domingo, 16 de janeiro de 2011

MARIA FECHA A PORTA



Talvez a Mimosa Pudica possa nos ajudar a entender a tragédia que se abateu nessa semana sobre a região serrana do Rio de Janeiro, causando mais de 600 mortes. A Mimosa é uma plantinha sensitiva, conhecida popularmente como ‘Dormideira’, ‘Morre João’ ou ‘Maria fecha a porta’, encontrada em locais úmidos da mata atlântica ou da floresta amazônica. Possui flores pequenas, cor de rosa, um caule com espinhos e folhas divididas em vários folíolos. O que ela tem a ver com as chuvas torrenciais que tantos estragos fizeram?

As imagens televisivas mostraram um quadro desolador, com depoimentos dramáticos de sobreviventes. A correnteza, com forte estrondo, vem descendo do alto da serra. No caminho, arranca árvores, desenterra pedras, soterra casas e arrasta tudo o que encontra em sua frente: casas, carros, pontes, gente, bichos, corpos, barro, lama, entulho, lixo. Barreiras desabam nas áreas de encostas. Pequenos córregos e riachos se transformam em rios caudalosos que transbordam, irrompem velozmente pelas cidades e racham o asfalto, engolindo ruas, praças, bairros, semeando dor, sofrimento, morte. Um cenário de terra arrasada: escombros, devastação, destruição.

Ainda estamos contando, enterrando e chorando os mortos e os desabrigados em cinco cidades do Rio. A tragédia, em menores proporções, atingiu São Paulo, cuja capital ficou submersa, dando um nó no trânsito. A Folha publicou quarta-feira (12/01) foto impressionante: toneladas de garrafas plásticas cobrem o rio Pinheiro, que transbordou. Em Minas Gerais, 72 municípios estão debaixo d’água. A chuva castigou outros países - Austrália, Filipinas e Sri Lanka. Por que tanta raiva e tanta violência da natureza? Parece que o planeta está reagindo e é aqui que entra a Maria fecha a porta.

Teu pai morreu

A última vez que vi a Maria fecha a porta foi em setembro de 2007, em Soure, ilha do Marajó, acompanhado de uma pajé cabocla, Zeneida Lima, e de um sábio guarani, então com 96 anos, o karai Tupá Werá, da Aldeia de M’Biguaçu (SC). Não resisti em reconstituir uma brincadeira de infância em Manaus, que consiste em passar a ponta do dedo no meio da sua folha, dizendo: “Maria, fecha a porta que teu pai morreu”. Ela fecha. Os folíolos obedecem sempre, se inclinam numa reverência e imediatamente murcham, para logo em seguida, com o pai ressuscitado, voltarem à posição normal.

Tem algo de mágico para uma criança falar com uma planta, trocar sensibilidade com ela, provocá-la e obter uma resposta imediata, o que não é nenhuma novidade para os índios para quem não é só a Maria que fecha sua porta, é possível falar com a terra, as plantas, os bichos, os rios, os morros, as pedras. É outro sistema de pensamento. O guarani Marcos Moreira, meu aluno no curso de formação de professores, entrevistou para um trabalho de avaliação o velho karai Alexandre Acosta, da Aldeia de Jataity (RS) que declarou, entre outras coisas:

- Esta Terra que pisamos, é gente como nós, é nosso irmão. É por isso que o guarani respeita a terra, que é também um guarani. O guarani não polui a água, pois é o sangue de um karai. Esta terra tem vida, só que muita gente não sabe. É uma pessoa, tem alma. A mata, por exemplo, quando um guarani precisa cortar uma árvore pede licença, porque sabe que ela é uma pessoa. A terra é nosso parente, mas está acima de nós. Por isso ensinamos as crianças a respeitarem a terra, que até hoje se movimenta, só que não percebemos. Quando os parentes morrem, carne e corpo se misturam com a terra. Por isso, temos que respeitar esta terra e este mundo em que a gente vive.

