sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Acordo Brasil-Israel na área de turismo exclui brasileiros-palestinos

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Enviei ao meu amigo Kais Ismail, brasileiro-palestino, residente no Rio Grande do Sul, artigo que recebi por e-mail da Rede Castorphoto, o qual trata, entre outras coisas, da adesão de Madonna ao sionismo, de sua visita ao Brasil e da visita de Shimon Peres, atual presidente de Israel, ao nosso país.

[Leia postagem do artigo no blog agência assaz atroz (pressaa) – redação: "Madonna e a investida sionista no Brasil", Por Raymundo Araujo Filho

http://pressaa.blogspot.com/2009/11/dont-cry-for-me-palestina-madonna-e.html ]

Kais Ismail, que tem colaborado com esta nossa agência, nos enviou o artigo abaixo (“Um Clique Pelos Direitos Humanos”), muito a propósito dos acordos que o Brasil e Israel estão fechando para cooperação mútua nas áreas jurídica, cinematográfica e de turismo.

[Leia postagem no blog Agência Assaz Atroz (PressAA) "Turismo em Israel é verdadeira tortura para brasileiros" http://santanadoipanema.blogspot.com/2009/11/turismo-em-israel-e-verdadeira-tortura.html )

Kais nos respondeu fazendo uma observação estarrecedora:

Fernando,

Eu justamente lhe enviei este assunto pra saber o que pensas sobre o caso. Não duvido nada sobre o que falam da Madonna e também sempre achei que ela estava e está atuando como uma espécie de embaixatriz sionista. São sempre escolhidos os artistas que têm o poder de convencimento dos jovens para este tipo de coisa. Não tenha dúvida de que, por conta da Madonna, aqui no Brasil milhares de jovens irão entrar nessa onda da kabalah (judaísmo-sionismo).

Eu mesmo vi e ouvi na Globo News o Shimom Perez falando no interesse do Pré-Sal e outras coisas, e por isso estavam vindo, e junto com ele, o maior fabricante de armas de Israel (responsável direto pela morte de milhares de palestinos).

É duro, mas esta recepção e negociação que o governo brasileiro está tendo com um governo racista e criminoso que é o do Israel me deixa triste, deprimido e desesperançoso.

Li também que Brasil e Israel estão firmando acordos na área cinematográfica e no turismo. Mas como, se os brasileiros-palestinos são impedidos de entrar em Israel?!
[grifo nosso] O Brasil também se tornará racista, segregacionista, ao permitir que uns brasileiros possam fazer turismo em Israel, e outros, não?

Foi por isso que lhe enviei o link, pra lhe ouvir a respeito.

Um forte abraço

Kais Ismail


Agora leia o artigo do Kais. Mas advirto: conheço poucas (raras mesmo!) pessoas que não se emocionariam com a leitura desse texto. Portanto prepare o coração.

Fernando Soares Campos
Editor-Assaz-Atroz-Chefe

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Um Clique Pelos Direitos Humanos

Kais Ismail

Nós, Kais Ismail Musa e Anna Patrícia Torres Musa, brasileiros de nascimento, documentação e paixão, que junto a centenas de milhares de palestinos estamos impedidos de usufruirmos direitos considerados básicos pela cartilha universal dos direitos humanos. Por quê? Alguém pode nos responder?

Esta injustiça gera uma emoção no ser humano que fere a alma. Esta mesma emoção já foi sentida por outros seres humanos que também em outros tempos não eram considerados seres humanos (se você for negro, judeu ou homossexual com mais de 50 anos conhece parte da dor que estamos sentindo). Para você ter uma idéia do que está acontecendo, vou lhe fazer um breve relato de nossa história.

Em 1999, depois de 17 anos sem ver a minha família, vim à Palestina visitá-los. A Palestina está sob domínio israelense e dentro de Israel, portanto para vir à Palestina você é obrigado a passar por Israel.

No aeroporto em Tel Aviv entre 300 e poucos passageiros, eu fui o único a ser retido para um interrogatório que durou mais de 3 horas. As mesmas perguntas foram feitas por vários policiais que se revezavam. O motivo? Minha família vive em Ramallah, na Palestina. Quando fui liberado já tinha a minha bexiga quase estourando e com o carrinho de bagagens me dirigi ao toalete mais próximo, mas antes que eu tivesse acesso ao bendito mictório fui barrado por um policial a paisana que se identificou como sendo do Departamento de Entorpecentes que me perguntou se haviam revistado minha bagagem. Respondi-lhe com a verdade:

- Apenas passei pelo raio X.

