quarta-feira, 30 de junho de 2010

Ganhe uma cópia do Dossiê Serra no jogo dos 7, 14 e 21 erros

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A nossa Agência Assaz Atroz escalou o melhor chargista da nossa equipe de cartunistas a fim de que este acompanhasse a entrevista da candidata à Presidência da República pelo PT Dilma Rousseff, ao programa Roda Viva, e retratasse com rigorosa precisão exata os melhores momentos da seguntina (se aos sábados é sabatina, então...).

Para nossa surpresa, o trabalho do nosso panfletist... quer dizer, do nosso cartunista apresentou, por uma dessas casualidades eventualmente ocasionais, alguns raros, mas excepcionalmente comuns e recorrentes, traços semelhantes e rigorosamente quase iguais aos do cartunista do Roda Viva.

Não é mesmo muita coincidência casual?!

Aprecie o nosso sisudo esforço para produzir bom humor e participe do jogo dos 7, 14 e 21 erros, que consiste em o leitor identificar as pequenas diferenças entre os quadrinhos do cartunista do Roda Viva e os do nosso assaz atroz chargista.

Quem acertar o maior número de erros (diferenças) ganha uma cópia exclusiva do Dossiê Serra, quando o livro “Os porões da privataria”, de Amaury Ribeiro Jr., for lançado.

Quem se habilita?!

Assista à entrevista usando a postagem da redecastorphoto, a fim de comparar as nossas charges com as do Roda Viva.

(Clique na imagem para ampliar)





Atenção: O regulamento do nosso concurso estabelece premiação para quem acertar o menor número de diferença de traços entre os nossos cartuns e os do cartunista do Roda Viva. Nesse caso, o candidato ganha um link para ler trechos do Dossiê Serra, publicados na internet, desde que esta foi inventada.

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terça-feira, 29 de junho de 2010

Vaccarezza: "José Serra deu azar e chegou na hora errada"

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Entrevista do deputado Cândido Vaccarreza (PT/SP), líder do Governo na Câmara dos Deputados, ao jornal A Tarde, da Bahia, publicada na edição de segunda-feira, 28 de junho.

LUDMILLA DUARTE - Jornal A Tarde - Salvador (BA)

Estamos em ano eleitoral e muitas entidades de classe esperam que o Congresso aprove "pacotes de bondades para agradar aos eleitores”, como reajustes salariais e outras reivindicações. Como o governo conduzirá isto?

Vou usar as palavras do presidente Lula, que expressam melhor o comportamento do governo este ano e nosso comportamento aqui na Câmara. O presidente Lula disse o seguinte: "Não me deixarei seduzir por qualquer extravagância por conta do processo eleitoral". Não é porque é ano de eleição que vamos fazer demagogia ou nos aproveitarmos para fazer coisas que estão fora do caminho adequado para o País. Não vamos fazer demagogia eleitoral ou medidas apenas para ganhar votos.

As centrais sindicais possuem um pacote de reivindicações, como redução da jornada para 40 horas, proibição da demissão imotivada, entre outros. Dentro desse pacote, o que será factível aprovar este ano no Congresso?

É natural que as centrais sindicais tenham suas reivindicações e façam sua luta, sobretudo nesse momento de crescimento do emprego, de desenvolvimento econômico, em que todos os setores estão tendo ganhos. Nós, na posição de governo, temos que ver até onde podemos chegar, e as centrais têm conseguido bons acordos. Em relação ao funcionalismo público, por exemplo, nós recuperamos a máquina pública nesses oito anos, fizemos vários concursos e demos reajuste significativo para os funcionários públicos. Hoje nós temos outra situação na máquina pública brasileira.

Sobre o marco regulatório do pré-sal, o que é que o governo espera aprovar no Congresso este ano?

Nós queremos aprovar todos os projetos do pré-sal. A capitalização da Petrobras já está aprovada na Câmara e no Senado. O Fundo Social e o regime de partilha já foram aprovados na Câmara, no Senado e voltaram para a Câmara, e a criação da Petrosal está no Senado. A nossa expectativa é concluir as votações até antes do recesso (que começa em 17de julho).

Mas, e a emenda do deputado federal Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), que estabelece a divisão igualitária dos lucros do petróleo e foi ressuscitada pelo senador Pedro Simon (PMDB-RS) e aprovada no Senado?

Esta emenda é inconstitucional. Quando o governo fez o projeto, deixou de fora a discussão sobre os royalties do petróleo porque a ideia era fazer a partir da elaboração de uma lei geral sobre royalties no Brasil. Nós temos tempo para fazer isso. No projeto do pré-sal não entraria a divisão dos royalties. A Emenda Ibsen foi aprovada na Câmara, saiu daqui e foi aprovada no Senado. As modificações feitas no Senado tornaram a emenda ainda mais inconstitucional. Primeiro, porque transferem gastos para a União, e os deputados e senadores não têm autoridade para fazer isso. É um vício de iniciativa, é inconstitucional. Segundo, autoriza gastos sem dizer de onde vão sair os recursos, sem base orçamentária, o que também é inconstitucional. Do ponto de vista político, é injusta com os estados. Por exemplo, na discussão dos royalties aqui na Câmara, nós pegamos 44% dos royalties e dividimos 22% para os estados não-confrontantes e 22% para os municípios não-confrontantes. E garantimos uma quantidade significativa para os municípios em estados que são confrontantes, porque você vai ter movimentação de navios, risco de acidentes, movimentação de caminhões. Então nesses aí será necessário mais investimento, mais cuidado, uma preparação para a atividade exploratória do pré-sal. O que eles fizeram foi pegar toda a exploração do petróleo da plataforma submarina, inclusive a do Rio de Janeiro, que já existe há 20 anos – na Bahia, tem também –, e dividiram por igual para todos os estados, o que é um erro. Já há contratos sobre esse petróleo, quebrar esses contratos é inconstitucional e é errado politicamente. Nós vamos aqui na Câmara tentar derrotar essa emenda, que também tem caráter eleitoreiro. Queremos deixar esse assunto de fora e discutir isso depois das eleições.

A aliança PT-PMDB tem dificuldades em vários estados. O senhor acha que isso se refletirá aqui na Câmara?

Sim, há dificuldade em alguns estados, mas aqui na Câmara tem funcionado bem na base do governo.

Mas em alguns estados o PMDB até oferecerá o palanque para o candidato adversário...

São poucos. Isso vai acontecer no Mato Grosso do Sul, em Pernambuco, em São Paulo e, provavelmente, no Rio Grande do Sul. Mas o Brasil é muito grande, e essa situação é antiga. O PMDB já esteve mais para o lado dos tucanos do que do nosso; hoje está bem mais para o nosso lado.

Na sua opinião, como vai ficar o presidente Lula nas situações de palanque duplo – em que um dos casos é a Bahia? Ele vai fazer a campanha do partido dele ou vai pedir votos para dois candidatos nos estados?

Primeiro: sobre o palanque duplo, temos uma comissão que está discutindo a formalização disso. Essa comissão vai ouvir também todos os deputados e definir como é que funcionará o palanque duplo. Segundo, está definido que a ministra Dilma irá subir no palanque do candidato que a estiver apoiando. Agora, o comportamento do presidente Lula vai depender da concordância dele, porque ele não é candidato. Iremos chegar a um acordo, junto com ele, pois ninguém pode decretar como é que ela vai se comportar.

O senhor tem uma definição curiosa sobre a candidatura José Serra...

Eu disse que Serra deu azar. Porque em 2002 ele foi o candidato da situação, e o povo queria mudança. E em 2010 ele é o candidato da mudança, e o povo quer continuidade. Ele chegou na hora errada.

O PSDB está acusando o PT de ter montado um dossiê contra José Serra. O que o senhor diz sobre isso?

O PT não fez nenhum dossiê, não mandou fazer e não teve conhecimento. O Serra nos acusou de um primeiro dossiê que, na verdade, é um livro do (jornalista) Amaury Júnior e que envolve pessoas ligadas a ele. Ele acusou a campanha da Dilma, e nós entramos na Justiça fazendo a interpelação para ele confirmar se disse mesmo ou não. E no segundo caso, que o Eduardo Jorge se disse investigado, que tinham feito um dossiê contra ele, nós interpelamos a Polícia Federal e pedimos para ela investigar se houve mesmo dossiê, ou se houve vazamento – e, se houve, quem foi o responsável. Então nos saberemos pela Polícia Federal. Agora, eu queria saber se o povo sabe quem é Eduardo Jorge, para nós nos preocuparmos em fazer dossiê contra Eduardo Jorge. Eu desconfio muito dessas acusações.

O senhor é parlamentar por São Paulo, mesmo Estado do candidato José Serra e principal adversário do PT nessas eleições. O senhor acha que o discurso de Serra confere com a atuação dele como governador de São Paulo?

Serra promete, como candidato à Presidência, colocar dois professores por sala de aula. Mas ele não fez isso em São Paulo. Fez em poucas salas só para dizer que estava fazendo, mas a verdade é que São Paulo não tem isso. Ele diz que vai criar o Ministério da Segurança quando a situação de São Paulo nessa área é a pior do País. Um soldado em São Paulo ganha R$ 1.700; um delegado ganha menos de R$ 3.500, é um dos piores salários do País, e a segurança é caótica. Recentemente houve um assalto dentro de uma delegacia, sem punição para o ladrão. Então ele não tem moral para falar de segurança, porque eles (os tucanos) governam São Paulo há 16 anos. A situação da Educação também é muito ruim em São Paulo, basta ver o que ele fez com os professores, colocou a polícia em cima deles. Ele tem dificuldade de mostrar a sua administração em São Paulo e também para falar sobre o País. Ele foi ministro do Planejamento no governo Fernando Henrique quando o crescimento de empregos era negativo.

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Trechos extraídos de matéria do jornal O Globo, tratando da emenda constitucional Ibsen/Simon, que prevê novos critérios para a distribuição dos royalties do petróleo entre estados e municípios brasileiros:

Sem alarde, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) introduziu no projeto que altera a atual distribuição de royalties de petróleo no país uma ressalva que preserva os direitos diferenciados de vários municípios, entre eles 20 das 24 cidades gaúchas que recebem essa participação governamental.

(...)

A nova redação foi introduzida na emenda de Simon na madrugada de quinta-feira, durante a votação do projeto do Fundo Social, no qual foram aprovadas as mudanças na legislação de royalties. O texto passou despercebido tanto pela bancada quanto pelo governo fluminenses. E até pelo próprio Simon. Ontem, perguntado sobre a razão da emenda, ele reconheceu que não tinha conhecimento do seu conteúdo:

— O senhor está me pegando de surpresa. Não sei responder, me desculpe. Estou no ridículo.


