quarta-feira, 29 de maio de 2013

Médicos cubanos e os cubiculários nativos

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Fernando Soares Campos



À medida que se aproxima o ano do pleito eleitoral para a sucessão presidencial, aumenta a circulação de correspondências em forma de “corrente”, cujas mensagens se encerram com advertências do tipo: “Se você ama o Brasil e está indignado com este absurdo, passe isto em frente ou o bicho-papão vai te pegar”. Não me faltam mensagens religiosas, esotéricas e comerciais; boletins (newsletters), listagens e redes. Certamente não posso ler tudo, mas aproveito boa parte do que me chega. Muitas delas veiculam textos curtos, são sucintas e subliminares propagandas de cunhos políticos e ideológicos, que geralmente pairam sobre o verniz de presunçosas inconsciências, coisa de gente metida a cavalo-do-cão, mas que não passa de mucufa acuada pelos próprios fantasmas da imaginação.

A mídia empresarial perdeu muito fôlego depois da relativa popularização da internet, mas ainda detém certo poder de fogo. Vejamos os casos das últimas eleições na Venezuela e no Brasil. Antes, porém, lembremo-nos de que Fernando Henrique Cardoso, o entreguista, foi eleito para a Presidência da República nos primeiros turnos das eleições (1994 e 1998), contra Luiz Inacio Lula da Silva. Temos, antes disso, o caso do falso caçador de marajás, eleito com o apoio de golpe midiático. Agora, na Venezuela, apesar da estrondosa militância em favor do candidato chavista, a diferença de votos foi muito pequena, uma vitória apertadíssima. No Brasil, Lula e Dilma só conseguiram eleger-se no segundo turno das eleições. Temos, portanto, indicadores de que o “defunto” oposicionista de extrema direita ainda respira na UTI da imprensa golpista, que assumiu o papel de partido político, o PIG.

Os políticos de esquerda e os mucufas medioclassistas

Com a queda do Muro de Berlim (1989), a direita neoliberalista cantou loas anunciando o fim do comunismo, do socialismo. Foi além, falou de um tal Fim da História, bradaram que já não existiam mais os conjuntos político-ideológicos de esquerda e direita, tudo teria passado a ser “extremo centro” (usei esta esdrúxula expressão na época dos acontecimentos e vi recentemente um sociólogo empregá-la). Na verdade, o que eles queriam dizer era que, a partir dali, passaria a ser tudo farinha do mesmo saco: “Somos todos iguais: corruptos, estúpidos e alienados”. Para as elites endinheiradas, os paraísos fiscais protetores de suas fortunas; para o lumpemproletariado, as pequenas propinas para o feijão com arroz e o televisor com suas novelas, noticiários e programação geral fazendo as cabeças dos pobres infelizes, que ficam cada vez mais matrixiados e mal pagos.

Um dos grandes problemas dos políticos progressistas e esquerdistas no Brasil é exatamente o mesmo de setores da classe média acovardada. Os mucufas medioclassistas ainda estão deslumbrados com a imprensa empresarial e o brilho fantástico dos televisores gigantes com recursos tecnológicos de última geração. Utilizam-se de toda a parafernália eletrônica disponível no mercado, mas não abandonam a telenovela, o futebol e as corridas automobilísticas na tela, apropriados para liberar reprimidas manifestações emotivas. Eu também gosto, mas não me enrosco.

Existem políticos que se borram diante do poder dos conglomerados midiáticos, são incapazes de propor ou mesmo votar projetos de lei tidos como impopulares, mesmo que justos e necessários. Outros elaboram projetos de lei com a clara intenção de agradar as minorias que estejam no foco dos holofotes das mídias. São legislações que, em muitos casos, já nascem inoperantes, inviáveis, letras mortas. Contudo, ótimo que se preocupem com os menos favorecidos, esses que são tratados “seriamente” nos telejornais e achincalhados nos programas humorísticos e de auditório. Mas são incapazes de elaborar, enviar para apreciação, defender e votar projetos que visem verdadeiras reformas do sistema eleitoral, reformas tributária e judicial. Acontece que isto não gera votos.

O ódio mais profundo que os empresários dos meios de comunicação oligopolizados têm de Lula e Dilma é o fato de eles governarem sem pedir as suas bênçãos, sem consultar esses barões da mídia antes de tomar decisões administrativas, diplomáticas ou legislativas. Sabemos que, em governos que os antecederam, o presidente da República costumava se ajoelhar diante dos seus criadores e pedir licença até para ir ao banheiro. “Posso defecar?” ― “Claro que pode, idiota! É só o que você sabe fazer”.

Cuba, uma ilha cercada de armas midiáticas por todos os lados


Desde 1983, o governo dos Estados Unidos financia, a peso de ouro, um complexo midiático de rádio e televisão com programações em espanhol direcionadas ao público cubano; tanto aos dissidentes e imigrantes concentrados em Miami, ou dispersados por todo o território estadunidense, quanto, principalmente, aos insulanos. As torres de transmissão das emissoras estão localizadas a pouco mais de 200 milhas náuticas de Cuba e alcançam todo o território cubano, com 24 horas diárias de propaganda antirrevolucionária e enaltecimento das sociedades de consumo. Por que, com todo esse aparato e o embargo econômico, não conseguem insuflar a população cubana contra o sistema comunista e o regime ditatorial? Provavelmente porque 90% do povo cubano estão satisfeitos com a dignidade de um país soberano e conscientes de seu papel socialista e humanitário. E a ditadura vigente na ilha deve ser um dos modelos da chamada Ditadura do Proletariado. Em tais condições, não há capitalismo neoliberalista-selvagem que influencie uma mudança dos rumos revolucionários.

