domingo, 28 de fevereiro de 2010

O Problema dos Direitos Humanos em Cuba

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“Acredito que não existe nenhum país no mundo, incluindo os que estão sob status colonial, onde a dominação econômica, humilhação e exploração tenham sido piores do que em Cuba, em parte devido aos políticos de meu país durante o regime de Batista. Eu aprovo a proclamação que Fidel Castro fez em Sierra Maestra, onde ele corretamente exigiu justiça.” (John F. Kennedy, entrevista com o jornalista de esquerda Jean Daniel, 24/10/1963)

Carlos Alberto Lungarzo*

No dia 23/02/2010, faleceu em Cuba o dissidente Orlando Zapata Tamayo, depois de uma greve de fome de 85 dias. Ele tinha sido adotado por nossa organização como prisioneiro de consciência, pois os atos que lhe imputaram eram tipicamente pacíficos.

Refletir sobre os DH em Cuba é difícil, por causa de dois fatores opostos. Por um lado, alguns setores de esquerda e pseudo-esquerda, atribuem à Revolução Cubana, além de seus méritos reais, “virtudes” tão místicas como as da burguesia: heroísmo, patriotismo, transcendência, sacrifício e assim por diante, o que conduz, é claro, ao desprezo dos DH, concretos e visíveis. Pelo lado inverso, a direita e o centro denunciam infinitos crimes não provados, e exacerbam a gravidade de violações que realmente existem.

Tentarei nesta nota uma apreciação isenta. Desejo enfatizar que Anistia Internacional nunca conseguiu licença para visitar Cuba. Portanto, os dados concretos que possuímos provêm de fontes indiretas que foram testadas até onde foi possível.

Revolução e Direitos Básicos

A Revolução Cubana de 1959 foi a mais famosa revolta dos oprimidos pela sociedade pós-colonial das Américas (camponeses, índios, operários e semi-escravos), dotada de uma direção de intelectuais e pequeno-burgueses esclarecidos. Está caracterizada pela homogeneidade ideológica e por ter conseguido eliminar antigas mazelas sociais.

Cuba produziu a única revolução social da região que teve sucesso, e que acabou assumindo a ideologia marxista-leninista, embora já deformada pelo pós-stalinismo. Conseguiu atingir alguns objetivos que pareciam utópicos: (1) Libertar a população da exploração, o racismo, o genocídio, a escravidão e a humilhação. (2) Permanecer fora da tutela do imperialismo. (3) Construir um sistema de saúde, educação e proteção social comparável ao dos estados sociais capitalistas desenvolvidos. (4) Eliminar a grande propriedade e transformar em patrimônio social os grandes sistemas produtivos.

Entretanto, o projeto impulsionado por Ernesto Che Guevara, de estimular o surgimento de um ser humano novo, dotado de numa ética solidária, secular, internacionalista e objetiva foi apenas vislumbrado, e sua força moral não durou muito tempo.

Desfrutar dos DH básicos e os compartilhar com nossos semelhantes e outros seres vivos, é a autêntica finalidade da vida humana para os que têm uma visão naturalista e objetiva do universo. Portanto, nenhuma violação consciente dos DH pode ser justificada em troca de uma duvidosa sociedade futura, cuja felicidade compensaria os abusos sofridos durante sua construção. Muito menos é legítimo basear as ações políticas em fetichismos inventados pelas castas militares e sacerdotais, como nacionalidade, tradição, subordinação hierárquica, destino ou prevalência histórica. Numa sociedade socialista com base marxista, os DH são exatamente os direitos da população em seu conjunto, e a felicidade é a segurança e o bem estar da mesma, sem qualquer apelo a símbolos ou totens.

Dentro da visão marxista (mesmo reconhecendo suas limitações), o valor social é conferido pelo ator histórico concreto, e não inversamente. O homem de Engels, capaz de um uso sofisticado de suas mãos, gera a sociedade. Mas a sociedade não pode gerar os humanos, e nada é sem eles. Isto está explícito nos Manuscritos e em A Sagrada Família, apesar dos tênues resíduos idealistas que ainda ficavam em Marx e Engels. Mas, a prevalência do concreto está proclamada com ênfase em A Ideologia Alemã (Vorwort, §3) com o exemplo do homem que pensava que afundava na água porque acreditava na lei de gravidade. (A partir da década de 20, parte do marxismo, porém não todo, foi ofuscado pelo pragmatismo stalinista e pelo esnobismo de algumas correntes filosóficas como o estruturalismo, o que produziu um estrago maior que o esperado na prática do socialismo.)

A Influência da Agressão Americana

Ao longo da construção da nova Cuba, alguns Direitos Humanos básicos foram violados. Entretanto, Anistia Internacional têm reconhecido que a persistência dessas violações está influenciada pelo bloqueio imposto pelos EEUU. Nossa organização insistiu neste ponto desde seus primeiros relatórios, mas recentemente produziu um documento mais completo analisando todos os detalhes. No seguinte link, você pode encontrar versões em várias línguas:

http://www.amnesty.org/library/info/AMR25/007/2009/en

O texto é muito detalhado e documentado, mas quero destacar apenas este parágrafo que é um dos que melhor representa pelo menos meu ponto de vista:

“O governo americano não conta com um mecanismo formal para vigiar o impacto do embargo sobre os direitos econômicos e sociais em Cuba. Cada ano, desde 1999, o Departamento de Estado publica relatórios sobre a situação dos direitos humanos na maioria dos países. Estes informes se limitam em grande medida aos direitos civis, políticos e trabalhistas, reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas não considera o desfrute dos direitos econômicos, sociais e culturais em Cuba (reconhecidos também na Declaração), nem o impacto do embargo em sua realização”.

[Os grifos são meus.]

Nenhum país conhecido sofreu meio século de bloqueio, agressões políticas, militares e econômicas, campanha contínua de difamação, e milhares de atentados terroristas, atingindo aviões, hotéis, fábricas, lojas, chácaras e escolas. Nenhum outro tem seu pior inimigo instalado no melhor setor de seu território, dentro de uma enorme base militar e um campo de tortura. Tampouco estado algum deveu viver praticamente rodeado, a pouca distância, pelo território do país cujo governo quer destruí-lo.

O governo cubano deveria ter encontrado uma maneira de lidar com as ameaças imperialistas sem lesionar os DH da população. Portanto, não estou sugerindo que a administração castrista deva ser “perdoada”. Mas, por outro lado, seria irracional negar que esse clima de provocação estimulou a máxima insegurança entre os cubanos. As violações do direito de ir e vir, que causaram muitas fugas por mar com resultados fatais, estavam baseadas no temor à espionagem, à sabotagem, e aos processos de infiltração de terroristas entre os cidadãos cubanos. Este temor, no entanto, deveria ter sido avaliado sensatamente.

Não há outro estado cuja segurança total tenha estado sob um risco semelhante. A simples infiltração de um profissional do terrorismo, como Posada Carriles, era suficiente para desestabilizar por alguns dias a vida do povo. O trânsito entre Cuba e Miami e a enorme proporção de agentes americanos entre os exilados, colocava o governo num estado de absoluta vulnerabilidade, maior que a do Chile durante a Unidade Popular. No Chile, embora a infiltração de terroristas e sabotadores americanos fosse grande, o projeto socialista conseguiu defender-se durante três anos, mantendo as normas democráticas e os DH.

Tendo em conta a variedade de inimigos do governo cubano (os restos da ditadura, a CIA, os outros governos latino-americanos, os exilados, a máfia, as igrejas, a mídia, o capital internacional), o socialismo cubano não teria resistido nem alguns meses sem medidas de controle especiais. Cuba diferia do Chile em que o terrorismo estava em ótimas condições quando o Movimento 26 de Julho (doravante, M26) tomou o poder, e os novos líderes não podiam esperar apoio das leis, da justiça, e dos partidos democráticos, que não existiam.

Entretanto, estas medidas excepcionais de defesa não deveriam ter afetado os DH.

A Repressão do Terrorismo

Depois do triunfo da Revolução, o mundo se espantou pela violência com que o governo revolucionário puniu torturadores e terroristas de Battista. Devemos considerar dois aspectos: (1) Os DH são antagônicos com a pena de morte, em qualquer circunstância. Portanto, nenhum crime justifica um fuzilamento frio e programado. (2) É necessário diferenciar entre pena de morte e o uso de força defensiva, que pode ser letal.

A pena de morte é um ritual sádico, aplicado sobre pessoas já rendidas, submetidas a uma enorme tortura psicológica (como nos Estados Unidos e na China, e incluso física, como no Irã), durante o processo de condena, espera, apelações, preparativos, adiamentos, que deixam o réu destruído antes da execução.

O próprio Guevara reconheceu em alguns momentos que a luta revolucionária confrontava inimigos mortais, e que o fuzilamento era um método legítimo de defesa. Não sei se existia solução alternativa, mas o ponto de vista do Che é incompatível com os DH. Em 2006, nossa organização repudiou a execução de Saddam Hussein, qualificando-a de ato cruel e gratuito, apesar de que o executado deve ter sido um dos piores criminosos da história.

É natural que a maioria do povo cubano nutrisse extremos ressentimentos contra o sadismo de Batista e seus cúmplices, mas a vazão destas retaliações deixou marcas negativas na moral revolucionária, borrando a clareza da divisão entre justiça e vingança. Os atos públicos em que Fidel conseguiu consenso em favor dos fuzilamentos não eram verdadeiros tribunais, mas manifestações de linchadores enfurecidos. Estas execuções (que tiveram a aprovação de 1 milhão de cidadãos) só contribuiu para canalizar os ódios populares, e não para incutir um sentido de justiça, algo muito parecido, nesse sentido, aos Julgamentos de Nuremberg.

Uma questão diferente é a necessidade de força defensiva, contra centenas de membros da polícia de Batista, jagunços, mercenários americanos e terroristas profissionais, nos muitos momentos de tensão que seguiram os ataques ou invasões. No caso de sabotadores americanos, Cuba podia devolvê-los aos Estados Unidos, ou trocá-los por bens, como aconteceu em 1961. No caso dos torturadores de Batista, o governo tinha poucas possibilidades: não existiam prisões seguras, e os americanos nem sempre os asilavam. Aliás, vários aparentes exilados voltaram depois a Cuba, treinados como terroristas.