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Leia também "Cobras sibilam, hienas gargalham, crocodilos choram, ratos chiam e velhacos velhacam", aqui nesta Agência Assaz Atroz ou no site do jornal russo PRAVDA

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domingo, 27 de junho de 2010

RECADO AO MINISTRO AMORIM

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Sinceramente, senhor ministro, tudo muito bonito, como o nome « brasileiros no mundo » em lugar de emigrantes, mas como no velho filme de Antonioni, impotente como o belo Antônio.

Rui Martins

Permita-me lhe deixar este recado para ler quando tiver tempo, pois mandarei uma cópia para seu Ministério.

Na última vez que nos vimos, eu estava quase sem fôlego por ter corrido da galeria da imprensa até uma das portas de saída do Palácio das Nações, onde um carro lhe esperava. Pouco pude acrescentar, depois de minhas perguntas profissionais sobre desarmamento e seu desmentido ao boato lançado na Alemanha de que o Brasil quer entrar no clube das potências nucleares.

Não sei se nas suas correrias como chanceler lhe sobra fôlego para ver alguns jogos do Mundial, mas me chamou a atenção o fato de as seleções africanas terem sempre um branco do primeiro mundo como técnico treinador.

O suíço Sepp Blatter foi muito mais corajoso que o canadense Jacques Rogge ao promover um Mundial na África, pois o dirigente do Comité Olímpico Internacional, na mesma época da escolha, preferiu Londres. Mas a África não se libertou ainda do velho colonialismo e seu futebol repete a velha receita em que o país colonizado entra com a matéria prima, no caso os jogadores locais, mas o know-how ainda é estrangeiro.

Por que utilizo essa figura futebolística neste meu recado? Porque seu Ministério obteve do presidente Lula a criação de um Conselho de Representantes de Emigrantes, porém fez como Portugal, Inglaterra e França na África depois da descolonização – os emigrantes estão livres de fazer o que quiser o Ministério das Relações Exteriores.

Ou seja, exceto para os emigrantes desejosos de ostentar o título de conselheiros e ter familiaridade com o pessoal do Itamaraty, esse Conselho será uma simples figura de retórica, porém inútil nos seus resultados. Sem qualquer força decisória, meramente consultivo e informativo, não corresponde às expectativas daqueles que esperavam o ponto de partida para uma verdadeira política de emigração, como mereceria o governo Lula.

Sinceramente, senhor ministro, tudo muito bonito, como o nome « brasileiros no mundo » em lugar de emigrantes, mas, como no velho filme de Antonioni, impotente como o belo Antônio. Reunir os emigrantes uma vez por ano, codificar suas reivindicações num rosário chamado Ata Consolidada só pode satisfazer quem não conhece a política de emigração em outros países. Como já qualifiquei, logo depois da II Conferência, tudo não passou de uma bela montagem de teatro, uma bela cena, mas de resultado estéril.

Quando na I Conferência, que ia terminar na mão de religiosos e na tal de Ata Consolidada, denunciamos a trama, exigimos laicidade no tratamento para com os emigrantes e propusemos, por via de abaixo-assinado majoritário, a criação de uma Comissão de Transição para que se criasse um órgão institucional emigrante e que a recém-criada Subsecretaria das Comunidades Brasileiras no Exterior deixasse de ser dirigida por diplomatas e entregue aos emigrantes, porque temos quadros altamente competentes para assumir tal responsabilidade.

Ter uma estrutura para os emigrantes dirigida por diplomatas do seu Ministério é como as seleções africanas que jogam segundo a técnica e esquemas de treinadores brancos estrangeiros. Não tenho nada contra os diplomatas, mesmo se durante anos e anos engabelaram os emigrantes dizendo que seus filhos eram brasileiros quando não eram, mas não acho que estejam suficientemente identificados com os emigrantes para tomarem suas dores e assumirem sua política.

E, se me permite, já que o governo Lula queria inovar e criar uma política de emigração, por que não se fazer algo inovador mas baseado na experiência de países mais experientes com emigração ? Por que o seu Ministério quer ficar com os emigrantes se as questões principais, relacionadas com trabalho, razão da emigração, competem ao Ministério do Trabalho e ao seu colega Carlos Roberto Lupi?

Sou um seu admirador, acho excelente, corajosa e independente sua ação à frente do MRE, por que não considera, portanto, simplesmente transitória essa atual tutela do MRE sobre os emigrantes? Lembro-me bem de suas palavras, que mesmo gravei, « nunca se fez tanto pelos emigrantes, e melhoramos os serviços prestados pelos Consulados ». É verdade, porém, essa era e é atribuição do MRE, se adaptar rapidamente ao surto da emigração, se agilizar, adotar os novos recursos da tecnologia. Trata-se de uma questão de atendimento aos emigrantes, mas não é uma política de emigração, mesmo porque os Consulados são tabelionatos brasileiros no Exterior. E como as embaixadas representam o Brasil no estrangeiro, o que sobra para os emigrantes?

Muitos países já avançaram e retiraram seus emigrantes da tutela do Ministério das Relações Exteriores. Já que a PEC 05/05 não anda, o governo poderia apresentar, ele mesmo, o projeto em favor dos parlamentares emigrantes, ou pedir para sua bancada apressar a aprovação e promulgação.

Quanto à Subsecretaria das Comunidades Brasileiros no Exterior já cumpriu sua missão e precisa se transformar numa Secretaria de Estado autônoma e independente do Itamaraty, dirigida por emigrantes, ligada diretamente à presidência da República. Não se trata de se duplicar os serviços, porém de se ter em Brasília um órgão institucional emigrante, dedicado exclusivamente aos emigrantes e encarregado de elaborar e aplicar a nova política de emigração.

Ou, então, ministro Celso Amorim, para encerrar com chave de ouro seu brilhante exercício, o ideal seria se criar um super Ministério das Migrações, incluindo migração, imigração e emigração. Seria realmente um passo de gigante e ainda há tempo para isso.

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Para Rui Martins, o governo brasileiro deveria criar uma nova política de emigração a exemplo de Portugal, França, Itália e mesmo México e Equador.

Leia mais em...

http://www.francophones-de-berne.ch/



http://www.estadodoemigrante.org/

*Ex-correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. Autor do livro “O Dinheiro Sujo da Corrupção”, criou os Brasileirinhos Apátridas e propõe o Estado dos Emigrantes. Vive na Suíça, colabora com os jornais portugueses Público e Expresso, é colunista do site Direto da Redação. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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TE MANDO UM PASSARINHO

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Na região do Rio Negro, no Amazonas, as mulheres acordam bem cedinho e vão pra roça buscar mandioca pra fazer o beiju nosso de cada dia. No caminho, às vezes, encontram um boêmio que está voltando da farra, requebrando seu rabo comprido, peludo e enfeitado. É o quatipuru, um mamífero roedor, primo-irmão do caxinguelê, que passa a noite toda na esbórnia. Ele tem hábitos noturnos. Gosta das baladas da náite.

Depois de cada noitada de orgia, o quatipuru, cansado, passa o dia inteirinho dormindo. Por isso, ficou com fama de dorminhoco, a tal ponto que quando morre uma pessoa, logo que o corpo apodrece, a alma do dito cujo, que vai dormir o sono eterno, sobe ao céu em forma de quatipuru. Ele é, indiscutivelmente, o dono do sono. Era a ele que as mulheres da Amazônia se dirigiam, quando embalavam seus filhos na rede, cantando uma canção de ninar em nheengatu – a língua geral dos amazonenses – na qual pediam:

- Acutipuru ipurú nerupecê / Cimitanga-miri uquerê uaruma

A tradução ao português dessa canção de ninar foi feita pelo cônego Francisco Bernardino de Souza, que em 1873 publicou um livro com a letra, mas não nos deixou nenhuma partitura com a representação da música. As mães que embalavam seus filhos pediam mais ou menos isso:

- Acutipuru, me empresta o teu sono, que eu quero fazer meu filho dormir.

Pára-tudo

Escrevo sobre o quatipuru, porque na hora do jogo Brasil x Portugal fiquei falando sobre ele, mas meu pensamento estava na África do Sul. É que naquele momento, eu dava uma conferência na Biblioteca Nacional de Bogotá, contando histórias sobre o quatipuru, passarinhos, borboletas e outros bichos. Podes crer, bicho! Não vi o jogo.

Na hora do jogo, eu conversava num enorme auditório com cerca de 800 bibliotecários e bibliotecárias provenientes de todas as regiões da Colômbia, que participavam do II Congresso Nacional de Bibliotecas. O evento foi encerrado na sexta-feira com meu papo sobre o livro “Te mandei um passarinho”, que ainda não foi publicado, e que recolhe textos e ilustrações de índios de mais de trinta etnias. Os autores são, portanto, somente índios escritores e artistas plásticos, mas quem organizou o livro fomos nós, apaixonados por essa literatura: Nietta Monte, Ira Maciel, Nubia Melhem e eu.

O título do livro nós pedimos emprestado a José Vieira Couto de Magalhães, um mineiro rico, filho de fazendeiros, que foi presidente da Província do Pará (1864-1865), onde aprendeu a falar o Nheengatu, língua ainda amplamente disseminada naquela época por toda a Amazônia. Escreveu – ‘O Selvagem’ – que foi traduzido e editado em várias línguas: francês, inglês, alemão e italiano.

Couto de Magalhães recolheu a literatura oral indígena na Amazônia e no Mato Grosso. Um dia, viajando pelo rio a bordo de uma embarcação a vapor, ele descansava no passadiço e ficou ouvindo a conversa dos tripulantes do barco. Entre eles havia um índio Kadiwéu, apelidado de ‘Pára-tudo’, que era um puta contador de histórias.

- Foi esta a primeira vez que minha atenção foi despertada para os mitos nacionais, escreveu Couto de Magalhães, que aprendeu o Nheengatu só para poder entender essas histórias. Depois, no Tocantins, encontrou o cacique Anambé, que lhe contou o mito de Ceiuci – “uma espécie de fada indígena, uma velha gulosa que vivia perseguida pela fome”. Registrou ainda uma canção recolhida no Pará em 1865, quando ainda era cantada com muita frequência. Trata-se de um texto bilíngue português-nheengatu, no qual ambas línguas convivem sem o predomínio de uma sobre a outra.

- Te mandei um passarinho / Patuá miri pupé / pintandinho de amarelo / iporanga ne iaué.

