quinta-feira, 6 de maio de 2010

Abricó!!!

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Rosa Pena

Chegará com uma hora de atraso, de propósito, ao encontro com Luiz Augusto Mendes Campos Carneiro de Sá. Nunca tinha saído com um cara com o sobrenome "de" e enorme. Será que o nome é proporcional, que nem número de sapato? Quer criar suspense e não quer que ele imagine que ela é do tipo que "dá" mole, do verbo transar e não o "de" do Sá.

Resolve ir de forma classuda, vestido longuette sem decote, pouca maquiagem, cabelos presos num coque tradicional. Só vai falar, aliás, pronunciar como a nobreza faz, algo que cause impacto. Jules Renard, autor francês do século XIX, leu algo sobre este cara na revista de TV. Citará o Jules, a revistinha, jamais. Célula-tronco também é sintoma de cultura. O cara é um industrial filósofo, um intelectual rico de esquerda, que adora pobre, mas não deve gostar de quindins, nem de guaraná. Vai pedir carpaccio com vinho. Instrumento? Violino. Tomates? Só secos, pois pega bem. Queijo? Ricota. Fruta? Figo. Profissão? Projetista de unhas, os sábios ricos vivem de projetos, manicure é de quem faz mobral. Sua casa terá varanda, quintal é coisa anticultural. Flor preferida será orquídea, rara e cara. Não falará gírias, nem palavrão. Finalmente, chegou seu momento de ascensão. Seu nome agora é Vânia Maria, Vaninha lembra cama.

Ah! Bateu saudades do Ronaldo, bronco pra caramba, tronco sem célula, mas faz uma picanha como ninguém na churrasqueira e na cama também. Ela pode saborear tudo o que adora, meter o dedo no rocambole, o bole-bole, o dedo, e até o ronca depois do bole! Ele nunca fica mole.

Só não abrirá mão do sapato vermelho cintilante com tirinhas. Naldinho goza só de olhar, e se o Luiz Carneiro de Sá Augusto Campo Mendes não gostar — será que o nome dele é esse mesmo?! — é boiola.

Longuette nunca lhe caiu bem, lycra que é o diabo. Lembrou novamente das compras do carrinho dele no supermercado no dia em que o conheceu. Licor de abricó é coisa de veado. Abricó! Vai que troca a vogal final?

Pegou o telefone e ligou pro Naldão.

— Traga a cerva e o violão. Tô só de combinação e com aquele sapato.
— E o conde D'Eu?
— Era gay, preferiu dar pro Jules Renard.

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Rosa Pena (Rio de Janeiro-RJ). Professora e administradora de empresas. Especialista em recursos audiovisuais e artes cênicas. Trabalhou na Divisão de Multimeios da Educação na Secretaria de Educação e Cultura do Rio de Janeiro, com projetos ligados a cinema, teatro, música e literatura. Compulsiva para ler e escrever, considera a Internet a grande biblioteca contemporânea. Tem livros virtuais publicados e quatro livros editados no papel: Com licença da palavra, antologia do grupo Pax Poesis Encantada (2003), PreTextos, seu primeiro livro solo, onde reúne crônicas e contos de sua autoria (2004), na sequência UI! (2007) e Tarja Branca (2010). Mais em seu site: http://www.rosapena.com/

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Ilustração: AIPC – Atrocious International Piracy of Cartoons

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Um comentário:

rosa pena disse...

Fernando ..sua arte é impagável.Ri muito aqui! Valeu mesmo.Um beijo ..rosa