Saudades do
Apocalipse e Elysium ─ um plágio escancarado
por Fernando Soares Campos(*)
Elysium,
uma superprodução hollywoodiana, é um filme de ficção científica lançado
em agosto de 2013, escrito e dirigido por Neill Blomkamp (diretor sul-africano,
tornou-se famoso após dirigir o filme "Distrito 9", indicado
a 4 Oscares) e estrelado pelos atores: Matt Damon (Matthew
"Matt" Paige Damon, ator,
roteirista e produtor norte-americano, ganhou o Oscar de melhor roteiro
original e o Globo de Ouro de melhor roteiro, com o filme Good Will Hunting; como Max da Costa, em
Elysium), Jodie
Foster (norte-americana, vencedora de
dois Oscares de melhor atriz; como Secretária Rhodes Delacourt), Sharlto Copley (ator, diretor e
produtor sul-africano; como Kruger), William Fichtner (conhecido
por seus papéis nas séries de televisão Invasion e Prison Break; como John Carlyle, o CEO da Armadyne
Corp, a companhia que construiu Elysium) e os
brasileiros Wagner
Moura (O capitão Nascimento, em "Tropa de Elite"; como Spider Ramos) e Alice Braga (como Frey Santiago). (Informações
compostas por dados extraídos do verbete "Elysium", Wikipédia, e dos
créditos do filme.)
A história futurista se passa em 2154, quando uma pequena parte da população humana vive em Elysium, uma enorme estação espacial, semelhante a um Cilindro de O'Neill, um habitat artificial disponível apenas para os mais ricos e onde qualquer doença ou ferimento são rapidamente curados em máquinas médicas chamadas de "Med-Bays". O resto da população mora na Terra superpopulosa e pós-apocalíptica.
Baseado nessa visão geral do enredo, o roteirista criou uma trama
com pouca dramaticidade e muita ação, utilizando recursos de câmera e edição
digital ─ cenas realizadas por computação gráfica.
Acontece que essa sinopse do filme serviria perfeitamente para descrever um
conto de minha autoria intitulado "Saudades
do Apocalipse", ficção científica, que escrevi por volta
do ano 2000, publicado em livro de mesmo título pela Câmara Brasileira de
Jovens Escritores, em 2003 (8 contos e um esquete), fazendo apenas ligeiras
alterações, basicamente nas datas em que a história se desenrola e na
denominação da estação espacial.
Usando a sinopse de "Elysium" para descrever meu conto "Saudades
do Apocalipse":
A
história futurista se passa nos anos 2053/54, quando uma pequena parte da
população humana vive em SiJOs ─ Sideral Joint Ownerships, estações espaciais,
habitats artificiais disponíveis apenas para os mais ricos, muitos deles já
ultrapassaram em muito os cem anos de idade (isso
quer dizer que contam com as tais máquinas de cura, conforme relatado na
sinopse de “Elysium”). O resto da população mora na Terra,
superpopulosa e pós-apocalíptica.
O conto é narrado em primeira pessoa, o narrador-testemunha,
vivendo no futuro, relata fatos e condições de vida registrados em seu diário a
partir de 15 de outubro de 2053 até 5 de fevereiro de 2054. Ele compara os
acontecimentos de sua época com a vida no século XX, do qual viveu as duas
últimas décadas.
Na narrativa do conto não há propriamente uma trama, apenas testemunho das
condições de vida do personagem em sua época, comparadas à sua própria vida nas
duas últimas décadas do século XX, porém alguns dos seus relatos coincidem com
algumas falas dos personagens de "Elysium".
Exemplos
Elysium:
Max e Frey, ainda
crianças, conversam:
Frey: ─ Se você morar lá (em Elysium), você nunca
fica doente nem velho (extraído
do vídeo dublado em português, 0:03:09).
