes de ferro, as lamparinas de querosene, o som inaudível do rádio, as manifestações teatrais e, finalmente, o oásis de luz, único refúgio de alegria e diversão: os cinemas que tinham gerador próprio.

O mais amazonense de todos os paraenses, José Seráfico defende: “Manaus, a despeito das sucessivas tentativas de desfigurá-la, é uma cidade bela” – diz, mas condena a violência ambiental: “Se ontem aterrar igarapés e promover o sacrifício de espécies florestais não significava mais que adequar-se aos padrões de modernidade admitidos, desde a reunião de Oslo (1972), isso se tornou cada dia mais questionado”.

Vale a pena ler a carta escrita por Tenório Telles ao poeta Quintino Cunha, autor do poema ‘Encontro das Águas’. Tenório suspeita que o poeta estava apaixonado quando escreveu esse poema: “Vê bem, Maria, aqui se cruzam: este / é o Rio Negro aquele é o Solimões./ Vê bem como este contra aquele investe,/ Como as saudades com as recordações”. O poema termina: “Se esses dois rios fôssemos, Maria / todas as vezes que nos encontramos,/ Que Amazonas de amor não sairia / De mim, de ti, de nós que nos amamos”.

Os outros autores são: João Bosco Araújo, Domingos Demasi, Tricia Cabral, Ulisses de Azevedo Filho, além dos poemas de L. Ruas, Aldisio Figueiras e Ornan Correa, todos eles sobre Manaus. Vale a pena conferir.

Os textos são de qualidade. Nada que lembre o deputado Josué Filho, que num comício no bairro Alvorada II, em 1992, comparou Manaus a “uma linda mulher, uma noivinha de véu e grinalda, que durante as eleições procura um noivo perfeito para se casar”. Diante dos pretendentes à mão da noiva, só resta lembrar o irreverente escritor irlandês Bernard Shaw: “O primeiro homem que comparou a mulher a uma rosa era um poeta. O segundo, um perfeito imbecil”.
____________

José Ribamar Bessa Freire é professor universitário (Uerj), reside no Rio há mais de 20 anos, assina coluna no Diário do Amazonas, de Manaus, sua terra natal, e mantém o blog Taqui Pra Ti

Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

Ilustração: AIPC – Atrocious International Piracy of Cartoons

.

PressAA

.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Dilma quer reduzir custos de empresas para estimular criação de emprego

A presidenta Dilma proporá redução escalonada na tributação sobre a folha de pagamento, com um corte inicial de pelo menos dois pontos percentuais na alíquota de contribuição previdenciária das empresas, hoje de 20%. Nos anos seguintes à aprovação dessas medidas, a ideia é fazer outros cortes, até que a contribuição patronal ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) fique em 14%.

Vaccarezza destaca a importância da proposta: a médio prazo, a redução dos tributos da folha de pessoal deverá garantir a abertura de novos empregos com carteira assinada. O líder do governo na Câmara dos Deputados lembra também que as políticas implantadas pelo governo Lula, que agora tem continuidade com a presidenta Dilma, foram responsáveis pela criação de mais de 15 milhões de vagas formais no período de janeiro de 2003 até dezembro de 2010.

Por mais emprego formal, Dilma quer cortar tributos

A presidente Dilma Rousseff proporá uma redução escalonada na tributação sobre a folha de pagamento, com um corte inicial de pelo menos dois pontos percentuais na alíquota de contribuição previdenciária das empresas, hoje de 20%.

Nos anos seguintes à aprovação dessas medidas, a ideia é fazer outros cortes, que também podem continuar sendo de dois pontos, até que a contribuição patronal ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) fique em 14%.

A medida beneficiaria imediatamente as empresas por meio da redução de custos com a folha de pagamento. Os trabalhadores devem ser beneficiados indiretamente a médio prazo, já que um dos efeitos esperados pelo governo é o aumento da contratação de trabalhadores com carteira assinada.

A expectativa mais otimista no governo é que, com a redução dos encargos trabalhistas, o mercado formal -hoje estimado em 52%- alcance o patamar de 60% apenas nos primeiros 12 meses de redução da alíquota.