- Me acompanha! (foi a ordem dele)

É claro que neste momento solicitei à minha bexiga um pouco mais de resistência, pois certamente ele concluiria que eu iria dispensar a droga que desejava encontrar se eu entrasse no toalete. Não que eu me incomodasse que ele entrasse comigo. O que eu não queria era deixar minhas bagagens sozinhas, pois se eles não confiavam em mim, por que eu haveria de confiar neles?

O medo que senti quando entramos em uma ala em construção que mais lembrava o porão de uma delegacia do que um aeroporto internacional fez-me esquecer a pesada bexiga.

Entramos em uma pequena sala sem janela com uma mesa, duas cadeiras e um armário de alumínio, quando ele trancou a porta com a chave que guardou no bolso. Foi a vez dos intestinos pesarem.

Depois de uma hora e vinte minutos de mais interrogatórios e revista minuciosa na minha bagagem entregou-me uma folha escrita em árabe e hebraico para que eu assinasse.

- Meu Deus, isso para mim é grego! – pensei.

Meu inglês era precário para entender a explicação do policial. A tinta da caneta que me entregou jorrou como urina desenhando minha assinatura naquele papel cheio de letrinhas que mais pareciam formiguinhas e minhoquinhas. Quando saia da sala me esbarrei na porta com um peruano acompanhado de outro policial. Era a vez dele.

Não pude conter algumas lágrimas quando vi meu pai de cabeça baixa e a minha irmã sorrindo e cochichando ao seu ouvido do outro lado do vidro. Apesar do enorme sorriso que ele esboçou, permaneceu de cabeça baixa, pois para ele olhar para os lados, para cima ou para baixo, para frente ou para trás é tudo igual. É escuro, pois meu pai é deficiente visual. Dei-lhe um forte abraço e ele foi logo falando com seu português de sotaque carregado:

- Desta vez te castigaram, hein? (fazia 6 horas que ele estava ali em pé me esperando)

No segundo mês de visita, procurei o Ministério da Cultura da Palestina, quando iniciamos a negociação para a realização de co-produção de um documentário sobre cineastas palestinos que conseguiam fazer o que era praticamente impossível: produzir filmes durante a guerra. Neste período cheguei a contatar por telefone com a Secretaria Estadual de Cultura do Rio Grande do Sul, sondando uma possível parceria, assim como também contatei com alguns profissionais da área em São Paulo. Isso significava que iria ficar mais tempo do que o previsto. Portanto solicitei ao governo israelense mais três meses de visto, que só poderia ser encaminhado em Ramallah através das autoridades palestinas que, por sua vez, solicitariam às autoridades israelenses. Então eu deveria respeitar os trâmites considerados "legais" se quisesse permanecer um pouco mais. Faz parte de esse trâmite você entregar seu passaporte por um período de doze dias em troca de um pequeno recibo todo escrito em árabe e foi o que fiz muito a contra gosto. É importante lembrar que este visto só é exigido por Israel, que cobra uma taxa de U$ 30,00. Com ele poderia circular livremente nos dois lados e foi o que eu fiz com o tal recibo. Já tinha feito amizade em Tel Aviv e em Jerusalém. Quando faltavam 3 dias para eu receber de volta meu passaporte, fui algemado e acorrentado pelos tornozelos como se fosse um psicopata em plena via pública, em frente ao mais importante Shopping Center de Tel Aviv (o Ópera Tower), pela polícia israelense. Todos que passavam por ali paravam para me olhar, inclusive os que estavam de carro. Os policiais fizeram-me desfilar por mais de cem metros até chegar a viatura. No percurso levei três quedas. O que senti na hora não consigo descrever e nem esquecer. E por que? Porque é dessa forma que são conduzidos à delegacia os palestinos para averiguação. Você deve estar se perguntando:

Sendo brasileiro e com o visto em dia por que lhe trataram assim?

E eu lhe respondo detalhando um pouco mais parte desta história.