Falam que os cubanos se aventuram mar adentro, enfrentado tubarões e a revolta das águas, morrendo a metade para que a outra metade se engaje na luta contra a “tirania” de Fidel e, de lambujem, desfrutem as delícias do capitalismo “libertador”, coisa que muita gente chega a confundir com Democracia. Porém, baseado na realidade que conheço do lado de cá, vivendo num país igualmente capitalista, posso garantir que, se a distância entre o Brasil e os EUA fosse a mesma entre Cuba e os EUA, cerca de 200 milhas, teríamos que instalar balcões da Alfândega em todas as praias brasileiras.

Também se propala aos quatro cantos do mundo o fato de que atletas cubanos teriam se refugiado em países capitalistas com o propósito de realmente desfrutar as benesses que lhes seriam de direito; pois, permanecendo em solo cubano, teriam se esforçado à toa, visto que se tornaram celebridades mundiais dos esportes e vivem “miseravelmente”, ganhando salários de US$40,00 mensais. Eu respondo: se os atletas cubanos não tivessem compromisso e consciência revolucionária, não seria apenas 0,2%, entre as centenas que vieram ao Pan do Brasil, que se renderia a uma proposta milionária de um agente alemão; eles desertariam em massa, como a Rede Globo inventou que estava para acontecer; ou seja, fariam como os atletas brasileiros, que hoje formam a Seleção Canarinho com quase 100% de jogadores que atuam no exterior. ” [“Pé em cima, pé embaixo e uma pensão fuleira com uma nega chamada Teresa”]

Grande parte da população brasileira já sabe que os 6.000 médicos cubanos a serem contratados pelo governo Dilma para atuar nos rincões brasileiros, onde os médicos autóctones não se interessam em exercer a profissão, não vão “desertar” do regime cubano, pois estão espalhados por todos os continentes e, ao encerramento dos seus contratos em países ricos, ou ao término de suas missões humanitárias em países pobres, voltam para Cuba “lançando” em ritmo da rumba caribenha.

Muito já se falou sobre a vinda dos médicos cubanos. Alguns empertigados janotas da imprensa nativa dão fricotes, esperneiam, xingam, argumentam até que os médicos cubanos são na verdade agentes do comunismo ateu, os quais viriam com a missão de apoiar o MST na implantação de uma república marxista-leninista-stalinista-maoísta-lulista-bolivariana-dilmista no antigo Bananão, como era conhecido o Brasil, lá fora, no tempo em que Dondon jogava no Andaraí.

Mas, dentre todas as mensagens que ultimamente recebi através daquelas correntes, às quais me referi no começo destas mal traçadas, uma delas chegou a me impressionar. Refiro-me a um vídeo que veicula trechos de entrevistas feitas com brasileiros em Cuba, visitando a ilha a convite do governo cubano, ou cursando medicina. Impressionou, mas não propriamente pelo conteúdo, e sim por me deixar imaginando a quantas andam as cabeças dos “deficientes cognitivos”, conforme certo boateiro qualificou as pessoas que acreditaram no boato que ele próprio disseminou, falando de suposto projeto de lei estabelecendo uma tal “bolsa-prostituição”, que teria sido aprovado no Congresso, enviado à presidente Dilma e que seria sancionado sem vetos, pois teria sido de autoria de uma deputada do PT. [“Boato nefasto da ‘bolsa-prostituição’”].

O vídeo que recebi tem o título de “Estudantes de Medicina” em Cuba - ACORDA BRASIL! Assunto: Médicos Cubanos - Ouça da boca deles...ESTARRECEDOR !!!!!!!!!.

Editaram pequenos trechos de seis entrevistas feitas com brasileiros em Cuba, alguns deles são membros do MST, outros não. Mas tentam fazer crer que todos são estudantes de medicina em Cuba. Podem até ser, mas apenas dois deles declaram ser estudantes de medicina na ilha. Uma jovem faz ligeiro relato sobre o processo de escolha dos candidatos ao curso, diz que estes são enviados a São Paulo, onde se submetem a curso preparatório, são avaliados pelo MST e pela Embaixada cubana, e “passando por esse processo, foi assim que eu vim”, conclui ela. Em cima da fala dessa moça, colocaram uma legenda em letras garrafais: “O MST AVALIA ESTUDANTES DE MEDICINA?”. Ora! Claro que não! A avaliação do Movimento e da Embaixada é em cima do curso preparatório para distinguir aptidões, teste vocacional, que pode ser aplicado por centenas de empresas, além de identificar as condições gerais do candidato. Será que pensam (?) que os outros milhares de estudantes que o governo federal está bancando para estudar nas melhores universidades do chamado Primeiro Mundo não passam por avaliações?

No final do vídeo, outra jovem brasileira fala, muito empolgada e feliz da vida, sobre a sua experiência em Cuba. O editor encerra a exibição destacando de sua fala o seguinte trecho: “Espero voltar para meu país e implantar esta semente revolucionária que estou aprendendo aqui e que está me nutrindo”. Pra que ela foi dizer isso?! Afasta-te, satanás comunista ateu! A palavra “revolucionária” deve ter causado urticária no editor do vídeo e em muita gente que o assistiu. Tascaram esta legenda: “COM QUAL OBJETIVO?”.

Semente revolucionária “que se caracteriza pela inovação, pela originalidade, pela possibilidade de renovar os padrões estabelecidos”, “que é adepta de inovações culturais, artísticas...”, basta consultar o Houaiss. Mas os “deficientes cognitivos” preferem atribuir à palavra “revolucionário” a conotação de “guerrilheiro”, ou, pior, “terrorista”.


Assista ao vídeo, "ouça da boca deles", é estimulante ouvir esses jovens.




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quinta-feira, 23 de maio de 2013

Blogs do PIG, demagogia e plágio


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 Fernando Soares Campos



O Wikcionário ― um dicionário online ― registra o neologismo “blogueiro” com as seguintes acepções: 1. autor de blog; 2. pessoa que costuma acessar blog; e 3. administrador de blog. Entretanto, creio que caberia acrescentar mais um significado: (pejorativo) “Jornalista que virou jornaleiro a troco de uma jorna”.
                                                         
A função do jornaleiro é nobre, pois tem como objetivo a digna tarefa de prover a subsistência, mas o propósito do jornalista-jornaleiro é pobre, visto que se trata do aviltamento da profissão.

Muitos são os jornalistas que se tornaram meros blogueiros, ou jornalistas-jornaleiros. Eles fazem malabarismos mentais, cometem estelionatos intelectuais, a fim de vender jornal, ou, o que é mais grave, obter privilégios para si ou para seus patrões/donos; induzindo seus leitores a falsas concepções. Alguns deles, devido às suas arraigadas maneiras de extrapolar as próprias orientações editoriais das corporações jornalísticas para as quais colaboram, são taxados de “esgoto”: canalizam o ódio, o preconceito, a inveja... e funcionam como válvulas de escape de pessoas mal informadas, em quem provocam mal resolvidas catarses.

Já fazia muito tempo que eu não acessava o portal de um jornal grande, desses cujas edições impressas não servem mais nem para embrulhar peixe na feira. Hoje, estimulado por um dos meus correspondentes, abri o portal de O Globo. Cliquei nos títulos de algumas matérias e colunas e acabei entrando no Blog do Ricardo Noblat ― minha mente estava protegida com “roupa de escafandro”, claro, pois aquilo lá é um verdadeiro canal de dejetos do PIG ― Partido da Imprensa Golpista.

Rolei a página inicial, lendo títulos, epígrafes e trechos de algumas postagens. Parei em pequena nota intitulada “Eduardo Campos de slogan novo” (20/5/2013), a qual informa:

“O PT, que não se constrange em tomar as boas ideias dos outros, pôs Lula e Dilma a dizerem na televisão que farão mais e melhor.
“Foi com esse slogan que Eduardo Campos, governador de Pernambuco, se lançou como aspirante a candidato pelo PSB à sucessão de Dilma.
“Esta noite, nas emissoras de televisão de Goiás, irá ao ar um comercial do PSB estrelado por Eduardo de slogan novo: "Fazer mais e bem feito". [Grifos nossos.]”

(O estranho nessa nota é que a propaganda veiculada antes é acusada de plagiar a que vem depois. Mas isso vindo de Ricardo Noblat não deveria me causar qualquer estranheza.)

Quem plagia quem?

“O Brasil pode mais”, que podia ser entendido como “Nós podemos fazer mais”, foi o slogan da campanha de José Serra em 2010, como candidato à sucessão presidencial, enfrentando Dilma, a candidata de Lula e de cerca de 55 milhões de eleitores. A equipe marqueteira de Serra deve ter-se inspirado no slogan da campanha de Barack Obama em 2008: “Yes, we can” (“Sim, nós podemos”).

Militando em favor da candidatura de Dilma, em 2010 escrevi crônica satírica sob o título: “Cabral e o Ovo de Colombo”, publicada no site do jornal russo Pravda. No final do texto, acrescentei:

Moral: Para fazer mais que os outros, às vezes precisamos quebrar um pouco mais a casca do ovo ou aumentar a quantidade de sal em que este será apoiado.

P.S.1: Há quem acredite que Lula não deveria ter feito certos acordos em nome da governabilidade; saiba, porém, que, nesse caso, fazer mais que ele exige firmar aliança até mesmo com Judas. E ainda mais estreita que com Sarney.

P.S.2: Fazer mais não significa fazer melhor. [O objetivo estava claro: rebater o slogan do Serra.]

Em 2012, o Portal Vermelho, “uma página mantida e gerida pela Associação Vermelho, entidade sem fins lucrativos, em convênio com o Partido Comunista do Brasil - PCdoB”, republicou minha crônica com uma devida revisão que fiz (relendo na Pravda, observei que nunca havia identificado tantos erros num texto meu) e adaptações, como: (aliança) “...ainda mais estreita que com Maluf”, em referência ao estreitamento das relações do PT com o cacique paulista, pela sucessão administrativa na Capital.

Além do Vermelho e da Pravda, minha crônica foi reproduzida em diversos blogs da chamada blogosfera política.

Certamente não tenho a milésima parte do número de “seguidores” do Ricardo Noblat. Seguidores de um “ceguidor”, ou cegante. Mas tenho uma meia porção de leitores, que me leem nos mais variados ciberespaços. Já vi matéria do meu blog (Assaz Atroz) reproduzida até mesmo no site do Instituto Millenium, que assim se identifica: “Uma entidade sem fins lucrativos e sem vinculação político-partidária que promove valores fundamentais para a prosperidade e o desenvolvimento humano da sociedade brasileira. Formada por intelectuais, empresários e acadêmicos, busca difundir conceitos como liberdade individual, propriedade privada, meritocracia, estado de direito,  economia de mercado, democracia representativa, responsabilidade individual,  eficiência e  transparência, mas que, na verdade, não passa de uma das muitas entidades que se utilizam de suportes midiáticos para fazer oposição sistemática aos governos trabalhistas de toda a América do Sul. Seria mais decente se eles, ao invés de dizer que não têm “vinculação partidária”, fizessem como o Vermelho, que assume ter convênio com o PCdoB, e revelassem sua vinculação com o PSDB. O problema é que, com esta agremiação, eles não têm convênio, só conchavo: mancomunação com intenções golpistas.