Na época, como no Amazonas todo mundo falava português e nheengatu, todo mundo entendia a letra. Mas agora nós estamos apresentando o livro para neo-leitores, pessoas recém-alfabetizadas em programas de Educação de Jovens e Adultos, que não conhecem a língua geral. Portanto, nesse contexto, numa publicação destinar a circular no Brasil, era necessário traduzir ao português os versos escritos em nheengatu, o que fizemos recorrendo à versão de autoria não identificada, que ficou assim:

- Te mandei um passarinho / dentro de uma gaiolinha / pintadinho de amarelo / e bonito como você.

Gaiola ou cesto?

O tradutor anônimo, que usou “gaiolinha” como equivalente a “patuá mirim”, parece ter entendido que a forma mais apropriada de presentear alguém com um passarinho era aprisioná-lo dentro de uma gaiola para evitar sua fuga. Afinal, a cultura regional urbana naturalizou a gaiola como o lugar de pássaros que vivem em espaços domésticos.

No entanto, não é o que os índios guarani pensam e praticam. Essa tradução, submetida a um teste de recepção com professores bilíngues guarani do Curso de Formação Docente de vários estados do Sul e Sudeste do Brasil, que são meus alunos, causou entre eles uma visível sensação de desconforto. A discussão se deu em torno do verso “dentro de uma gaiolinha”, particularmente com relação à palavra ‘gaiolinha’. A reação foi unânime. Eles rejeitaram essa tradução.

Um professor guarani sintetizou o pensamento de todos: “Está errado. O que é que os leitores vão pensar de nós? Que somos malvados e aprisionamos pássaros? Nós não fazemos isso”. O grupo analisou o texto, viu que se tratava de uma “tradução”, entendeu que o original está escrito em Língua Geral da Amazônia, cuja base é o tupinambá antigo – língua aparentada ao guarani - mas propôs outra palavra para traduzir essa expressão: – “Por que não colocamos o passarinho numa cestinha?”.

Aceitamos a proposta. Colocamos o passarinho na cestinha, embora conscientes de que o guarani é outra língua, diferente do nheengatu, e de que os índios proponentes desconhecem a região amazônica, lugar de produção dos versos. Conferimos no Stradelli, um italiano que fez um dicionário Português x Nheengatu, Nheengatu x Português (1929) e ele confirma que “patauá” significa efetivamente “cestinha”. A versão final do livro proposto ao MEC foi, então, modificada, e ficou assim:

- “Te mandei um passarinho / dentro de uma cestinha / pintadinho de amarelo e bonito como você”.

O responsável pela coleta, Couto de Magalhães, maravilhado com as histórias “originais e belas” dos índios, fala delas como um “verdadeiro colar de pedras finas, tanto pelo espírito e animação do enredo, como pelo laconismo, sobriedade das cenas e clareza”. Ele não hesita em situá-las dentro do quadro da literatura universal, dizendo que elas estão no mesmo nível que as fábulas de Esopo, Fedro e La Fontaine.

Os moradores de Soure, no Pará, também ficaram maravilhados. Fomos lá, em 2008, fazer um teste de recepção do livro, a convite da minha amiga, a pajé Zeneida Lima, que organiza a Jornada Cultural da Ilha do Marajó. Apresentei os versos em nheengatu coletados por dois naturalistas alemães Spix e Martius, em março de 1820, no rio Urariuá, afluente do Madeira, que dizem:

- Nitio xá potar cunhang / Setuma sacai wáa / Curumú ce mama-mamane / Baia sacai majaué / Nitio xá potar cunhang / Sakiva-açu/ Curumú monto-montoque / Tiririca-tyva majaué.

Os participantes da Jornada Cultural se divertiram com a tradução ao português:

- Não gosto de mulher / de perna muito fina / Porque pode me enroscar / como cobra viperina. Não gosto de mulher / de cabelo alongado / Porque pode me cortar / como tiririca no roçado.

Um negão, porém, protestou:

- Desculpa, professor, com todo respeito, mas comigo não tem disso não. Traço mulher de perna fina, de perna grossa, de cabelo alongado e até careca. Esse cara que fez essa poesia devia ser boiola.

É isso aí, leitor. Tentei dar o meu recado aos colombianos. Parece que gostaram de ouvir essas histórias, porque queriam comprar o livro até hoje não editado pelo MEC. De qualquer forma, daqui de um hotel em Bogotá, de onde escrevo esse artigo, te mando também um passarinho, dentro de uma cestinha, esperando que a seleção brasileira, no próximo jogo, consiga enfiar vários gols na cestinha do time adversário.
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José Ribamar Bessa Freire é professor universitário (Uerj), reside no Rio há mais de 20 anos, assina coluna no Diário do Amazonas, de Manaus, sua terra natal, e mantém o blog Taqui Pra Ti

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sábado, 26 de junho de 2010

É dos carecas que eles gostam mais

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NUM DÁ, NÉ ZÉ!

Laerte Braga

Imagine se um país presidido por José Arruda Serra e vice presidido por Álvaro Dias pode ser levado a sério? Não tem como. Na impossibilidade de “votar num careca e levar dois”, sonho dourado de Arruda Serra há alguns meses, José Roberto Arruda de vice, Álvaro Dias quebra o galho. É careca disfarçado, usa peruca.

A escolha foi por exclusão. Exceto a senadora Kátia Abreu, doida de pedra, mas não rasga nota de cem de jeito nenhum, quando o mordomo avisava que era Arruda Serra batendo à porta, o dono da casa mandava dizer que não estava.

Foi assim com Aécio, com Tasso e um monte de convidados. Quem vai entrar num navio fazendo água? E pior, em entrevista a jornalistas na Europa, onde passeia sua faraônica divindade, o ex-presidente Fernando Henrique manifestou dúvidas sobre a eleição de Arruda Serra e acrescentou “e olhem que estou tentando ajudar”.

No duro mesmo é preciso parar com essa avacalhação e levar democracia a sério. No auditório da FOLHA DE SÃO PAULO, onde chegou 42 minutos atrasados, na primeira fila, aguardando Arruda Serra, entre outros, o ex-governador Orestes Quércia.

O candidato tucano seria sabatinado. Foi sabatinado.

Em 1986 os tucanos paulistas ao perceberem que Quércia seria o governador e suas chances, ou a perspectivas de futuro político dentro do PMDB eram nulas, usaram a eleição de Quércia como pretexto para deixar aquele partido e fundar o PSDB. Segundo eles o objetivo era resgatar a história do antigo MDB, seus compromissos, conspurcados pela eleição de Quércia.

Estão de braços dados.

O desespero de Arruda Serra é de tal ordem que no vira e mexe de manda dizer que não estou, só volto depois de outubro, correram atrás do senador Álvaro Dias. Ou é vocação suicida, a do senador, ou então a peruca saiu do lugar e tampou os olhos, o dito cujo não enxergou nada e assinou sem ver. Aceito.

Putz!

A defensora da Amazônia, Marina da Silva passou quase sete anos no governo Lula e saiu do governo e do PT, agora diz que tudo está errado, que vai adotar políticas de defesa e garantia daquela região, mas financiada por empresários predadores da Amazônia.

É verde. Nem Gabeira agüentou o tranco. É Marina, mas diz que Arruda Serra também é bom.

A última pesquisa do GLOBOPE, antigo IBOPE, dá cinco pontos percentuais de vantagem a Dilma Roussef no primeiro turno e sete no segundo. Na avaliação de Arruda Serra isso não tem a menor importância e nem está preocupado com pesquisas.


Está correndo atrás de prefeitos dos partidos que formam a aliança “Brazil/PETROBRAX”, PSDB, DEM e PPS na corrida frenética desses senhores para a candidata do PT, pressentido o tamanho da fria. Arruda Serra está perdendo agora inclusive no Sudeste. Ou seja, nem mesmo São Paulo, o maior contingente eleitoral do País, consegue segurar uma eventual vitória nos demais estados dessa Região.

Em Minas, por exemplo, o ex-governador Aécio Neves tira Arruda Serra para dançar e depois cochicha com a turma que o negócio é Dilmatasia, mistura de Dilma com seu candidato ao governo Antônio Anastasia.

Aécio já chegou a dizer que chega “de carregar caixão”.

Um alerta. Se estiver ventando muito nos comícios do tucano o vice tem que segurar a peruca do contrário vai voar e revelar que na verdade continua o esquema “vote num careca e leve dois”.

Nada contra a peruca do senador e agora candidato a vice, problema dele, mas assim num dá Zé.

Os caras resolveram esculhambar com a democracia. Estão achando que eleição é brincadeira.

Só falta chamar o Galvão Bueno para ser o animador dos comícios.

Ah! Ia me esquecendo. No caso Dunga, que resolveu peitar a REDE GLOBO nesse negócio de exclusividade, a senhora Fátima Bernardes, barrada à porta da concentração do Brasil na África do Sul, passou, junto com a turma do JORNAL NACIONAL, o da MENTIRA, a endeusar Maradona. Até aí nada demais, nunca torceram a favor do Brasil em nada.

Que tal, no entanto, esclarecer se Dona Fátima vai sair correndo atrás de Maradona para uma exclusiva se a Argentina for a campeã? É que o técnico e ex-jogador disse que, nessa situação, vai desfilar nu pelo gramado.

Vai daí que nem CASSETA E PLANETA com seu humor tucano dá jeito. Num dá Zé, da maneira que as coisas estão indo com FHC “ajudando” fica piada pronta.

Arrumaram um careca disfarçado para manter o esquema de “vote num careca e leve dois”.

Peruca infiltrada.

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Laerte Braga é jornalista. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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Se morder, o bicho pega...

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Sobre o general Stanley McChrystal e a Blackwater

Jeremy Scahill, The Nation

Blackwater, empresa de soldados mercenários, está evidentemente muito mais firmemente plantada no chão que o general Gen. Stanley McChrystal. Enquanto McChrystal beberica Bud Light Lime, assistindo ao filme “À toda velocidade” [1] e avalia as ofertas de emprego, no setor privado, que tem sobre a mesa, os soldados-cruzados privados mercenários de Erik Prince [2] lá estão, correndo pelo Afeganistão e outros teatros de guerras não declaradas em que os EUA andam metidos, guiados pela CIA. E com as bênçãos, sim, do Comandante-em-Chefe.

Com os principais executivos e representantes da Blackwater já indiciados por crimes federais, e a empresa posta à venda, dizem os boatos que Prince prepara-se para voar rumo a um país que não mantém tratado de extradição com os EUA.