Era início da tarde, verão, e havia combinado de pegar uma praia com um amigo depois de seu expediente. Ele trabalhava com construção civil e estava reformando um bar à beira mar, próximo ao Ópera Tower, o shopping que já citei. Quando cheguei no bar, na hora marcada, faltava só terminar de pintar o balcão, então dei uma força para acabar logo o serviço. A latinha de tinta que eu segurava caiu de minha mão como se tivesse sido empurrado pela energia que acompanhava os cinco policiais que surgiram do nada. Assim que eu lhes disse que estava sem o passaporte fui algemado antes que pudesse concluir o que estava falando. Quando consegui concluir , ao invés de retirarem as algemas, acrescentaram mais duas, desta vez nos tornozelos, interligadas por uma corrente. Reclamei que estava apertada e machucava. O policial que era religioso (aqui em Israel é notório quem é e quem não é religioso) se abaixou e apertou mais ainda. Meu amigo argumentou que não poderiam fazer isso com um turista brasileiro e lhe responderam com a maior tranqüilidade: o que ele tem é um documento palestino.

Um senhor de idade avançada, acompanhado de um policial, se aproximou da viatura que eu acabara de entrar, analisou bem as minhas feições e com a cabeça fez um gesto negativo. Perguntei ao policial mais próximo o que estava acontecendo.

- Nada de mais. Roubaram o botijão de gás do velho que mora aqui perto. - respondeu-me o policial.

Assim que chegamos na delegacia, retiraram as algemas (mesmo assim, as senti durante 4 dias e 4 noites). Deram-me um chá de banco e disseram-me que eu tinha 17 dias para deixar o país. Era o tempo de receber meu passaporte, mas que durante esses 17 dias não poderia sair de Ramallah e que no período de 7 anos, eu estava proibido de retornar para Israel acontecesse o que acontecesse. Fizeram-me também assinar um documento em hebraico no qual a única coisa que entendi era a data: 07/07/99.

Retornei a Ramallah totalmente deprimido, humilhado, revoltado e com marcas roxas nas canelas e pulsos. Pensei em ir ao IML local para registrar as lesões corporais e com isto abrir um processo contra o governo israelense, porém minha família fez-me entender que enquanto os EUA derem cobertura a Israel, não existirá justiça para nenhum palestino ou descendente.

No dia 10/07/99 recebi meu passaporte de volta com mais 2 meses de visto. Ainda estava muito deprimido e já não tinha interesse de ficar todo esse tempo, mas estava com medo de ir, pois não saberia quando poderia voltar. Pelas informações das autoridades israelenses, só no ano de 2006. Meu pai sugeriu-me que solicitasse a cidadania palestina que poderia levar anos para sair, mas com ela não seria impedido de retornar quando quisesse, além de ser um direito que eu tinha. Dei entrada nos papéis e voltei para o Brasil.

Arrendei uma barraca de praia em São Luís do Maranhão em um ponto muito bonito, porém abandonado pelas autoridades locais. Promovi mutirões de limpeza na praia e reflorestamento na orla marítima, ao longo da qual plantamos 200 árvores, nas proximidades da barraca, sempre registrado pela imprensa local. Também participei do 24º Festival Guarnicê de cinema e vídeo como juri técnico, pois já havia exercido a profissão de cineasta, roteirista e produtor (posso dizer com orgulho que um trabalho meu já recebeu kikito do Festival Internacional de Cinema de Gramado, além de outros prêmios em outros festivais).

Ainda neste ano de 2000, mais precisamente no início de junho, Patrícia e eu estávamos escolhendo a data do nosso casamento e todos os fatores nos levaram a decidir pelo dia 07/07/2000, exatamente 1 ano depois daquele dia inesquecível.

Patrícia é a mulher mais doce que eu conheci. Por isso, desta vez, não hesitei em me casar no papel, coisa que não tinha feito nas duas vezes anteriores, das quais fui presenteado com quatro maravilhosos filhos. Ela nasceu em Codó-MA. E também tem um filho maravilhoso. Agora nós temos 05 filhos.

Meus pais queriam conhecer a mulher que recebera o nome da família, por isso nos propuseram a passar um tempo com eles sem que nos preocupassemos com a questão financeira. Apesar de nunca ter saído do Brasil, Patrícia não hesitou em nenhum momento em aceitar o convite, mesmo com toda a pressão familiar e do convívio social.

- Você está louca Pati? Ir para a Palestina?! (era o que todos diziam).