Proposta

Essa é a principal proposta em estudo pela equipe responsável por elaborar projetos pontuais de reforma tributária, que a presidente quer enviar ao Congresso ainda em fevereiro, logo depois da abertura dos trabalhos legislativos.

A medida já vinha sendo estudada pela equipe do ministro Guido Mantega (Fazenda), que pretende incluir ainda algum tipo de compensação à Previdência Social pela perda de arrecadação no primeiro momento com o corte na contribuição previdenciária das empresas.

O projeto ainda não está fechado. Há quem defenda, por exemplo, que a alíquota caia no médio prazo para 12% ou 10% ao longo de três ou seis anos, mas está praticamente definido que no primeiro ano ela seria reduzida em dois pontos percentuais.

A equipe da Previdência Social preferia uma redução menor, de um ponto percentual a cada ano na contribuição, temendo efeitos sobre o financiamento das aposentadorias do setor privado.

Assessores de Dilma argumentam, porém, que para atingir os efeitos desejados de redução dos custos das empresas e torná-las mais competitivas é preciso fazer, de saída, um corte de pelo menos dois pontos percentuais na alíquota.

Competição

Preocupada com o aumento da competição de empresas estrangeiras por conta do dólar barato, a presidente espera que o projeto compense a valorização do real, que torna os produtos brasileiros mais caros no exterior, e os importados mais atraentes para consumo interno.

Além da redução na contribuição previdenciária das empresas, o governo estuda também acabar com o salário-educação, uma tributação de 2,5% sobre a folha de pagamento. A contribuição ao INSS dos trabalhadores do setor privado, que varia de 8% a 11% conforme a faixa salarial, não mudaria.

A desoneração da folha de pagamento é um dos quatro projetos de reforma tributária que Dilma vai enviar ao Congresso. Os demais devem tratar da redução de tributos sobre investimentos e unificação da legislação do ICMS.

Resistência

As centrais sindicais resistiam à proposta de desoneração da folha por não conter uma compensação direta pela perda de receita para o sistema previdenciário. Elas defendem a vinculação direta para a Previdência de um outro imposto, o que a equipe econômica não aceita.

Na avaliação dos sindicalistas, sem essa compensação, o resultado será um aumento do deficit da Previdência, que deve ter fechado o ano passado em R$ 45 bilhões – o número fechado ainda não foi divulgado. Segundo eles, isso pode reforçar a necessidade de uma reforma previdenciária.

Dilma, porém, já deu indicações de que não pretende fazer uma reforma da Previdência durante seu governo, apesar de assessores defenderem pelo menos uma proposta que atinja apenas as gerações futuras.

Assim, os trabalhadores hoje no mercado de trabalho não seriam atingidos. Com isso, seria dada uma sinalização de que o setor seria sustentável no futuro.


http://vaccarezza.com.br/dilma-quer-reduzir-custos-de-empresas-para-estimular-criacao-de-emprego/

.

PressAA

.

domingo, 16 de janeiro de 2011

MARIA FECHA A PORTA



Talvez a Mimosa Pudica possa nos ajudar a entender a tragédia que se abateu nessa semana sobre a região serrana do Rio de Janeiro, causando mais de 600 mortes. A Mimosa é uma plantinha sensitiva, conhecida popularmente como ‘Dormideira’, ‘Morre João’ ou ‘Maria fecha a porta’, encontrada em locais úmidos da mata atlântica ou da floresta amazônica. Possui flores pequenas, cor de rosa, um caule com espinhos e folhas divididas em vários folíolos. O que ela tem a ver com as chuvas torrenciais que tantos estragos fizeram?

As imagens televisivas mostraram um quadro desolador, com depoimentos dramáticos de sobreviventes. A correnteza, com forte estrondo, vem descendo do alto da serra. No caminho, arranca árvores, desenterra pedras, soterra casas e arrasta tudo o que encontra em sua frente: casas, carros, pontes, gente, bichos, corpos, barro, lama, entulho, lixo. Barreiras desabam nas áreas de encostas. Pequenos córregos e riachos se transformam em rios caudalosos que transbordam, irrompem velozmente pelas cidades e racham o asfalto, engolindo ruas, praças, bairros, semeando dor, sofrimento, morte. Um cenário de terra arrasada: escombros, devastação, destruição.