Saudades do Apocalipse:
Narrador-testemunha:
─ Sabe-se que os milionários que moram nos condomínios
espaciais, os SiJO's - Sideral Joint Ownerships -, já ultrapassam em muito os
100 anos de idade. (...) As informações que nos chegam são precárias, porém
dizem que três ex-presidentes dos EUA vivem hoje numa dessas estações. Dos
brasileiros famosos que se tem notícia, fala-se de dois ex-empresários das
comunicações, ambos já senis no início do século, mas atualmente desfrutando
seus cento e muitos anos nas estações orbitais - verdadeiras cidades suspensas
no espaço sideral (extraído
do registro do dia 16 de dezembro de 2053).
Elysium:
John Carlyle, o CEO
da Armadyne Corp, a empresa que construiu Elysium e fabrica robôs e naves
espaciais, é cidadão de Elysium, mas vive na Terra e eventualmente visita a
estação espacial.
Carlyle está conversando, em videoconferência, com autoridades
residentes na estação espacial:
Um dos habitantes de Elysium afirma: ─ Se não
tivermos um projeto claro de progressão, nossos investidores vão começar a
perder a confiança.
Carlyle responde: ─ E o que acha que eu tenho
feito aqui na Terra? Acha que gosto de respirar este ar? (extraído do vídeo dublado em
português, 0:11:13).
Saudades do Apocalipse:
Narrador-testemunha: ─ Na
verdade, quem nasceu e criou-se no espaço, nos SiJO's, ou mesmo quem vive por
lá há muito tempo, não tem biorresistência para suportar a atmosfera insalubre
aqui da Crosta (extraído
do registro do dia 13 de janeiro de 2054).
Elysium:
Max sofre um acidente de trabalho e é exposto a uma grande
quantidade radiação. Sabendo que só sobreviverá se entrar em uma
Med-Bay, pede ajuda a seu amigo Julio (Diego Luna), que o leva a
Spider (Wagner Moura), um "coiote" responsável pelas
naves clandestinas que levam imigrantes ilegais a Elysium. Max descobre
que carrega consigo informações capazes de tornar todos os terráqueos cidadãos
legítimos de Elysium. Só muito raramente um habitante da Terra poderia
obter a condição de cidadão de Elysium (extraído
da sinopse do filme na Wikipédia e acrescido de informações baseadas na
exibição do filme).
Saudades do Apocalipse:
...o Paraíso e o Inferno correspondem hoje à vida no Espaço e na Crosta,
respectivamente. Assim, insistem em afirmar que os processos seletivos de
condenações e absolvições, conforme as terrificantes revelações proféticas do
livro Apocalipse, estejam explícitos nesta separação entre nós, os
"excluídos" (habitantes da Crosta), e os "escolhidos"
(habitantes dos SiJO's). Mas garantem que ainda resta uma chance para os que
aqui ficaram: salvarem-se através do processo de arrependimento e expiações e,
finalmente, se submeterem a uma prova de incontestável fidelidade ao SUED -
Sistema Universal de Educação e Disciplina, ou - como no original -
Discipline&Education Universal System - DEUS (extraído do registro do dia 17 de
janeiro de 2054).
Elysium:
Em algumas cenas do filme, pode-se observar que a comunicação da administração
pública com a população é feita através de alto-falantes.
Saudades do Apocalipse:
Agora, sem rádio, televisão, jornal, revista ou Internet (só nos resta o
Boletim Oficial, lido diariamente através dos alto-falantes), não sabemos mais
a quanto andam as outras partes do mundo (extraído do registro do dia 25 de dezembro de 2053).
Elysium:
Devido a um desentendimento que teve com policiais-robô na rua, Max, que se
encontra em liberdade condicional, é intimado a comparecer ao Departamento de
Justiça, onde tem uma entrevista com um oficial-robô, agente de condicional,
que arbitrou determinada punição sem lhe conceder direito à defesa.
Saudades do Apocalipse:
O SUJAZ - Sistema Unificado de Justiça Arbitrária das Zcosgtas - atualmente
prefere a aplicação do degredo interplanetário ao confinamento em prisões
subaquáticas, ou à pena capital, por acreditar que tal castigo é mais exemplar
que a própria morte (extraído
do registro do dia 13 de janeiro de 2054).