Ao mesmo tempo em que o presidente Obama demite McChrystal, depois de comentários atribuídos ao general e a um círculo muito próximo de seus assessores, em artigo já considerado maldito, publicado pela revista Rolling Stone, a empresa Blackwater é premiada com novos contratos. Isso, apesar de longa folha corrida de conduta imprópria (para dizer o mínimo; há denúncias de assassinatos e tortura, de contrabando de armas, de conspiração e obstrução da justiça, dentre outras).

Dado o alegado envolvimento de McChrystal na tortura de prisioneiros no Camp Nama no Iraque, o papel destacado que teve no acobertamento do assassinato de Pat Tillman e outros atos obscuros que envolveram os altos escalões do Joint Special Operations durante o governo Bush-Cheney, McChrystal jamais poderia ter sido nomeado para o comando no Afeganistão. Ao nomeá-lo, Obama mandou recado claro sobre o tipo de política que desejava para o Afeganistão – qualquer política que favorecesse as forças de intervenção direta, transparência-zero, identificação-zero, habituadas a operar na clandestinidade e longe de qualquer fiscalização.

De fato, na matéria publicada por Rolling Stone, McChrystal parece admitir que sua muito comentada promessa de fazer diminuir o número de mortes de civis não passou de cortina de fumaça. Segundo Rolling Stone: “Melhor você sair e dar conta de quatro ou cinco alvos essa noite” – diz McChrystal a um fuzileiro que encontra parado à entrada do quartel-general. E em seguida acrescenta: “Embora amanhã, por causa disso, eu tenha de esfolá-lo.”

O presidente Obama acertou ao demitir McChrystal (tecnicamente, aceitou o pedido de demissão) – e melhor seria se já o tivesse demitido há muito tempo. Mas o fato de que McChrystal tenha sido demitido por causa da matéria em Rolling Stone, não pelo modo como conduzia a guerra no Afeganistão, diz muito sobre o que pensa da guerra e sobre a política da guerra o governo Obama (e, isso, sem falar que Petraeus, recém nomeado para o lugar de McChrystal, é general de Dick Cheney).

Comparem-se, então, os tratamentos que o governo Obama dá a McChrystal e à empresa Blackwater.

Em janeiro, dois ‘operadores’ da empresa Blackwater foram acusados de assassinato em investigações iniciadas depois de um tiroteio no Afeganistão, em maio de 2008. Em março, o senador Carl Levin, presidente da Comissão do Senado para as Forças Armadas, encaminhou pedido ao Departamento de Defesa, para que investigasse o uso, pela Blackwater, de uma empresa-laranja, Paravant, para obter contratos no Afeganistão. Dia 11/6, o procurador federal deu entrada a imensa documentação, como parte da apelação, em processo do ano passado, depois de a empresa ter sido absolvida por juiz federal, em acusação contra ‘operadores’ da Blackwater, identificados como autores dos tiros, no tiroteio da praça Nisour. Morreram 17 iraquianos civis inocentes e outros 20 ficaram feridos. Para resumir, os procuradores pedem a anulação do primeiro processo e o reinício de novo processo contra a Blackwater. Depois, em abril, cinco dos principais assessores de Erik Prince foram acusados, por júri federal, por formação de quadrilha, comércio de armas e obstrução da ação da Justiça. Dentre outros acusados, lá estavam o braço direito e sócio de Prince, co-fundador da empresa e ex-presidente Gary Jackson, os ex-vice-presidentes William Matthews e Ana Bundy, e o advogado-chefe de Prince, Andrew Howell. Ex-empregados da empresa Blackwater testemunharam, sob juramento, e fizeram denúncias gravíssimas que envolveram assassinato, contrabando de armas, prostituição, destruição de provas e documentos e mais uma longa lista de acusações.

Como se sabe, nada disso causou qualquer grave inquietação à Casa Branca.

Nas últimas duas semanas, a empresa Blackwater assinou contratos no valor de mais de 200 milhões de dólares com o governo Obama. Um deles é contrato com o Departamento de Estado dos EUA para prestação de serviços de segurança no Afeganistão; outro, de 100 milhões, para proteção a operações e ‘operadores’ da CIA no Afeganistão e em outras zonas globais quentes. A empresa Blackwater tem gasto milhões em salários de lobbyists – ativos, sobretudo junto ao Partido Democrata. No primeiro trimestre de 2010, a empresa gastou mais de meio milhão só para contratar os serviços de Stuart Eizenstat, lobbyist muito bem relacionado no Partido Democrata, que serviu aos governos Clinton e Carter. Eizenstat é presidente do setor internacional do poderoso escritório Covington & Burling de advocacia e lobbying.

“Blackwater passou por mudanças profundas” – disse um funcionário do Departamento de Estado, não identificado, ao The Washington Post. “Estão obrigados a provar aos governos que são empresa responsável. Atenderam todos os requisitos legais e, claro, têm direito de participar das concorrências, como qualquer empresa. É empresa que presta bons serviços, muitas vezes em locais muito perigosos. Ninguém pode esquecer isso.”

Tampouco se pode esquecer que, como McChrystal, Erik Prince também foi tema de matéria de capa de outra revista de prestígio. Em janeiro, a revista Vanity Fair deu capa e fez longo ‘perfil’ de Prince [3]. Mas no artigo, Prince e seus associados não se puseram a falar como idiotas do comandante-em-chefe, nem do vice-presidente. Mas Prince, sim, fala bastante claramente, com detalhes de operações secretas dos EUA; e fala sobre a existência de uma equipe treinada de assassinos na CIA – organizados e treinados pelo próprio Prince – que obteve vários sucessos em vários países, dentre os quais a Alemanha, aliado-chave dos EUA.

Sabe-se lá se, algum dia, sabe-se lá, caso algum repórter surpreenda Prince e seus asseclas envolvidos em bebedeiras, e proferindo desaforos contra a Casa Branca e o Comandante-em-chefe, então, talvez, alguma coisa, algum dia, mude. Sabe-se lá se, caso algum dos bandidos da Blackwater algum dia disser “ai, ele mordeu meu pau!”, ao falar do vice-presidente, ou enunciasse estupidezes contra o infeliz Richard Holbrooke ou chamasse de “palhaço” o conselheiro de Segurança Nacional, talvez, sabe-se lá, o governo Obama decida “aceitar o pedido de demissão” dos homens da Blackwater.

Não há dúvida de que, nos termos do Código de Conduta dos Militares dos EUA, McChrystal foi demitido por justa causa e liberado de seus muitos deveres. Mas, no frigir dos ovos, foram as palavras de McChrystal – não seus atos – que o fizeram naufragar. A nave dos crimes e assassinatos da Blackwater, pelo visto, continuará a navegar a plena vela, até que alguma frase, não os seus tiros, atinja o homem errado.

Atualizando

Acabo de voltar de entrevista com a Deputada Jan Schakowsky, principal deputada da oposição à Blackwater na House [Câmara de Deputados]. Membro da Comissão de Inteligência da Câmara de Deputados, a deputada Schakowsky não confirmou detalhes dos serviços que a Blackwater presta à CIA, mas, ao saber dos novos contratos, e que a empresa foi outra vez recontratada pela CIA, ela disse: “É escandaloso. O que mais a Blackwater terá de fazer para ser impedida de participar de concorrências? Por mais que alguns façam bom trabalho, há muitos empregados da empresa que comprovadamente não têm condições para trabalhar armados, em zona de combate. Não importa o que façam, em ações de segurança ou em segurança estática, não podemos continuar a usar mercenários da Blackwater. A CIA já não poderia manter contatos com essa empresa, por mais que mudem o nome e o logotipo .”

E Schakowsky acrescentou: “Se a razão para usar os serviços da Blackwater é que o governo não tem capacidade ou não conhece outra empresa de melhor reputação para fazer esses serviços, então, sim, aí está um sério problema a ser enfrentado.”

NOTAS

[1] São referências à matéria publicada em Rolling Stones, apresentada como causa da demissão de McChrystal: em Paris, o general tomava essa bebida e assistiu àquele filme. Ver “The Runaway General”.
[2] Fundador da empresa Blackwater. Em fevereiro de 2009, imediatamente depois de a empresa mudar de nome (passou a chamar-se XE), Prince anunciou que deixava a presidência da empresa, embora sem se desligar completamente. Prince é ex-fuzileiro da Marinha dos EUA e “fundamentalista de direita, várias vezes bilionário, cristão fundamentalista de poderosa família Republicana de Michigan. Dos principais doadores de campanha dos Republicanos, participou dos bastidores da campanha de George H.W. Bush à presidência e, em 1992, fez campanha para Pat Buchanan. E, 1997 fundou a Blackwater-USA, com Gary Jackson, também ex-fuzileiro. (Ver em detalhes.)
[3] Ver “Tycoon, Contractor, Soldier, Spy” [Milionário, empresário, soldado, espião], Adam Ciralsky, Vanity Fair, jan. 2010 (em inglês).

O artigo original. Em inglês, pode ser lido em: Of Gen. Stanley McChrystal and Blackwater (UPDATED)

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Tradução: Coletivo Vila Vudu de Tradutores

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sexta-feira, 25 de junho de 2010

A diarreia da British Petroleum no Golfo do México: Greenpeace lambuzado de petrodólares

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Beline Chaves

Interessante a atitude do Greenpeace, de acordo com matéria do site Terra:

"O Greenpeace decidiu não fazer campanha por um boicote [dos produtos específicos da BP]. Ao invés disso, seus representantes apresentam um desafio diferente: as pessoas que realmente querem punir a BP precisam encontrar formas de viver sem o petróleo."

Eu particularmente posso viver sem o Greenpeace, mas qual será o real motivo de tanta tolerância, aliviando a barra do principal culpado e generalizando os criminosos? É claríssimo. Seus membros não podem ir contra quem lhes mantém como um batalhão de mercenários que realmente revelam ser.

Se quisessem parar o vazamento, torpedeando o local e lacrando o poço, já o teriam feito, mas o poder da BP é tão grande que Obama parece hesitante há algumas semanas, ou impotente perante as consequências da maior eco-tragédia já registrada em toda a era do petróleo. Impotente ou intimidado por uma assessoria incompetente e generais intolerantes, belicosos.
Se o vazamento fosse da nossa Petrobras e tivesse ocorrido na costa brasileira ou em qualquer de seus empreendimentos mundo afora, o Greenpeace já teria recrutado dezenas de milhares de velejadores do todo o mundo, partiriam rumo à costa brasileira, com a cobertura da mídia internacional, com o apoio incondicional dos seus pares autóctones e inserções de hora em hora, ao vivo, na BBC, alegando que, além da Amazônia, o oceano e a costa brasileira também seriam patrimônios da humanidade. Iriam boicotar nossas exportações até que o poço fosse lacrado e o vazamento estancado. Exigiriam que todo o processo de perfuração em alta profundidade fosse suspenso até que se apresentassem novos planos de segurança e atendimento emergencial em caso de acidente. Alguém tem dúvida de que seria assim?