Ainda estamos contando, enterrando e chorando os mortos e os desabrigados em cinco cidades do Rio. A tragédia, em menores proporções, atingiu São Paulo, cuja capital ficou submersa, dando um nó no trânsito. A Folha publicou quarta-feira (12/01) foto impressionante: toneladas de garrafas plásticas cobrem o rio Pinheiro, que transbordou. Em Minas Gerais, 72 municípios estão debaixo d’água. A chuva castigou outros países - Austrália, Filipinas e Sri Lanka. Por que tanta raiva e tanta violência da natureza? Parece que o planeta está reagindo e é aqui que entra a Maria fecha a porta.

Teu pai morreu

A última vez que vi a Maria fecha a porta foi em setembro de 2007, em Soure, ilha do Marajó, acompanhado de uma pajé cabocla, Zeneida Lima, e de um sábio guarani, então com 96 anos, o karai Tupá Werá, da Aldeia de M’Biguaçu (SC). Não resisti em reconstituir uma brincadeira de infância em Manaus, que consiste em passar a ponta do dedo no meio da sua folha, dizendo: “Maria, fecha a porta que teu pai morreu”. Ela fecha. Os folíolos obedecem sempre, se inclinam numa reverência e imediatamente murcham, para logo em seguida, com o pai ressuscitado, voltarem à posição normal.

Tem algo de mágico para uma criança falar com uma planta, trocar sensibilidade com ela, provocá-la e obter uma resposta imediata, o que não é nenhuma novidade para os índios para quem não é só a Maria que fecha sua porta, é possível falar com a terra, as plantas, os bichos, os rios, os morros, as pedras. É outro sistema de pensamento. O guarani Marcos Moreira, meu aluno no curso de formação de professores, entrevistou para um trabalho de avaliação o velho karai Alexandre Acosta, da Aldeia de Jataity (RS) que declarou, entre outras coisas:

- Esta Terra que pisamos, é gente como nós, é nosso irmão. É por isso que o guarani respeita a terra, que é também um guarani. O guarani não polui a água, pois é o sangue de um karai. Esta terra tem vida, só que muita gente não sabe. É uma pessoa, tem alma. A mata, por exemplo, quando um guarani precisa cortar uma árvore pede licença, porque sabe que ela é uma pessoa. A terra é nosso parente, mas está acima de nós. Por isso ensinamos as crianças a respeitarem a terra, que até hoje se movimenta, só que não percebemos. Quando os parentes morrem, carne e corpo se misturam com a terra. Por isso, temos que respeitar esta terra e este mundo em que a gente vive.

A tragédia vivida em diferentes partes do planeta nessa última semana não é um acidente natural, mas produto de uma intervenção desastrada do homem, que esqueceu que a terra é gente como nós. As chuvas, que aterrorizam e paralisam as cidades, não causam tais estragos numa aldeia indígena. É que as cidades cresceram sem respeito ao “nosso parente”, se expandiram sem “pedir licença”, isto é, desordenadamente, agressivamente, sem planejamento de impacto ambiental e adoção de medidas para proteção de encostas, reflorestamento, uso do solo e destino do lixo urbano.

Jogar no mato

Na busca do lucro rápido e fácil, a especulação imobiliária desmatou indiscriminadamente, construiu em encostas, alterou os caminhos naturais da drenagem da água, tornando instáveis os terrenos e ferindo de morte a terra. Expulsos das áreas mais nobres, os deserdados abriram ainda mais a ferida, construindo perigosamente nos morros. Hoje, as cidades não ensinam às crianças sequer a tratar o lixo.

Quando chove, minha rua alaga. Da janela do meu apartamento, contemplo a estupidez humana. Vejo boiando garrafas pet, sacos de plástico, embalagens de alumínio, latas de refrigerantes, que entopem as grelhas dos bueiros das galerias pluviais, prejudicando a vazão da água. Na minha infância, a vovó Filó recomendava dar um destino ao lixo: “joga no mato”. Mas o lixo atirado no quintal era sobra de alimentos, casca de banana e de outras frutas, bagaço de laranja, que adubavam a terra.