No dia 16/08/00, Patrícia e eu passávamos por uma sessão de interrogatórios no aeroporto internacional de Madrid na Espanha. Eu já sabia que isto iria acontecer, pois estávamos indo para Israel pela companhia aérea israelense El Al. Só não esperava que fizessem-nos descer até o compartimento subterrâneo do aeroporto, onde eram guardadas as bagagens. Tivemos que desfazer as malas ali mesmo. No fundo de uma delas eu transportava 12 preciosas barras de rapadura com coco, compradas no interior do Maranhão. O policial que nos acompanhava deu um sorriso de satisfação ao pegar uma barra. Ele estava certo de que era droga, mas quebrou a cara. Seis horas depois estávamos no aeroporto Ben Gurion em Tel Aviv - Israel. Quando apresentei nossos passaportes no balcão de imigração mandaram-nos aguardar ao lado, enquanto todos os outros passageiros seguiam tranqüilamente. Meu passaporte andou de mãos em mãos até que nos conduziram a outro ambiente. Deixaram Patrícia em uma sala e eu em outra. Reclamei que queríamos ficar juntos e logo nos uniram novamente. Durante 3 horas em que aguardamos aflitos sentados em um sofá, pelo menos uma dúzia de policiais entravam e saiam da sala logo após analisarem os passaportes e a nós. Exigi a presença de alguém que falasse espanhol, pois o nosso inglês na época era precário para entender o que se passava. O policial intérprete informou-me que eu não poderia entrar no país, pois meu nome constava no computador e eles queriam saber por que meu nome estava lá. Respondi-lhe surpreso:

- Se vocês não sabem, como é que eu vou saber?-

Exigiam que eu lhes dissesse por que meu nome estava lá. Contei-lhes então a história do bar e chegamos à conclusão de que só poderia ser por isso. Como não tinham argumentos convincentes, tiveram que nos deixar entrar, só que com apenas 1 mês de visto e com um lembrete que meu nome estaria para sempre no computador, ou seja, depois desta visita nunca mais poderia retornar.

Trinta dias era pouco tempo para solucionar esse problema. Assim, no dia seguinte Patrícia e eu nos dirigimos ao consulado brasileiro em Tel Aviv para solicitar ajuda. Eu queria, no mínimo, saber porque meu nome estava no computador. Do que estavam me acusando? Perplexos ouvimos no guichê do consulado brasileiro que eu deveria procurar as autoridades palestinas, pois meu pai é palestino e tem residência fixa.

- Que importa se meu pai é palestino, minha mãe alemã, minha vó russa ou meu tio japonês? Eu sou brasileiro, tenho passaporte brasileiro e todos demais documentos que todos os brasileiros possuem e exijo ser tratado como brasileiro, assim falei desesperado.

A mulher que estava atrás do guichê, impacientemente disse-nos:

- O consulado não tem poderes para interferir em assuntos internos.

Não teve jeito. Tive que recorrer às autoridades palestinas.

Fomos recebidos por um diplomata que havia exercido o cargo de embaixador na Venezuela, portanto ele sabia falar espanhol, o que nos ajudou muito. Ficou surpreso pela ajuda solicitada e informou-nos que não poderiam fazer nada, pois eu era brasileiro e não estava na alçada deles e que isto era dever do consulado brasileiro. Era uma corrida contra o tempo e só me restavam 18 dias. Apelei, então, para a imprensa e, através de uma amiga de infância vivida em Bom Jesus no Rio Grande Do Sul, fui contatado por telefone pela BBC de Londres. Foram vários telefonemas até eu saber que a jornalista contratada em Israel era judia. Deixei claro para a pessoa em Londres que esse fator me deixava inseguro e esta insegurança irritou a pessoa que estava em Londres que, provavelmente estava muito confortavelmente em uma sala com ar condicionado dentro de uma respeitosa empresa.

- Antes de ser judia, ela é jornalista - falou-me em um tom áspero.

