.
Komila Nakova, ex-KGB, revela como a CIA recruta estudantes estrangeiros nas universidades dos EUA
por Fernando Soares Campos(*)
Estávamos aqui nas dependências da PressAA, a nossa agência de notícia Assaz Atroz, discutindo a pauta. Já passava da meia-noite e não conseguíamos fechar, não havia consenso para deliberarmos sobre a principal manchete do dia. A maior parte das sugestões indicavam um título bombástico para um caso rasteiro: "Desembargador confessa que cometeu crime para manter Lula preso".
"Isso é bobagem", falei. A meu ver, todos que tiveram influência na condenação e prisão de Lula cometeram algum tipo de crime ou contravenção administrativa. Além do mais, disso aí todo mundo já está tratando. O que eu queria mesmo era falar sobre o motivo pelo qual essa gente age criminosamente. Isso, sim, é o que interessa. Mas acabei aceitando, provisoriamente, a abordagem sobre o vazamento da confissão do desembargador. Encerramos a reunião, e eu fiquei só.
Quando as coisas estão ruças, ligo para a russa Komila Nakova, que os nossos leitores mais antigos sabem que se trata exatamente de uma ex-agente do KGB, atualmente positiva e operante no ramo de investigação particular, expert em casos de infidelidade conjugal, mas que eventualmente, na condição de freelancer, trabalha para nós, ou para alguns freeloaders da mídia venal.
Com essa onda de grampo, eu não quis expor meu problema por telefone, pedi a ela que viesse até aqui, a fim de me dar umas dicas seguras sobre a matéria que pretendíamos publicar.
Devido a uns entreveros domésticos, estou dormindo na redação até a poeira baixar. Komila é quase nossa vizinha, mora logo ali no acesso à Ladeira dos Tabajaras. Estamos sempre nos cruzando na Estação Cardeal Arcoverde.
Era madrugada avançada, quando ela adentrou-se na minha sala, arrastando-se, sorrateira, pelo duto de ventilação, a fim de não ser filmada pelo circuito de segurança do prédio. Não me surpreendi, pois ela sempre foi assim, imprevisível.
Komila, aparentemente exausta, deixou-se cair numa poltrona localizada num canto da sala, respirou fundo e falou:
– Nakova, chefinho, ao seu dispor...
– Komila!
– E come sempre que quiser, querido... Na cova ou onde você desejar... Você sabe que eu te amo!
– Deixe a graceta pra outra hora. O caso é sério!
– Não é “gra”, chefinho, é “bo” – falou e cruzou as pernas mais sensuais que conheço.
– Não acha que essa sua graçola às vezes incomoda?
– Também não é “gra”, meu amor, é “cal”. E, a mim, não está me incomodando de forma alguma...
– Você não tem jeito, não. Vamos ao que interessa.
Convidei Komila para ler, na tela do monitor, a relação dos principais elementos envolvidos na prisão de Lula. Acompanhando cada nome de policial federal, membro do Ministério Público e do Judiciário, destacavam-se alguns dados biográficos do indivíduo.
Ela levantou-se, aproximou-se de mim por detrás, debruçou-se sobre as minhas costas, roçando aquele maravilhoso par de peito no meu lombo. Fiquei excitado, mas não deixei transparecer que ela havia me provocado estímulos libidinosos... quer dizer, um puta tesão.
Komila leu tudo num piscar de olhos, pois, quando era adolescente, fez curso de leitura dinâmica por correspondência em São Petersburgo. Certa ocasião ela me disse que sua tataravó conheceu Dostoiévski, chegando mesmo a inspirar o consagrado escritor russo na criação de uma de suas personagens.
Quando terminou de ler, perguntei:
– Você conhece algum desses elementos? Sabe alguma coisa sobre algum deles?
– Todos! Conheço todos... E sei o bastante sobre cada um deles.
– Todos?! Impossível! Não precisa exagerar. Você sabe que pagamos o preço justo pelas suas colaborações. Não há necessidade de tentar atribuir a si própria um valor acima da importância que tem para nós e que, há muito tempo, reconhecemos como fundamental para a manutenção desta nossa agência.
Komila tem sempre uma resposta para qualquer pergunta ou insinuação.
– Querido, sei que você se lembra que lhe falei do meu curso de leitura dinâmica, mas não lhe contei de outro curso que fiz por correspondência, o de memorização de textos. Se li os dados biográficos desses sujeitos, já sei muito sobre eles, já conheço o suficiente para dizer que se trata de subagentes da CIA, colaboradores da NSA, aprendizes de tiras do FBI, coisas assim...