Tempos atrás, outro blogueiro de O Globo, especulando sobre artigo de minha autoria, disse que, provavelmente, eu morava na Rússia, e um dos seus muitos seguidores afirmou que eu deveria estar recebendo o “ouro de Moscou” ― um anacronismo, mas muito utilizado na campanha infame contra os partidários do presidente Jango, nos anos 1960. Portanto, não somos tão desconhecidos assim.

Quando assisti à recente propaganda institucional do PT (a do PSB, segundo Noblat, é “comercial” ― não duvido), observei Dilma dizer que “podemos fazer mais...”, e Lula completar: “E melhor”. Não sei se os marqueteiros do PT tomaram conhecimento da minha observação no P.S.2 da crônica “Cabral e o ovo de Colombo”, na internet desde 2010: “Fazer mais não significa fazer melhor”. Porém, se tomaram, fizeram muito bem em se apropriar da dica. Nesse caso, não se trataria de apropriação indébita, constrangedora, como quer o Noblat, pois foi ideia de um militante juramentado, como diria Odorico Paraguaçu.

Essa coisa de acusar os governos petistas de “tomar as boas ideias dos outros”, como diz o Ricardo Noblat, tem seu mais “forte argumento” no caso do Bolsa Escola do governo Fernando Henrique Cardoso, o qual virou Bolsa Família no governo Lula e segue como parte da política social do governo Dilma. Acontece que essa mesma turma que acusa Lula e Dilma de se apropriarem das “ideias dos outros” também os acusaria se estes governos tivessem abandonado o programa implantado pelo governo pessedebista. A bem da verdade, é bom que se esclareça:  o Bolsa Escola foi criado e implementado em 1995 pelo então governador do Distrito Federal Cristovam Buarque, à época filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT, saudações). FHC viu no programa do governo petista do Distrito Federal a oportunidade de inserir no seu desgoverno um instrumento para inglês e o FMI verem, além de se prestar à demagógica propaganda eleitoral. Não era destinado a todos, não existiam verbas para tanto. Lula e Dilma fizeram e continuam fazendo mais e melhor. Mas tem gente querendo fazer mais demagogia ― e pior... Quer dizer... melhor... Mais bem feita? Sei lá!

O Nordeste passou recentemente por mais uma estiagem prolongada. Lembro-me de que, em outras temporadas de seca no semiárido nordestino, hordas de famintos flagelados invadiam as cidades e saqueavam ou ameaçavam saquear supermercados e feiras livres. Desta vez, os telejornais e noticiosos em geral ficaram na mão, não puderam fazer o sensacionalismo de outras épocas. O Bolsa Família deve ter funcionado como amenizador da fome e contemporizador dos ânimos. Será?

Originalidade e plágio

Em 2009, o pessoal que toca o projeto Nova Coletânea, apoiado pelo PNLL ― Plano Nacional do Livro e Leitura, do governo federal ―, decidiu me entrevistar. Topei.

Na entrevista, aproveitei para deixar minha opinião sobre o que venha a ser “originalidade”.

Eis um trecho da entrevista.

Apresentação:

Autor que participou das últimas edições do projeto Nova Coletânea, um talento incontestável da prosa contemporânea, Fernando Soares Campos é um grande ativista da liberdade de imprensa, da causa nacional e da liberdade de expressão.  Ele não se deixa submeter pelo discurso vigente nas grandes mídias. É um crítico da sociedade hodierna, um autor engajado nas questões de seu tempo e dono de um rico acervo de obras virtuais. Atrás da ironia e do discurso em tom humorístico podemos ver se desenhando a caricatura do político brasileiro que opera prodígios pela manutenção dos seus privilégios. Um cronista político como poucos, apesar da imensa modéstia, Fernando é esse exímio observador da realidade que nos subjuga. Para muitos um novo autor, para quem teve o privilégio de ler suas OBRAS, um autor para a posteridade.”

(...)

Nova Coletânea: Em suas obras vemos o reflexo de grandes clássicos do pensamento universal, seja filosófico, seja literário. Que pensadores mais o influenciaram até o momento?

Fernando: É fácil compreender que na infância e na adolescência somos mais suscetíveis a influências. Certamente estas não ocorrem apenas naquelas fases, claro. Mas a formação religiosa, por exemplo, para quem a recebeu de forma sistemática e nos moldes em que a mim foi ministrada, pode vir a ser desastrosa, aniquiladora, ou, considerando os menores males que causa, inibidora, atrasando o processo de amadurecimento do indivíduo. Observe que eu não estou condenando os princípios religiosos em si, mas a forma como fui doutrinado na infância. Entretanto, ainda muito jovem, descobri que um dos melhores caminhos para superar uma educação extremamente conservadora, dogmática, é a literatura. Hoje entendo que, sob o ponto de vista das influências que recebemos durante toda a nossa existência, a diversificação das fontes literárias exerce importante papel na evolução do pensamento reflexivo e crítico do indivíduo. Provavelmente, qualquer pessoa que tenha tido oportunidade de optar por variadas fontes e delas tenha se utilizado, possua chances de refletir “grandes clássicos do pensamento universal”, conforme você diz ter identificado em meus escritos. Porém os reflexos que podemos identificar através das obras de um autor não são necessariamente possíveis anuências deste com aqueles que o influenciaram. A estética não é patrimônio de ninguém, e ao conteúdo de qualquer objeto artístico podem ser acrescentados outros valores; mesmo que de natureza física, mas também moral ou intelectual. O que é originalidade? Com quais critérios podemos qualificar de plágio qualquer obra? Creio que dizer aquilo que muitos já disseram, mas fazê-lo de forma diferente, renovada, elaborando textos sob ponderações fundamentadas na própria experiência, é o que podemos chamar de originalidade. Portanto, no meu entender, originalidade literária seria a capacidade de se expressar de forma autêntica através de originais paráfrases! Mas, respondendo diretamente à sua pergunta, eu diria que os pensadores que mais me influenciaram foram aqueles com quem tive meus primeiros contatos, ainda em tenra idade: meus pais, meus avós, tios, tias, parentes e amigos da família, professores, catequistas, curiosos... Foi essa minha gente quem me fez situar no mundo, assimilando conceitos geográficos, econômicos, ideológicos, políticos e sociais. Depois vieram os clássicos do pensamento universal, lapidando, ou bagunçando ainda mais, tudo aquilo que aprendi naqueles primeiros tempos.