Entretanto, muitos ex-repressores foram presos ou apenas demitidos, e alguns autores de crimes “menores” foram empregados longe do país. O número de fuzilados ordenados por Castro e Guevara proclamado por cada grupo de exilados, difere muito de um caso a outro, apesar de que alguns se gabam de ter investido anos em suas investigações. Para o período 1959-1967, aparecem resultados que oscilam entre os 5 mil e os 73 mil mortos.

Os dados mais confiáveis são os do Foreign Office (FO) do UK, dotados da típica objetividade britânica. Alguns arquivos do FO contabilizam cerca de 500 executados nos 6 primeiros meses da Revolução.

www.adam-matthew-publications.co.uk/collections_az/fo-cuba-1/description.aspx

Estes comentários não visam justificar nenhuma execução premeditada de pessoas rendidas. Apenas quero assinalar a incoerência dos que simulam ignorar que países tidos como democráticos mantiveram a pena de morte para tempos de guerra. Brasil não derrogou esta forma de punição, e a Argentina só o fez há alguns meses, apesar da insistência da ONU. (Um argumento dado por juristas da Idade de Pedra é que os crimes contra a “pátria” são mais graves que os crimes contra seres reais, como pessoas. Então, os cubanos podem ser acusados apenas de ter mantido aqueles fetiches da sociedade feudal e burguesa: patriotismo, obediência, disciplina, fantasmas colocados acima do valor das vidas humanas.) A referência ao estado de guerra se refere ao seguinte:

Cuba viveu, desde a invasão a Playa Girón, até vários anos depois, uma autêntica situação de guerra. Há um aspecto singular, que não era visto desde 1945, e nunca visto depois: Cuba foi ameaçada com ataque nuclear durante a crise dos foguetes de 1962.

Os atentados terroristas contra Cuba durante os anos 60 somam vários milhares. Não existem estatísticas exatas, mas diversas ONGs publicaram relatórios com quantidades aproximadas. Lamentavelmente, não possuo atualmente esses dados. Portanto, vou mencionar alguns ataques cometidos durante a década de 90, que foi a mais calma (além da atual) da história do país.







A lista completa de todos os atentados com maiores detalhes pode-se ver no site:
www.ain.cubaweb.cu/patriotas2/escalaing/terroring1.htm; informação adicional em:
http://www.radiohc.cu/heroes/ingles/cronologia/cronologia7.htm

O Direito de Propriedade

As desapropriações que seguiram o triunfo da Revolução foram consideradas pelos centros de poder como violação do direito de propriedade.

Entre os DH está o direito à propriedade básica (moradia, comida, medicamentos, objetos culturais, transporte), indispensáveis para desenvolver dignamente a vida. Mas não existe um direito “básico” ou natural à propriedade supérflua. O direito de propriedade foi incorporado aos códigos ao longo dos séculos, pelas classes sociais, castas, exércitos e seitas que queriam justificar sua apropriação de objetos e pessoas. Durante a transferência de poder das elites feudais às burguesas, o “direito” de propriedade se manteve, e até foi justificado por John Locke, que o considerava “o mais natural de todos”.

Com as lutas sociais no século 19, apareceram leis que contemplavam, muito precariamente, alguns direitos de outros setores (camponeses, operários, etc.). Por causa do sistema de herança, a grande propriedade atual continua baseada na acumulação predatória das classes dominantes do passado. Portanto, as primeiras ações da Revolução para expropriar e coletivizar a grande propriedade e as grandes corporações, não tem nada a ver com os DH. Não houve casos de expropriação de pequena propriedade em Cuba, inclusive nos picos de entusiasmo revolucionário. A propaganda anticubana sobre a violação do “direito de propriedade” está baseada numa confusão entre os privilégios que se atribuem as classes dominantes e o direito humanitário.

Os Direitos Políticos

Um argumento muito repetido como prova da falta do DH em Cuba, é a carência de uma democracia formal. Ora, os direitos imediatos que fornece a democracia são: o direito de eleger e o direito de ser eleito. Por sua vez, ambos podem contribuir à observância dos direitos básicos, porque um governo democrático tem menos arbítrio que uma ditadura. Mas esses direitos políticos (eleger e/ou ser eleito) não são básicos, e seu único valor é garantir os outros (liberdade, julgamento limpo, não ser executado ou torturado, etc.)

Todavia, a vigência dos direitos eleger/ser eleito não implica que os governos democráticos respeitem os DH básicos. Brasil é um exemplo grave. Aqui, governadores, ruralistas, empresários, policiais e jagunços, executam ou mandam executar centenas de crimes por ano, eliminam ou atemorizam movimentos sociais, aplicam torturas e planejam chacinas. Portanto, a existência de democracia é (até onde mostra a experiência) condição necessária para a validade dos DH, mas não suficiente. Até democracias mais antigas e estáveis podem violar os direitos básicos à vida, à integridade física, à dignidade, em alguns países. Exemplos típicos são os Estados Unidos, a Itália, e em menor medida, a Espanha e Portugal. Já os países latino-americanos, salvo Costa Rica, são recorrentes violadores dos DH, seja por culpa dos governos centrais, ou pelos governos locais ocupados pela oposição, como em Bolívia e Equador.

Mesmo se a construção de uma democracia no estilo americano tivesse sido necessária para melhorar a Revolução Cubana, aparece de imediato este problema:

Como poderia ter sido criada uma democracia na Ilha? O país foi a última colônia da Espanha nas Américas e, portanto, a barbárie hispânica durou muito mais tempo que em outros países. Depois da independência, Cuba foi reduzida pelos americanos a algo pior que uma colônia: uma simples toca para tráfico, jogo, assassinato, máfia, escravidão, conspiração e crimes políticos, numa proporção maior que em outros países ocidentais. Em 1959, Cuba tinha uma multidão de mercenários de Batista, uma oligarquia que fugiu em seguida, uma classe média pouco desenvolvida, e uma grande maioria de miseráveis. Não existia nenhuma tradição de democracia.

Se o M26 tivesse querido convocar eleições, não teria sabido como fazer. De onde surgiriam os partidos e candidatos? Como se criaria uma legislação eleitoral num país com criminosos fantasiados de juízes e legisladores? Como os partidos poderiam fazer projetos com base numa realidade ainda sem forma? Ao exigir democracia (que não exigia às ditaduras do continente), os EEUU pretendiam que o governo facilitasse a criação de um partido financiado pelo governo americano e obediente a ele.

Entretanto, depois de aprovada a Constituição Socialista (1976), que deveria ter sido produzida muito antes e com base numa visão marxista mais eclética e não centrada, como esta, na União Soviética do período de decadência, Cuba teria tido condições para construir uma verdadeira democracia. Obviamente, nenhuma direção política pode abrir as portas do poder a tendências contrárias aos princípios que sustenta. Ainda hoje, em países superdemocráticos, como a Suécia ou a Dinamarca, não é reconhecido nenhum partido nazista. Dentro do respeito aos DH, ao desenvolvimento do socialismo, à defesa da autonomia, à colaboração com revoluções similares, o governo deveria ter favorecido uma variedade de tendências, que concorreriam saudavelmente para criar um verdadeiro comunismo.

Uma nota pessoal sobre isto: quando meu tio José Lungarzo (1922-2000) chamado “camarada Juan”, veterano da 4ª Internacional e voluntário das luta de libertação da África, reprochou a Fidel Castro, em 1962, a falta de democracia popular na Ilha, foi detido e esteve preso várias semanas, até que Guevara intercedeu por ele, porém sem muito entusiasmo.

Os Direitos Raciais

Após a invasão à Baia dos Porcos, Fidel Castro entendeu que tornar-se aliado da União Soviética era a única maneira de não ser esmagado. Não sabemos por que os membros da cúpula do M26 adotaram a forma soviética de “marxismo”. Provavelmente, alguns amigos de Fidel que provinham da esquerda, como o próprio Guevara, entenderam que a visão marxista balizaria as decisões éticas e sociais da Revolução.

Não se pode descartar, porém, que apesar de que o marxismo tinha sido reduzido por Stalin a um ritual (algo como o cristianismo para os Estados Unidos), existisse em alguns setores da União Soviética uma convicção séria da superioridade ética do socialismo sobre o capitalismo, e do pensamento científico sobre o misticismo. Então, a cúpula cubana encontrou nos soviéticos, além do apóio econômico, um modelo de sociedade. Inicialmente, Fidel era um nacionalista católico de mentalidade popular e caridosa, e o contato com a visão secular, científica e aparentemente internacionalista dos soviéticos, deve tê-lo impressionado. Esses fatos influíram na premência do governo para melhorar a educação, a saúde pública, e combater o racismo, a xenofobia e outras discriminações.

Antes da Revolução, os negros (cerca de 10%) e os miscigenados (23%) sofriam uma discriminação de fato como no Brasil, proporcional também ao grau de negritude. Além disso, existia uma segregação oficializada semelhante à do Sul dos Estados Unidos, que proibia o acesso de afrocubanos a certas profissões e lugares de lazer ou cultura. O racismo do catolicismo espanhol, para o qual os negros eram ferramentas de escasso valor, encontrou reforço no racismo americano, menos cruel, porém mais arguto.

A direção cubana traçou vários planos de luta contra o racismo, eliminando as proibições legais e tentando capacitar afrocubanos nas universidades soviéticas. Entretanto, para alguns membros do governo de extração pequeno burguesa era difícil modificar sua própria visão dos negros, cujas famílias tinham tratado sempre como semi-escravos.

Os planos contra o racismo progrediram lentamente, mas, apesar dos esforços do governo, esta mazela não pôde ser erradicada. A antiga elite branca e católica com fortes raízes hispânicas se recusava à integração racial. Só houve uma diminuição sensível, parcialmente devida ao aumento do êxodo da classe alta, alguns anos depois. Mas ainda hoje o preconceito racial é forte, porém menor que em qualquer outro país do Continente.