*****
A quem se interessar por esta questão e quiser dirimir dúvida quanto ao filme
Elysium ser (ou não) plágio do meu conto Saudades do Apocalipse,
recomendo assistir ao filme "Elysium" e ler o conto, publicado
em alguns sítios da internet. A primeira publicação foi no diário espanhol La
insígnia, 2005. Também publicado na revista digital NovaE, 2007. O livro foi
impresso em pequena tiragem, em 2003, e hoje pode ser encontrado em algumas
bibliotecas escolares e na Biblioteca Municipal de minha cidade natal, Santana
do Ipanema-AL.
Também em 2006 criei um blog denominado "O Quinto Cavaleiro do
Apocalipse" e publiquei este meu conto O blog ficou
abandonado, sem atualização, mas ainda pode ser acessado: Saudades
do Apocalipse. Nesta postagem pode-se ler alguns comentários dos
leitores.
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"Saudades do
Apocalipse" (completo)
Por Fernando Soares Campos
243ª ZCOSGTA. 15 de
outubro de 2053.
Como cheguei aos 74 anos de idade, não sei. Sei apenas que aqui
cheguei. Nasci a 16 de dezembro de 1978, logo completarei 75. Na virada do
milênio, eu concluía o curso de Engenharia Florestal, uma teimosia vocacional,
ou uma esperança infundada. Infundada sim, pois tudo indicava que, num futuro
bem próximo, tal profissão seria declarada obsoleta. Sabia-se que muito em
breve as nossas florestas seriam transformadas nos imensos desertos em que
realmente as transformaram. E ninguém precisava de bola de cristal para prever
tal desfecho.
Antes da desertificação, o Brasil foi loteado em áreas semelhantes às
capitanias hereditárias do início da primeira colonização, e os lotes serviram
para liquidação das dívidas contraídas junto aos organismos financeiros
internacionais.
No final do segundo milênio, nova ordem econômico-financeira do mundo
globalizado levou os chamados países do Terceiro Mundo à bancarrota e, na
segunda década do século XXI, transformou-os em simples possessões: domínios à
moda antiga, agora sob a denominação de ZCOSGTA's - Zona sob Controle da
Organização Supranacional para Gerenciamento dos Territórios Alinhados -, ou
seja: as zonas sob controle são os territórios alinhados gerenciados pela
OSGTA, a superorganização que os administra.
Esta
243ª ZCOSGTA corresponde ao antigo Estado do Rio de Janeiro. São Paulo foi
dividido em duas zonas: a 238ª (norte) e a 239ª (sul). Todo o Brasil (exceto a
Região Amazônica, pois esta área já havia sido ocupada por um consórcio
internacional anos antes) foi dividido em 45 ZCOSGTA's.
No início, aquilo era apenas o que chamavam de imperialismo suave, o soft
imperialism, que encontrava defensores mesmo entre nós. Defensores?! Não, mais
tarde (tarde demais) os reconhecemos pelo que realmente são: entreguistas.
Depois veio essa degradante condição de tutela imperialista nos moldes antigos.
Tão ou mais violenta que as ocupações nazistas durante a Segunda Guerra Mundial
(raros são os registros que restam sobre essa fase da História). Fomos uma das
primeiras nações a se submeterem ao controle da OSGTA, que à época ainda atuava
sob os disfarces de FMI, Bird e de outras instituições financeiras
internacionais.
22 de novembro de 2053
De onde vem essa chuva oleosa que cai incessantemente? Quais as
causas disso? Ainda não estão claramente definidos os motivos que a provocam.