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sexta-feira, 17 de maio de 2013

O psiquiatra de Caruaru: “Homofobia é veadagem enrustida”

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Fernando Soares Campos




Caruaru é a maior cidade do interior de Pernambuco, conhecida como Capital do Agreste, terra da feira que “faz gosto a gente vê, de tudo que há no mundo, nela tem pra vendê”, conforme cantava Luiz Gonzaga. Mas o que pouca gente sabe é que em Caruaru também tem pelo menos um psiquiatra bageguiano ― adepto dos métodos gauchescos do analista de Bagé, com adaptações aos costumes nordestinos. Ele recebe a clientela trajado de gibão, alpercatas e chapéu de couro. Em vez de divã, tem uma rede rosa-shocking instalada no consultório, na qual os pacientes se deitam, desfiam queixumes e resenham seus pecados.

Outro dia, o filho de respeitado coronel midiático entrou no consultório aparentemente avexado, com as mãos nos bolsos, talvez para dissimular o nervosismo. Mas não passou despercebido pelo tarimbado terapeuta.

― Que foi que aconteceu, cabra? Parece que viu lobisomem!
― Não é nada não, doutor. Já faz muito tempo que eu queria falar com o senhor... Mas tava evitando, porque dizem que só vem aqui quem tá com o miolo mole...
― Nada disso, meu jovem. O que mais atendo aqui é cabeça-dura.
― Apois eu quero me consultar.
― Então, deite aí na rede e desembuche.
― Deitar?! Precisa isso?!
―Sim, que é pra você relaxar e liberar a alma do cabresto.

O rapaz deitou-se, mas manteve as mãos nos bolsos.

― Por que não tira as mãos dos bolsos?
― É que o ar condicionado tá fazendo muito frio...
― Acho que você tá é com medo de desmunhecar na minha frente.
― Hein?!
― Deixa pra lá. Vamos ao que interessa. O que foi que trouxe você aqui? Que bicho te mordeu?
― Num é nada demais não, doutor. É que ando cismado comigo mesmo... ― ficou meio alheado, olhando para o teto.
― Continue.
― De repente, perdi o interesse por quase tudo: parei de andar com os amigos de sempre, larguei a namorada e até deixei de assistir televisão, coisa que eu gostava muito... ― continuou com olhar fixo no teto.
― Bom, parar de andar com amigos e largar a namorada, a gente até que entende, não parece coisa tão grave. Mas deixar de assistir televisão é um tanto esquisito, preocupante. Isso, sim, pode indicar um comportamento anormal. Tem alguma ideia dos motivos que levarem você e se comportar assim?
― Sei não, doutor, sei não...  ― pensou um pouco e concluiu: ― Acho que deve ser por causa dessa campanha toda que tão fazendo contra nós...
― Nós, quem?! De que campanha você tá falando?

O jovem mexeu-se inquieto, e a rede balançou suave.

― Dessa que diz que ninguém pode mais nem dar umas porradas num boiola. Toda hora tem alguém na tevê dizendo que a gente tem que parar com o preconceito, com a violência contra os gays, essas coisas. Isso aperreia a gente.
― Peraí! Na verdade, isso quer dizer que você é homofóbico.
― Chame como quiser. Só sei que não gosto de baitola. Tenho raiva de pirobo.
― Nesse caso, você procurou a pessoa certa. Homofobia é doença, precisa ser tratada. Aliás, qualquer fobia é sinal de neurose e pode evoluir para uma psicose.
― Num é nada disso, doutor! Doença mesmo é boiolice. Doente é quem queima a rosca.
― Mas homofobia é veadagem enrustida, cabra!
― Como assim?! O senhor tá me chamando de viado?
― Não, porque acho que você ainda não deu... Entende?
― Nem dei nem pretendo dar.
― Aí é que tá o problema: você reprime o seu impulso homossexual, não tem coragem de se revelar, por isso descarrega nas pessoas assumidas. Inveja dos ânus libérrimos. Sacou?

O terapeuta se levantou, foi até a estante, pegou uma garrafa contendo uma beberagem, encheu uma caneca e se aproximou do paciente.

―Isso aqui é uma garrafada que inventei com ervas da caatinga, uma verdadeira panaceia: amansa corno brabo, mulher arengueira e biriteiro valentão, entre outras serventias. Só não cura político corrupto, que esse aí não tem mais jeito. Acho que vai resolver seu problema. Tome.

O rapaz ficou meio cabreiro, mas pegou a caneca e bebeu devagar. Fechou os olhos, parecendo meditar. Súbito, saltou da rede, agarrou o psiquiatra de Caruaru pelo guarda-peito do gibão, sacudiu o homem violentamente, fazendo o chapéu de couro voar longe, e gritou histérico:

― Agora me bate! Me cospe! Me joga na parede! Me chama de lagartixa!