Direitos da Vida Privada

Até tempos recentes, a direção cubana nutria preconceitos contra homoeróticos e alternativos sexuais. Estes preconceitos estiveram enraizados na liderança revolucionária, que provinha da pequena e média burguesia branca, católica e hispânica. Seus membros careciam de toda formação sociológica, estando movidos apenas por certa filantropia com os miseráveis, e seus valores eram fortemente machistas. A este preconceito se adicionaram as teorias pseudo-científicas sustentadas pelos soviéticos, que, seguindo a biologia mecanicista do século 19, consideravam a homossexualidade uma doença, que devia ser tratada pela psiquiatria.

Esta discriminação se manteve até a década de 80, quando as autoridades psiquiátricas de Havana começaram a desenvolver um projeto para “ajudar aos homossexuais a curar-se” (sic!). Nos anos seguintes, o preconceito diminuiu em intensidade, e os alternativos deixaram de ser punidos, mas isso não eliminou a tendência policial a incomodar as comunidades GLBT.

A primeira grande abertura em direção à diversidade sexual, foi muito tardia. Depois de aposentadoria de Fidel Castro, em 2006, algumas leves mudanças propostas por seu irmão melhoraram a vida sexual em geral.

Em maio de 2009, a sexóloga Mariela Castro, filha do presidente, que liderou grandes campanhas em defesa dos direitos dos GLTB, e promoveu a implantação de cirurgias de mudança de sexo, organizou uma grande festa semelhante às celebrações do Orgulho Gay.

http://worldfocus.org/blog/2009/05/29/gays-in-cuba-join-conga-line-against-homophobia/5571/

O Direito de Crença

Cuba não conseguiu lidar corretamente com o direito individual de ter ideologia própria. A liderança cubana acredita que as crenças ou ideologias opostas ao governo são, elas próprias, projetos para prejudicar o estado. Um estudo favorável ao capitalismo pode ser interpretado como “conspiração capitalista” para derrubar o governo.

Nos últimos anos (possivelmente desde 1990), quando o entusiasmo socialista arrefeceu entre a própria liderança, essa diversidade ideológica passou a ser interpretada não já como um desafio ao socialismo, mas como um desafio pessoal aos dirigentes. Por causa dessa visão, dissidentes pacíficos com projetos legítimos são tratados como inimigos.

No relativo às crenças religiosas, o governo adotou critérios menos duros que em outros países socialistas, mas teve três tipos de problemas: (1) O enorme patrimônio da Igreja Católica e das maiores Igrejas Reformadas obstruía a socialização da propriedade. (2) A educação, que pretendia ser progressista e humanista, era monopolizada pelos católicos e, numa medida muito menor, pelos protestantes. (3) Tanto católicos como protestantes tentaram abertamente sabotar a Revolução, e depois do ataque à Baia dos Porcos, a CIA ofereceu a 80% do clero cristão, polpudos contratos e cidadania americana.

Não houve combate à religião como crença independente do poder. Uma prova disto é que nenhuma das muitas seitas sincréticas foi incomodada. Mas, Fidel Castro em particular se envolveu em críticas à Igreja Católica, o que culminou em sua excomunhão em 1962. Mas, em 1992, a tensão diminuiu, e, em 1998, o Papa incluiu a Cuba em sua lista de fregueses.

Apesar de ter uma educação técnica e científica de qualidade, Cuba não pôde brindar à juventude uma educação sociológica e humanista para transformar o ser humano no “novo homem”, de que Guevara falava muito, porém sem dar uma definição operativa. Para superar as superstições injetadas no povo, uma solução teria sido oferecer cursos sobre a origem do capitalismo, a história da América Latina, o papel dos EEUU, a função da Igreja, e os princípios científicos da vida e a natureza usurpados pela charlatanagem. Em vez disso, em 1962, talvez por esnobismo intelectual, o Ministério de Educação introduziu os conceitos mais filosóficos, estéreis e marginais do marxismo, agravados pelas adaptações russas. Assim, na Universidade de Havana se ministravam, na primeira metade dos anos 60, três disciplinas de materialismo dialético (!) nos cursos de engenharia.

Segurança e Direito de Emigração

A necessidade de segurança de Cuba não era nova no mundo socialista. Quando os bolchevistas ganharam o poder, sua imediata preocupação foi a defesa contra ataques de outras potências, dos reacionários remanescentes, dos separatistas, dos czaristas, dos futuros nazistas, em fim, de todos. Quando uma sociedade se subtrai do domínio dos poderosos, a reação destes chega na forma mais violenta possível.

Após a vitória da Revolução Cubana, sua relação com outros países não alterou em seguida. Os americanos estavam cansados dos problemas criados por Batista, e tinham certeza de poder comprar o novo governo, mantendo a opressão com a máscara de democracia. Mas, depois dos primeiros atos autônomos dos cubanos, a Casa Branca reagiu com agressividade. À medida que foi passando o tempo, as ameaças de espionagem, sabotagem, terrorismo e difamação induziram o governo cubano a restringir algumas liberdades individuais. Cuba estava na seguinte alternativa: manter as liberdades arriscando a segurança, ou cuidar da segurança, restringindo as liberdades. A opção pela segurança é, na maioria dos casos, um pretexto para manter maior controle sobre a população e estender o poder do governo. Argumenta-se, às vezes, que o descuido da segurança pode favorecer sabotagens e contragolpes que, de maneira imediata, produziriam um dano maior aos DH.

Cuba fez opção pela segurança radical. Se a segurança do país tivesse sido descuidada, permitindo a circulação internacional de “turistas”, a formação de uma eficiente rede terrorista teria sido facílima. Formada uma “quinta coluna”, um ataque como o da Baia dos Porcos não teria fracassado. Entretanto, o equilíbrio entre segurança e DH deve ser balançado. Os DH são princípios universais, indivisíveis e imprescindíveis na sua totalidade. Apesar disto, deve reconhecer-se que existem algumas fronteiras difusas, embora elas sejam rígidas em sua maioria. Por exemplo, tortura, pena de morte, racismo, humilhação, e outros, são direitos absolutos e qualquer polêmica sobre eles é uma perversão dos DH.

Mas, alguns direitos não são básicos. Por exemplo, toda pessoa tem direito ao deslocamento. Ninguém deve ser proibido de sair de seu país, mas poderia estar sujeito a condições que evitem que sua viagem possa alterar a segurança de outros cidadãos.

Em geral, as restrições sobre deslocamento nos países socialistas, incluindo Cuba, não estão nessa fronteira entre o direito comum e o direito humanitário. Os cidadãos aos que se impediu viajar eram, em sua maioria, pessoas normais que procuravam uma vida que consideravam melhor. O único “perigo” que representavam para o governo era a possível propaganda contra Cuba. Então, esses direitos não foram limitados por real segurança, mas por um sentimento chauvinista e patrioteiro de ocultar os problemas do país no exterior.

Não há fontes para comparar exatamente as proibições de ir a vir por motivos de segurança, com as proibições produto do arbítrio, da desconfiança e do autoritarismo. Mas uma visão intuitiva sugere que estas são muito mais.

Um ponto de vista interessante sobre a relação segurança/DH (menos radical que o meu) está na conferência de Jean-Louis Roy, neste link (Canadá, 05/2004):

www.dd-rd.ca/site/_PDF/publications/intHRadvocacy/bridgingrightsandsecurity.pdf

Censura e Direito de Expressão

Repudiar a participação estatal ou social na mídia é uma posição política que nada tem a ver com DH. As oligarquias são donas de jornais, rádios, TV e outros meios, e defendem seus privilégios, como sempre há acontecido. Ora, querer mostrar que um limite a esses privilégios é uma violação dos DH, é uma hipocrisia que nem merece ser discutida. Apenas uma observação: Que porcentagem os habitantes de um país (qualquer país!) tem alguma possibilidade de expressar-se por meio da mídia privada?

Mas, as acusações de real limitação do direito de expressão em Cuba são verdadeiras. Não é que a política cubana seja condenável porque não há mídia privada. Isso afeta apenas o privilégio da propriedade de meios, um privilégio que só os muito ricos têm. O grave é que o governo pune a pessoas individuais ou a grupo de pessoas, que expressam sua dissidência com a política do governo.

As autoridades cubanas continuam aplicando punições contra pessoas independentes que as criticam. Aliás, mesmo nos momentos mais críticos de uma sociedade, o direito de opinião, crítica, contestação e desafio não devem ser confundidos com a difamação ou a criação de rumores golpistas. Aliás, se um sistema social é tão frágil que pode ser destruído apenas pela crítica, será que vale a pena defendê-lo?

A negativa a aceitar a crítica originou-se nas teocracias, especialmente com credos monoteístas. Nesses sistemas políticos, há uma opinião oficial (como as declarações “infalíveis” do Papa), que não pode ser contestada sob pena de punição. Os movimentos socialistas se apresentaram sempre como defensores da emancipação humana; portanto, seu uso de censura que é de origem religiosa, significa um grave desvio.

A explicação para este fato em Cuba, na China e na URSS é a brusca transição da sociedade tradicional, supersticiosa e obscurantista, a um estado que pretende ser socialista sem ter passado pelo Iluminismo. A direção cubana se manifestou muitas vezes científica e laica, e o tem demonstrado em algumas campanhas sociais. Entretanto, alguns resíduos da censura teológica continuaram poluindo as decisões do governo. Vale observar que, em países capitalistas com culturas conservadoras existe também este tipo de sacralidade, porém de sinal oposto. Na Itália, por exemplo, críticas contra a Igreja podem ser punidas com cadeia.

Cuba tem levado aos níveis mais absurdos, dignos de uma sociedade do século 13, a submissão de seus cidadãos. Pode ser crime criticar o presidente, faltar com o respeito “aos símbolos pátrios” (!) e outras bobagens.

