domingo, 7 de outubro de 2012

OS CANDIDATOS VIRA-CASACA

.


Preciso acreditar, para não perder a fé na luta política, que a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB), candidata à prefeitura de Manaus, pelo menos colocou a mão para trás e fez uma figa escondida, quando ouviu na última quarta feira o pastor Jônatas Câmara berrar, num culto de descapirotização da Assembleia de Deus realizado na capital amazonense:
- Sai, demônio, deste corpo imundo!!!
O pastor não prega prego sem estopa. E agora ele pregou, com muita estopa, a favor da criminalização do aborto, xingou os gays - que ele crê estarem possuídos pelo capiroto - e se pronunciou contra o projeto que torna crime a homofobia e a discriminação de orientação sexual. Quem registrou o fato foi o jornal O Globo (05/10), em matéria intitulada "Manaus: comunista pede apoio a evangélicos da Assembleia de Deus. Candidata participa de reunião-culto com ataques a gays e ao aborto".
É que a senadora Vanessa atuou num culto político de descarrego, ao lado do pastor, e não fez figa, mas ao contrário, enquanto ele condenava a aliança do capeta com os homossexuais, "a candidata do PCdoB assentia com a cabeça e aplaudia", conforme conta Fernanda Krakovics, que assina a matéria.
Não posso acreditar no que leio. Conheço Vanessa por quem tenho sincera simpatia, há mais de 35 anos acompanho sua trajetória de luta em favor da diversidade e contra a discriminação, outro dia mesmo ela defendia a tramitação urgente do PLC 122/06, agora parada, que torna crime a homofobia. Por isso, procuro algum indício de que se trata de um equívoco da jornalista, espero um desmentido, mas a informação final não deixa lugar à esperança:
"Ao receber o apoio da Assembleia de Deus, no início da campanha, Vanessa assinou uma carta afirmando que é contra o aborto e que não votará a favor de artigos que contrariam a igreja no projeto de criminalização da homofobia".
Ou seja, se a carta existe - e a carta existe - a senadora Vanessa Grazziotin, negando os princípios que constituem sua história de vida, virou casaca em troca do voto dos evangélicos que, de acordo com o Censo 2010, constituem 35,5% da população de Manaus. A sessão de descarrego era para descarregar os votos nela. O pastor festeja o fato de não existir qualquer prova do compromisso da candidata com o Projeto de Lei Complementar que criminaliza a homofobia. Dirige-se a ela:
- Estou enojado com essa porcaria desse PLC 122. Diziam que você era o demônio, mas não apareceu nenhum vídeo contra você.


O pastor tenta, desta forma, com a anuência da senadora, apagar o passado de luta dela, que constitui um incômodo, um obstáculo para o voto dos evangélicos. A questão que se impõe é saber até que ponto tal operação se justifica eticamente, ou seja, se é válido fazer qualquer tipo de aliança para ganhar votos. Quando Vanessa declara que é contra a descriminalização do aborto, ela está falando no que acredita e, neste caso, virou casaca, ou está apenas enrolando o pastor? A quem está enganando: aos evangélicos? A nós? Ou a ela mesma, à sua biografia?   
Quando você finge concordar com teses homofóbicas por razões eleitoreiras, quem ganha com isso? A candidata ou os obscurantistas? Esses últimos já podem celebrar a vitória, antes mesmo da abertura das urnas. Suas teses foram vitoriosas. O outro lado depôs as armas e virou casaca.
E aí? Como ficam as pessoas que admiram a história de Vanessa e que se sentem derrotadas com essa virada de casaca? No meu caso, tenho publicado nos últimos trinta anos na imprensa amazonense mais de vinte artigos apoiando a senadora, desde quando era vereadora. Alguns amigos meus, que já decidiram que vão votar no Serafim ou no Arthur, estão me cobrando isso e eu não sei o que dizer. Cordialidade entre adversários históricos, tudo bem, mas promiscuidade? 
Não existe a lei da Ficha Limpa? Pois é! O Supremo Tribunal Federal declarou constitucional, em fevereiro de 2012, essa lei que surgiu da iniciativa popular e impede a candidatura de políticos com condenação judicial. Ela já está em vigor, nesta eleição, em que 140 milhões de eleitores vão escolher prefeitos e vereadores de mais de 5.500 municípios. Devia haver, não uma lei, mas um princípio ético, que barrasse a candidatura dos vira-casaca.
P.S. - Sobre os candidatos, incluindo Sabino Podrão, ver crônicas anteriores:
01. Quem deu o coice na Vanessa? - http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=423;
02. Os dois filhos de arigós: Arthur e Felix - http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=564;
03. Manaus, poder e memória - http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=60;
04. Novela eleitoral: o favorito- http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=63;
05. Adeus a um prefeito singular: Serafim Correa - http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=38;
 06. O Dia do julgamento de Sabino Podrão - http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=238

_____________________________________________________________

José Ribamar Bessa FreireDoutor em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2003). É professor da Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-Rio), onde orienta pesquisas de mestrado e doutorado, e professor da UERJ, onde coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas da Faculdade de Educação. Ministra cursos de formação de professores indígenas em diferentes regiões do Brasil, assessorando a produção de material didático. Assina coluna no Diário do Amazonas  e mantém o blog Taqui Pra Ti . Colabora com esta nosssa Agência Assaz Atroz.

_______________________________________________________

Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

_______________________________________________________


PressAA


.


Nenhum comentário: