Locarno continua sendo o Festival da descoberta, do cinema independente e não comprometido. Esta nova safra de filmes mostra alguns temas dominantes. Muitos filmes tratam da velhice, um achado para os atores aposentados e marginalizados pela idade, vivendo um tipo de exclusão que se acentua em tempo de crise.
Essa exclusão de uma população inativa pode sugerir a idéia perigosa da sociedade se desfazer dos velhos, sugerindo-lhes a idéia de se suicidarem, a chamada morte ou suicídio assistido. Melhor coisa não poderia se inventar para se equilibrar os orçamentos das caixas de pensão estatais ou das seguradoras privadas, condenadas a pagarem rendimentos a idosos com esperança de vida cada vez mais longa.
Um filme francês Algumas Horas de Primavera, de Stéphane Brizé, mostra, como ocorre, na intimidade, o suicídio dos que decidem colocar um ponto final na existência, seja pelo risco da fase final dolorosa de uma doença grave como o câncer, seja pelo receio de se tornarem velhos decrépitos, senis e dementes. Ou em consequência de uma depressão causada pela solidão.
Basta o candidato ao suicídio subir os Alpes e ir à Suíça, onde o decrépito segredo bancário começa a ceder lugar à eutanásia oferecida pelas associações Exit e Dignitas. Num ambiente de extrema frieza, mesmo cruel e asséptico, num pequeno quarto, quase isolado, o suicida toma suas duas poções com sabor de morango ou limão, pode escolher o gosto, perde gradativamente a consciência e morre, para ser logo depois incinerado e suas cinzas serem jogadas num lago ou rio suíço.
Algumas Horas de Primavera tem como tema as difíceis relações entre a mãe idosa e seu filho único de 48 anos, recém-saído da prisão e desempregado, que volta a morar com ela por falta de recursos. A incomunicabilidade total entre ambos reforça o desejo da velha senhora de por fim à vida, ao receber a confirmação de um câncer no cérebro.
Algumas Horas de Primavera tem como tema as difíceis relações entre a mãe idosa e seu filho único de 48 anos, recém-saído da prisão e desempregado, que volta a morar com ela por falta de recursos. A incomunicabilidade total entre ambos reforça o desejo da velha senhora de por fim à vida, ao receber a confirmação de um câncer no cérebro.
Ao contrário de outros países latinos e dos países árabes, a cultura francesa privilegia a independência e a fragmentação familiar, com o hábito dos filhos irem viver sós ao chegarem a maioridade. O resultado dessa separação pode repercutir na época da velhice dos pais, praticamente abandonados pelos filhos sem vínculo familiar. É grande o número de idosos vivendo sós na França, sem contato com filhos e netos, em estado latente de depressão, presas fáceis para se desfazerem da vida pela eutanásia.
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Rui Martins* (Direto do Festival Internacional de Cinema de Locarno, Suíça - convidado), jornalista, escrtitor, ex-correspondente do Estadão e da CBN, após exílio na França. Autor do livro “O Dinheiro Sujo da Corrupção”, criou os Brasileirinhos Apátridas e propõe o Estado dos Emigrantes. Vive na Suíça, colabora com os jornais portugueses Público e Expresso, é colunista do site Direto da Redação. Colabora com o Correio do Brasil e com esta nossa Agência Assaz Atroz.
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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons
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