Na luta contra o mar de petróleo no Golfo, uma ONG está se esforçando para barrar o óleo usando boias e tapetes recheados de tufos de cabelo humano. Com essa ONG posso até contribuir, doando alguns gramas de meus pentelhos.

Tá pianinho o Greenpeace, nem parece aquele que enfrenta barcos baleeiros como piratas abordando navios da Coroa britânica no Mar do Caribe.

Agora precisamos ver se algum lorde descendente de alguma tribo extinta do Reino Unido se manifesta com o apoio, por exemplo, da Survival. Afinal, tudo leva a crer que os donos do “óleo” (uma das gírias para “dinheiro”) são também donos das ONGs mais enganadoras do Planeta que está poluído delas, essas se apresentam como alternativa às inações dos governos corruptos, os que se sustentam com o apoio de seus comparsas corruptores.

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Beline Chaves é piloto comercial agrícola (código DAC 910018) e escritor; leitor assíduo desta nossa Agência Assaz Atroz, nos enviou esse texto a título de colaboração.

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quarta-feira, 23 de junho de 2010

Sabatinador da Trolha: “Penico de barro enferruja?” – Serra: “Se Lula ou Dilma usá-lo, sim”

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Fernando Soares Campos

A equipe de humoristas da nossa Agência Assaz Atroz acompanhou atentamente a sabatina que o jornal Folha de S. Paulo aplicou no candidato do PSDB à Presidência da República, o ex-governador José Serra.

“Sabatina”, conforme nos informa um ex-ministro da Cultura, é o nome que se dá a uma “pequena tese que os estudantes de filosofia sustentavam ao fim do primeiro ano do curso”. Ou “atividade escolar, geralmente realizada aos sábados, como recapitulação da matéria da semana”. A palavra também pode ser empregada para designar a “recapitulação oral de certo número de lições através de perguntas e respostas”.

Considerando que o ex-governador de São Paulo já não frequenta os bancos escolares há, mais ou menos, não se sabe quanto tempo, deixemos de lado esses significados da palavra “sabatina”. Resta considerá-la através de uma das três outras acepções: “matéria a examinar, a discutir; tese, questão, debate”, ou “reza própria para o sábado”, ou ainda “reunião turfística que se realiza aos sábados” (só consideramos este significado como determinante das características do encontro Folha/Serra, se também levarmos em conta a questão do vice: Qual será o cavalo que vai assumir essa empreitada?).

Mas, entre os significados de “sabatinar”, que descrevem os aspectos a serem observados quando queremos especificar uma “sabatina”, também se faz alusão ao comportamento dos sabatinadores e sabatinados: “discutir miudamente e usando sofismas”.

Então, nesse caso, o leitor tem opções para estabelecer o significado mais apropriado para a tal sabatina, baseando-se no questionário elaborado pela editoria da Folha, na forma como foi feita a entrevista e no comportamento dos entrevistadores e do entrevistado.

Antes de fecharmos esta edição, consultamos mais uma vez o ex-ministro da Cultura no governo Itamar Franco, e ele tratou da questão dos sofismas: “Sofisma é argumento ou raciocínio concebido com o objetivo de produzir a ilusão da verdade, que, embora simule um acordo com as regras da lógica, apresenta, na realidade, uma estrutura interna inconsistente, incorreta e deliberadamente enganosa”, garantiu o ex-ministro.

E foi assim que os humoristas desta nossa agência decidiram considerar a sabatina Folha/Serra como uma discussão miúda, mera sofistaria.

Confira os melhores momentos de Serra na sabatinada da Folha.

Serra em “Eu sou eu, Nicuri é o diabo"

Serra: “Fui eu quem introduziu. Quem inventou no Brasil a vacinação contra a gripe fui eu. Quem introduziu fui eu”.

Serra: "O eleitor deve olhar e julgar a história, a biografia. Coerência, capacidade de fazer. O Lula é muito experiente. Quando ele entrou no governo, era experiente. Ganhou na quarta vez. FH foi ministro da Fazenda e fez o Plano Real. Tinha experiência."


Serra [sobre o vice]: "Eu também tenho uma enorme curiosidade. Até o fim do mês resolve. Essa não tem sido uma questão estressante para mim nem para grande parte do PSDB. Estamos procurando fazer uma boa avaliação. Qualquer indicação acaba dando confusão."


Serra [sobre a popularidade de Lula]: "Claro que eu não temo. Imagina o escândalo que seria: "José Serra teme tal coisa". Posso dizer o seguinte: esta é uma eleição difícil. Nunca disse nada diferente disso."


Serra: "Adoraria ser um herdeiro [dos votos de Marina], mas a decisão é dos eleitores. Eu até que toparia uma tabelinha, mas não tem. Não acho que a Marina esteja fazendo algum viés. Eu me considero um ambientalista. Isso pode promover proximidades, mas não há nenhum tipo de entendimento político.



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terça-feira, 22 de junho de 2010

Dilmasia, Lulécio, Dilseane, Petedino, Tucadino... (Eu também quero um palanque!)

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Myrna, que é nossa leitora e companheira de luta, nos autorizou a publicação desta nota assaz esclarecedora, gerada num debate entre militantes partidários e pessoas interessadas na questão dos palanques de campanha para o governo do Estado do Maranhão:

O deputado Flávio Dino continua apoiando o governo Lula e a Dilma para Presidente, disso eu não tenho a menor dúvida. Considerando que ele é uma liderança do Maranhão, a direção do PT não pode descartá-lo da disputa política no seu estado.

É preciso ser inteligente com as alianças. Saber fazer a diferença entre uma aliança que soma e outra que destrói.

No caso do Maranhão ao governo do estado, exigir um palanque único é burrice e falta de sensibilidade política e social.

Quem disse que não se pode somar esforços para ousar o novo lá no Maranhão? Um candidato como Flávio Dino quebra aquela vellha oligarquia dos Sarney onde ninguém pode nada.

É preciso quebrar no voto o sagrado clã dos Sarney, e taí uma possibilidade real com a candidatura do comunista Flávio Dino. E no meu entendimento, o PT deveria valorizar e não baixar o centralismo democrático em desuso.

Pelo que li e pelo que me consta, o Deputado do PC do B não disse que vai apoiar o Serra e sim que não veria impedimentos em abrir seu palanque para candidatos do PSDB. Para bom entendedor, isto quer dizer que se candidatos estaduais do PSDB estão dispostos a apoiá-lo ao governo do Maranhão e não a Roseana Sarney, ele não impedirá, porque deseja ser o governador do Maranhão.

É preciso entender que os conflitos regionais podem unir candidatos de partidos que, no âmbito nacional, não vão marchar do mesmo lado. É o caso da Dilmasia em Minas, como foi o Lulécio em 2006. Isso vai acontecer nas eleições regionais de algumas federações, impedir isso é missão impossível.

Pode baixar ordens que não haverá essa obediência civil.

Os marxistas já disseram que a política é a arte do possível, então, no Maranhão é possível o PT marchar com o PC do B, mas não é o caso de outros lugares, devemos aceitar isso e não querer que seja tudo igual de norte a sul, de leste a oeste, só pra lembrar umas palavras de ordem de comunistas.

Abraços,
Myrna

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"A imprensa, raivosa contra Dilma e contra o progresso social e político do Brasil, diz que Dilma tem 'problemas nos palanques estaduais'. Mas sabem quais problemas? Excesso de palanques." (Leia artigo completo na redecastorphoto)



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segunda-feira, 21 de junho de 2010

APOSENTADORIA É COISA DE VAGABUNDOS

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A história de que o lazer para todos seria nosso futuro se baseava também no advento das novas tecnologias, na robotização de muitos trabalhos pesados e rotineiros. A máquina a serviço do homem, era o que se dizia. E quem acreditou se ralou.

Rui Martins

O economista puxa as estatísticas e pontifica: – “Vejam bem, a qualidade de vida melhorou e as pessoas estão vivendo mais, muito mais, isso vai levar à falência todos os fundos de pensão para aposentados”.

“A única solução é aumentar a idade para se chegar ao benefício da aposentadoria. Onde é 60 anos a idade limite, como na França (país típico de Estado providência de economia arcaica), deve passar para 65 e onde já é 65 o jeito é ir aumentando para 67 até chegar aos 70”.

Que beleza de argumento, até eu, sem maiores informações, poderia ser convencido. Há mesmo muitos trabalhadores franceses batendo palmas e dizendo - « é isso mesmo, é lógico, vivemos mais, temos de trabalhar mais ».

Mas calma, devagar com o andor, e toda aquela história, livros, artigos, conversa na tevê, na mídia, de que no futuro todos iam trabalhar menos com o desenvolvimento do lazer, viagens, coçação de saco, passeios, turismo? Zebrou? Onde é que eu perdi o fio dessa história? Pois eu achava que a redução das horas de trabalho na França para 35 semanais era justamente o começo dessa nova vida para os trabalhadores.

Ainda há alguns anos, quando a esperança de vida de um francês era de 65 anos, um metalúrgico, por exemplo, só teria 5 anos para gozar a vida, embora muitos já tivessem reumatismo, diabete, distúrbios vasculares e nem pudessem dar uma passada na Geni por impotência. Como o salário também da maioria não era dessas coisas, se tinham conseguido fazer uma poupança não dava nem para uma volta ao mundo, nem que fosse de balão à moda de Jules Verne. O jeito era ficar sentado na frente da televisão ou ir jogar bocha ou cartas com os amigos e, em lugar de um Saint Emilion ou champagne, tomar mesmo uma birita daquelas de quatro reais a garrafa ou criar uma barriga com cerveja.

A ilusão era a de que os filhos, esses sim, iriam aproveitar – menos horas de trabalho e mais lazer. E agora, antes de morrer, a desilusão – os filhos vão ter de ficar mais cinco anos na fábrica, no comércio, no trabalho.

