quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Arnaldo Carrilho: "Embargos e sanções atingem somente as multidões dos países embargados e sancionados"

O Embaixador Arnaldo Carrilho(*), leitor assíduo desta nossa Agência Assaz Atroz, nos autorizou a publicação de seus esclarecedores comentários ao artigo “Os 60 anos da revolução chinesa”, de Aldo Rebelo, publicado no jornal Folha de S. Paulo.

Arnaldo Carrilho

Pois estou na China – olhem só o privilégio – onde vim para exames médicos, faz quatro dias. A saúde está meio assim-assim, e as condições médicas e farmacológicas de Pionguiangue não permitem atendimento adequado, em razão do assédio-cerco do embargo estadunidense e das sanções onuseanas à RPDC [República Popular Democrática da Coreia].

Estou, como sempre, com o presidente Lula e o chanceler Celso Amorim: embargos e sanções não servem aos objetivos estratégicos das grandes potências e atingem somente as multidões dos países embargados e sancionados.

Elas reagem de formas diversas às repressões: na RPDC, onde faltam tantas coisas, a começar pela eletricidade, interrompida a qualquer momento, mesmo no bairro diplomático. Os coreanos atribuem ao imperialismo essa grande deficiência. Os meios de transporte público, com ônibus e bondes aos pedaços, importados dos membros do Comecon-Pacto de Varsóvia antes de 1989, assim se apresentam por causa do imperialismo.

A inexistência de elevadores em funcionamento em edifícios de mais de quatro andares (a maioria dos residenciais têm 10 a 12) é também atribuída ao imperialismo, assim como o racionamento alimentar, equivalente a 200 gramas de arroz a cada refeição por habitante adulto (a mesa das crianças é mais farta, e há leite para todas).

O pior é que é mesmo, mas, tal como em Cuba, na RPDC mais ainda, a multidão se une mais vigorosamente, a solidariedade é mais intensa ainda. Importante frisar que, nos dois países citados, os regimes se mantêm intactos, e não houve meios de derrubá-los por ataques armados e punições sancionais.

Pois bem, hoje não é dia de Coreia, país que perderia 2,6 milhões de habitantes em 1950-53, dos 11 totais, mas da China.

Pena que a Net e a Sky brasileiras, por causa do seu dono, o ex-australiano Rupert Murdoch, que jamais admitiria a retransmissão de emissoras como a Al-Jazeera ou as 11 CCTVs, dentre outras, como a SBS e a PBS, exemplos do que não temos nem conhecemos ainda, TVs públicas verdadeiras, a australiana mais que a estadunidense.

Pena porque vocês não estão vendo ao que agora assisto, às 07h00 pequinenses, i.e., à chegada do povão aos locais da grande parada comemorativa, organizadíssima, e às providências em ato.

Já em 1999, a festa do cinquentenário fora supimpa, bem me recordo, Tianamen embandeirada, à espera do então presidente Tsiang Tese-Min (Jiang Zemin, em Pinnyn), que, secretário geral do PCC e dirigente das Forças Armados, abriria o desfile militar-cultural. Hoje toca ao seu sucessor, Hu Tchin-Dao (Jintao, na mesma convenção gráfica, de que não gosto, porque muda a prosódia da língua de seis mil anos, da mais antiga civilização sobrevivente).

A propósito disso, convém recordar que Marx não acreditava em países como a China e a Índia, muito menos nos mexicanos, em guerra contra os EUA.

Seguindo a equivocada visão de Hegel, considerava-os nações-mortas, relegadas a camadas peleontológicas irreversíveis, logo, incompetentes para conscientizarem a luta de classes, estopim das mudanças.

Na índia, por exemplo, favorecia o braço-branco dos colonizadores; eles, sim, aptos para introduzir o conceito revolucionário.

A China seria um caso perdido, pois entorpecida pela droga (ópio), introduzida pela Grã-Bretanha, que a transportava em fardos desde a Birmânia, por sinal, causadora de duas guerras contra o Império do Meio, de que Hong Kong foi testemunho, o enclave Hong kong, até 1997.

Quanto aos mexicanos, coitados, foram apenas mal qualificados pela mundividência europeicêntrico-industrialista do autor de A Ideologia Alemã [Die Deutsche Ideologie, Marx e Engels].

Pois a China está aí, emergida do atraso secular em que se encontrava, potência mundial que jamais invadiu ou ocupou qualquer país. Não me venham com o caso do Tibet, porque esta é outra história, porque já estava na China, antes de 1949. O que hoje se comemora – permito-me discordar do amigo Aldo e de muitos – não é sexagésimo aniversário da Revolução, mas o da Proclamação da RPC (República Popular da China). A Revolução da China explodiu em 1921, nas mãos do cantonense Sun Ia-Tsen, por sinal, casado com uma das irmãs de Mme Tchiang Kai-Chek e da ex-co-presidente da China Popular.

Vale a pena ler sobre as três riquíssimas irmãs Sung (ou Soong, em grafia inglesa), mulheres decisivas na História da China no século XX.

Os que tiverem meios, nessa noite de primavera brasileira, aguentem mais um pouco, que o desfile comemorativo vai começar.

Abraços do
Arnaldo Carrilho

P.S.: Uma de minhas vaidades foi o fato de ver artigos meus publicados no JB, por mais de cinco anos, sobre uma China em que raros no Brasil acreditavam. Evidente, por cinco anos (1991-96), residi em Hong Kong, logo, num ponto vantajoso de observação.