A tragédia vivida em diferentes partes do planeta nessa última semana não é um acidente natural, mas produto de uma intervenção desastrada do homem, que esqueceu que a terra é gente como nós. As chuvas, que aterrorizam e paralisam as cidades, não causam tais estragos numa aldeia indígena. É que as cidades cresceram sem respeito ao “nosso parente”, se expandiram sem “pedir licença”, isto é, desordenadamente, agressivamente, sem planejamento de impacto ambiental e adoção de medidas para proteção de encostas, reflorestamento, uso do solo e destino do lixo urbano.

Jogar no mato

Na busca do lucro rápido e fácil, a especulação imobiliária desmatou indiscriminadamente, construiu em encostas, alterou os caminhos naturais da drenagem da água, tornando instáveis os terrenos e ferindo de morte a terra. Expulsos das áreas mais nobres, os deserdados abriram ainda mais a ferida, construindo perigosamente nos morros. Hoje, as cidades não ensinam às crianças sequer a tratar o lixo.

Quando chove, minha rua alaga. Da janela do meu apartamento, contemplo a estupidez humana. Vejo boiando garrafas pet, sacos de plástico, embalagens de alumínio, latas de refrigerantes, que entopem as grelhas dos bueiros das galerias pluviais, prejudicando a vazão da água. Na minha infância, a vovó Filó recomendava dar um destino ao lixo: “joga no mato”. Mas o lixo atirado no quintal era sobra de alimentos, casca de banana e de outras frutas, bagaço de laranja, que adubavam a terra.

Hoje, o lixo é formado por resíduos sólidos, embalagens descartáveis de plástico, lata, vidro, alumínio, mas continua predominando a mentalidade de “jogar no mato”. A foto da Folha de São Paulo é uma prova gritante do fracasso da educação ambiental na escola e no ambiente familiar. Crianças e adultos atiram o lixo em espaços coletivos, com a mentalidade patriarcal de que o espaço público é terra de ninguém e de que existem garis para limpar nossa sujeira. Quem a terra fere, com a terra será ferido?

Na visita feita ao sítio da pajé Zeneida Lima, em Soure, ela entrou no mato com o guarani Tupã Werá, conhecido no mundo não indígena como Alcindo Moreira. Os dois trocaram informações. Ali, onde qualquer pessoa, mesmo o paraense comum, só via árvores genéricas, eles viam cada espécie em particular. Alcindo dava o nome em guarani, algumas vezes também em português, descrevendo as propriedades medicinais ou alimentícias de cada planta.

- As árvores falam – disse ele – a gente é que desaprendeu e não sabe mais escutar o que elas dizem.

Gabriel Garcia Márquez conta que em dezembro de 1981 recebeu telefonema de um amigo sério e inteligente, perguntando-lhe qual era o tema da crônica da semana, que seria publicada no dia seguinte no jornal El Espectador, de Bogotá. Ele respondeu que estava escrevendo sobre o sofrimento das plantas e das flores, sustentando que elas têm alma. Alarmado, o amigo exclamou: - “Ay, carajo! Te estás volviendo maricón?”.

Meus amigos do Ceará me informam que o governador Cid Gomes – aquele que levou a sogra para Paris com dinheiro público – encaminhou à Assembléia Legislativa, em caráter de urgência, Projeto de Lei que dá poderes extraordinários ao governador para dispensar de licenciamento ambiental no Estado do Ceará uma série de atividades, dentre as quais o desmatamento, os aterros sanitários, habitação dita de interesse social, estradas de rodagem, projetos agropecuários e outras atividades e obras modificadoras do meio ambiente.

Enquanto o planeta for povoado por machos dessa estirpe, que formulam e implementam políticas públicas, não ouviremos a voz da terra e as tragédias se repetirão. Maria, fecha a porta que teu pai está morrendo.

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José Ribamar Bessa Freire é professor universitário (Uerj), reside no Rio há mais de 20 anos, assina coluna no Diário do Amazonas, de Manaus, sua terra natal, e mantém o blog Taqui Pra Ti

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Ilustração: AIPC – Atrocious International Piracy of Cartoons

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PressAA

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4 comentários:

Bruno disse...