E tem mais, a história de que o lazer para todos seria nosso futuro se baseava também no advento das novas tecnologias, na robotização de muitos trabalhos pesados e rotineiros. A máquina a serviço do homem, era o que se dizia. E quem acreditou se ralou. A robotização nas fábricas deu demissões e a máquina ficou a serviço do capital e contra o homem. Terceirização, robotização, globolização, a massa operária não irá mais ao paraíso porém ao inferno do desemprego e dos salários vis.

Essa história de aumento da idade para a aposentadoria tem outro ângulo geralmente esquecido – na teoria, diz-se que vivendo-se mais é normal se trabalhar mais, porém, quem ultrapassa os cinquenta anos, se perder o emprego, já não acha outro. Ou seja, para as empresas quem tem 50 anos já não presta para o trabalho porque ficou velho; para os governos e fundos de pensão, quem vive oitenta ou mais tem saúde e condições para trabalhar até os 65 e 70 anos.

E é aí que os governos e fundos de pensão podem economizar e bastante – o empregado perde o emprego aos 55 ou 60 anos, passa a viver dois ou três anos com seguro desemprego, fica na miséria, deixa de contribuir para a caixa de pensão; e não tem patrão também contribuindo. Quando chegar aos 67 ou 70 (como queria um ministro suíço, e onde muitos países vão tentar chegar), sua média salarial já foi reduzida ao mínimo e terá uma aposentadoria de miséria.

Esta realidade de que idoso não acha emprego é simplesmente escamoteada, as argumentações são em favor do aumento da idade da aposentadoria. Resultado – criou-se, nos anos 70 e 80, a esperança de um mundo robotizado, com 35 horas semanais, trabalho em domicílio, férias mais longas e, de repente, a especulação financeira, o grande capital assume o comando e decreta: – sociedade do lazer? O que é isso? Vamos todos trabalhar, e quem não conseguir segurar seu emprego depois dos 60 que monte uma barraquinha.

O capital financeiro perdeu os tubos, os países estão endividados, um socialista é quem dirige o FMI, não tem mais moleza não, minha gente, acabou o sonho. Robô, que não precisa de descanso semanal, nem férias e se contenta com uma corrente elétrica e um pouco de óleo, vai ter melhor tratamento que operário humano.

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Para Rui Martins, o governo brasileiro deveria criar uma nova política de emigração a exemplo de Portugal, França, Itália e mesmo México e Equador.

Leia mais em...



http://www.francophones-de-berne.ch/




http://www.estadodoemigrante.org/

*Ex-correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. Autor do livro “O Dinheiro Sujo da Corrupção”, criou os Brasileirinhos Apátridas e propõe o Estado dos Emigrantes. Vive na Suíça, colabora com os jornais portugueses Público e Expresso, é colunista do site Direto da Redação. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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domingo, 20 de junho de 2010

A TRIBO DOS ESCRITORES E O JABUTI

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Quem eram aqueles trinta e três índios e índias que nessa terça-feira, em plena Copa do Mundo, dia do jogo do Brasil contra a Coréia do Norte, desciam as ladeiras de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, caminhando sobre os paralelepípedos e os trilhos do bonde? Todos vestiam camisa verde-amarela, o que levou os moradores do bairro a acharem, galvãobuenamente, que se tratava de torcida étnica organizada que ia ver a partida no telão da praça. Mas não era.

Embora todos torçam, com maior ou menor paixão, pela seleção brasileira, naquele momento o jogo era outro. Na realidade, aqueles índios e índias, representantes de trinta etnias, saídos de diversos recantos do Brasil, iam para a abertura do 12º Salão do Livro para Crianças e Jovens, que aconteceu no Rio de 15 a 18 de junho. Estavam hospedados em Santa Tereza, e a camisa verde-amarela que trajavam era uma espécie de uniforme da Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil (FNLIJ).

Eles e elas fazem parte de uma nova tribo que está surgindo no Brasil – a tribo dos escritores indígenas, cuja importância pode ser avaliada com uma simples consulta ao Pequeno Catálogo Literário de Obras de Autores Indígenas publicado pelo NEARIN – Núcleo de Escritores e Artistas Indígenas. São centenas de livros bem ilustrados, com histórias maravilhosas. Quando entrou em contato com algumas delas, na década de 1920, o escritor Raul Bopp registrou assim seu encantamento:

– “Foi uma revelação. Eu não havia lido nada mais delicioso. Era um idioma novo. A linguagem tinha, às vezes, uma grandiosidade bíblica. No seu mundo, as árvores falavam. O sol andava de um lado para outro. Os filhos do trovão levavam, de vez em quando, o verão para o outro lado do rio”.

Os ossos do som

Quem quis saborear essas histórias, não viu a Sérvia derrotar a Alemanha, nessa sexta-feira, na Copa do Mundo. Na hora do jogo, os escritores indígenas encontraram com um público seleto de leitores, num auditório do Centro de Ação da Cidadania, na zona portuária do Rio. Era a abertura do 7º Encontro de Escritores e Artistas Indígenas, organizado dentro do 12º Salão do Livro pelo Instituto Indígena Brasileiro para a Propriedade Intelectual (INBRAPI). O tema era “Palavra da Cidade, Palavra da Floresta – Literatura Indígena em Contexto Urbano”.

Compareceram escritores, poetas, artistas plásticos, músicos, líderes e educadores indígenas que estão se destacando no cenário literário nacional. Estavam lá, entre outros, Manoel Moura, Daniel Munduruku, Eliane Potiguara, Marcos Terena, Cristino Wapichana, Ely Macuxi, Olívio Jekupé, Vilmara Baré, Edson Kayapó, Darlene Taukane, Rosi Whaikon, que animaram rodas de conversa e mesas-redondas em torno das memórias da floresta, da escola indígena, do uso da escrita e da língua portuguesa.

Primeiro, nós pensamos. Só depois é que falamos ou escrevemos. A palavra, que carrega sabedoria, organiza o pensamento, por isso tem muito poder, muita força. A palavra cura mágoa, tristeza, saudade, raiva e, se duvidar, até dor de cabeça. A palavra do índio, o primeiro narrador desse país, tem que ser ouvida. É palavra boa, que ameniza, que conforta, diferente das palavras sujas – como a de alguns políticos.

Dessa forma, Manoel Fernandes Moura abriu a mesa da tarde – A Escrita e a História. Líder histórico do movimento indígena, o tukano Manoel Moura está cada dia mais sábio, com o verbo sempre em brasa. Grande narrador, sua fala deixa claro que o livro não é um caixão que guarda o cadáver da letra morta, como se a letra fosse o osso do som. Ele defende não uma “escrita funerária”, mas uma escrita viva, livre como um pássaro voando, que devolve a palavra ao universo da oralidade.

Durante o almoço, numa mesa com Marcos Terena, Ely Macuxi e Daniel Munduruku, lembrei da importância para a literatura indígena dos tupinólogos do século XIX, que recolheram narrativas em língua Nheengatu. Trocamos figurinhas. Foi, então que Moura nos contou algumas histórias do jabuti, atualizando as versões de Couto de Magalhães. A voz modulada era interrompida por risinhos sacanas do narrador. Vamos lá.

Maquiavel de casco

O Jabuti foi beber água no rio e encontrou o Jacaré de boca aberta que lhe disse:

– Eu vou te comer.

– Por que tanta maldade, seu Jacaré?

– Por que estou com fome e sou mais forte.

– Sua fome, eu respeito. Mas duvido que seja mais forte – desafiou o Jabuti, propondo um ‘cabo-de-guerra’ para decidir seu destino. Ele, Jabuti, puxaria a ponta de um cipó da terra firme, enquanto o Jacaré puxaria de dentro d’água a outra ponta. Quem conseguisse arrastar o outro ganhava. Assim, ou ficava livre ou seria comido.

O Jacaré riu da pretensão e topou. “O otário se ferrou” – pensou, saboreando antecipadamente o sarapatel que iria comer. O Jabuti foi buscar o cipó no meio do mato, onde encontrou a Onça que veio com o mesmo papo: eu vou te comer, estou com fome, sou mais forte, tenho o Gilmar Mendes que é meu e o boi não lambe. E o Jabuti: não é assim não, dona Onça, tem que provar, o Ayres Brito está vivo. Aí, propôs um ‘cabo-de-guerra’. A Onça aceitou. Ele, Jabuti, puxava o cipó do rio. A Onça, da terra.

O Jabuti deixou, então, uma ponta do cipó com a Onça, em terra firme. Levou a outra para o Jacaré na água e escafedeu-se, saindo de fininho, deixando os dois brigando. Moral da história: quando teus inimigos são mais fortes do que tu, joga um contra o outro, em vez de bater de frente contra eles.

Se ouvisse a versão do Manoel Moura, Maquiavel se deliciaria. Couto de Magalhães concluiu que através dessas narrativas os índios da Amazônia ensinam profundas lições de vida. Para ele, a literatura indígena reflete alto grau de civilização, porque só um povo altamente civilizado mostra que a inteligência vence a força: um animal feio, fraco, lento, como o jabuti, ganha do jacaré, da onça, da anta, do veado.

Moura contou ainda a história do jabuti com a anta, mais não tenho mais espaço para reproduzi-la aqui. Essa história mostra que o caminho para se conseguir justiça é ter paciência, saber esperar; a inteligência vence a truculência; a força do direito vale mais do que o direito da força.

Rapaz, esse Moura é mesmo danado! Pois não é que ele curou minha dor de cabeça! Deixo aqui para ele e para todos os escritores indígenas – os jabutis da literatura brasileira – os votos de sucesso nessa cruzada civilizatória.

P.S. – Nesse domingo, na hora do jogo do Brasil, estarei dentro de um avião, levando as histórias indígenas para um congresso em Bogotá, convidado pela Biblioteca Nacional da Colômbia.

P.S. - José Saramago, que nos deixou, foi também, ao seu modo, um jabuti da língua portuguesa, porque sua escrita está emprenhada de sabedoria oral.

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José Ribamar Bessa Freire é professor universitário (Uerj), reside no Rio há mais de 20 anos, assina coluna no Diário do Amazonas, de Manaus, sua terra natal, e mantém o blog Taqui Pra Ti . Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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sábado, 19 de junho de 2010

Laerte Braga mostra o pau, e a cobra não resiste

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O BLOCO DO PAU-DE-ARARA E DO CHOQUE ELÉTRICO

Laerte Braga

Ronnie Lee Gardner passou vinte e cinco anos na prisão estadual de Utah, EUA, aguardando sua execução. Foi condenado à morte por homicídio. Todos os apelos feitos para a comutação da pena em prisão perpétua foram negados.