Empurrou o terapeuta cabra da peste, que se estatelou no chão. Saiu disparado. Na porta, ouviu o psiquiatra lhe perguntar:

― Não vai pagar a consulta?
― Pagar?! Que pagar que nada, eu vou é processar você e pedir indenização por danos morais.
― Como assim? Baseado em quê?

O ex-machão pôs as mãos nos quadris, respirou fundo, sacudiu a cabeça para os lados e respondeu:

― É proibido tratar bichice como doença, e você tratou um homofóbico, que, como você mesmo diz, é um viado enrustido. Agora liberei de vez. Morou?!

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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terça-feira, 7 de maio de 2013

Mudamos da água pro vinho ou simplesmente trocamos seis por meia dúzia? (Mudamos, evoluímos ou estacionamos?)

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Fernando Soares Campos

           

Dia desses assisti, no Canal Brasil, ao programa Espelho, apresentado pelo ator Lázaro Ramos, que entrevista personalidades dos mais diversos âmbitos da ação, do pensamento e do conhecimento. Dessa vez, o encontro se deu com a psicanalista Regina Navarro Lins, autora de vários livros que se expressam em temas relacionados com sexo, casamento, amor, “Fidelidade Obrigatória e Outras Deslealdades” – citando aqui o título de uma de suas obras.

Pesquisadora e estudiosa dos elementos estruturais da psique e suas manifestações, dedicada com maior empenho à sexologia, a professora Regina Navarro expôs  suas opiniões sobre problemas referentes à sexualidade humana, destacando questões que dizem respeito ao comportamento conjugal determinado por heranças culturais entre gerações: costumes e tradições que revelam certas características da identidade de um povo, tais como traços psicológicos e códigos morais.

Quando decidi escrever a respeito das explanações da entrevistada, acessei o site do Canal Brasil com o propósito de rever a entrevista, caso o quadro televisivo estivesse disponível em vídeo para qualquer internauta; porém, ali, só encontrei um pequeno trecho em aberto; é possível que o acesso à íntegra do programa somente esteja à disposição de assinantes. Entretanto, quase que por acidente no curso de minhas pesquisas no Google, encontrei a mesma Regina Navarro sendo entrevistada por Marília Gabriela no canal GNT, programa postado no blog Quebrando Tabus, disposto em cinco vídeos que oferecem, ao término de cada apresentação, links para o acesso a entrevistas da mesma psicanalista em outros programas de televisão: Roda Viva, Márcia Peltier e Roberto D’Ávila. Só então pude notar que se trata de uma celebridade que deixou a carreira acadêmica e está ascendendo à popularidade através dos meios de comunicação de massa. Assisti a todas as exibições, a fim de melhor embasar as minhas impressões.

O ponto mais polêmico entre as teses defendidas pela entrevistada é a sua proposta ao fim do “pacto de fidelidade” entre cônjuges, chegando mesmo a prever iminente dissolução desse suposto acordo, que, conforme pesquisas suas, teria se originado  com o advento do “amor romântico”, tendo este alcançado o apogeu oito séculos depois, a partir de 1940, enaltecido e propagado através das produções hollywoodianas.

Sentir-se amada e desejada

Regina reconhece que a mentalidade prevalente seja a de que “quem ama não admite que o parceiro ou parceira transe com outro”. Porém, como alternativa ao amor romântico e sua característica mais marcante (o pacto de fidelidade), ela prega que, se alguém “se sente amado e desejado”, nada mais poderia querer ou exigir do(a) parceiro(a). Entretanto, não seria essa uma postura favorável ao incremento das exigências consequentes de um pacto de fidelidade?

Analisemos.

Sentir-se apenas amado e desejado é uma condição passiva, não representa um comportamento sentimental de correspondência mútua, enaltece tão somente o poder de sedução, provavelmente mais intenso na figura feminina. No entanto, em ambos os gêneros, pode causar sensação de deslumbramento, de encanto, tanto quanto a paixão o amor incontrolado é capaz de obscurecer a razão.

Imaginemos alguém fascinado pela sua própria influência sedutora, seja de qualquer modalidade (dom-juanesca ou através dos aspectos físicos). Geralmente são pessoas que se sentem amadas e desejadas. Por motivos diversos, esses poderes podem deixar de funcionar: a verbosidade artificial e astuciosa, em determinado momento, já não convence, e o corpo sofre as mutações impostas pela ação do tempo.

Estamos acostumados a ouvir as pessoas afirmarem que quem ama não mata, não maltrata, não faz sofrer... Até aí apenas corroboramos os Dez Mandamentos, que prega a inação: não matarás, não adulterarás, não furtarás, não darás falso testemunho, não cobiçarás a mulher do próximo, entre outros não-farás.

Porém o amor não pode ser compreendido através de um comportamento passivo ou inerte. Amar pressupõe agir, fazer, criar, acariciar, fazer alguém feliz, respeitar, compreender, ter disposição para perdoar culpas e erros...

“Se você se sente amado(a) e desejado(a), o que mais você quer ou precisa?”, pergunta a psicanalista, acreditando que isso é tudo o que necessitamos para a realização da vida a dois. Porém, ao invés de postura passiva, o ideal não seria o contrário? Ou seja: “se amo e desejo” (comportamento ativo), só assim poderei admitir a liberdade sexual do meu parceiro ou parceira. Principalmente “se amo”, pois colocar esses dois sentimentos assim, em funções complementares, pode-se incorrer em grave contradição, visto que a intensidade do “desejo” pode vir a se constituir em fator de adversidade à expansão ou simples manifestação do “amor”. Acredito que seria mais coerente dizer que, “se amo”, respeito, pois compreendo, por processo empático, o comportamento do meu parceiro, seja convencional ou transordinário; talvez, até o estimule a libertar-se de possíveis frustrações impostas por usos e costumes sociais estabelecidos.