– Você pode explicar como chegou a essas conclusões?
– Tá tudo aí... Tem informações suficientes... Dizem que alguns cursaram programas de instrução de advogados da Harvard Law School. Outros foram premiados pelo Global Investigations Review. Tem mestre em direito pela Universidade de Harvard e pela Yale Law School. Aparece até visiting teacher in Los Angeles School of Law... E tantas outras qualificações afins. Do que mais precisamos para saber quem são?
– O que você quer dizer com isso?
– O que eu quero dizer?! Não quero dizer nada, isso aí diz por si mesmo.
Eu tinha uma ideia sobre o que ela estava falando, mas queria que a russa fizesse jus ao que receberia pelas informações prestadas, portanto teria que explicar detalhadamente o que tudo aquilo significa no seu métier, no mundo da espionagem.
– Tudo bem que isso aí diga por si mesmo, mas eu quero que você diga por isso aí...
– Me sirva um drinque.
– Não temos vodca.
– Se não tiver champanhe francesa ou Romanée-Conti safra dos anos oitenta, qualquer coisa serve.
– Tem uma cachacinha mineira. É coisa fina.
– Melhor que uísque americano. Manda.
Servi uma dose caprichada da caninha de boutique. Tomou de um só gole, como um cossaco numa cossaca.
– Como eu já lhe disse, essas informações falam por si mesmas – Komila se movimentava pela sala enquanto explicava sua tese –. Grande parte dos estrangeiros que estudaram nessas universidades americanas, ou que foram agraciados com títulos honoríficos ou condecorações, ou convidados na condição de professores visitantes, acabaram sendo vítimas das armadilhas da CIA e se tornaram subagentes dos órgãos de segurança controlados pela NSA, a poderosa National Security Agency.
– Subagentes?!
– Sim, subagentes, colaboradores, agentes de araque... São tratados como agentes, mas, pelas identificações internas, são tidos como subagentes. Trabalham para o governo dos Estados Unidos, inclusive traindo os governos e o povo de seus próprios países. Entendeu?
– Até aí, sim, mas eu gostaria mesmo é de saber como chegam a essa condição, como ou por que se entregam para atuarem como entreguistas, muitas vezes cometendo crimes de lesa-pátria. Você falou de armadilha da CIA. Que tipo de armadilha?
– Pode me servir mais um drinque?
– Sim, é pra já!
Komila ainda estava com o copo vazio na mão. Servi mais uma dose da mineirinha proibida para menores de idade. Novamente ela tomou de um só gole, colocou o copo na minha mesa e continuou se movimentando pela sala.
Parou e estendeu os braços para a frente, indicando o sofá ao lado da porta. Cerrou os punhos e, em seguida, abriu os dedos indicador e polegar, formando ângulos retos, simulando um enquadramento fotográfico.
– Imagine você e eu ali naquele sofá. Ambos despidos. Você sentado, eu agachada, com a cabeça entre as suas pernas, fazendo um movimento cadenciado de sobe e desce. Você em estado de extrema excitação... Imaginou?
– Você fazendo um boquete em mim. Sim, mas, nesse caso, não é questão de imaginar, é apenas de recordar...
– Então, imagine se, antes da gente partir para o bem-bom, eu tivesse instalado uma minicâmera em algum local estratégico dessa sala e filmasse tudo, inclusive quando fiquei de quatro no sofá e você praticou um parece-mas-não-é...
– Komila! – praticamente gritei –, você não fez isso, fez?!
– Calma, querido! Não, não fiz. Mas você é homem e eu sou mulher, portanto, se tivesse feito não seria nada demais, exceto pelo fato de que você não ia querer que seus filhos e sua mulher, ou mãe, irmãos ou mesmo seus amigos assistissem a cenas com essas que descrevi.
– Descreveu o que já fizemos em diversas ocasiões! Jure que você não filmou, não fotografou nem falou disso pra ninguém!
– Take it easy, honey! Você me conhece, sabe que não sou chantagista.
– Sim, eu confio em você, mas o que tudo isso tem a ver com as armadilhas da CIA?
A loira voltou-se pra mim. Tinha um sorriso enigmático, com a bochecha direita repuxada para cima e os lábios pressionados, como se estivesse forçosamente evitando um sorriso aberto.
– Se na cultura machista de vocês uma cena dessas pode abalar a moral de um homem, nem sei o que dizer se fosse você no meu lugar, e, no seu, outro macho...
– Tá me estranhando?!