Neste mesmo dia a tal jornalista telefonou falando comigo em português, e disse as mesmas coisas que o consulado havia dito e, da mesma forma, me mostrei relutante em aceitar estes fatos como todo mundo aceita, mas aqui é assim. Israel é diferente do resto do mundo, disse-me ela. Pediu-me que lhe passasse por fax a cópia de meu passaporte, pois iria contatar com as autoridades israelenses a meu favor. Eu já estava muito confuso com tudo isso e dentro de alguns dias passaria a ser ilegal. Não teria mais direito a reivindicar nada e, por prudência, resolvi não passar o fax para a tal jornalista. O resultado foi que a pessoa responsável em Londres me telefonou furiosa dizendo que eu era irresponsável, pois toda uma equipe estava trabalhando e isso custava dinheiro e eu sequer me dei ao trabalho de passar um fax. De português, que estava falando, passou a usar expressões inglesas que eu desconhecia, mas entendia que estava relacionada a negócios. Fiquei mudo ao telefone. Não esperava que um profissional de uma empresa do porte da BBC tivesse esse comportamento numa questão tão delicada, e o máximo que consegui dizer foi:

- Desculpe-me, mas eu não consegui confiar nela.

No dia seguinte mandei a cópia do meu passaporte via e-mail para Londres, mas eu já não esperava mais nada.

Resolvi então tentar a sorte e solicitei às autoridades israelenses através das autoridades palestinas mais prazo de visto, como da outra vez e novamente recebi o tal recibo em troca do passaporte. Não havia outra forma.

No dia 14/09/00, recebi do governo israelense mais dois meses de visto.

No dia 17/09/00, recebi um comunicado das autoridades palestinas informando-me que o governo israelense havia aprovado meu pedido de cidadania palestina. Fiquei surpreso com a rapidez que esse documento foi emitido, pois há pessoas que já o esperam há mais de 10 anos e eu havia solicitado fazia 2 anos. Eu deveria entregar o meu passaporte brasileiro para as autoridades israelenses, porque dias depois receberia de volta o passaporte junto com a identidade palestina. Este era o trâmite, e trâmite é trâmite. Antes que eu tivesse recebido os meus documentos de volta, Sharon, atual primeiro ministro de Israel, resolve provocar os palestinos indo visitar a mesquita de Omar em Jerusalém. Era muito azar para gente. Mal havíamos chegado e se iniciava o conflito. Todos os departamentos públicos palestinos foram fechados. Fiquei sem meu passaporte ou qualquer outro documento válido, num território que estava em guerra. Fiquei nesta situação durante 3 meses. No dia 20/12/00, Israel liberou meus documentos, que só chegaram em minhas mãos em 24/12/00. Como as nossa passagens de volta ao brasil estavam marcadas para o dia 06/11/00, a esta altura já estavam vencidas e o aniversário de meu pai é no dia 01/01, resolvemos ficar mais alguns dias apesar da guerra. Nas vésperas do aniversário e virada do ano nos preparamos para a viagem, porém no dia seguinte, 02/01/01, a minha cunhada de 19 anos esposa de meu irmão caçula morria de derrame cerebral em Ramallah. O que mais faltava acontecer?

Em apenas 3 meses de conflito a economia palestina se encontrava num caos total, afetando todos os palestinos, inclusive aos meus pais.