Direito a Trato Digno

Muitas vezes, os dirigentes cubanos têm contraposto seu sistema político com a brutalidade de outros estados, onde se praticam de maneira sistemática tortura e extermínio. Os países latino-americanos são atualmente democráticos. Então, as torturas e crimes cometidos nesses países não podem ser atribuídos a nenhuma ditadura. Apesar da escassa informação que temos sobre Cuba, supõe-se que os tormentos aplicados a prisioneiros estão num nível muito menos brutal que os utilizados pelas prisões argentinas, brasileiras ou peruanas, e são menos freqüentes. Também se desconhecem genocídios e massacres no campo ou em favelas.

Entretanto, o tratamento dos prisioneiros é extremamente rude e pode ser uma forma indireta de tortura. Em alguns casos, se registraram mortes por espancamento.

www.cubaverdad.net/torture_in_cuba.htm

Direitos Sociais

Anistia Internacional e muitas outras organizações neutrais reconhecem o bom nível dos direitos sociais em Cuba, quando comparados com a maioria dos países latino-americanos e até com alguns países industriais. Seguem fragmentos de uma tabela sobre o Desenvolvimento Humano de vários países, na que aparecem Cuba e o Brasil.

Este texto foi extraído do Relatório de Desenvolvimento Humano 2009 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, compilado com base em dados de 2007 e publicada no dia 5 de Outubro de 2009.











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*Carlos Alberto Lungarzo foi professor titular da UNICAMP até aposentadoria e milita em Anistia Internacional (AI) desde há muitos anos. Fez parte de AI do México, da Argentina e do Brasil, até que esta seção foi desativada. Atualmente é membro da seção dos Estados Unidos (AIUSA). Sua nova matrícula na Organização é o número 2152711.

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PressAA

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sábado, 27 de fevereiro de 2010

Human Rights Watch: Quando haverá um Inquérito sobre Tortura nos E.U.A.?

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Timothy BANCROFT-HINCHEY

Nos Estados Unidos da América, foi recentemente concluído em um relatório de alto nível que os advogados que escreveram memorando autorizando a tortura não violaram a ética jurídica, um escândalo que levou a Human Rights Watch a pedir uma investigação completa sobre o abuso de detentos. A questão também se coloca como o responsável retirou do relatório original "má conduta profissional", e adoptou "má avaliação".

Duas palavras digitadas em um mecanismo de pesquisa da Internet irá imediatamente levar o pesquisador ao site britânico Iraq Inquiry, um estudo aprofundado do comportamento do Governo britânico no Iraque para julgar se o Reino Unido agiu ilegalmente em entrar na guerra fora dum mandato da ONU, um processo no qual os primeiros-ministros e funcionários do governo do passado e do presente são submetidos ao mesmo tratamento que "cidadãos comuns".

Será que tal inquérito seja possível nos Estados Unidos da América? Claro que não! E, após os resultados do Relatório do Departamento de Justiça dos E.U.A. sobre o comportamento dos advogados que trabalham para a Administração Bush, isso não é surpresa.

"Má avaliação," é a consideração do relatório, realizado pelo Gabinete do Departamento de Justiça de Responsabilidade Profissional, relativas à emissão de notas, que autorizaram a tortura, mas não uma violação das normas legais de ética. Assim, podemos então inferir que, se nos Estados Unidos da América autorizar para perpetrar um ato de tortura é apenas “má avaliação”, o que acontece com o terrorismo? É "Má avaliação"?

No entanto, há algo mais sinistro. "Má avaliação," foi o termo referido na versão final do relatório, revisto por David Margolis, do Gabinete de Responsabilidade Profissional, que fez a revisão da primeira versão e anulou a adoção da expressão "falha profissional" contido em uma versão anterior.

No entanto, apesar desta aparente tentativa de enfraquecer o relatório, Andrea Prasow, conselheira sênior sobre terrorismo da Human Rights Watch, considera que "apesar de não conseguir considerar que os ex-advogados do Departamento de Justiça foram responsáveis por má conduta, o relatório do Departamento de Justiça, no entanto, fornece fortes evidências indicando que os autores destes pareceres jurídicos devem ser investigados pelo seu papel em facilitar a tortura ".

Em suma, se os Estados Unidos da América e o seu Presidente são sérios quando falam de mudança, e devemos lembrar que ele foi eleito exatamente por isso, então Mudança tem que significar a execução e implementação da política da Administração dos E.U.A. de uma forma que é transparente , acima de qualquer suspeita e inteiramente não só dentro da letra da lei, mas também todos os códigos de ética.

Quando juristas sêniores emitem pareceres que são cuidadosamente elaborados para não cumprir a lei, mas sim para facilitar a tortura, então certamente, se algo não é considerada errada, então só podemos concluir que os Estados Unidos da América não mudou um milímetro e provavelmente nunca irá, no futuro próximo, pelo menos.

Onde está a mudança, Senhor Presidente Obama?


Timothy BANCROFT-HINCHEY
PRAVDA.Ru
Editor-Chefe

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Nota Assaz Atroz

"Houve tortura na Ilha de Cuba, sim senhor, mas na base de Guantánamo, que não é nosso território. Fale para eles [entidades de direitos humanos] que discutam conosco direitos... em igualdades de condições e vamos ver o que sai. Quem controla a imprensa? Vocês são jornalistas e sabem disso. Quando escrevem algo que não convém ao dono o que acontece? Desde que um tal de Guttemberg inventou a imprensa, só se publica o que quer o dono da empresa." (Raul Castro, ao ser questionado sobre o desrespeito aos direitos humanos em Cuba e após lamentar a morte de preso em greve de fome; 25-02)

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Deus e o diabo na cabeça de um só

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A luta para domar o Mal dentro de nós mesmos. Esta, se não é a única, é, provavelmente, a mais importante virtude humana.

Fernando Soares Campos*

A tentativa de separar Deus do Diabo gera crise existencial?

Deus, em qualquer das formas que possamos nele crer, é amor e ódio, é ignescente lava vulcânica e montanhas de eterno gelo glacial. Deus é doce mel e amargo fel, é o Bem, o Mal e as nuances que os confundem. Depende apenas da forma, da imagem e idéia que fazemos do nosso deus pessoal e intransferível.

Não estou afirmando que Deus é uma invenção humana, refiro-me apenas à maneira como cada um de nós o percebe.

Deus é infinitamente múltiplo, portanto, único (“Vós sois deuses”, João, 10:34. “Vós podeis fazer o que eu faço e muito mais” João, 14:12).

Somos deuses porque há em nós um latente potencial para realizarmos maravilhosos feitos. Tantos já foram realizados porque muitos de nós já consegue fazer uso de uma ínfima parte desse potencial.

Mas Deus não é alguém nem é ninguém. Não é um ser pessoal. Por necessidade fundamentada no nosso atrasado estágio de evolução, inerente ao processo de desenvolvimento e aperfeiçoamento do saber e dos princípios éticos, podemos até personificá-lo, se levarmos em conta a hierarquia necessária ao equilíbrio funcional de todas as coisas. (“Ninguém vai ao Pai, senão por Mim”, João, 14,6).

Deus, por uma de suas infinitas definições, é a soma desses potenciais existentes em todas as coisas, sejam minerais, vegetais ou animais; potenciais disponíveis na alma humana e no âmago da matéria em qualquer de suas formas.

Deus é a Lei Universal, da qual conhecemos muito pouco, ou fazemos questão de conhecer apenas os seus intróitos, mesmo assim interpretando-os conforme o interesse de nossas semiconsciências, apenas o suficiente para nos odiarmos fazendo caras e bocas de amor ao próximo.

Conforme preceitos bíblicos, “nem uma folha cai sem que seja a vontade de Deus”. Acredito que o mais correto é dizer que “nada acontece sem a permissão de Deus”. “Vontade” é força que realiza desejos, ou que se empenha para realizá-los. “Permissão”, neste caso, é conquista da liberdade de ação (boa ou má). “Permissão” aqui não significa o aguardo de ordens superiores, mas a conquista das condições favoráveis à ação. Com a permissão para agir, com a disponibilidade dos elementos adequados ao empreendimento da ação, passamos ao exercício do chamado livre-arbítrio, que se manifesta de acordo com o estágio da formação do caráter personalista.

Ninguém precisa ser fatalista para acreditar na quase inevitabilidade de certos acontecimentos. Porém, para se determinar que um futuro acontecimento venha a ser inevitável, há que se observar a complexidade das causas que o desencadearão. Nada acontece sob o impulso de um fator isolado, como único elemento determinante de um fato. Todos os elementos do Universo funcionam com autonomia da própria vontade, intrínseca ao livre-arbítrio, mas dependentes daquilo que lhes possa ser permitido realizar.

A permissão divina não pressupõe conivência de Deus (ou sua incondicional anuência) com o ato praticado. Deus (a Lei Divina) faculta as ações para que os homens testem a si próprios. Dizem, por exemplo, que o poder corrompe, entretanto o homem que assumir qualquer poder sobre o seu semelhante, a cada exercício desse poder dirá para si mesmo se o poder o corrompeu, ou se apenas lhe revelou seu próprio caráter corrupto, latente em sua alma, contra o qual muitas vezes lutamos. Observe que Jesus, ao nos ensinar a orar, não recomendou que pedíssemos a Deus que não fôssemos tentados, mas que não caíssemos em tentação. “Não nos deixeis cair em tentação.”

A ocasião não faz o ladrão, apenas desperta a tendência à ladroagem, e se esta inclinação não for reprimida (pela lei e pela consciência), o ladrão se desvela.

O estuprador não pode alegar que foi tentado e, por isso, não se conteve. Isso não constitui atenuante ao crime de estupro.

“Nunca me corrompi!”, diria o homem que nunca sofreu a tentação planejada por um corruptor externo, alguém que poderia lhe oferecer privilégios em troca da liberalização do vírus da desonestidade nele incubado, como qualquer agente infeccioso que percorre seu corpo em busca de oportunidade para se manifestar.

Pessoas que ainda não tiveram oportunidade de provar para si mesmas que não se renderiam a propostas indecentes e se autoproclamam honestas até no controle de suas mais irreprimíveis emoções, estas são como virgens numa ilha deserta: quando o cio lhes provoca a fúria do desejo sexual, só lhes resta masturbar-se.

A luta para domar o Mal dentro de nós mesmos. Esta, se não é a única, é, provavelmente, a mais importante virtude humana.

Se algum de nós já não sente qualquer impulso para a prática do Mal, conforme os conceitos ditados pela nossa consciência, contrapondo-o ao que possa vir a ser o Bem, então esse alguém já não pertence à categoria humana, sublimou-se, já alcançou esferas muito mais elevadas, extrapolou a perfeição moral relativa à vida na Terra. Se estiver encarnado aqui entre nós, encontra-se na condição de missionário divino.

E como um missionário divino poderia conviver entre nós, almas potencialmente corruptas? Seria agindo como um ser ainda em conflito com a formação do seu caráter, como nos encontramos aqui na Terra? Não. Ele seria apenas compreensivo, entenderia a fraqueza humana e, por isso, toleraria o criminoso sem justificar o crime cometido.

Essa história de que o Bem sempre vence o Mal é balela, feliz apoteose de novela épica. Na eterna guerra entre o Bem e o Mal nunca haverá vitoriosos, pois não há vitoriosos em guerra alguma. O estado belicoso, por si mesmo, já caracteriza perda (derrota) para ambas as partes.

O término de uma batalha, ou da guerra, não pressupõe êxito de qualquer das partes em conflito. Mas a deflagração da guerra evidencia a derrota dos conflitantes.

Certa ocasião meu analista me perguntou: “O ser humano ri porque se sente feliz, ou se sente feliz porque ri?” “Choramos porque ficamos tristes, ou ficamos tristes porque choramos?”

Naquele momento tive o impulso de dizer que rimos porque nos sentimos felizes e choramos porque ficamos tristes. Mas me contive, pois outros pensamentos assomaram à minha alma semipensante: “O homem fica feliz por suas vitórias no campo de batalha, ou pela derrota do seu adversário?” “Triste porque perdeu a batalha, ou porque aquele adversário venceu?”

Aparentemente, tudo isso aí tem o mesmo sentido. Mas as aparências enganam.

Aquele que se autoproclama honesto até no controle de suas mais irreprimíveis emoções diria que sua felicidade se concentra totalmente em suas próprias vitórias, conquistas, feitos, méritos e supostas virtudes pessoais. Jamais admitiria que um prazer mórbido insiste em comemorar o fracasso alheio, ou chorar pela vitória de outrem, seja a glória de um dos seus desafetos, ou, pior, o triunfo de um daqueles a quem ele chama de “amigo” (talvez isso explique a famosa frase atribuída a Tom Jobim: “No Brasil, sucesso é ofensa pessoal”).

A meu ver, a crise existencial nossa de cada dia está relacionada com esta nossa tentativa de separar Deus do Diabo, aplicando conceitos pessoais, semiconscientes, sobre o Bem e o Mal, sem considerarmos que, dentro de nós, um não existiria sem o outro.

Estamos, como afirmou Sartre, “condenados a ser livres”?

Então... somos livres para viver como condenados?


*Editor-Assaz-Atroz-Chefe

Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O CARNAVAL DA SAPUCAÍ ESTÁ PERDENDO O BRILHO NATURAL

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Lou Micaldas*

Como assim? Assim mesmo. Se as luxuosas fantasias, incrustadas de pedras preciosas, e os carros alegóricos gigantescos e cada vez maiores, mais suntuosos, estão cobertos de brilho. Falta o verdadeiro brilho dos sambistas, das passistas com suas gingas características dos negros e das mulatas tão cantadas nas marchinhas e nos sambas inesquecíveis.

Desde criança, sempre vibrei com os desfiles que passavam na Avenida Presidente Vargas. Ainda peguei o tempo das desconfortáveis arquibancadas de madeira. Havia a vibração de cantar todos os sambas, que sabíamos de cor, de torcer pela melhor escola, como nos times de futebol, mostrando o bom-humor e o sangue quente do carioca. Os mestres-salas e as porta-bandeiras exibiam suas coreografias exclusivas, uma das poucas criações que se manteve até hoje.

Os desfiles eram menos organizados e, por isto, mais livres. Havia uma integração natural entre as classes sociais. Podíamos entrar atrás das escolas nos final de cada desfile. Hoje é proibido. Tomara que os blocos voltem com força pra ficar. E os que ainda desfilam não percam a sua originalidade. Só assim podemos voltar a brincar carnaval, porque atualmente somos meros assistentes, pagando caro para pouquíssimo conforto.

Com a introdução da comercialização, da competição financeira, política e dos meios de comunicação, o desfile virou show de luxo que apresentam comissões de frente com coreografias ensaiadas, parecendo um grande espetáculo da Broadway.

Quem não gosta de luxo? É muito lindo, mas os integrantes das favelas perderam espaços preciosos pra pessoas que passaram a comprar fantasias e entrar no desfile oficial. A grana recolhida cresceu e nos anos seguintes começaram a surgir “as superescolas de sambas SA, superalegorias...”, geralmente mantidas por empresários do grande negócio que se tornou o desfile das escolas de samba, como cantou a escola Império Serrano no enredo: Bum bum paticumbum prugurundum, em 1982 de Aluízio Machado.

As rainhas das baterias não são mais aquelas mulheres pertencentes às favelas e às comunidades. Estão sendo obrigadas a cederem seus lugares na avenida, nas grandes publicações e, principalmente, nas telas da TV para as celebridades televisivas que vemos quase que diariamente.

Por mais que tenham tentado aprender em academias de danças ou com “personal dancer”, não substituem, em qualidade, o genuíno gingado das sambistas que perderam para atrizes e apresentadoras de TVs o título e a coroa de rainhas que lhes são de direito.

Quase tudo é comprado. A começar pela cobertura do Carnaval ou barganhado, seguindo a filosofia da roubalheira das nossas autoridades em todas as esferas dos governos do Brasil, "do meu Brasil brasileiro, meu mulato isoneiro... terra de samba e pandeiro..." (Aquarela do Brasil de Ary Barroso – 1939)

Quanto maiores as escolas, mais destaques em cima de pedestais. Mal conseguem dançar, equilibrando o peso dos adereços nas cabeças, em espaço mínimo, onde são obrigados a se segurarem em um apoio, que os impedem de mover os braços na cadência musical. Mesmo pelados, é impossível mostrar a leveza do samba no pé.

Tenho saudades da cadência do samba no pé, da malemolência livre da técnica das coreografias ensaiadas, vulgarizando nossa vocação ao improviso pra macaquear os musicais “certinhos” da Brodway.

Tenho saudades das princesas negras do carnaval, como a Pinah, que encantavam os príncipes da vida real, da Gigi da Mangueira, do Joãozinho trinta, verdadeiro artista que inovou com o enredo “ratos e urubus larguem a minha fantasia”, no qual o último carro, que foi proibido, entrou na avenida, coberto por sacos pretos, com a frase, “mesmo proibido, rogai por nós.”
Faço minhas a palavra dele.


*Lou Micaldas é professora, formada pelo Instituto de Educação, e jornalista, criada e formada no Jornal do Brasil; administra o site Velhos Amigos e colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz.

http://www.velhosamigos.com.br/



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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Faz de Conta Miserável

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Eles entram com a faca e os nossos bravos Caetés com o queijo, ou algo semelhante


Macleim Carneiro Damasceno*

Tenho certeza que os 14 leitores do Quiprocó sabem o significado da palavra tripudiar. Mesmo assim, vamos à definição de um dos nossos mestres conterrâneos. Pois bem, lá no Aurélio, tripudiar significa: levar ou pretender levar vantagem sobre alguém, humilhando-o, escarnecendo-o. Mas, quem foi tripudiado? Quem tripudiou quem? Na verdade, historicamente, fica fácil saber quando se trata da relação estado/artistas locais. Isto posto, apresento abaixo alguns valores de mercado que depois de analisados poderão formatar, literalmente, um juízo de valor.

1) O preço da hora em um razoável estúdio de gravação profissional, aqui no aquário, varia entre 30 e 50 reais.

2) Teoricamente, é necessário um mínimo de 100 horas para gravação e mixagem de um CD com 12 faixas.

3) Os músicos costumam cobrar por faixa (música gravada). No nosso mercado pueril e sem sindicato, não há tabelas. Portanto, o preço varia ao sabor da camaradagem e vai de 50 a 100 reais, por faixa.

Muito bem, vamos fazer um cálculo básico. Levando-se em consideração o preço médio de 40 reais por hora de gravação, teremos um total de 4 mil reais gastos com estúdio. Suponhamos que um músico grave em todas as 12 faixas. Esse trabalho lhe renderia um mínimo de 600 ou um máximo de 1100 reais. Porém, sem querer tripudiar, na “brodagem”, como é bastante comum aqui, consideremos uma média de 80 reais por faixa, o que daria um cachê de 960 reais. A não ser que o sujeito faça um disco só de voz e violão, normalmente são necessários, no mínimo, três músicos para executar os arranjos de base. Portanto, 960 X 3 = 2.880 reais, apenas para os músicos de base, sem considerar dobras e complementos. Peguemos então os ingredientes dessa receita e façamos a soma. Teremos um bolo solado de 6.880 reais, porém, com algum sabor para o nosso mercado incipiente. Mas, e o resto do disco? Parou aí, ou será de graça? Nada disso. Faltam ainda: masterização, parte gráfica e prensagem.

Com tantas faltas, falta também uma pergunta bastante pertinente: quem elaborou o edital Nº 003/09 da Secretaria de Cultura do Estado de Alagoas - SECULT –, que institui o Prêmio de Incentivo à Produção de CDs e/ou DVDs, acha mesmo que a premiação de R$ 3.000,00 (três mil reais) e R$ 5.000,00 (cinco mil reais) é suficiente para que, além de tripudiar com a fragilidade e dependência dos proponentes? Tudo bem, dizem, e não é no edital, que a premiação é para aqueles que precisam apenas finalizar seus discos. Ora, que seja, mesmo assim, com essa dinheirama toda, nossos guerreiros Caetés terão que prensar seus discos no formato SMD (aquele que o disco já vem com o preço de R$ 5,00 (cinco reais) nas capinhas tipo envelope, iguais as de CDs virgens que compramos em lojas de informática), se não quiserem sofrer as severas punições prometidas no edital. Ah, também podem esquecer uma masterização decente, num estúdio especializado. Quanto à parte gráfica, bem, essa, sabe-se lá que tipo de acordo farão com o design. Portanto, o resultado desse joguinho de faz de conta é: até poderá haver conteúdo, mas duvido muito do resultado técnico e estético desses produtos. A não ser que o investimento anterior à “premiação” tenha sido suficiente para fugir ao padrão do diletantismo amador.

Em contrapartida, leoninamente, o edital não poupa cláusulas no quesito “Das Obrigações dos Premiados”. Aliás, no quesito das obrigações tem umas coisinhas tripudiosas e, para dizer o mínimo, totalmente desproporcionais à premiação. Uma das mais interessantes é essa: “os premiados poderão ser convidados a se apresentarem no Projeto Caravana Cultural e/ou no Projeto Misa Acústico, da SECULT, sem pagamento de cachê.” E como se não bastasse, estabelece na cláusula seguinte: “Os premiados autorizam a SECULT a registrar em audiovisual as apresentações artísticas no âmbito da Caravana Cultural, para veiculação em rádio, televisão, internet, cabendo-lhes obter as respectivas autorizações dos músicos e profissionais envolvidos.” Na certa desconhecem o que é direito autoral e, ao que parece, nossos bravos Caetés não largaram o pires nem para ler direito o edital do Bolsa Família musical. Ah, tem mais: “os premiados deverão entregar à SECULT 10% (dez porcento) do total de unidades do CD e/ou DVD produzido(s).” Mas, aí, tudo bem, é de praxe, não é? Não, não é não! O sujeito provavelmente já gastou 90%, ou mais, do total do projeto, com recursos próprios, nas etapas de gravação. Daí a Secult entra em cena com a merreca da premiação. Na seguência, via edital, pega de volta 500 reais em discos, levando-se em consideração que o “premiado” fez mil cópias daquele disquinho no formato SMD, comercializado a 5 reais.

Que beleza! Alguém duvida que, mesmo assim, em ano eleitoral, o nosso estruturante tchê cultural irá alardear aos quatro cantos a mediocridade de um edital oportunista como grande acontecimento? E que, em apenas um ano, sua gestão produziu 19 CDs e/ou DVDs? O pior é que não terá a menor dificuldade em provar, graficamente, o faz de conta miserável. Está lá, no tal edital: “em todo o material de divulgação do CD e/ou DVD, deverá constar, obrigatoriamente, as logomarcas do Governo Estadual -SECULT e do Fundo de Desenvolvimento de Ações Culturas –FDAC.” Pois é, mais uma vez, eles entram com a faca e os nossos bravos Caetés com o queijo, ou coisa semelhante.

Já o quesito “Da Premiação” é tripudiosamente enxuto, apenas duas cláusulas. Um delas diz: “serão concedidos até 19 (dezenove) prêmios no valor total de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais), sendo 09(nove) prêmios de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e 10 (dez) prêmios de R$3.000,00 (três mil reais). Cabe aqui uma observação capaz de demonstrar bem em qual latitude estamos, e a que ponto vai o faz de conta de ambos os lados dessa “bolachinha” (adoro esse termo pós-moderninho/caderno B). A verba total para premiação, no edital da Secult, sequer chega à quantia que alguns artistas receberam no ano passado para produzirem seus discos, pelo novo formato do edital do Projeto Pixinguinha. Aqui, no aquário, Wado e Vitor Pirralho foram contemplados, cada um com 90 mil reais. Resultado: produziram discos com as condições necessárias para um bom acabamento técnico. Outro bom exemplo é o Programa Petrobras Cultural (PPC), edição 2008/2009, para gravação com disponibilização em CD, que oferta R$ 1,3 milhões, distribuídos entre nove projetos premiados. O que dá uma média de 144 mil reais para cada projeto.

Procurei me informar sobre editais semelhantes, ao da Secult, no nosso vizinho do lado, Pernambuco. Consultei o Zé da Flauta, que despensa comentários como produtor musical e também já foi gestor cultural da prefeitura de Recife. Por e-mail e ele me respondeu assim: ”Os valores daqui também são precários, mas não são miseráveis como o daí!!!! Nossa, não dá nem pra passar o som da batera! Os valores aqui variam entre 30.000 e 50.000, dependendo do projeto. Mais do que isso eles não dão.”

Sei que novamente meti a mão numa cumbuca e, provavelmente, receberei ataques personalistas aos quais não responderei. Apenas lamento a falta de senso crítico dos que não conseguem perceber que este governo (não por acaso, neoliberal) enxerga algumas categorias como ameaça, na medida em que é prestimoso com usineiros e o topo da pirâmide econômico-social, enquanto que ao setor cultural, por exemplo, reserva apenas falsas promessas, migalhas, e um edital pífio como este. Mas, enfim, coerente e digno da atual gestão da Secult, ao menos para a categoria música.

Não me furtarei a opinar sobre assuntos da cultura alagoana, se assim puder contribuir para o debate crítico. Sou daqueles que acha que apontar os graves equívocos na gestão da política cultural em Alagoas não significa ser o dono da verdade, mas significa não abdicar do direito cidadão em discutir e construir novos parâmetros. Mesmo que pouco ou nada adiante, entendo ser um dever democrático e um exercício da cidadania. Pelo menos, em mim, fortalece a utopia inerente ao caminhar em busca de mudanças positivas para todos.

No +, MÚSICAEMSUAVIDA!!!

http://alagoasdiario.com.br/blog/blog7.php

Internet Côco

(Mácleim)

Quando ouvi o côco com embolada

De noite de madrugada

Pela Rua do Ouvidor

É meu destino

De maneira improvisada

Andando pela calçada

Cantando pro meu amor

E ela, nada...

E ela, nada...

Também, pudera

Cantador que na espera

Desespera quando a bela

Faz sinal de aparecer

Assim sou eu

De frente para a janela

Que supostamente ela

Vai abrir e me dizer

Que eu tô de cara...

Que eu tô de cara...

Imbolá côco é assim

Imbolá côco é assim

Se a gente perde o começo

Não sabe quando é o fim

Desesperado eu tentei a internet

Na home page de Margareth

Que um dia acessei

Seu endereço

Tinha ponto com e barra

Minha sorte foi lançada

Num e-mail que eu mandei

Eu navegava...

Eu navegava...

Virou um vício

Era um custo benefício

Já com cara de ofício

Já com jeito de divã

Minha memória

Só pensava em Margareth

Minha vida era um disquete

De capacidade RAM

E se agravava...

E se agravava...

Imbolá côco é assim

Imbolá côco é assim

Se a gente perde o começo

Não sabe quando é o fim

Quase esqueci

A garota da janela

Minha musa, minha bela

Lá da Rua do Ouvidor

Eu tô plugado

Meu passado deletado

Já me sinto escaneado

Dentro de um computador

Em megabytes...

Em megabytes...

Quem sabe um dia

Nossa tecnologia

Restitua a fantasia

Do poeta cantador

E volte o tempo

Do côco, da embolada

De noite, de madrugada

Lá na Rua do Ouvidor

Pelas calçadas...

Pelas calçadas...

Imbolá côco é assim

Imbolá côco é assim

Se a gente perde o começo

Não sabe quando é o fim

(Internet Côco pode ser ouvida aqui... http://www.lucianopires.com.br/cafebrasil/podcast/?pagina=/2008/07/14/pequenas-vigarices/ )

*Macleim Carneiro Damasceno é cantor, compositor e produtor musical, considerado um dos maiores nomes da música do estado de Alagoas, conterrâneo do nosso Editor-Assaz-Atroz-Chefe.

Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A HORA E VEZ DOS EMIGRANTES

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Se é para pedir, vamos pedir tudo o que é nosso. Mandamos 7 bilhões de dólares para o Brasil e temos de nos sujeitar e nos satisfazer com as migalhas coloridas e analgésicas oferecidas pelo MRE?

Rui Martins*

Um emigrante brasileiro na Suécia, preocupado com tratamentos diferentes na embaixada local, daqueles da embaixada em Berlim, me obrigou a alguns esclarecimentos, já que o Direto da Redação é também lido por milhares de emigrantes, principalmente nos Estados Unidos.

Caro Joca Neto, da Suécia, você tocou no ponto principal, mesmo se muitos continuam não querendo ver.

A I e a II Conferências Brasileiros no Mundo, como explica o próprio DVD que estamos recebendo, foram trocas de experiências, contatos, diálogos, se você quiser, com o Ministério das Relações Exteriores. Nada mais que isso.

Como escrevemos no site http://www.estadodoemigrante.org/, foram um palco, uma ribalta, onde se permitiu a exibição livre com direito a todo emigrante de ser filmado, satisfazer sua vaidade pessoal, numa peça montada pelo Itamaraty com a Funag, mas sem qualquer resultado concreto.

E o Conselho de Cidadãos, com número restrito a 16 cidadãos, é uma tentativa de se ressuscitar um cadáver já podre de uma entidade de elite criada pelo ex-presidente FHC, do qual antes faziam parte os diretores do Banco do Brasil, da Vale do Rio Doce, da extinta Varig e completada com advogados, despachantes e alguns emigrantes.

Mas, e isso é muito importante, sempre sob a tutela do Consul local. Na verdade, esse Conselho pode levantar problemas mas não tem competência para resolver nada.

Quem compõe a maioria dos emigrantes ? Trabalhadores não qualificados que, infelizmente, não têm condições depois de um dia duro de trabalho de ir discutir coisas que não serão resolvidas. Esse Conselho é, portanto, uma outra cena, um mini-palco, onde se toca a música do MRE sob a batuta do Consul.

Nossa energia deve ser dirigida para a criação de alguma coisa que não esteja submetida a diplomatas, que agem de uma maneira neste país e de maneira diferente num outro país. Algo que tenha independência suficiente para atender as reivindicações dos emigrantes.

