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Estou impressionado com algumas cartas que tenho recebido desde que passei a publicar algumas crônicas, contos, sátiras e artigos de opinião internet afora. Não sei onde, quando nem por que alguns leitores me confundiram talvez com o Analista de Bagé, personagem de Luís Fernando Veríssimo; ao que devo ser grato, pois pior seria se tivessem me comparando com a falecida Velhinha de Taubaté.
São mensagem do tipo que costumam enviar aos "consultórios sentimentais" de revistas femininas, ou às colunas assinadas por psicólogos, astrólogos, cartomantes, pais-de-santo e congêneres. No entanto os textos me parecem brincadeiras. Mesmo assim respondo às questões como se estivesse examinando casos sérios, dramas pessoais que precisam de aconselhamentos. Ou seja, entro no clima.
Vejamos alguns casos:
P - "Caro Fernando, conheci o homem da minha vida, nos amamos ardentemente e entendo que já não poderia mais viver sem ele. Sou de família rica, enquanto ele é um jovem negro, pobre, mas bastante trabalhador. Já deu provas de que gosta de mim, que me ama de verdade, mesmo assim a minha família continua irredutível, não aceita a nossa união. O senhor não acha que isto é preconceito?"
R - Sim, sem dúvida alguma isso se constitui num condenável preconceito. Certamente vivemos num mundo em que, há muito tempo, o ter se sobrepõe ao ser, numa inversão de valores historicamente sem precedentes. Mas aconselho que lute por seu amor, prove à sua família que, mesmo se casando com um jovem negro e pobre, você continuará sendo homem.
P - "Senhor Fernando, estou arrasada, inconformada! Creio que vou cometer uma loucura! Meu marido me trocou por uma mulher 20 anos mais nova que ele. Isso é humilhante..."
R - Mais que humilhante, isso é incompreensível; afinal, você é 30 anos mais nova que ela.
P - "Mestre [?] Fernando, sou um ladrão compulsivo, um mau-caráter, não sei agir com honestidade, mesmo que tal atitude possa me trazer mais benefícios do que através de falcatruas, sem as quais não saberia me comportar diante de uma negociação ou de um relacionamento qualquer. Este é um caso típico de cleptomania?".
R - Sim, esse pode ser um caso típico de cleptomania. Mas a Psicanálise pós-moderna não tem como objetivo convencer o paciente a mudar os seus comportamentos inatos, mas sim ajudá-lo a adaptar-se à nova ordem psicossocial. No seu caso, você mesmo já resolveu essa questão desde que se elegeu deputado. E pare de me chamar de mestre!
P - "Prezado Fernando, sou professora de escola pública, sei que o Estatuto da Criança e do Adolescente, o famigerado ECA, defende a pivetada, e a gente não pode nem dar uns cascudos num indisciplinado trombadinha em sala de aula. Mas, de vez em quando, perco a paciência e não estou nem aí, baixo o sarrafo, afinal esses descamisadinhos não conhecem nada de direitos humanos. O problema é que são cínicos! Sempre que dou uma bordoada num desses pirralhos, o infeliz, ao invés de chorar, sorri! Tem cabimento isso?!"
R - Cara professorinha, pesquisei sobre o assunto e acabei encontrando uma explicação no livro "Escola, instituição da tortura" (Scortecci Editora, 2004), de Maria da Glória Costa Reis, professora aposentada, lá de Leopoldina (MG). Ela nos conta: "Vi muito isso. Hoje, já velha de escola e de vida, presumo que talvez seja a única defesa que eles têm: fingir que não sentem a humilhação e a vergonha. Afinal, tem toda uma platéia de colegas, é preciso disfarçar a dor. O sorriso é o anestésico". Viu? A sua gurizada está só ensinando a senhora a se comportar quando o seu marido lhe der esporros diante de familiares e amigos.
Bom, por enquanto é só, vou ficando por aqui. Aguardo novas consultas.
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quinta-feira, 23 de outubro de 2008
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