Há cerca de cinco décadas, no final do século XX, a cinematografia
hollywoodiana, baseando-se nas experiências vividas em Hiroxima e Nagasaki,
explorou esse cenário em produções futuristas. Atribuíam-na às consequências de
um cataclismo atômico. No entanto, apesar de não se haver efetivado o terceiro
grande conflito mundial, a hecatombe nuclear definitiva, aqui estamos debaixo
desse gosmento chorume, antes só visto nos aterros sanitários. Nas ruas, as
pessoas atingidas pelas primeiras precipitações desse viscoso líquido escuro
acreditavam que estavam sendo alvo de uma estúpida brincadeira, achavam que
alguém lhes atirava óleo queimado do alto dos edifícios. Tal equívoco provocou
muitas discussões, brigas e até agressões seguidas de assassinato. Mas logo
fomos informados sobre esse obscuro fenômeno.
Chove sem parar. Se é que podemos chamar esse corrimento atmosférico de chuva.
É como se o céu se encarregasse de permanentemente nos lembrar as agressões
ambientais que cometemos nos últimos cem anos: imprudentes desmatamentos,
excessiva poluição atmosférica, irresponsáveis represamentos e desvios de
cursos fluviais, agressivos testes com ogivas nucleares e as mais criminosas
agressões ambientais.
Não, não cessa nunca! Ocorrem apenas mudanças no índice pluviométrico e na
temperatura do "lodo austral" - denominação que alguns cientistas dão
a esse óleo pluvial, por acreditarem que o fenômeno tenha origem no espaço
aéreo perpendicular ao imaginário eixo polar sul, onde, supostamente, o globo
terrestre processaria a poluição geral do Planeta, centrifugando os poluentes e
redistribuindo-os sob a forma de gases concentrados, os quais se condensam e se
precipitam dessa maneira chorumenta -. É uma das muitas teorias sobre essa
chuva mefítica (o mau cheiro lembra a catinga que se exalava dos canais que
margeavam a extinta Ilha do Fundão), a de menor aceitação nos meios acadêmicos,
porém a mais difundida entre a população, que hoje é extremamente mal informada
(todas as notícias e informações gerais nos chegam via agência oficial da
OSGTA, sob o crivo do Departamento de Censura).
O que se conhecia como estações climáticas agora são períodos marcados pela
intensidade das precipitações de chorume e sua temperatura. E não mais ocorrem
em fases definidas. Outono, inverno, primavera e verão agora são condições
temporais momentâneas, com início e duração até previsíveis pelos observatórios
meteorológicos; todavia, sem a verificação das fases estabelecidas pelos
solstícios e equinócios como antigamente. Portanto, depois de um breve outono
de duas semanas, poderemos retornar a um rigoroso verão, com temperaturas
elevadíssimas e chorume abundante, durante toda a semana ou mesmo todo o mês
seguinte. Sei que teremos um Natal hibernal, apesar de estarmos passando por um
período de verão com a temperatura atingindo os 47 graus, porque ontem tomei
conhecimento das previsões do infalível Departamento de Meteorologia: "Nas
três próximas quinzenas a temperatura do chorume tende a ficar em torno dos 15
graus negativos" - se essa coisa congelasse, teríamos neve negra no Natal.
16 de dezembro de 2053
Aniversario hoje. Completei os 75. Não haverá comemoração. Há
muito tempo não se festejam aniversários. Não há motivos que justifiquem
comemorações. Poucos, entre os que vivem (sobrevivem) aqui na Crosta, chegam a
esta idade. Sabe-se que os milionários que moram nos condomínios espaciais, os
SiJO's - Sideral Joint Ownerships -, já ultrapassam em muito os 100 anos de
idade. O primeiro condomínio espacial, o SiJO-001, foi instalado nos anos 30
deste século XXI. As informações que nos chegam são precárias, porém dizem que
três ex-presidentes dos EUA vivem hoje numa dessas estações. Dos brasileiros
famosos que se tem notícia, fala-se de dois ex-empresários das comunicações,
ambos já senis no início do século, mas atualmente desfrutando seus cento e
muitos anos nas estações orbitais - verdadeiras cidades suspensas no espaço
sideral.