Olá José Ribamar, me chamo Bruno Rocha, sou de Nova Friburgo cidade que mais sofreu com deslizamentos e concordo com o belo texto escrito. Em 2007 houve uma enchente com proporções menores e foi falado nacionalmente obras de contenção em pontos da cidade propicios acontecer deslizamentos. Nada foi feito! Esta semana vai ser liberado 1BI para obras no Maracanã e somente 800 Milões para as regiões afetadas. Será o Maracanã mais importante do que as vitimas das enchentes?
"Quem a terra fere, com a terra será ferido"

infinitoamanajé disse...

Caros amigos, esta calamidade é horrivelmente lamentável. Ainda nem começamos a chorar o que nos aguarda... Está na hora de acordarmos. Estamos diante do crime perfeito... Estamos cegados pela MIDIOCRACIA e não vemos estas tragédias muito bem planejadas que velozmente se intensificam assolando não só a nós, mas o planeta. Infelizmente a midiocracia brasileira está a serviço dos dominadores que querem, especialmente entre outros, o Brasil desarticulado e de joelhos cumprindo exemplarmente suas determinações inconfessas.

O cenário é de uma guerra "não declarada" e em curso acelerado... O Brasil está sob ataque de uma arma não convencional e "invisível", a qual, você abalado emocionalmente, em choque e desarticulado, não está podendo ver.

Acaso? Nada disso é por acaso. Evolução? O descaso da politicanalha é um plano ("diabolicamente sofisticado") urdido há muito tempo e sempre aperfeiçoado ao longo dos anos de dominação da CASA GRANDE em permanente religioso escravagismo. Só no Brasil são 510 anos de escravidão nestas pseudo democracias.

Em tempo de HAARPs, ELFS, ULFs, CHEMTRAILS, MONSANTOs e outros diabólicos artefatos, um discurso que não emociona "aos despreocupados presidentes", mas aos povos covardemente MIDIOTIZADOS aos quais a velhíssima "nova ordem mundial" escravagista e sua midiocracia odeiam e não querem ver se libertar, e, agora querem reduzir sem que você se dê conta do tamanho da arapuca MUNDIAL muito bem armada e que já se fecha "invisível" sobre nós.
"CHEGOU O TEMPO EM QUE O SILÊNCIO É TRAIÇÃO" M.L.KING
Ao invés de bombas usam água... Este cenário é o mesmo dos bombardeios convencionais. A MÍDIA NOS IMPEDE CONSTATAR ESTA VERDADE, veja as fotos, reflita...
http://infinitoaldoluiz.blogspot.com/2011/01/haarp-o-crime-perfeito.html
Sinto muito, sou grato.

Adriana Amorim disse...

Todo mundo fala de meio ambiente relacionando apenas desmatamento, ocupação perigosa e lixo. Além de tudo isso, há uma questão muito séria e que merece atenção: a indústria da carne. Diversas pesquisas indicam que a maior emissão de gás metano à atmosfera advem da concentração de animais de abate (sejam vivos ou recém-abatidos), afora outros problemas ocasionados pela exploração animal de toda e qualquer espécie. As fortes chuvas que vemos todos os anos (e cada vez mais intensas e destrutivas) são consequência direta das mudanças climáticas, do aquecimento global. Além daqueles que jogam lixo nas ruas, que desmatam encostas, que vivem em áreas de risco, há bilhões de pessoas que se alimentam de animais e seus derivados, demanda cada vez mais crescente, o que estimula ainda mais esta indústria do horror. Mas isso ninguém fala. Envolve interesses pessoais. Ninguém quer sair da "zona de conforto" para aderir a uma dieta vegetariana, a única capaz de trazer saúde e bem-estar pessoal e ao planeta.

infinitoamanajé disse...

Cara Adriana Amorim, convido-a fazer uma reflexão sobre esta questão. Veja estas informações que você desconhece ainda. Veja detalhes em http://infinitoaldoluiz.blogspot.com/2010/01/harrp-o-raio-da-morte-arma-de-guerra.html

Longa vida com saúde e paz pra você e todos nós.