Ronnie foi fuzilado [ontem, 18/6] por um batalhão de cinco atiradores e segundo a imprensa de seu país escolheu, ele próprio, a forma de execução. Sobre os crimes cometidos por Ronnie não havia dúvidas, nem mesmo entre os que defendiam a comutação da pena de morte em prisão perpétua. Sobre a barbárie de vinte e cinco anos esperando para ser executado, com certeza é culpa do Irã.

Utah é um estado onde os mórmons predominam e onde a legislação permite a bigamia em respeito aos costumes e tradições desses religiosos.

* * *

Um fórum de empresários europeus e norte-americanos revelou que são gastos cerca de 40 a 50 milhões de dólares anualmente para reforçar a posição dos partidos de oposição na Venezuela e tentar derrubar o presidente Chávez. Chamam a isso de democracia.

A grande preocupação de boa parte dos telespectadores em muito dos países do mundo e que acompanham a Copa da África pela telinha, além do “cala a boca Galvão”, específico do Brasil, é o grito do vizinho. Para alguns é inadmissível que o vizinho perceba o gol primeiro. A diferença entre a imagem e o som de uma casa para outra.

Por que o meu vizinho grita gol primeiro suscitou explicações técnicas para evitar corrida a consultórios de psiquiatras e psicanalistas, dramas existenciais mais profundos e capazes de gerar tragédias em algumas partes do mundo.

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Perguntaram a José Saramago por qual motivo continuava sendo comunista diante dos “crimes” de Stalin. Saramago respondeu de forma simples. “Por convicção ou alguém deixa de ser católico por conta dos crimes da Inquisição?”

A turma do pau de arara e do choque elétrico no Brasil está desatinada a julgar pela torrente de mails e comunicados de “guerra” despejados para todos os lados na tentativa de “alertar” brasileiros contra os “riscos” de uma vitória de Dilma Roussef.

Investem agora contra o senador José Sarney e a aliança do PT com o partido do ex-presidente no Maranhão. Não explicam que Sarney foi presidente da ARENA – partido da ditadura militar –, era homem de confiança dos generais ditadores e foi presidente do Senado a primeira vez indicado pelo governo ditatorial. Será que nunca souberam que Sarney já nasceu pústula?

Essas viúvas da ditadura estão em agonia na expectativa que o Superman chegue e salve o Brasil. Em 1964 veio disfarçado de general Vernon Walthers e falando português fluente, com o qual enquadrou os golpistas.

Não hesitam em fuzilar velhos aliados como Sarney, ou qualquer outro, acreditando que aquele negócio de colocar espantalhos na plantação para afastar assombrações vá dar resultados.

Por não se enxergarem não se percebem, eles próprios, os espantalhos.

Que Sarney, Hélio Costa, esse tipo de gente não acrescenta coisa alguma a nada, ninguém tem dúvida e nem o centro do assunto passa por aí.

É que a candidatura do paulista José Arruda Serra despenca para todos os lados e a versão do século XXI de Jânio Quadros, já renunciou pelo menos duas vezes, sendo contido pelos amigos mais próximos, preocupados, inclusive, com risco de atitudes tresloucadas.

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O mais importante de tudo isso é que o Homer Simpson entenda que, por incrível que pareça, não é culpa da GLOBO se o vizinho grita gol primeiro, mas desse negócio de velocidade do som, da imagem, naturalmente agentes iranianos interessados em promover a desestabilização do Ocidente cristão e democrático, justo na hora do gol.

É a copa da tecnologia. Mais vale um choque de joelho contra joelho, ou uma cabeça contra outra, que a bola dentro do gol, estufando as redes como dizem alguns locutores, pelo menos diziam.

Aí, nesse meio de caminho descobrem uma coisa interessante. Quer gritar gol primeiro que seu vizinho, ou ao mesmo tempo? Compre um radinho de pilha daqueles antigos. Dê um chega pra lá na frustração. O velho aparelhinho resolve o problema e evita depressões, dramas existenciais, angústias, situações que, ao fim, podem desestabilizar o ser humano, ou assim dito, levar casamentos de roldão, sem falar em perigo real e imediato de incendiar a casa do vizinho por conta do privilégio.

Os técnicos chamam a isso, esse descompasso, de “delay”, algo como atraso. O tempo que o sinal da transmissão percorre para que os dados subam e desçam do espaço a Terra. No sinal analógico o tal “delay” demora um quarto de segundo para chegar ao satélite e outro quarto de segundo para voltar, portanto, dois quartos de segundo, que vem a ser meio segundo, numa viagem de ida e volta até as telinhas, o que pode resultar num atraso ainda maior.

Rádio de pilha resolve. Que nem pílula do doutor Ross.

Para evitar confusões maiores e cabeças fundidas, os principais jornais, revistas e redes de tevê estão explicando o “fenômeno”, antes que governos do mundo inteiro sejam obrigados a comprar vacinas para evitar uma pandemia de “delay”.

Já o futebol.

Surpreenda o seu vizinho, grite gol primeiro com sua arma secreta, um radinho de pilha.

E não se assuste com assombrações fardadas cheirando a mofo e cheias de parafernálias eletrônicas tipo máquina de choques, paus de arara, caminhões da FOLHA DE SÃO PAULO para desova de cadáveres, empresários financiando tortura e pagando cinco mil euros por um programa no esquema FIESP/DASLU, isso faz parte do projeto tucano de “nós podemos mais”.

São movidos a viagra. Saem das catacumbas de Wall Street e aterrissam na pirâmide de FHC. O ex-presidente, assim como os malucos antigos sofriam de mania de Napoleão, sofre de mania de Ramsés.

E o jornalista Élio Gaspari hem? Depois de passar dois anos com bolsa de estudos em Harvard, onde estuda a filha de Arruda Serra com dinheiro da AMBEV e mamatas nos governos tucanos, o jornalista, falo dele, virou mentiroso. Inventou um codi nome para a candidata Dilma Roussef, atribuiu-lhe assassinatos que não cometeu e agora o tal codi nome existe, é uma pessoa real, Dulce Maia, está viva ao contrário do que fez presumir Gaspari, que fosse uma ficção, e quer provar isso.

Será que a GLOBO noticia?

O que é isso meu caro, minha cara. Mentira é a bandeira dessa gente.

Cala a boca Bonner!

Laerte Braga é jornalista. Colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz

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O que você sabe sobre a guerrilheira Dulce Maia?

Dulce é dessas pessoas que, enquanto o nosso Editor-Assaz-Atroz-Chefe dançava ao embalo da Jovem Guarda e comemorava o tri "Pra Frente Brasil", ela se entregava à luta contra a ferrenha ditadura que prendia, torturava, matava e fazia as pessoas dançar e gritar gol primeiro que o vizinho.

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MULHERES QUE FORAM À LUTA ARMADA



Luiz Maklouf Carvalho

[ Revista Marie Claire - setembro de 1996 ]

Vão bem, obrigado, as guerrilheiras do Brasil. Têm lá seus problemas, como todo mundo, mas felizmente estão bem, senhoras ou quase na faixa dos 50, às vezes mais, o que mostra o quanto eram jovens à época em que foram à luta armada contra o regime militar. Lá se vão 28 anos - as ações violentas das organizações comunistas vieram a público em 1968 - e, quem diria, aí estão elas de novo, dessa vez desarmadas, participando da releitura pós-moderna de seu papel na história.

"Agora estamos na moda", diz a vovozinha de todas elas, Dulce Maia, 68 anos. Dulce, irmã da unanimidade nacional Carlito Maia, foi das primeiras mulheres a pegar em armas - em ações de absoluto atrevimento - e é hoje, recém-emigrada para a deliciosa Cunha (SP), uma prova viva de que esse tempo horrível, como definiu o presidente Fernando Henrique Cardoso, realmente existiu.

Quando diz "agora estamos na moda" - com uma saborosa pitada de ironia - Dulce constata o fato recente de que a guerrilha está aí, revisitada, e desta vez na ofensiva, cobrando do Estado reparações morais e indenizações por conta de seus mortos e desaparecidos, entre eles quase meia centena de mulheres.

A Lei 9.140, que propiciou essa virada de página, foi sancionada no ano passado por um presidente da República que algumas vezes viu de perto, visitando presos políticos, o estado degradante a que os torturadores da ditadura reduziam os "terroristas" presos, reservando, às mulheres, requintes de crueldade sexual.

Dulce Maia, um misto de agitadora cultural e guerrilheira urbana da organização Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) foi uma das presas a receber a visita do sociólogo Fernando Henrique Cardoso nos idos de 1969.

Como nem tudo são dores - "guerrilha também é cultura", poderia dizer Carlito Maia - nossas guerrilheiras, as vivas e as mortas, acabaram na literatura, na telinha, no cinema e no teatro. Primeiro foram os livros testemunhais, como "O que é isso companheiro", do guerrilheiro e agora deputado federal Fernando Gabeira, ex-marido da "loura dos assaltos", a terrorista mais procurada durante uma determinada época.

O livro de Gabeira, agora relançado (Companhia das Letras), está fresquinho nos cinemas, na superprodução (U$ 3 milhões) do premiado diretor Bruno Barreto. Uma das estrelas é a atriz Cláudia Abreu, que protagonizou, na série pionera "Anos Rebeldes" (TV Globo), a guerrilheira mais charmosa da televisão.

Estão aí, também, nas melhores livrarias da praça, os recém-lançados "Não és tu, Brasil", de Marcelo Rubens Paiva (sobre a guerrilha do capitão Carlos Lamarca no Vale da Ribeira); "Viagem à luta armada", do guerrilheiro radical Carlos Eugênio Sarmento; e "Mulheres, militância e memória", da antropóloga Elizabeth Fernandes Xavier Ferreira. Neste último, o primeiro específico sobre a militância feminina, 13 ex-presas políticas detalham o que era ser mulher naquela barra pesada de então. Ainda há, de recentes, os filmes "Lamarca", de Sérgio Rezende e "Que bom te ver viva", da cineasta e também guerrilheira Lúcia Murat.

As mulheres que foram literalmente à luta estão presentes em todos eles. Amando, sofrendo, guerreando, participando, às vezes na linha de frente, às vezes nos bastidores. Foram apenas alguns anos - as ações estão diluídas entre 1968 e 1974 - mas em nenhuma outra época o Brasil viu tanta mulher pegar em armas. Pegar e usar, é claro.