25 de dezembro de 2053
É Natal. Por incrível que pareça, a música característica desta
época ainda é Jingle Bells, o hino do Natal. Sempre que entramos no mês de
dezembro, o alto-falante do abrigo toca-o dia e noite. Basicamente não há
justificativa para confraternização de qualquer tipo. Contudo o Natal ainda é
lembrado. Nas entradas dos abrigos subterrâneos, onde vive a maior parte dos
litosféricos, são montados presépios. É uma iniciativa feminina, nos últimos
tempos as mulheres sempre se encarregam de instalar as lapinhas (lembrei-me de
minha infância, em minha terra chamavam presépio de lapinha). Existem
atividades que só as mulheres exercem, montar presépio é uma delas.
Nem antropólogos, nem sociólogos, nem psicólogos, ninguém consegue explicar as razões,
mas o fato é que a mulher ocidental orientalizou-se (para usar este termo que
foi um neologismo muito em moda nos anos 2020), abandonou a postura feminista
incrementada nos anos 1970, desistiu dos propósitos de emancipação
profissional, de prover a subsistência em concorrência com os homens, e
reassumiu a condição de aparente submissão ao domínio masculino. Pela via
contrária, ocorreu a ocidentalização das orientais. Pelo menos foi isso que
vimos enquanto tínhamos acesso à Internet.
Até o final da época das televisões via cabo e satélite, assistimos a muita
manifestação feminista (no Oriente) e feminina (no Ocidente). Agora, sem rádio,
televisão, jornal, revista ou Internet (só nos resta o Boletim Oficial, lido
diariamente através dos alto-falantes), não sabemos mais a quanto andam as
outras partes do mundo. Acredito que, hoje em dia, nenhum movimento de protesto
ou reivindicação faz sentido em qualquer parte, pelo simples fato de não se ter
a quem protestar ou reivindicar.
As ZCOSGTA's não passam de mero conceito geográfico, não têm governo próprio.
Muita gente não sabe nem mesmo o que vem a ser governo. Há muito tempo não se
usa o termo governar; mas, sim, gerenciar.
Os núcleos humanos são essas aglomerações sem identidade própria. Não se sabe
ao certo o que são. Há muitos anos o termo comunidade caiu em desuso. A
administração da OSGTA está restrita a pouquíssimas áreas. É o que chamam de
gerenciamento mínimo, neoliberalismo (aqui está ele de volta, neomaquiado).
Suas atuações mais marcantes estão restritas às áreas de Comunicação, por
motivos óbvios, e Transporte - neste caso, especificamente porque temem
migrações em massa. Migrar para onde?! - estamos sempre a nos perguntar uns aos
outros. Desconfiamos que ainda possam existir na Crosta algumas áreas livres do
chorume pluvial. Mas isso é apenas especulação.
13 de janeiro de 2054
Ontem à noite ouvi uma conversa entre uns companheiros aqui do
abrigo. São pessoas na faixa dos 40/45 anos, como a maioria dos habitantes dos
abrigos subterrâneos. Esses companheiros sabem de muita coisa referente à época
pré-chorume.
Fgno, que parece ser o mais velho dos três, perguntou: "O que se imaginava
que viesse depois do Armagedom?"
Pxton respondeu: "O Livro Sagrado falava de condenação e salvação: inferno
pra uns, paraíso pra outros".
Aí Rtno acrescentou: "As pessoas especulavam sobre como se daria o
Armagedom. Muitos imaginavam o Dia do Juízo como um momento em que se
desencadeariam aterrorizantes fenômenos, mas esperava-se um evento com dia e
hora marcada pelo Criador".
Estou registrando esse diálogo porque me lembrei de uma série de artigos
escritos em 2019 por um sociólogo alemão que defendia a tese de que o século XX
corresponde ao período apocalíptico profetizado nos livros sagrados das
diversas correntes religiosas. Para ele, o narcotráfico, que se disseminou pelo
mundo até meados da terceira década do século XXI, seria a representação de um
dos Cavaleiros do Apocalipse. Sua tese, até o presente aceita pela maior parte
da população, é, a meu ver, uma lucubração fantasiosa, sem nenhum respaldo
científico.