Por isso, defendemos a autodeterminação dos emigrantes, ou seja, exigir do governo a criação de uma Secretaria de Estado (como a dos Direitos Humanos, do ministro Paulo Vanuchi) com autonomia e com condições de decidir.

Caso contrário, nosso destino de emigrantes será o de enviar emails ao MRE pedindo isto, protestando contra aquilo, fazendo conferências meio luzes da ribalta, elegendo conselhos impotentes.

Veja bem, Joca Neto, nosso objetivo é o de conquistar a maioria dos emigrantes para algo concreto – a criação pelo governo de uma Secretaria de Estado ou mesmo um Ministério voltado para a emigração, mas que pode também abranger a migração e a imigração, dirigido por emigrantes e composto de emigrantes. Temos emigrantes, formados nos EUA, aqui na Europa ou no Japão, capacitados para assumir essa responsabilidade – elaborar leis, regulamentos, normas, diretrizes para a emigração, prestando contas diretamente à Presidência e não a um ministério. Preste bem atenção, os diplomatas também emigram mas não são emigrantes como nós, têm um outro status e outras preocupações.

Está na hora de começarmos a deixar claro e a denunciar os interesses de associações religiosas, de grupos que parasitam ou vampirizam os emigrantes, considerados ora um mercado religioso, ora um mercado econômico, para acentuarmos a necessidade de se criar um órgão governamental laico, capaz de beneficiar a todos e manter as distâncias entre órgão institucional e grupos e associações de interesses diversos.

Esse órgão deverá ter seus parlamentares, eleitos por nós e delegados por nós para nos defenderem no Congresso Nacional, em Brasília. E, deverá ter também um verdadeiro Conselho Consultivo, de uma centena de emigrantes eleitos, representantes de uma grande mostra dos núcleos de brasileiros emigrantes em todo mundo.

Sem esse três elementos, tudo é só festa. O que defendemos é a experiência de Portugal, da França, da Suíça, da Itália, do México, do Equador, que já conheceram fluxos emigratórios e que nos indicam esse caminho.

Se é para pedir, vamos pedir tudo o que é nosso. Mandamos 7 bilhões de dólares para o Brasil e temos de nos sujeitar e nos satisfazer com as migalhas coloridas e analgésicas oferecidas pelo MRE?

Se é para mandar emails, vamos pedir nesses emails que seja dada aos emigrantes, como de direito, a direção da Subsecretaria das Comunidades Brasileiras no Exterior para que se transforme a seguir na nossa Secretaria de Estado ou no nosso Ministério.

Vamos participar das próximas eleições de um Conselho, se houver, mas só para termos um trampolim para pedir que seja dado aos emigrantes o que é dos emigrantes e não de Ongs que se arvoram em representantes dos emigrantes. Queremos autonomia, independência, laicidade e autoderminação para o movimento emigrante e não ficar repetindo o rosário de queixas e de reivindicações, que justificam as verbas para Ongs, congressos, encontros, documentos e conversa mole de reis da vaidade.

*Ex- correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. Autor do livro “O Dinheiro Sujo da Corrupção”, criou os Brasileirinhos Apátridas e propõe o Estado dos Emigrantes. Vive na Suíça, colabora com os jornais portugueses Público e Expresso, é colunista do site Direto da Redação. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

Para Rui Martins, o governo brasileiro deveria criar uma nova política de emigração a exemplo de Portugal, França, Itália e mesmo México e Equador.

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http://www.francophones-de-berne.ch/



http://www.estadodoemigrante.org/

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O fabulista fuleiro

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Fernando Soares Campos*

Em 2001, Ricardo Noblat, o fabulista fuleiro, escreveu a fábula “O jantar do crocodilo com o urubu malandro”. A peça foi usada pelo então senador Roberto Arruda, que queria se livrar da acusação de ter violado o painel eletrônico do Senado.

Emocionado, Arruda (o crocodilo) subiu à tribuna e leu a fabulosa carta de Noblat (o urubu malandro), vertendo lágrimas do bicho chorão. A historieta girava em torno de um jantar entre o crocodilo e o urubu na noite do crime e deveria servir de álibi para livrar Arruda da cassação.

Não foi convincente, Arruda precisou renunciar ao cargo; pois, se nele permanecesse, seria cassado e perderia os direitos políticos por um longo período. Isto seria fatal para o crocodilo e, mais ainda, para o urubu malandro, ambos viciados em mensalões e mensalinhos, respectivamente.

Agora o urubu malandro, também conhecido como Noblá-blá-blá, escreveu um arremedo de fábula intitulada “Sina de Formiga”, em que o elefante destruidor de formigueiros seria o presidente Lula.

E as formigas?!

Ah, quem diria?! As formigas do Noblat são os dinossauros da oposição, que ele diz existirem “aos milhares”, mas omite a rainha FHC (talvez ela esteja se convalescendo de uma overdose de BHC).

Ora, haja sofisma! O fuleiro fabulistas tentou inverter os papéis, fazendo de Lula o gigante que Davi ousou enfrentar e, num só golpe, derrotou-o.

Lula é gigante, sim, mas um gigante enfrentando monstros de toda espécie. Lula não é um elefante esmagador de formigas, ele está mais para Hércules enfrentando leões, serpentes de muitas cabeças, cerberus, centauros, javalis e todo tipo de pavorosas criaturas.

Elefante destruidor de formigueiros é a mídia oligopolizada em que o Noblat atua como urubu malandro.

Formigas somos nós, que por estas veredas virtuais tentamos, o tempo todo, contra-atacar os elefantes que insistem em tentar nos destruir.

Petistas e lulistas de todos os formigueiros, ao ler a fuleira fábula do Noblat, se sentiram elefantinhos dando seus primeiros passinhos. Acharam lindo! Disseram até que o Noblat estaria desistindo de apoiar Serra e assumindo a defesa de Lula. Mas que elefantinhos desmemoriados!

A fábula fuleira do Noblat passa, sutilmente, a imagem de um Lula ditador.

E no final dá a “fórmula” para a vitória do Serra presidente:

“Aí José só vencerá a eleição se Dilma conseguir perder para ela mesma.”
Possível, é, embora...”

E como Dilma perderia “para ela mesma”?

Certamente o urubu malandro está dizendo que não há outro caminho, a não ser caluniar Dilma, arranjar factóides que destruam a sua imagem, pois não há como vencer as eleições com os “méritos” dos monstros disfarçados de formiga do Noblat.

O urubu diz ainda: “Dilma só existe como candidata porque Lula a inventou”.

Dilma é candidata, ô do mensalinho, porque conquistou esta posição. Na noite em que Lula foi reeleito, comemorei a vitória escrevendo em diversos sites de relacionamento: “Dilma 2010!” Eu e muitos outros militantes, nos formigueiros de relacionamento, já pedíamos Dilma presidente.

Só porque o oligopólio midiático para o qual o urubu malandro trabalha nunca apoiou a candidatura de Dilma, o sujeito diz que foi Lula quem inventou Dilma.

Os barões da mídia nunca perdoarão Lula por sua soberania consagrada pela opinião pública. Eles se sentem donos da opinião pública, querem que esta continue sendo tão-somente a opinião publicada; sonham em reeditar “o caçador de marajás”, ou, quem sabe, “o príncipe dos sociólogos”, hein?! Mas só dispõem de sociopatas.

O que mais choca nesse caso é ver milhares de formiguinhas petistas e lulistas disseminando a fábula fuleira do Noblat, como se este estivesse se rendendo a Lula.

Eu ia escrever muito mais, até pretendia intercalar comentários entre os disparates do urubu malandro, mas imaginei que isso seria subestimar a inteligência e poder cognitivo do leitor Assaz Atroz.

Leia a fábula fuleira do Noblat e tire suas próprias conclusões.

*Editor-Assaz-Atroz-Chefe

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Sina de Formiga

Ricardo Noblat

Era um inferno. Sempre que passava por ali, o elefante esmagava a entrada do formigueiro. Então as formigas decidiram reagir.

Um dia, aos milhares, saltaram sobre o elefante e começaram a picá-lo. Com um abanão das orelhas, o elefante livrou-se delas. Restou uma agarrada ao seu pescoço.

“Esgana o bicho, esgana”, gritavam as outras em coro.

O elefante da história está mais para Lula, aprovado por oito entre 10 brasileiros, assim como as formigas estão mais para a oposição – PSDB, PPS, DEM em fase terminal e uma fatia do PMDB.

Quem será a formiga que insiste inutilmente em esganar o elefante? Arthur Virgílio, líder do PSDB no Senado?

Ora, Arthur anda sumido desde que perdeu a batalha pelo afastamento de José Sarney da presidência do Senado. Há duas semanas, voou para um café da manhã com Barack Obama em Washington. Imaginava trocar idéias com ele. Havia dois mil convidados.

O Amazonas de Arthur é fortaleza do lulismo. Ele pretende se reeleger. Sabe como é...

A formiguinha suicida seria José Agripino Maia, líder do DEM no Senado?

Agripino anda muito ocupado com o escândalo que engoliu o único governador do seu partido, José Roberto Arruda, do Distrito Federal, preso numa cela da Polícia Federal, em Brasília. O escândalo ainda ameaça engolir o vice Paulo Octávio, do DEM.

E Sérgio Guerra, presidente nacional do PSDB?

Poupemos Guerra. O coração dele bate acelerado diante da demora do governador José Serra, de São Paulo, em se declarar candidato à vaga de Lula. E bate aflito diante do risco do próprio Guerra não se reeleger senador por Pernambuco. É uma carga dupla e bastante pesada.

De Aécio Neves, outra estrela do infausto formigueiro, diga-se que jamais aprovaria o plano de um ataque em massa ao elefante.

Se dependesse dele, o formigueiro simplesmente teria mudado de endereço para escapar de eventuais danos. Como não o levaram em conta, mergulhou terra adentro e foi cuidar de sua vida.

Tudo deu certo para Lula desde que se elegeu presidente em 2002. Seu governo sobreviveu ao explosivo escândalo do mensalão. A economia cresceu. Milhões de brasileiros ascenderam à classe C. A maioria dos partidos se rendeu aos seus encantos. E o PT à candidata que ele sacou do bolso.

