“HAPPY BIRTHDAY TO YOU, MISTER PRESIDENT”
(a apaixonante e difícil missão de presidir o país do absurdo)
Raul Longo
Entoou a voz lânguida de Marilyn Monroe para John F. Kennedy na sede do Partido Democrático. Sensualíssima, a bela se metera num vestido que foi descrito como de pele e pérolas. "Só que não vi as pérolas" – confessou o relator.
Kennedy considerou que já poderia abandonar a política: "...depois de ter ouvido este feliz aniversário cantado para mim de modo tão doce e encantador”. Evidente, mera galanteria, mas em meu ciúme de ainda menino, considerei a fala daquele presidente de uma irresponsabilidade absurda.
Não consegui atinar em como conquistar e salvar Marylin daquela terra de malucos, e ela acabou sendo encontrada morta em agosto de 1962. Meu ciúme e desolação não chegariam a tanto, mas alguém assassinou John Kennedy em novembro do ano seguinte, confirmando minha má impressão daquele país.
No entanto, venho mudando de opinião, estimulado por alguns comentários ao Presidente do Brasil por ocasião de seu aniversário.
Claro que não terá uma Marilyn Monroe para cantar “Parabéns a Você”, afinal seria ridículo qualquer tentativa de reprodução do glamour hollywoodiano em festa de aniversário de alguém de origem sertaneja. Embora, em comemorações de anteriores presidentes, se tenha adotado modelos e padrões não só norte-americanos, mas também germânicos, britânicos, franceses, ou dos mais apegados às tradições lusitanas.
No entanto, para um sertanejo pernambucano de origem proletária – lamentam os mais refinados intelectuais – não há escola literária ou movimento de belas-artes que combine. Afinal, o que combinaria com os padrões culturais brasileiros?
Talvez responda Zé Celso Martinez Correa, que recente lançou abaixo assinado por um terceiro mandato do Lula. Zé Celso provavelmente terá justificado numa apresentação de espetáculo, um grito de “Parabéns, Presidente!”
Aliás, dois! Por si e pelo Augusto Boal, que há pouco saiu de cena, mas sempre assumiu o palco para apoiar abertamente ao Lula.
Boal do Teatro do Oprimido e Zé Celso do TBC, os mais revolucionários e criativos dramaturgos nacionais que influenciam tantos grupos e movimentos de todo o mundo, sobretudo na Europa, embora não sejam tão conspícuos quanto aos quais Lula se faz intragável boçal de tão incultamente sertanejo e proletariamente presidente.
Por mais que Gilberto Gil tenha berrado contra o conceito de que negro só poderia cantar samba, entende-se, nesse negócio de proletário trocar macacão de mecânico por paletó de presidente, absoluta falta de ética. Afinal, as máquinas não podem parar!
Só pra arrematar o assunto do teatro, antes de entrar na MPB, relembremos Máximo Gorki ao classificar a ética como propriedade pequeno-burguesa.
Qual a ética da fome? Será a de que todos são iguais perante Deus? Se for, então Jesus continuará aliado ao apóstolo Judas, como o foi até o desfecho da lenda bíblica! E, sobre aquele que repete a negação, assentará a pedra da propagação de idéias não corrompidas pelos fariseus que, atrás das togas da mentira, protegem os que, há décadas de nefasto reinado carlista, assoreiam e degradam 1850 m3/s de vazão do São Francisco, dos quais se captará 1,4%.
Míseros 1,4% de 1.850 m3 de água por segundo, que, atendendo 12 milhões de pessoas, obrigará o comprometimento de futuros governos pela revitalização do rio contra os interesses de mineradores, pecuaristas e agro-empresários a explorar a miséria dos interiores da Bahia. Não nas sedentas terras de Paraíba, Pernambuco, Ceará, onde não há nada além de Vidas Secas e sertões delirando em virar mar.
Fariseus de batina e fácil mentira que invertem todas as histórias de Judéia, Cariri e Cocorobó! Que ricos empreendedores são esses a serem beneficiados pela transposição de água para onde só há miséria e fome? Se houvessem grandes agronegócios, pra que transposição? A que terras pastoreiam esses prelados de tão limitadas paróquias?
É Deus ou é o Diabo na Terra do Sol?
Já entre as 906 mil famílias de sertanejos do Nordeste e de outras regiões, os quais estão retornando aos seus rincões, trazidos pelo Programa Luz para Todos, por certo existirão aquelas que, ao ligar a bomba do poço para aguar a lavoura ou dar de beber à criação, mandarão lá um “Parabéns, Presidente!”
Mas a pergunta ainda persiste: o que combina com os padrões culturais de um proletário do ABC? O que sabe ele da luta comunista? Quantas vezes leu Marx? Comunista é quem defende o proletariado e o proletário que se mantenha no papel de proletário, pois as máquinas não podem parar!
Certo que alguns comunistas como Oscar Niemeyer haverão de dar parabéns ao "companheiro Presidente!”. Mas Niemeyer está com mais de 100 anos, e nessa idade se combina com qualquer coisa. Afora isso, qual outra expressão intelectual, outra manifestação de inteligência, outra arte ou cultura combinará com o matuto?