Hoje, o lixo é formado por resíduos sólidos, embalagens descartáveis de plástico, lata, vidro, alumínio, mas continua predominando a mentalidade de “jogar no mato”. A foto da Folha de São Paulo é uma prova gritante do fracasso da educação ambiental na escola e no ambiente familiar. Crianças e adultos atiram o lixo em espaços coletivos, com a mentalidade patriarcal de que o espaço público é terra de ninguém e de que existem garis para limpar nossa sujeira. Quem a terra fere, com a terra será ferido?

Na visita feita ao sítio da pajé Zeneida Lima, em Soure, ela entrou no mato com o guarani Tupã Werá, conhecido no mundo não indígena como Alcindo Moreira. Os dois trocaram informações. Ali, onde qualquer pessoa, mesmo o paraense comum, só via árvores genéricas, eles viam cada espécie em particular. Alcindo dava o nome em guarani, algumas vezes também em português, descrevendo as propriedades medicinais ou alimentícias de cada planta.

- As árvores falam – disse ele – a gente é que desaprendeu e não sabe mais escutar o que elas dizem.

Gabriel Garcia Márquez conta que em dezembro de 1981 recebeu telefonema de um amigo sério e inteligente, perguntando-lhe qual era o tema da crônica da semana, que seria publicada no dia seguinte no jornal El Espectador, de Bogotá. Ele respondeu que estava escrevendo sobre o sofrimento das plantas e das flores, sustentando que elas têm alma. Alarmado, o amigo exclamou: - “Ay, carajo! Te estás volviendo maricón?”.

Meus amigos do Ceará me informam que o governador Cid Gomes – aquele que levou a sogra para Paris com dinheiro público – encaminhou à Assembléia Legislativa, em caráter de urgência, Projeto de Lei que dá poderes extraordinários ao governador para dispensar de licenciamento ambiental no Estado do Ceará uma série de atividades, dentre as quais o desmatamento, os aterros sanitários, habitação dita de interesse social, estradas de rodagem, projetos agropecuários e outras atividades e obras modificadoras do meio ambiente.

Enquanto o planeta for povoado por machos dessa estirpe, que formulam e implementam políticas públicas, não ouviremos a voz da terra e as tragédias se repetirão. Maria, fecha a porta que teu pai está morrendo.

____________

José Ribamar Bessa Freire é professor universitário (Uerj), reside no Rio há mais de 20 anos, assina coluna no Diário do Amazonas, de Manaus, sua terra natal, e mantém o blog Taqui Pra Ti

Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

Ilustração: AIPC – Atrocious International Piracy of Cartoons

.

PressAA

.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Já é um começo de golpe

.

Rui Martins*

Se você faz parte dos 87% que apoiavam o governo Lula, fique alerta – no mais escondido covil de serpentes e escorpiões trama-se um golpe institucional contra o governo de Dilma, mesmo se esse governo começou com 62% de aprovação popular.

Desta vez, ao contrário do golpe de 1964 não se trama nos quartéis com o apoio declarado dos Estados Unidos. A trama é bem mais sutil – não se acena com a paranóia do perigo vermelho, mas com base em pretensos arrazoados jurídicos se quer desmoralizar e desautorizar o ex-presidente Lula e se colocar no ridículo a presidenta Dilma, que será destituída do poder de decisão.

O golpe não parece financiado só por dólares americanos, como no passado, mas igualmente por euros vindos da Itália. Aparentemente trata-se da extradição ou não extradição de um antigo militante italiano, Cesare Battisti, condenado num processo italiano fajuto à prisão perpétua, mas a verdade submersa do iceberg é bem outra.

Quem leu as revelações do Wikileaks quanto as opiniões dos EUA sobre Lula, considerado suspeito, e Celso Amorim, considerado antiamericano, e que acompanhou a campanha contra a eleição de Dilma, sabe muito bem haver interesses de grupos internacionais em provocar uma crise institucional no Brasil.