Sentir-se amado e desejado não corresponde necessariamente a ser amado e desejado. Podemos nos “sentir amados”, no entanto jamais poderemos ter a certeza de que o somos. Só podemos ter certeza dos nossos próprios sentimentos: se amamos, odiamos ou se somos indiferentes. Assim como somente nós mesmos temos verdadeiro conhecimento do grau de intensidade do amor que sentimos, das suas nuances, relatividades e motivações (dizem que o dinheiro compra até amor sincero).

O amor romântico “teve início” no século XII e está dando sinais de “sair de cena”, diz a entrevistada. Amor romântico, em sua visão, equivale a puro egoísmo, gerando ciúme exacerbado, incontrolável. Na verdade, aí não estamos falando propriamente de amor, mas sim de paixão, sentimento que costuma arrefecer em curto prazo e pode, gradativamente, dar lugar ao amor natural. Porém, se tiver causado fortes danos às faculdades de raciocinar, sentir, avaliar, compreender e concluir logicamente, então, nesse caso, revela-se apenas como fogo-fátuo.

Regina afirma que o problema do amor romântico é que as pessoas se casam criando um conjunto de expectativas ideais em relação ao parceiro e acabam se frustrando. Certamente a expectativa de que os dois se tornarão um só, ou mesmo acreditar no mito da alma gêmea, atrapalha, frustra aquele que assim pensa e não é capaz de refazer seus conceitos na medida em que se desenrola a união conjugal.

A pílula

Em quase todos os programas, a entrevistada afirma que o surgimento da pílula anticoncepcional é responsável por suposta atitude da mulher, pois, a partir daí, o homem teria perdido o poder de exclusividade no controle da concepção. Porém Regina garante que existe um acelerado processo de mudança, com a tendência para que o casamento se torne cada vez mais “aberto”, em que ambos os cônjuges aceitem relacionamentos extraconjugais. Seria, para ela, o fim do pacto de fidelidade. Entretanto admite que, com o surgimento da pílula e controle da concepção, as mulheres não optaram por comportamento “revanchista”, do tipo: “Bom, se agora eu não corro mais o risco de uma gravidez ‘indesejada’, vou agir como os homens agem, vou à luta por novos parceiros, não me obrigo a cumprir o suposto pacto”. Pelo contrário, as mulheres, segundo a pesquisadora Regina Navarro, passaram a exigir exclusividade com maior ênfase. Estranha é essa reiteração de comportamento, agora ainda mais aguçado. Talvez isso se explique pelo fato de a mulher querer se sentir mais amada e desejada (o ideal, para Regina) que amar e desejar. O amor liberta, mas não apenas o amor que sentem por nós. Este pode até nos ajudar no processo de libertação, mas o amor que sentimos pelos outros é que deveria se constituir no verdadeiro instrumento libertador de nós mesmos.

Traição e dar satisfações ao parceiro

Regina Navarro assevera que o termo “traição” não lhe diz nada, quando se trata de sexo. Realmente, traição não tem nada a ver com o sexo propriamente dito, mas sim com os nossos comportamentos em seus mais amplos aspectos.

Lembrei-me de uma história contada por um jornalista e escritor brasileiro relatando experiência que ele teria vivenciado na companhia de um casal italiano. Contou que estava visitando esses seus amigos quando percebeu que o marido sutilmente o estimulava a ter relação sexual com a esposa. Inibido, ele teria se esquivado, e não rolou nada. Tempos depois, já no Brasil, soube que o amigo italiano havia-se suicidado. Motivo: a mulher o traíra tendo relações amorosas com outro parceiro, mas o fazia às escondidas, sem nada lhe participar, fato que teria caracterizado a traição.

Para Regina Navarro, um cônjuge não tem que dar satisfações ao outro. Se perguntado sobre possível relacionamento extraconjugal, a resposta deveria ser: “Não tenho satisfações a lhe dar”, diz ela imprimindo o tom da resposta: incisivo, até agressivo. No entanto, em outro programa, ela afirma que “qualquer prática sexual só tem sentido se as duas pessoas quiserem mesmo”. Evidente. Mas isso implica também dizer que qualquer relacionamento conjugal só tem sentido se as duas pessoas se combinarem e participarem um ao outro suas experiências em qualquer âmbito de ação.

Em um dos programas, Regina conta que uma das alegações de muitas mulheres tentando influenciar outras a não aceitar que o parceiro ou ela mesma tenha experiências fora da relação a dois seria o “perigo” de passar a gostar do outro e se separar. Mas isso, para a psicanalista, não tem fundamento, porque só com a diversidade de parceria o casamento será maravilhoso. Porém ela fala de outra nova tendência, aquilo que os norte-americanos estariam chamando de “divórcio grisalho”, que é a separação de casais em muito adiantada vida conjugal. E ela justifica o “fenômeno” dizendo que isso acontece porque “Os velhos viviam jogados pra escanteio, hoje, o velho de classe média pra cima, ele tem aula de canto, de teatro, grupo de não sei o quê, van que pega, passeia. Os velhos hoje fazem o que quiserem, não ficam mais num... [alguém a interrompe e lembra: “Viagra”] Viagra... É por isso que está havendo o divórcio grisalho. Nos Estados Unidos as pessoas estão se divorciando com 70, 80...[anos de idade]”.

Agora vejamos: isso talvez explique aquela preocupação de determinadas mulheres em relação à diversificação de parceiros. Ou seja: ao invés de os relacionamentos múltiplos, de ambas as partes, fortalecerem a vida conjugal, esse comportamento não estimularia a separação? Não estou afirmando que concordo com a preservação de um pacto de fidelidade forçando o parceiro a se manter distante de outras pessoas. Menos ainda que os idosos sejam desprezados, jogados para escanteio.