– Não, estou só supondo.
– Então, continue...
– Agora entenda que é nisso que dá a participação de militares, jornalistas, advogados e tantos outros profissionais estrangeiros nas instituições do império ianque, em suas escolas militares e universidades. Muitos generais e magistrados estrangeiros que, quando jovens, passaram por aquelas escolas, foram induzidos ao envolvimento em atos meramente comportamentais; em geral, homossexualismo, ativo e passivo. Mulheres casadas foram induzidas à infidelidade conjugal ou mesmo prostituição.
– Tudo acontece sempre em relação às atividades sexuais?
– Não. Também são levados a cometer alguns ilícitos, prática de pequenos roubos e furtos. Agora andam estimulando os crimes cibernéticos, invasões a sites do governo, roubo de senha, clonagem de cartões de crédito. Qualquer desvio de conduta daqueles que por lá aportam é registrado, gravado, fotografado, filmado, testemunhado e arquivado pela CIA. Nada escapa, pois eles acreditam que qualquer item daqueles pode, um dia, vir a ser útil. Tudo está arquivado, são muitos milhares de dossiês...
– Acho que chantageiam até aos mortos.
– Claro! Morto tem família. E algumas dessas famílias estão tentando reaver algumas fortunas depositadas em paraísos fiscais offshore, sob o controle de Wall Street.
– Como fazem para controlar todo esse contingente de colaboradores, ou subagentes, como você chama os vendilhões da pátria?
– Todo esse pessoal, ao retornar aos seus países, passam a ser monitorados permanentemente. Todos recebem algum tipo de apoio, benefícios incomuns. Alguns, com os gabaritos das provas antecipadamente fornecidos, são aprovados em concursos, nomeados para cargos de muita importância e facilmente promovidos. Outros trabalham para multinacionais de ramos diversos, principalmente para as petroleiras. No serviço público, os antigos dão cobertura aos mais jovens, os recém-chegados. Esses elementos servem aos interesses do governo dos EUA e, de forma indireta ou mesmo direta, dependendo do caso, são sempre lembrados de suas marcas nas mãos da CIA. São uns fracos. E os que mais arrotam valentia em solo pátrio são os mais comprometidos, vivem se borrando de medo de serem desmascarados.
– Isso quer dizer que os ianques nem mesmo bancam todos eles. Na verdade, somos nós mesmos que pagamos para eles irem estudar lá e depois sustentamos esses canalhas aqui, ganhando os mais altos salários e trabalhando contra o Brasil, em prejuízo de todos nós, brasileiros.
– Pegou o espírito da coisa, chefinho... Então, meu caro, não tenho mais o que lhe esclarecer. Vou tirar o time... pois tenho cliente do outro lado para atender.
– Espere! Só mais uma pergunta...
– Mande...
– Posso considerar que todos esses nomes que você leu, na relação que lhe apresentei, são subagentes da CIA?
– Bem, alguns colaboram contrariados, sob pressão, estão por demais envolvidos, não têm como recuar. São permanentemente chantageados, chegam a receber fotografias, cópias de documentos comprometedores, coisas assim. Isso funciona como os jovens que se envolvem com o tráfico de drogas e não podem fazer mais nada sem autorização do gerente da boca. Outros, os preconceituosos, vira-latas de formação, odientos, racistas... estes se entregam de corpo e alma. Geralmente são separatistas, querem o retalhamento do Brasil, a entrega da Amazônia a um consórcio internacional para a sua governança e a formação de estados independentes, conforme a própria divisão regional do país. Quer dizer, com a entrega da Amazônia, os estados do Norte seriam agrupados em uma espécie de protetorado do tal consórcio. A ideia é que o Nordeste também seja submetido à condição de protetorado e se torne mero fornecedor de mão de obra em condições análogas à escravidão.
– Sem a Amazônia, sem o Nordeste, sem o pré-sal, sem o Brasil!
– Sem dignidade...
– O que você acha que devemos fazer?
– Isso vocês decidem. Agora vou partir... Tchau, querido!
– Espere, ainda temos outra questão pra resolver!
– Hoje não dá, estou naqueles dias...
Como um raio, melhor, como um rato, Komila saiu pela janela aqui do oitavo andar, de onde ainda pude vê-la, lá embaixo, montando no seu unicórnio alado, último modelo, e partindo sob o céu estrelado...
(*)Fernando Soares Campos é escritor, autor de "Fronteiras da Realidade - contos para meditar e rir... ou chorar" - Chiado Editora - Portugal - 2018.
.