Passado um mês de luto, decidimos retornar ao Brasil. Contatei com as Aerolineas Argentinas, empresa pela qual compramos as passagens de ida e volta e mandei-lhes um fax explicando porque não havíamos viajado na data marcada e que, sendo assim, solicitávamos uma nova data. A resposta que obtivemos ao telefone foi que só poderíamos usufruí-las mediante ao pagamento de uma taxa de U$ 860,00. Aquilo era um absurdo, pois se não viajamos na data marcada foi por forças maiores, e estávamos sem este montante, pois havíamos investido nossas economias em um documentário que produzimos em Ramallah. Meu pai também não estava financeiramente em condições de nos ajudar. Então, mesmo correndo o risco de ser preso, vim a Tel Aviv em busca de trabalho e consegui com o meu amigo do episódio do bar. Agora eu era assistente de pedreiro. Não tinha experiência, mas para carregar cimento, tijolo, areia e respirar poeira o dia inteiro não é preciso ter experiência. Basta estar necessitado e ter forças. Eu dormia na sala do apartamento de um casal de amigos meus, ele, uruguaio, ela, siberiana, ambos judeus. Dormia mal, pois o cachorro deles me incomodava a noite toda. Enquanto isso, a Patrícia ficava em Ramallah se consumindo de nervosismo à espera de notícias minhas. Me implorava para que a trouxesse para Tel Aviv junto comigo, mesmo sabendo que ela também poderia ser presa. Resolvemos arriscar os dois juntos em Tel Aviv. Casualmente a vizinha deles, que morava sozinha, tinha um quarto para alugar. Só teríamos que pagar um mês adiantado e um mês de garantia, o equivalente a U$400,00, exatamente o que tínhamos. Estava bom, pois Patrícia e eu, trabalhando os dois juntos, precisávamos apenas de um mês de trabalho para juntar o dinheiro suficiente para pagar a tal taxa exigida. Mas havia um detalhe no aluguel desse quarto: a proprietária, judia israelense, já havia sofrido um atentado à bomba, por isso tem motivos e os usa para odiar os árabes. Mas não tínhamos outra escolha, precisávamos de um canto urgentemente e tudo que havíamos visto exigia contrato anual com três meses de garantia. Além disso eu não poderia mostrar, como ainda não posso mostrar aqui em Israel, meu passaporte brasileiro, pois, quando me devolveram da última vez, fixaram um carimbo nele dizendo que eu tenho identidade palestina. Portanto estou ilegal em Israel e não posso assinar contrato nenhum. Mesmo correndo o risco de sermos descobertos, alugamos o quarto e, para todas as hipóteses éramos apenas um casal de brasileiros tentando a vida em Israel. Com o passar dos dias fomos nos conhecendo e tornamo-nos amigos. Abrimos o jogo quando ela já gostava de nós e nós dela. Quando ela tomou conhecimento de toda a nossa situação reagiu como uma mãe protetora. Temos um grande carinho por ela. Ficamos muito impressionados quando vimos as fotos dela nos jornais com o rosto coberto de sangue cortado pelos estilhaços de vidros arremessados contra seu corpo pela força da explosão de uma bomba detonada dentro de um ônibus no exato instante que passava próximo a ela. Quando paramos para pensar em tudo isso temos vontade de sairmos gritando como loucos.

Sei que essa história está parecendo novela mexicana, mas não é. São fatos reais que estamos vivenciando e podemos prová-los se necessário for.

Enquanto isso, o conflito entre Israel e Palestina se agravava. Meu irmão me aconselhara a ir embora o mais rápido possível, pois com a vitória de Sharon nas eleições, era provável que haveria guerra pesada dentro de pouco tempo. Me alertou também para a questão da minha saída. Tinha conhecimentos de que eu só poderia sair do país como palestino e não mais como brasileiro como eu havia chegado, pois para isso necessitava de uma licença especial emitida pelo governo israelense. Achei um absurdo o que ele me falou, mas por via das dúvidas fui até o consulado brasileiro para esclarecer isso. Mostrei meu passaporte brasileiro a um senhor simpático e atencioso que se encontrava atrás do vidro do guichê do consulado brasileiro. Ele disse que era a primeira vez que via tal carimbo e que no carimbo estava escrito, em hebraico, que eu tenho residência fixa em Israel e que isso ia ao meu favor e de forma alguma eu estava impedido de sair como brasileiro uma vez que eu entrei como brasileiro. Que eu ficasse tranqüilo com relação a isso.

Patrícia e eu saímos animados do consulado. Finalmente uma notícia boa. Agora só tínhamos que continuar a trabalhar feito escravos por mais 30 dias (pois é assim que todos imigrantes ilegais trabalham). As notícias diárias na TV e os boatos que a guerra engrossaria nos deixavam sufocados, sem falar no medo constante de sermos presos. Resolvemos antecipar a viagem. Não tínhamos mais tempo para juntarmos dinheiro para retornarmos ao Brasil. Com as nossas economias dava apenas para chegarmos até a Grécia e foi o que decidimos fazer: ir para Grécia. Nos preparamos para chegarmos na Europa com pouco dinheiro, compramos barracas de camping, sacos de dormir, mochilas, etc. Enfim, nos preparamos para passar uma boa temporada sem casa. Vendemos por quase de graça tudo que tínhamos, aparelho de som, celular, filmadora, ferro de passar, etc.

Sentia-me mal em deixar meus pais nesta situação, mas eles já estão aqui há mais de 20 anos, e isso tudo já não os assustam mais, como a nós também. A nossa preocupação é o fato de ficar sem produzir, pois temos cinco filhos no Brasil.

