Fernando Soares Campos
Caruaru é a maior cidade do interior de Pernambuco, conhecida como
Capital do Agreste, terra da feira que “faz gosto a gente vê, de tudo que há no
mundo, nela tem pra vendê”, conforme cantava Luiz Gonzaga. Mas o que pouca
gente sabe é que em Caruaru também tem pelo menos um psiquiatra bageguiano ― adepto dos métodos gauchescos
do analista de Bagé, com adaptações aos costumes nordestinos. Ele recebe a
clientela trajado de gibão, alpercatas e chapéu de couro. Em vez de divã, tem
uma rede rosa-shocking instalada no consultório, na qual os pacientes se
deitam, desfiam queixumes e resenham seus pecados.
Outro dia, o filho de respeitado coronel midiático entrou no consultório
aparentemente avexado, com as mãos nos bolsos, talvez para dissimular o
nervosismo. Mas não passou despercebido pelo tarimbado terapeuta.
―
Que foi que aconteceu, cabra? Parece que viu lobisomem!
―
Não é nada não, doutor. Já faz muito tempo que eu queria falar com o senhor...
Mas tava evitando, porque dizem que só vem aqui quem tá com o miolo mole...
―
Nada disso, meu jovem. O que mais atendo aqui é cabeça-dura.
―
Apois eu quero me consultar.
―
Então, deite aí na rede e desembuche.
―
Deitar?! Precisa isso?!
―Sim,
que é pra você relaxar e liberar a alma do cabresto.
O
rapaz deitou-se, mas manteve as mãos nos bolsos.
―
Por que não tira as mãos dos bolsos?
―
É que o ar condicionado tá fazendo muito frio...
―
Acho que você tá é com medo de desmunhecar na minha frente.
―
Hein?!
―
Deixa pra lá. Vamos ao que interessa. O que foi que trouxe você aqui?
Que bicho te mordeu?
―
Num é nada demais não, doutor. É que ando cismado comigo mesmo... ―
ficou meio alheado, olhando para o teto.
―
Continue.
―
De repente, perdi o interesse por quase tudo: parei de andar com os
amigos de sempre, larguei a namorada e até deixei de assistir televisão, coisa que
eu gostava muito... ― continuou com olhar fixo no teto.
―
Bom, parar de andar com amigos e largar a namorada, a gente até que entende, não
parece coisa tão grave. Mas deixar de assistir televisão é um tanto esquisito,
preocupante. Isso, sim, pode indicar um comportamento anormal. Tem alguma ideia
dos motivos que levarem você e se comportar assim?
―
Sei não, doutor, sei não... ― pensou um
pouco e concluiu: ― Acho que deve ser por causa dessa campanha toda que tão fazendo contra nós...
―
Nós, quem?! De que campanha você tá falando?
O
jovem mexeu-se inquieto, e a rede balançou suave.
―
Dessa que diz que ninguém pode mais nem dar umas porradas num boiola. Toda hora
tem alguém na tevê dizendo que a gente tem que parar com o preconceito, com a
violência contra os gays, essas coisas. Isso aperreia a gente.
―
Peraí! Na verdade, isso quer dizer que você é homofóbico.
―
Chame como quiser. Só sei que não gosto de baitola. Tenho raiva de pirobo.
―
Nesse caso, você procurou a pessoa certa. Homofobia é doença, precisa ser
tratada. Aliás, qualquer fobia é sinal de neurose e pode evoluir para uma
psicose.
―
Num é nada disso, doutor! Doença mesmo é boiolice. Doente é quem queima a rosca.
― Mas homofobia é veadagem enrustida, cabra!
―
Como assim?! O senhor tá me chamando de viado?
―
Não, porque acho que você ainda não deu... Entende?
―
Nem dei nem pretendo dar.
―
Aí é que tá o problema: você reprime o seu impulso homossexual, não tem coragem
de se revelar, por isso descarrega nas pessoas assumidas. Inveja dos ânus
libérrimos. Sacou?
O
terapeuta se levantou, foi até a estante, pegou uma garrafa contendo uma
beberagem, encheu uma caneca e se aproximou do paciente.
―Isso
aqui é uma garrafada que inventei com ervas da caatinga, uma verdadeira
panaceia: amansa corno brabo, mulher arengueira e biriteiro valentão, entre
outras serventias. Só não cura político corrupto, que esse aí não tem mais
jeito. Acho que vai resolver seu problema. Tome.
O
rapaz ficou meio cabreiro, mas pegou a caneca e bebeu devagar. Fechou os olhos,
parecendo meditar. Súbito, saltou da rede, agarrou o psiquiatra de Caruaru pelo
guarda-peito do gibão, sacudiu o homem violentamente, fazendo o chapéu de couro
voar longe, e gritou histérico:
―
Agora me bate! Me cospe! Me joga na parede! Me chama de lagartixa!
Empurrou
o terapeuta cabra da peste, que se estatelou no chão. Saiu disparado. Na porta,
ouviu o psiquiatra lhe perguntar:
―
Não vai pagar a consulta?
―
Pagar?! Que pagar que nada, eu vou é processar você e pedir indenização por
danos morais.
―
Como assim? Baseado em quê?
O
ex-machão pôs as mãos nos quadris, respirou fundo, sacudiu a cabeça para os
lados e respondeu:
―
É proibido tratar bichice como doença, e você tratou um homofóbico, que, como
você mesmo diz, é um viado enrustido. Agora liberei de vez. Morou?!
Um comentário:
Caro Fernando, acho que estão usando esta "garrafada" nesses "chemtrails", estes rastros químicos que, dia e noite, sujam os céus do planeta para "(neo)geoengenharia" da escravização do que restar da genocida depopulação... Obedientes eunucos "for ever"...
Aquele fraterno abraço. Sinto muito, sou grato.
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