Atentados, assaltos a bancos, sequestros de diplomatas e de aviões, assassinatos de policiais e militares, justiçamentos, guerrilha urbana e rural - há quase sempre uma ou mais mulheres nas ações mais e menos espetaculares com que as organizações armadas tentaram reagir à violência da ditadura militar. É difícil fazer as contas redondas - as estatísticas ainda são precárias - nas nossas guerrilheiras, somadas, chegam a quase 100. O levantamento mais recente - "Dossiê dos mortos e desaparecidos políticos a partir de 1964", editado pelo Grupo Tortura Nunca Mais - dá conta de que 24 foram mortas e 20 estão desaparecidas. Marie Claire levantou que pelo menos 40 estão aí para contar a história.

Uma delas - talvez a mais famosa - entrou para a memória coletiva por conta de uma façanha: o sequestro do embaixador dos Estados Unidos da América, Charles Burcke Elbrick, a 4 de setembro de 1969. Era, então, a Dadá, da Dissidência Comunista da Guanabara, mais conhecida como MR-8, e atendia, para a mídia e para a repressão política, pelo apelido de "Loura dos assaltos", justo a que viria a ser mulher de Fernando Gabeira. Pode ser vista no filme de Bruno Barreto, ora representada por Fernanda Torres, ora por Cláudia Abreu.

Hoje, aos 48, é a charmosa, chique e irreverente socióloga e economista Vera Sílvia Magalhães, lotada na sala 518 da Secretaria de Planejamento e Controle do Estado do Rio, onde exerce a função de planejadora urbana. Vera conversou com Marie Claire num apartamento amplo da Praia do Flamengo, onde mais uma vez estava se recuperando dos problemas de saúde que atribui ao tiro que levou quando foi capturada (a 6 de março de 1970) e às torturas que sofreu nos três meses em que amargou a condição de presa política. Ela ainda vibra por dentro quando lembra uma resposta que deu aos torturadores em plena aflição, pendurada no pau-de-arara e tomando choque elétrico: "Minha profissão é ser guerrilheira".

— Minha primeira ação foi uma expropriação de armas no gasômetro do Leblon, com o Cláudio Torres e o Cid Queiroz Benjamim. Eu fui de peruca loura e pedi pro segurança acender meu cigarro. O cara era tão ingênuo que depositou a metralhadora no chão. O Cláudio veio, pegou a arma, mas aí o outro segurança que estava na guarita começou a atirar em cima da gente. Foi o maior tiroteio. O Cid veio dar cobertura e o cara acabou ferido. Levamos duas metralhadoras Ina e dois revólveres 38.

Bem nascida, na zona sul do Rio de Janeiro, Vera Sílvia abraçou a causa, como então se dizia, ali pelos 16, na militância secundarista do Colégio Andrews. O tio era do Partido Comunista do Brasil. O pai simpatizava. Leu O Manifesto Comunista aos 11. Entrou na Universidade (Economia da Federal Fluminense) em 67 e logo passou a integrar a Dissidência da Guanabara (DG) - mais um racha saído do pacifista Partido Comunista Brasileiro, o chamado Partidão. Destacou-se logo, passando a integrar o Comitê Central, órgão maior da direção partidária.

— Eu era a única mulher no meio de sete homens. Fiz um puta esforço para chegar lá. A minha militância política foi uma batalha, porque, além de tudo, havia o preconceito machista.

No começo de 1969 - quando a DG opta pela violência política - Vera Sílvia, a bela que torturava corações, passou a integrar a Frente de Trabalho Armado (FTA).

— A gente treinava tiro na Quinta da Boa Vista e em Búzios. Não tinha nem bala sufiiciente, mas, diante da crescente da violência da ditadura, a determinação era grande.

Depois da primeira ação, a do gasômetro do Leblon, em 68, a "Loura dos assaltos" e seu inseparável 38 expropriou legal: supermercado Disco, carro forte, banco, carros.

— Carro era um por semana. Uma vez, em Ipanema, demos azar. O cara era militar e resolveu resistir. Atirou na gente. Eu e o Torres tivemos que reagir. Nós só atirávamos em última instância, quando éramos atacados. Que eu saiba nunca matamos ninguém.

A 19 de agosto de 69 - quinze dias antes do grande sequestro - Vera Sílvia e sua troupe da FTA participaram de uma ação brancaleônica: o assalto ao apartamento de cobertura do deputado federal Edgar Guimarães de Almeida.

— O cofre do deputado deu trabalho. Nós fizemos um bom trabalho de levantamento. Eu era uma moça bonitinha e entramos lá como repórteres da revista Realidade. Levamos todos aqueles troços do equipamento fotográfico, e de repente aparecemos com metralhadoras, saindo para a ação. Era um apartamento imenso, com muita gente dentro. A conversa inicial foi chamar todo mundo pra sala, pra tirar fotografia.

Recolhemos, dinheiro, jóias, e quadros, alguns do Portinari. Mas na hora H o cara teve um problema grave no coração. O comandante da ação, João Lopes Salgado, que estava no terceiro ano de Medicina, interrompeu tudo para atender o deputado. Deu remédio, fez ele se acalmar. Demorou coisa de quatro horas - mas o resultado foi bom. Foi uma ação bombástica de propaganda armada.

O sequestro do embaixador americano visava marcar posição, assustar a ditadura e, principalmente, libertar os presos políticos, entre eles os líderes estudantis Vladimir Palmeira e José Dirceu. Vera foi responsabilizada pelo levantamento de tudo o que cercava o embaixador Elbrick.

— Quinze dias antes eu fui na Embaixada, vestida de empregada doméstica, com mini-saia e tudo. Eu, Deus e uma arma na bolsa, o que aliás foi loucura. Não tinha sentido levar a arma. Cheguei lá, me aproximei da guarita de segurança e disse que queria visitar os jardins. O chefe da segurança ficou a fim de me conquistar e saiu me mostrando tudo. Eu utilizei esse aspecto psicológico e fui fazendo perguntas entremeadas, conseguindo informações sobre horários, carros, segurança. Fazia isso com sangue frio, com desenvoltura total. Tirava tão de letra que ele chegou a me dizer: "Eu vou tirar essa bandeira da embaixada, porque tem muito terrorista agindo por aí". Ele não sacou nada.

Dadá era mulher de Corisco - o guerrilheiro José Roberto Spigner. Se amavam muito, moravam juntos no bairro da Penha, e pertenciam à mesma organização. Ocorre que Corisco atuava na Frente das Camadas Médias - o que, a rigor, o impedia, por uma questão de segurança, de ter conhecimento sobre o sequestro do embaixador.

Na véspera, exatamente na véspera, os dois se encontraram em frente ao Hotel Copacabana Palace:

— Passeamos, namoramos, conversamos. Eu não podia contar nada sobre o que iria ocorrer no dia seguinte. Só disse que ia me envolver numa barra pesada e sumir por uns 20 dias. Pedi que ele ouvisse o rádio e que tomasse precauções. Ele insistiu que marcássemos um ponto (um encontro) inorgânico (sem conhecimento da organização) dali a dois dias. Eu disse que era contra as normas de segurança e não concordei. Fiquei de procurá-lo logo que pudesse. Intimamente eu não avaliava bem as consequências de uma ação desse porte a nível pessoal.

— Com a fina ironia que cultivava, Zé Roberto se despediu de mim com o refrão de uma música da Gal: "É preciso estar atento e forte/Não temos tempo de temer a morte". Cantarolou, também, uma música do Noel Rosa: "Ai que mulher indigesta/Merece um tijolo na testa". Depois disse: "Essa estanquização não tem nada a ver com o amor. Se a gente se ama a gente segura a barra juntos".

— Ele me chamava de Nenê. E disse: "Vai, Nenê, pra tua ação clandestina. Vocês nunca vão saber o que é o amor. Essa estanquiização é ridícula. Me põe aí no teu bando".

Veio o sequestro:

— Eu fiquei no esquema de segurança, na esquina da padaria. Era tão desajeitada que fiz uma bomba enorme. Era pra fazer do tamanho de uma lata de leite condensado e eu fiz uma de leite ninho tamanho família. Quer dizer: se eu acionasse aquilo explodia o Botafogo inteiro. Felizmente não houve confronto, nem polícia, o e sequestro foi um sucesso.

— O sequestro foi um marco, um ato espetacular. Uma idéia em si mesma brilhante, que detonou um processo de repressão que a gente não conseguiu conter. Foi feito aos trancos e barrancos - um exército de Brancaleone fazendo uma ação de proporções políticas enormes. Eu mantenho o orgulho por ter participado. Mas o fato é que nós perdemos. Avaliamos mal a conjuntura, não tínhamos o povo do nosso lado e não houve uma dimensão maior na perspectiva da tomada de poder.

Dadá entrou imediatamente na clandestinidade - mas um dia, com saudades de Corisco, mandou a segurança às favas. Voltou ao Copacabana Palace, produziu-se toda no cabeleleiro, atravessou disfarçada de madame na barca para Niterói, onde ele estava.

Voltaram a viver juntos - ela perseguidíssima, mas ainda participando de ações armadas. Corisco realmente não teve tempo de temer a morte: foi assassinado a 17 de fevereiro de 1970 durante um tiroteio com agentes do DOI-CODI (RJ). Dadá foi presa em ação - dando e levando tiro num cerco da polícia no Jacarezinho. Um deles lhe acertou a cabeça.

— Eu não me rendi. Saí correndo e atirando. O tiro entrou e saiu da minha cabeça.

Mas num tiroteio você não sente dor. É uma emoção tão impressionante que você não sente nada, a não ser o grande desejo de sobreviver. Eles eram dezenas. Eu saí com o 38 na mão e eles saíram me dando porrada, coronhada, tudo. De repente chegou um policial, me levantou no colo e disse: "A minha filha tem a sua idade. Por que você está fazendo isso?"

— O tempo urgia. Nós vivíamos atrás do tempo. Tinha que dar tempo pra lutar e pra amar, senão daqui a pouco o amor acabava. A gente fazia tudo. A gente acreditava que a revolução era longa, mas na prática fazia tudo muito rápido.

Vera Sílvia sobreviveu, a duras penas, ao tiro e à tortura. Foi banida do Brasil a 15 de junho de 1970 - como um dos quarenta presos políticos trocados pelo embaixador alemão, von Holleben, sequestrado a 4 de junho. Diversos países (incluindo Cuba, onde treinou guerrilha), muitas doenças (dois cânceres) e três casamentos depois - Fernando Gabeira, Carlos Eduardo Maranhão (com quem tem um filho de 18 anos) e Emir Sader - Vera está só, mas cercada de amigos.

— Eu faço hoje a micropolítica do afeto. Esse é o maior resgate da minha militância.

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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