Compramos as passagens de navio para Grécia. Eram de última classe. Fora a passagem, não conseguimos juntar muito, pois o custo de vida em Israel é alto.

Em 08/04/01, dia em que fomos até ao porto de Haifa apanhar o navio para a Grécia, estávamos ansiosos para entrar nele. Apesar da partida ser às 20:00 horas, chegamos aos portões às 13:00 hs. Fomos os primeiros a chegar. Os portões só abriam às 18:00. Ficamos a tarde toda sentados na calçada em frente aos portões debaixo de um sol de rachar. As 17:30 já havia um certo agrupamento de turistas também à espera. Foi a hora em que os agentes de segurança do porto começaram a atuar. Ainda do lado de fora, fomos os primeiros a ser checados. Ali mesmo começaram com os interrogatórios. Eu sentia que ia ter um infarto a qualquer momento. Às 19:30, depois de passarmos por alguns guichês e mais perguntas, descíamos uma escadaria que nos conduziria à plataforma do navio. No meio dela nos abraçamos e nos beijamos, pois finalmente estávamos saindo deste inferno, só que…

Só que, no final da escadaria à direita, havia um último guichê que dá o carimbo de saída dos passaportes. A oficial que nos atendeu toda sorridente, engoliu em seco e mudou totalmente sua expressão quando os seus olhos percorreram meu passaporte. E, novamente, mandaram-nos aguardar ao lado, enquanto os demais passageiros embarcavam tranqüilamente. Relatar os detalhes deste momento é muito desgastante, por isso, vou direto ao final deste dia. Eram 22:30, e estávamos em frente do balcão da delegacia do porto ouvindo as instruções de um policial. Deveríamos retornar à Ramallah e de lá só sair com uma licença especial que, no momento, não estava sendo emitida e se fossemos pegos novamente em Israel sem esta licença nossas vidas de fato iriam complicar.

Era quase meia-noite quando pegamos um taxi especial que nos levou até Tel Aviv. A primeira coisa que fiz foi telefonar para meu irmão em Ramallah. Pelo telefone ele me disse:

- Kais, não seja louco em vir para cá agora. Neste exato instante toda a palestina está sendo bombardeada.

Retornamos ao apartamento de nossa amiga e voltamos a ocupar o quarto vazio. Nos dias seguintes passamos jogados na cama na mais profunda depressão. Eu só comecei a reagir quando um outro irmão meu que mora em São Paulo contatou a Policia Federal Brasileira ao tomar conhecimento do que ocorria com a gente. A informação que ele obteve no Brasil é que o consulado deveria nos retirar daqui de qualquer forma. Expliquei-lhe que no dia seguinte da viagem que não aconteceu, procuramos o consulado brasileiro para outra decepção e revolta, pois aquela informação que o simpático senhor nos dera era errônea. Eu realmente só poderia sair como palestino e está proibida a saída de palestinos por Tel Aviv ou Haifa, mas eu ainda poderia ter saído pela fronteira da Jordânia coisa que eu não fiz, por ter confiado em um funcionário do governo brasileiro. Agora eu tinha que correr atrás do meu passaporte palestino para poder sair daqui. Dei entrada em Ramallah nos papéis para obter o passaporte palestino. O jeito agora era aguardar ou uma confirmação do Brasil ou pelo passaporte palestino.

Os dias se passavam e nada mudava, até que na semana passada telefonei novamente para meu irmão em São Paulo. Senti que ele já não estava mais tão otimista como das últimas vezes, porém reafirmou o que a Policia Federal lhe havia dito: o consulado tem obrigação de lhe tirar daí. Estava também tentando contato com o Itamaraty, apesar da burocracia. Disse-me que eu retornasse ao consulado e exigisse ajuda, caso contrário que me dessem por escrito uma declaração da não assistência.