O ditado “quem nunca comeu melado quando come se lambuza” pode definir, de certa forma, o entusiasmo que as pessoas menos experientes, principalmente os mais jovens, sentem e que as impelem ao arrebatamento das paixões. Os idosos desamados ou nunca suficientemente amados, jogados pra escanteio por longo período, podem agir da mesma forma. E, provavelmente, tais comportamentos acontecem devido ao egoísmo consequente da postura daqueles que querem apenas se sentir desejados e, por isso, amados mais do que amar.

Falamos frequentemente que certos casais já não se amam, apenas se respeitam, se toleram, como se respeito e tolerância não fossem expressões de amor amadurecido. O problema é que, talvez inconscientemente, às vezes imprimimos ao termo tolerar a conotação de penalidade imposta, apesar de tanto condenarmos a intolerância às opções, atitudes ou condições alheias.

A meu ver, a separação ocorre com muito mais frequência devido ao fator “individualismo”, estimulado por Regina Navarro quando diz: “Se você se sente amado(a) e desejado(a)” não precisa de mais nada para ser feliz na vida a dois. Quando, por coerência, deveria dizer: “Se você se sente amando e sendo amado, desejando e sendo desejado, que mais você pode querer?” Ou ainda, para as pessoas mais compreensíveis, mais tolerantes, mais respeitadores dos direitos individuais, sentir amor, mesmo que aparentemente não correspondido, implica compreender, ou simplesmente tolerar, o comportamento do outro, desde que não sejam atitudes de agressividade em qualquer de suas formas.

“Dois mil anos de sexo como uma coisa suja e feia”, diz Regina Navarro no programa Marília Gabriela Entrevista.

A pesquisadora Regina Navarro garante que, com o advento do Cristianismo, tornou-se proibido o amor romântico; a partir de então, só se podia amar a Deus, ficando proibido o amor entre as pessoas.

Muito pelo contrário, antes de Jesus, as escrituras hebraicas determinavam, através do primeiro dos dez mandamentos: “Amar a Deus sobre todas as coisas”, os demais mandamentos versam sobre o não-fazer, a inação. Já tratamos disso.

Instigado a interpretar as Sagradas Escrituras Hebraicas, mais especificamente sobre a Lei do Amor, Jesus se refere ao capítulo 6, versículo 5, do livro Deuteronômio, ratificando o que lá está escrito: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento”. Mas acrescenta: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”. Quer dizer: o Cristianismo amplifica a Lei do Amor, estimulando as pessoas a se amarem reciprocamente e não só com simpatia, mas com empatia, colocando-se no lugar do outro com o propósito de sentir e compreender suas angústias, sofrimentos, alegrias, paixões... Amar aos outros como se ama a si próprio. Porém, se os pretensos seguidores da Doutrina Cristã deturparam (deturpam) os ensinamentos do Cristo, com interpretações propositadamente distorcidas, a fim de atender aos seus mais mesquinhos interesses pessoais, isso é outra questão. Não foi o Cristianismo que inaugurou o atraso, são os falsos cristãos quem o mantêm.

Dos contos de fada às telenovelas e propagandas comerciais

A psicanalista Regina Navarro fala da influência negativa que alguns contos de fada causaram na formação da “mulher frágil”: Cinderela, Branca de Neve e A Bela Adormecida, cita esses como exemplos. Casos em que a mulher acaba sendo protegida e salva por príncipes encantados. Mas acredita que novelas e propagandas comerciais, hoje, estão formando uma mentalidade positiva, homogeneizando os valores culturais entre as diversas cidades e regiões do País. É um disparate inadmissível para uma pessoa como ela, que possui elevado grau de instrução e, certamente, deve ter ampliada noção do estrago que os meios de comunicação de massa têm feito no psiquismo das pessoas, em geral tratadas apenas como consumidoras.

Cinderela, Branca de Neve e a Bela Adormecida precisaram de muitas décadas para difundir o ideal da “mulher frágil”, essa que não precisa amar o príncipe encantado, a quem lhe basta sentir-se amada e desejada.  (Acho que a psicanalista não atentou para esse detalhe: apenas se sentir amada e desejada como condição para a satisfação integral é sentir-se como as personagens dos contos de fada.) Mas as telenovelas e as propagandas, tanto quanto os telejornais, programas de auditório e todo o lixo intelectualoide que geram as pretensas artes visuais destinadas ao povaréu, precisam apenas de alguns minutos de audiência para fazer as massas mudarem para permanecerem na mesma condição de ignorância mantida há séculos.

Num determinado momento, Regina Navarro afirma que os valores culturais influenciam, moldam a formação do nosso inconsciente (óbvio; aliás, a obviedade é a característica básica da argumentação profissional da psicanalista), mas que a Rede Globo estaria aí mesmo para esclarecer as pessoas, com o conteúdo de suas novelas. No Roda Viva ela cita apenas as novelas, mas, em outro programa, destaca até a “importância” das propagandas no processo de despertar das consciências. Parece ingenuidade, mas não é. Regina Navarro foi, é ou pretende ser (li alguma coisa a respeito disso, mas não me lembro onde) assessora, consultora, da produção de um dos programas da Rede Globo e quer continuar vendendo livros a rodo. Está explicada a bajulação.

Em relação ao progresso científico, é incontestável que avançamos a passos largos; mas, afinal, do ponto de vista moral e ético, mudamos para permanecer os mesmos ou evoluímos de verdade em algum sentido?

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Regina Navarro no programa Roda Viva, comandado por Marília Gabriela




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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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