A bem da verdade, é preciso reconhecer que, tirante o nazi-fascismo dos anos
1930 e dos 40, os demais fatos históricos do século passado se transformam em
romanescos acontecimentos, quando comparados a esta catastrófica situação dos
dias atuais. Mesmo o narcotráfico, que chegou a dominar praticamente todo o
mundo e ameaçou transformar a população terrestre numa ignava massa de
dependentes químicos, está, na categorização mundial da malignidade, em posição
inferior às organizações político-financeiras que controlam o mundo atual, lá
dos palácios flutuantes, no Olimpódromo (nome dado à via espacial transitada
pelas estações orbitais em que vivem as elites dominantes). As viagens à
Crosta, para aqueles maquiavélicos manipuladores da Economia, são aventuras
radicais: só desembarcam aqui e circulam entre nós fantasiados de astronauta.
Na verdade, quem nasceu e criou-se no espaço, nos SiJO's, ou mesmo quem vive
por lá há muito tempo, não tem biorresistência para suportar a atmosfera
insalubre aqui da Crosta.
17 de janeiro de 2054
(Costumo intervalar de períodos bem mais longos estes registros
memoriais, porém um novo argumento me fez voltar aqui mais breve que de
costume.)
Ontem me caiu nas mãos um velho exemplar de "O Século XX e o
Apocalipse", uma compilação de textos publicados entre 2015 e 2030, os
quais teorizam sobre a hipótese de que o século passado corresponda ao período
apocalíptico anunciado pelas profecias dos livros sagrados; conforme as
conjecturas daquele sociólogo alemão, a quem me referi no registro de 13 de
janeiro último.
Os autores dessa obra são unânimes na opinião de que o Paraíso e o Inferno
correspondem hoje à vida no Espaço e na Crosta, respectivamente. Assim,
insistem em afirmar que os processos seletivos de condenações e absolvições,
conforme as terrificantes revelações proféticas do livro Apocalipse, estejam
explícitos nesta separação entre nós: os "excluídos" (habitantes da
Crosta), e os "escolhidos" (habitantes dos SiJO's). Mas garantem que
ainda resta uma chance para os que aqui ficaram: salvarem-se através do
processo de arrependimento e expiação e, finalmente, se submeterem a uma prova
de incontestável fidelidade ao SUED - Sistema Universal de Educação e
Disciplina -, ou - como no original - Discipline&Education Universal
System - DEUS.
05 de fevereiro de 2054
Sei que até aqui estou dando a entender que discordo dessa suposta
tese que faz do século XX a Era Apocalíptica, na qual teria ocorrido o
catastrófico Armagedom, o grande conflito entre o Bem e o Mal. No entanto a
minha opinião não é simplesmente discordante. Na verdade, quem vive (?) os dias
de hoje e viveu, pelo menos, o último quarto do século XX sabe que, dentre
todas as atividades criminosas, dentre todos os cânceres sociais conhecidos até
o presente, dentre todas as formas de corrupção ou de qualquer outra degradação
moral possível, enfim, dentre tudo aquilo que possa ser classificado como
danoso ao ser humano, nada pode se comparar (menos ainda se equiparar) ao
ganancioso domínio político do poder econômico, nem ao entreguismo dos
vendilhões da Pátria, nem ao funesto poder bélico das arrogantes
superpotências. Fatores que, interagindo, formam o maior complexo de geração
das desgraças que hoje assolam o Planeta. Depois disso, só nos resta sentir
Saudades do Apocalipse.
***
Youtube
Assista - Elysium (Legendado)
(*) Fernando Soares Campos é escritor, autor de “Fronteiras da Realidade – contos para meditar e rir... ou chorar”, Chiado Editora, Portugal, 2018.
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