Dizem que a próxima será a primeira eleição em 21 anos na qual os brasileiros estarão impedidos de votar em Lula. De fato, é verdade. Mas na prática, não.

Dilma só existe como candidata porque Lula a inventou. Nada mais direto, pois, do que o apelo que orientará sua campanha: votar em Dilma significa votar em Lula.

Caberá à oposição separar os dois – fácil, não?

A ela caberá também a difícil tarefa de vender Serra como o melhor candidato pós-Lula. Melhor até mesmo do que Dilma, a quem Lula escolheu. E logo quem?

E logo Serra que concorreu contra Lula em 2002. Se Serra tivesse vencido não haveria Lula presidente por duas vezes. Oh, céus!

O ex-metalúrgico que chegou ao lugar antes privativo dos verdadeiros donos do poder deixou de pertencer à categoria dos homens comuns – embora daí extraia sua força.

Foi promovido nos últimos oito anos à condição de mito. E como tal deverá ser encarado pelas futuras gerações. É improvável que alguém como ele reprise sua trajetória.

A oposição se propõe a derrotar um mito. E tentará fazê-lo sem reunir sua força máxima.

Serra está pronto para conversar com Aécio sobre a vaga de vice em sua chapa. Quanto a isso, há duas coisas mais ou menos certas. Serra oferecerá a vaga a Aécio. E Aécio a recusará.

Descarte-se a hipótese de Serra sugerir: “Bem, nesse caso, você sai para presidente com meu apoio e eu irei disputar um novo mandato de governador”.

Aécio tem a resposta na ponta da língua: “Agora, é tarde. Quis ser candidato. Sugeri a realização de prévias dentro do partido. Não fui ouvido. Serei candidato ao Senado”.

E aí, José?

Aí José só vencerá a eleição se Dilma conseguir perder para ela mesma.

Possível, é, embora...

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E ainda tem petista e lulista acreditando piamente que o urubu malandro "jogou a toalha".

Santa ingenuidade, Batman!


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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A volta oficial de Zé Dirceu alvoroça a mídia

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Aparecida Torneros*

A convenção nacional do PT registrou, segundo o noticiário do jornal O Globo, edição de domingo, uma segunda figura mais ovacionada pelos convencionais e participantes do grande evento que lançou a Ministra Dilma pré-candidata ao cargo de Presidente da República pelo Partido dos Trabalhadores. O mais aplaudido foi mesmo o presidente Lula, e o segundo mais aplaudido, foi José Dirceu, um político histórico, ex presidente da sigla petista, por décadas, na verdade, uma lenda na vida não só das lides do seu partido, mas também um ícone influente e polêmico do quadro político brasileiro, nas últimas décadas, haja vista a importância que a mídia lhe confere e atribui.

Políticos, os há, de toda sorte, ordem, origem, identificação ideológica, trajetória baseada em sorte ou oportunidade, perseverança, estilo próprio, carisma que vem de berço, ou crescente ao longo dos anos, com simpatia respeitável ou questionável antipatia, arrogância detestada ou coragem admirada, liderança reconhecida, capacidade de engendrar estratégias e de conciliar acordos, narcisismo acalentado, poder de persuasão, olhar futurista, sorriso largo ou contido, palavra amena ou arrebatadora, postura e presença constantes, arroubos defensivos e ataques desfechados para atiçar ou derrubar inimigos.

Um dos personagens em questão poderia ser qualquer bom profissional da política internacional ou nacional, com o nome citado nas primeiras páginas dos principais jornais que informam sobre a vida que circula nos meandros do poder de nações ou povos ao redor do mundo, ou, mais precisamente, nos bastidores da performance eleitoral que o Brasil assume em regime de arregimentação de votos.

É fato que a busca eleitoral implica em atrair simpatizantes que gerem votos para que se atinja objetivos plenos de vitórias em pleitos espalhados em cidades, estados, regiões, rincões longínquos, lugares onde a brasilidade sacuda idéias e fomente expectativas, sob a égide do embate de idéias, atitudes, propostas, números sonhados ou alcançados, índices atingidos, qualidade de vida ampliada ou melhorada e ainda a vida desejada por centenas de milhares de criaturas cuja necessidade maior parece alicersar-se na confiança que depositará em alguém que os protegerá muito mais do que os representará em postos ou cargos de comando.

Percebe-se que há desses políticos, em forma e conteúdo, sim, deles, existem aos milhares, pelo mundo, nas histórias contadas em livros biográficos ou romanceados, e nos relatos memoráveis dos bastidores, que um dia, podem virar heróis de filmes de grande circuito, porque as histórias de políticos lendários como é o caso do Zé Dirceu, rendem sinopses atraentes ao mesmo tempo em que incitam a curiosidade dos públicos mais diversos e atentos.

Um brasileiro cuja história pessoal se confunde com as últimas cinco décadas da vida nacional, tal a sua vocação de fênix a ressurgir dos rolos compressores em que se viu metido ao longo dos tempos, nas perseguições da ditadura militar, na vida clandestina, na cassação, no ressurgimento à luz do comando do PT, por dezenas de anos, no papel fundamental que exerceu durante as campanhas que levaram o presidente Lula ao topo do Poder.

Ainda, há o efeito avassalador que a informação e a contra-informação exerceram no episódio apelidado de "mensalão", que, a partir de 2005, espoucou como se fora um meteoro gigante a bombardear a vida republicana em pleno mandato do poder petista, prato cheio para a oposição aturdida.

Interessante ler e reler o noticiário que esta semana explode na mídia nacional trazendo a figura do Zé Dirceu para o primeiro plano novamente:

"José Dirceu diz que vai subir no palanque ao lado de Dilma", O Globo; Dilma sobre Zé Dirceu, "Ele é um dirigente do partido e como tal ...", Jornal Feira Hoje; Lula diz: "Dilma é para 2 mandatos", e acrescenta: "quando aconteceram todos os problemas que levaram o companheiro José Dirceu a sair do governo, eu não tinha dúvida de que a Dilma tinha o perfil para candidatar-se".

Mais: O Globo 09/02/10: "Dirceu sai para o confronto com FHC"; "A volta de Dirceu", A Tarde On Line - ‎25/01/2010‎, Os adversários do PT, tem na “reabilitação” do ex-ministro e deputado cassado José Dirceu, uma boa artilharia. Zé Dirceu circulou recentemente como um ícone, etc...

Ler sobre o Zé Dirceu implica em reler sua própria história na vida brasileira com altos e baixos e com pinceladas, ora romanceadas, ora realistas, e, na maioria das vezes, entremeadas com releituras sobre a fúria e a intensidade com que a os veiculos o assediam, o abordam, o reinterpretam, o nomeiam, tentam desvendá-lo e ainda, no auge da comunicação massificada, tentam enquadrá-lo a modelos pré-estabelecidos.

O que se passa é que o Dirceu, político, ex-presidente e fundador do PT, ex-ministro do Lula, ex-deputado federal, atual dirigente do seu partido, militante assumido das suas idéias, em última análise, foge aos modelos convencionais.

Ele tem no seu caminho tanto pedregoso como vitorioso, uma certa e bem peculiar capacidade de estarrecer e surpreender, exercendo a magia dos bruxos, a competência dos bons estrategistas ou o dominio consciente e inquietante dos guerreiros, para a satisfacão dos seus correligionários e a perda do sono das noites dos seus adversários.

Sua volta alvoroça a mídia e aquece as falas dos especialistas, mas sobretudo, demonstra que ainda há muito a rever, reler ou renascer a partir desta figura lendária da política nacional, chamada José Dirceu de Oliveira e Silva.

*Cida Torneros, jornalista e escritora, mora no Rio de Janeiro, onde edita o Blog da Mulher Necessária http://blogdamulhernecessaria.blogspot.com/

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Flash-Back Assaz Atroz

Crime na ‘Isto É’

WALTER RODRIGUES (jornalista) 12/02/2006

frossas@terra.com.br


José Dirceu passeou em Ipanema na motocicleta do escritor Fernando Moraes e, deliciado com o vento na cara, no dia seguinte encomendou em São Paulo uma supermáquina Harley-Davidson, modelo V-Road, lançado em 2005, semelhante ao cavalo de aço montado por Peter Fonda em Sem Destino, no final dos anos 60. Uma jóia de R$ 90 mil. Fechado o negócio, embarcou para aplaudir o companheiro Chávez em Caracas, não sem antes parar em Brasília e pedir a Lula a cabeça de Henrique Meirelles.

Tudo isso saiu na Isto É desta semana, ilustrado com dezenas de detalhes e — sensacional, convenhamos — uma foto do ex-ministro de Lula, recém-cassado sob suspeita de corrupção, arrasando à beira-mar na motoca do amigo.

O sentido é claro. Dirceu está cheio da grana porque de fato chefiava o esquema do mensalão e, como é natural, tirou o dele. De mais a mais é um bon vivant desmiolado, um adolescente mal resolvido, daí seu encantamento com Chávez e sua ojeriza à racionalidade do doutor Meirelles.

E, no entanto, era tudo mentira... Mentira completa, da primeira à última novidade.
Dirceu não encomendou a Harley-Davidson, nem outra marca qualquer. Não esteve na concessionária contemplando modelos e consultando preços. Não tomou emprestada a de Moraes. Nem sabe andar de moto. A foto, a “prova”, era apenas uma farsa, um engodo, uma fotomontagem. A cabeça de Dirceu no corpo de outrem, aliás bem mais magro do que ele.

(...)

BARBARA GANCIA PEDE DESCULPAS AO EX DEPUTADO DIRCEU

Bom exemplo a ser seguido por muitos outros jornalistas.

Errei. Devo desculpas a José Dirceu. Na semana passada, reproduzi neste espaço uma informação -assinada por um colega com quem já trabalhei e que julgava ser um jornalista responsável-, dizendo que o ex-deputado teria comprado uma moto Harley-Davidson V-Rod, no valor de R$ 90 mil. Dirceu não comprou a Harley e não sabe dirigir motos.

Leia textos completos e comentários no CMI:

http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2006/02/344392.shtml


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