N.B.: Na esquerda e direita brasileiras, os ocidentalistas continuam a só fazer restrições à China, que criou seu próprio modelo, que não é o nosso, evidente.


(*) O Embaixador Arnaldo Carrilho teve sua carreira iniciada em 1962. Recentemente entregou credenciais ao governo de Kim Jong, passando a exercer as funções inerentes ao cargo de embaixador do Brasil na Coreia do Norte, depois de ter representado nosso país, entre 2006 e 2007, na Cisjordânia controlada pela Autoridade Nacional Palestina. Já serviu em 14 países, passou 10 anos em postos na Europa e outros 12 em países árabes, China e Tailândia. Arnaldo Carrilho já inaugurou embaixadas brasileiras na Arábia Saudita e Alemanha Oriental e foi designado como Embaixador Extraordinário junto à Cúpula América do Sul-Países Árabes, que aconteceu em 2008.

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Os 60 anos da revolução chinesa

ALDO REBELO

A CHINA celebra amanhã, 1º de outubro, os 60 anos da revolução que mudou a história dessa grande nação asiática e influencia de forma decisiva as estratégias geopolíticas e econômicas da atualidade.

Hoje, a contribuição da China para o crescimento mundial é superior à dos EUA e sua economia é considerada mais aberta que a do Japão pelos padrões internacionais. E, se podemos dizer que a China de economia agrária corresponde a um país de passado remoto, vale dizer também que a China dos produtos de baixo valor agregado já pertence ao passado recente, uma vez que se amplia a presença de mercadorias de alta tecnologia na pauta de exportações chinesas.

O Brasil restabeleceu relações diplomáticas com a China em 1975. A aproximação entre os dois países foi intensificada nos governos dos presidentes Fernando Henrique e Lula.

Hoje, a China é o principal destino das exportações brasileiras, superando os EUA, e os dois países fabricam juntos satélites e aviões. A ausência de "contenciosos históricos", como disse o presidente Lula, permite ampla área de cooperação entre as duas nações, da economia à diplomacia.

O que chama a atenção na revolução chinesa de 1949 é o fato de a construção da nova China ter se dado sobre base econômica extremamente atrasada, o que tornou desafios e conquistas ainda mais surpreendentes. Nos anos que precederam a conquista do poder pelo Partido Comunista, a atividade industrial moderna representava 10% da produção nacional, contra 90% da agricultura e da indústria artesanal. Era uma base "pobre e inexpressiva", como costumam definir os próprios chineses.

A reforma agrária posta em marcha pelo governo revolucionário golpeou a estrutura feudal e dos senhores da guerra e liberou a força produtiva de 300 milhões de camponeses, que puderam ter acesso à terra e dedicar-se com entusiasmo à produção.

O Estado aboliu oficialmente atividades consideradas degradantes, como a dos eunucos e a das concubinas, e desenvolveu campanha contra o comércio e o uso do ópio. Em 1952, a produção industrial chinesa já havia aumentado 77,6% em relação a 1949, ano da revolução. Os salários dos trabalhadores tiveram ganho de 70%, e a renda dos agricultores, um aumento de 30% em relação ao período anterior.

A partir daí, a China conheceu uma fase de turbulências marcada por dois movimentos: o primeiro, o Grande Salto à Frente, de caráter voluntarista, buscava alcançar resultados econômicos acima das possibilidades reais e das condições do país. A economia chinesa declinou rapidamente por três anos consecutivos, e o povo viu-se ante grandes dificuldades.

O segundo equívoco recebeu o nome de Grande Revolução Cultural. De traço subjetivista, afetou seriamente o entusiasmo popular na construção nacional, prejudicou a democracia socialista e o equilíbrio da vida social e política. Após dez anos da Revolução Cultural, a economia chinesa estava, em 1976, à beira do colapso. Vistos em perspectiva, esses 60 anos da nova China podem ser divididos em duas grandes etapas.

A que vai de 1949 a 1978, de refundação do Estado e consolidação da independência nacional, de superação do atraso econômico e social e da construção da unidade do povo e do país. Um período muito difícil: tratava-se de modernizar uma sociedade marcada pelo atraso e por desequilíbrios seculares. A grande figura desse período foi o líder maior da transição revolucionária, Mao Tse-tung.

A segunda etapa vai de 1978 aos nossos dias. Período de reformas e abertura. Nessa etapa, a China realizou ampla mudança no campo e nas cidades e nos diferentes setores da economia. Os grandes acontecimentos que marcaram essa fase foram as decisões da terceira sessão plenária do 11º Comitê Central, em 1978, e a fala de Deng Xiaoping aos líderes de Shenzhen, em 1992, quando propôs a busca de um novo caminho do socialismo com características chinesas, a economia socialista de mercado.

Antes de mudar os rumos da China, a direção chinesa mudou o pensamento do Partido Comunista. Adotou como orientação a centralidade da questão nacional, o desenvolvimento da indústria e da agricultura e a elevação do bem-estar do seu povo. O fundamental é a defesa da independência e da unidade da nação e do povo.

É paradoxal que o mais poderoso partido comunista enalteça a unidade do país e do povo, enquanto ONGs e lideranças pretensamente marxistas do Terceiro Mundo valorizam a fragmentação de seus povos a partir da exaltação de subdivisões étnicas e raciais de suas sociedades.


ALDO REBELO , 53, jornalista, é deputado federal pelo PC do B-SP SP e presidente do Grupo Parlamentar Brasil-China. Foi presidente da Câmara dos Deputados e ministro-chefe da Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais (2004).

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz3009200908.htm

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PressAA


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