Para a irmã da saudosa Nara Leão, não há nada mais ridículo do que o Presidente brasileiro e esposa comemorarem festas juninas vestidos de caipira! Sem dúvida, discípula do ex-presidente que xingava todos os brasileiros de caipira, Danuza também não combina com Lula, que melhor se afinaria com a doce Nara cantando os amargores do povo: “podem me prender, podem me bater, que eu não mudo de opinião”.
Nara não cantaria “Parabéns, Presidente” no mesmo estilo sensual da Marylin, mas tinha joelhos lindos e quando surgiu ao lado do Chico Buarque foi outra de minhas paixões. Do Chico não fiquei com ciúme. Como diz o Ruy Fernando Barbosa, não dá pra ter ciúmes do Chico Buarque, pois que, se mulheres fóssemos, também iríamos querer namorá-lo.
Na verdade, não sei se o Chico namorou a Nara (e, se não o fez, aí sim me dá raiva), mas evidente que mandou seu “Parabéns, Presidente” ao velho amigo de pelada.
Ainda assim, além da Danuza muita gente preferiria que o casal da Granja do Torto festejasse o Halloween, a Ação de Graças, ou coisa parecida. Mas, mesmo quando Lula tenta comemorar outras culturas que também compõe o universo brasileiro, se dá mal. Como quando tentou saudar: “Prost!”, levantando uma caneca de chopp na Oktoberfest da germânica Blumenau.
Larry Rother, o jornalista que se esforçou para denegrir o Brasil pelo New York Times usando a foto do brinde com caneca de chopp na festa do chopp, virou herói para os inconformados com o sertanejo. Como sou experiente em dores de cotovelo, entendi o despeito do Larry em razão do alcoolismo do texano Bush. Mas é a aversão de certos brasileiros, essa repulsa compulsiva ao Lula, que me faz compreender os norte-americanos como muito mais normais do eu pensava.
Fico imaginando, se o Obama conseguir tirar os Estados Unidos da situação em que está, como Lula nos tirou da situação em que estávamos em 2002, quais os motivos daqueles que ainda rejeitarão Obama como aqui alguns rejeitam Lula? É verdade que são apenas 20% ou nem isso, mas os sucessos destes sete anos de governo são tão significativos que preocupa. Teremos tantos maníaco-depressivos assim? Tantos complexados? Tamanha dificuldade de auto-estima?
Tom Jobim diria que acabei de usar a palavra-chave: sucesso. Como dizia o Maestro, no Brasil o sucesso do outro é sempre uma ofensa pessoal. Será isso? Se for, que fazer? Não há como impedir o reconhecimento da imprensa e das mais respeitáveis instituições internacionais, nem de intelectuais e estadistas de todas as linhas e ideologias, mais à esquerda ou à direita, desta ou daquela escola, que dão parabéns ao Presidente!
Sem discordar totalmente do Maestro Soberano, deduzo haver no caso do Lula séria agravante. Acontece que, por mais que admiremos e nos aprofundemos na refinada cultura européia, não passamos de seu verniz, não a adentramos além da película da forma. Não descobrimos num Plínio Marcos, por exemplo, o que um Sartre ou uma de Beauvoir encontraram num Jean Genet.
Será que nos falta suficiente humanismo para entender a importância de crianças na escola? Do controle preventivo de saúde que reduziu a mortalidade infantil? O que nos falta, para tanto condenarmos o programa Bolsa Família como demagogia eleitoreira?
Cheguei imaginar que seria mera mesquinharia, mas depois do jornal O Estado de São Paulo noticiar um ganho tributário de 70% acima dos benefícios pagos e que entre 2005-2006 o investimento de R$ 1,8 bilhão na dita “esmola” promoveu crescimento adicional no PIB de R$ 43,1 bilhões, concluo que nem mesmo chega a ser mesquinha a aversão.
Ainda assim, não será de ninguém dos Mesquitas ou outros empedernidos anti-lulistas que se ouvirá algum cumprimento ao aniversariante, pois não se comoverão com o desfiliamento ao programa de cerca de 40 milhões de pessoas que ascenderam à condição de classe média. Desses, sim, Lula certamente receberá um “Parabéns, Presidente!”, mas minha bela e ingênua Marilyn deveria ter percebido melhor os corações dos homens que ansiaram sua pele sem perceber suas pérolas.
Hoje, eu mesmo posso reconhecer que minha adolescente paixão também era onanista, tanto quanto o racismo ao negro Obama ou os preconceitos ao sertanejo proletário. Mas ainda não sei explicar ou evitar a solidão que levou Marilyn Monroe à overdose de barbitúricos. Talvez alguém, entre os tantos milhões desses países do absurdo, um dia conseguia ver as pérolas além da pele sob os vestidos de apaixonantes Marylins loiras, negras ou morenas.
Raul Longo
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Raul Longo, jornalista, escritor e pousadeiro, é colaborador desta nossa Agência Assaz Atroz
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