Será também a maneira de grupos econômicos estrangeiros impedirem a atual emergência do país como potência mundial. A Itália neofascista de Berlusconi com seu desejo de recuperar um antigo militante esquerdista é apenas uma providencial pretexto para os grupos políticos e econômicos internacionais incomodados com o Brasil líder do G-20 e vitorioso contra os EUA na OMC.

O que se quer agora, com o caso Battisti, é subverter as instituições brasileiras, mergulhar-se o país numa confusão entre o poder do Executivo e o poder do Judiciário, anular-se uma decisão do ex-presidente Lula para se abrir o caminho a que governança do Brasil seja sujeita à aprovação do STF. Para isso conta-se, como em 1964, com os vendilhões da nossa soberania e com os golpistas da grande imprensa.


Simples e prático, para se evitar que a presidente Dilma governe, vai se tentar lhe por um cabresto e toda decisão sua que desagrade grupos internacionais deverá ser anulada pelo STF. Por exemplo, a questão da exploração petrolífera do pré-sal poderá ser uma das próximas ações confiadas ao STF.

Se Dilma quiser renacionalizar as comunicações, já que a telefonia é questão estratégica, o STF poderá dizer Não e também optar pela privatização da Petrobras. Delírio ? Não, os neoliberais inimigos de Lula e da política nacionalista, derrotados nas eleições, poderão subrepticiamente retirar, pouco a pouco, os poderes da presidenta e do Legislativo, para que fique apenas com o STF o governo ou o desgoverno do Brasil.

O próprio advogado de Cesare Battisti, acostumado com leis e recursos, nunca viu uma decisão presidencial ser posta em dúvida por um ministro do STF, e por isso falou em « golpe » tal como havíamos alertado.

Por sua vez, o atual governador do Rio Grande do Sul, que aceitou o pedido de refúgio de Battisti quando ministro da Justiça, não aguentou a decisão do ministro Cezar Peluso do STF de colocar em, questão a validade da decisão do presidente Lula e declarou como « ilegal » e « ditatorial » o ato do ministro Peluso, do qual decorre um « prejuízo institucional grave » para o país e um « abalo à soberania nacional ».

Faz dois anos, Tarso Genro concedeu refúgio a Battisti, que deveria estar em liberdade desde essa época. Mas o ato liberatório foi sustado pelo ministro Gilmar Mendes, que submeteu a questão ao STF, o que já consistia um ato arbitrario. Embora os ministros tenham decidido por 5 a 4 pela extradição, competia ao presidente a decisão final, o que foi reconhecido, depois de uma tentativa de reabertura do julgamento.

O presidente Lula justificando seu ato, dentro do permitido pelo Tratado mútuo de Extradição entre Brasil e Itália, com base num documento da Advocacía Geral da União, negou a extradição e a própria Itália entendeu o ato como definitivo. Ora, a decisão do ministro Cezar Peluso de pôr em dúvida a decisão do presidente Lula e reabrir a questão vai além de sua competência e fere uma decisão soberana.

É tentativa ou já é golpe, no entender do advogado Luiz Roberto Barroso, é ilegal e ditatorial segundo o ex-ministro da Justiça Tarso Genro, opiniões que vão no mesmo sentido de Dalmo Dallari e de outros juristas.

O que iremos viver, quando o ministro Gilmar Mendes se dignar a colocar na agenda do STF o « julgamento da decisão do presidente Lula », se a maioria, por um voto que seja, decidir anular a decisão de Lula ? Será que a presidenta Dilma aceitará essa intromissão do STF no poder do Executivo ? Em todo caso, será o caos.

É hora de reagir, antes que seja tarde demais.

__________________________

*Ex-correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. Autor do livro “O Dinheiro Sujo da Corrupção”, criou os Brasileirinhos Apátridas e propõe o Estado dos Emigrantes. Vive na Suíça, colabora com os jornais portugueses Público e Expresso, é colunista do site Direto da Redação. Colabora com o Correio do Brasil e com esta nossa Agência Assaz Atroz.

__________________________

Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

.

PressAA

.