domingo, 24 de maio de 2009

O petróleo é nosso, meu!




A gente vê com os olhos que Deus nos deu e a terra há de comer,
mas enxerga com a alma que o diabo tem autoridade para prender.



O senador zapeava seu telecinevisor de 52”, imagem digital de última geração. Na mão direita, o controle remoto; na esquerda, fino scotch em finíssimo copo de cristal; na bunda, couro lustrado de bisão abafando os flatos. Cansado de procurar alguma coisa que valesse a pena assistir, o senador parou de clicar o controle e deixou rolar na tela um comercial da Petrobras, no qual um frentista da BR Distribuidora convida um freguês a conferir a tecnologia da empresa espiando através do duto de abastecimento do tanque de combustível de um carro. O cliente se inclina e olha pelo bocal. Surgem imagens de laboratórios, plataformas offshore, plantas petroquímicas, técnicos e trabalhadores em geral em atividade.

Delirando sob o efeito das doses de scotch e de alguns papelotes que cafungara, o senador saltou bruscamente do sofá e se pôs a ziguezaguear pela sala vociferando colérico:

– O apedeuta está enganando o povo! Isso é enganação! Propaganda enganosa! Marketing eleitoreiro!

O fleumático mordomo se aproxima e tenta acalmar o patrão:

– Tranquilize-se, Sirrr... Lembre-se do seu colesterol, tenha calma, excelência...
– Calma?! Como posso ficar tranquilo diante de tão ardiloso embuste?!
– Do que vossa excelência está falando?
– Não lhe interessa, seu pachorrento! Avise ao motorista que vou sair.
– Sim, meu amo, já estou indo... – diz o mordomo deixando a sala.

Minutos depois o senador entra na limusine blindada.

– Pra onde vamos, excelência? – pergunta o motorista.
– Toca para o posto BR mais próximo.
– Mas eu já abasteci o carro hoje, senhor...
– Não lhe perguntei nada, dei apenas uma ordem!
– Perdão, excelência...

Chegando a um posto de bandeira BR, o motorista estacionou ao lado de uma das bombas e, atendendo orientação do senador, mandou completar o tanque.

Durante o trajeto, o senador havia cheirado mais um papelote e bebericado seu scotch preferido. Sua mente atingiu um pico de devaneio somente experimentado no dia em que, discursando na tribuna do Senado, ameaçou dar uma surra no presidente da República.

Concluído o abastecimento, o frentista se preparava para colocar a tampa no bocal do tanque, o senador saiu do carro e ordenou:

– Segura aí, ô da bomba, quero dar uma espiadinha nesse fosso...

“?!”, “!?”, pensaram o motorista e o frentista.

Com o olho colado no bocal do tanque, o senador sentiu a limusine tremer... Alucinante espetáculo projetou-se em sua mente: gigantesco meteoro se choca contra a Terra provocando catastrófico terremoto de amplitude global e abrindo gigantesca cratera, pela qual manadas de dinossauros vão sendo tragadas! Ele vê terópodes, saurópodes, anquilossauros, estegossauros, ceratopsídeos, ornitópodes, paquicefalossauros, enfim, todas as jurássicas famílias que se pode encontrar na Wikipédia, despencando no rombo provocado pelo asteroide na crosta terrestre. Sob efeitos especiais e ao som de “Abertura 1812”, de Tchaikovsky, que serve de trilha sonora para o alucinogênico flashback do senador, em câmera lenta as monstruosas criaturas vão se contorcendo e derretendo, como numa surrealista pintura de Salvador Dali, até se transformarem em viscosa substância hidrocarbônica...

Súbito, o senador se ergue e urra qual jurássico animal feroz:

– Incrível! Fantástico! Extraordinário!

O frentista fala para o motorista:

– É isso aí, companheiro, o petróleo é nosso, meu!

Ao que o alucinado senador rebate:

– Nosso?! Muito mais que isso, seu protegido do apedeuta! – batendo no peito, berra a plenos pulmões: – O petróleo somos nós!

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