Com todo esse stress, a Patrícia passou a ter problemas estomacais e não se alimentar mais, chegando ao ponto de ter que dar uma pausa no trabalho. É importante que um dos dois esteja inteiro, por isso ontem, 05/06, enquanto eu trabalhava, ela seguia as instruções do meu irmão. Retornou novamente ao consulado e falou com a Luciana, uma simpática jovem que ocupa o cargo de vice-cônsul. Ela disse que não poderia fazer nada, que já conhecia nossa história e que, assim como nós, existem outras milhares de pessoas na mesma situação e o melhor que poderíamos fazer seria voltar para Ramallah. Em relação à declaração por escrito, disse que não tinha autorização para emitir nenhum tipo de documento e que agora, devido à bomba que explodiu em frente a Boite Delfinário em Tel Aviv no dia 01/06/01, não poderíamos mais sair nem pela Jordânia. Estamos condenados a ficar sabe-se lá quanto tempo em uma cidade que está no caos total, com bombardeios e tiroteios freqüentes. Essa sentença é muito injusta para quem apenas solicitou uma cidadania que lhe era de direito, por isso decidimos não voltar a Ramallah nessas condições, mesmo com a insistência de Luciana de termos que aguardar em Ramallah. Apesar de não estarmos legais aqui, qualquer pessoa ou entidade que nos obrigue a voltar para lá, também não está sendo legal. É desumano forçar uma pessoa a permanecer entre fogo cruzado contra a vontade própria. Estamos muito cansados disso tudo, afinal de contas, qual foi o crime que cometemos? Não estávamos pedindo favor a ninguém. Já havíamos perdido quatro passagens e o mais irônico é que Israel não nos quer aqui e não nos deixa ir embora. Voltem para Ramallah, é mais seguro, é o que todos nos dizem. Outra ironia, pois é como se em plena Segunda Guerra Mundial dissessem a um judeu: retorne ao campo de concentração, é mais seguro.

A situação é essa. Decidimos dar uma pausa no trabalho e nos dedicar a este protesto que se inicia com este relato. Portanto, se você é uma pessoa que valoriza os direitos humanos, por favor, envie esta mensagem para o maior número de pessoas possíveis. Sabemos que nossa atitude é kamikaze, porém o desabafo está sendo necessário.


Kais E Paty.

BREVE HISTÓICO PROFISSIONAL

KAIS ISMAIL MUSA


Deu início em 1985 na RBS Vídeo, como produtor de campo, um ano depois como diretor de produção.

Em 1987 passou a trabalhar como diretor de produção free lancer em diversas produtoras, entre elas, Produtora Sabiá, Sete Produções, Imago Produções e Agência Nova Forma Propaganda e RBS Vídeo.

Em 1990, criou argumento, roteirizou, co-dirigiu o curta-metragem “O Macaco e o Candidato”.

Em 1991, foi um dos fundadores da produtora Seqüência, Cinema e TV Ltda.

Criou o projeto “Curta ao Meio-dia” em 1991.

Em 1992, trabalhou na TV Verdes Mares, em Fortaleza-CE, como roteirista, diretor de produção e diretor de imagem.

Em 1994, atuou no mercado publicitário em São Luiz do Maranhão, como roteirista e diretor de imagem.

Em 2000, produziu o documentário “Ramallah novembro de 2000”, na Palestina.

Em 2002, de volta a Porto Alegre, reingressou no mercado publicitário através da Zeppelin Filmes, como assistente de set, e produtor de locação.

Em 2003, escreveu, produziu e dirigiu para o Projeto Memória Instantânea do III Fórum Mundial Social o documentário “Zé do Bêlo no acampamento da Juventude”.

Em 2005, novamente para o Projeto Memória Instantânea, foi chamado a fazer novo documentário, chamado “Os Neros de Roma”.

Atualmente, continua prestando serviços para a www.zeppelin.com.br como produtor de locação. Entre os comerciais produzidos estão: Bavária, Coca-Cola, Ministério da Justiça (novo passaporte brasileiro e Disque-Denúncia combate ao tráfico de armas), Calçados Democrata, Tênis Olympikus e vários outros de veiculação nacional.

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PressAA

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3 comentários:

Kais disse...

Só preciso atualizar uma informação.
Atualmente presto serviço para várias produtoras como produtor de locação Freelancer.

Os meus trabalhos mais recentes com veiculação nacional, são: iogurte ACTIVA e calçado Grendene, que ainda não foi ao ar.

Kais disse...

Outra atualização importante, Patrícia e eu nos divorciamos amigavelmente em 2003, hoje estou casado com Vânia, que é filha de japoneses, e temos dois lindos japinhas de cabelos castanhos.

Anônimo disse...

meu velho,que drama horribel,no 82 eramos felices e não sabiamos, espero refacer contato contigo um abrazo. andres.